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Jurisprudência


TRF5 0000658-29.2013.4.05.8201 00006582920134058201

Ementa
Processual Penal. Recursos do demandante e dos demandados em ação criminal na qual a sentença, f. 463-508, condenou todos os acusados pela prática do delito hospedado no art. 90, da Lei 8.666, de 1993, ensejando recurso do demandante, f. 512-521, e, igualmente, dos condenados Laerte Matias de Araújo, f. 541-562; Carlos Alberto Matias, f. 564-587; Antônio Erasmo de Lacerda, f. 589-610; Antônio Veríssimo de Souza Filho, f. 873-914; Carlos Magno Ferreira da Silva, f. 934-976; Lindembergue Souza Silva, f. 996-1041; e, finalmente, Gilson Santiago, f. 1045-1051. Foi levado à turma, como sugestão de voto, o seguinte: O fato, tido como delituoso, na singeleza da r. sentença, os acusados, entre março e abril de 2009, utilizando-se das empresas fictícias Status Construções Ltda., Construtora Miranda Ltda., Sehekinah Projetos e Const. Ltda. e Proest Projetos Estrut. e Const. Ltda., teriam frustrado o elemento concorrencial de licitações realizadas no Município de Montadas, Paraíba, representadas pelas Cartas-Convite 06/2009 e 10/2009, f. 464. Na sua conclusão, a douta decisão em foco apregoa: Demonstrados, pois, à saciedade, a antijuridicidade dos fatos e a culpabilidade dos acusados, que poderiam e deveriam ter agido no sentido de evitar a utilização de empresas pertencentes aos mesmos titulares, coinstituídas apenas do ponto de vista formal, nas licitações Cartas-Convite nº 06/2009 e 10/2009, frustrando-lhes o caráter competitivo e, em consequência, direcionando a adjudicação para as mãos do mesmo grupo, f. 484. Inicialmente, enfrenta-se o rol de preliminares, em número de cinco. A primeira, sob o carimbo de inépcia da inicial acusatória, f. 547-549, f. 570-574, e, enfim, f. 595-597, que, por sinal, já tinha sido enfrentada e rejeitada em primeiro grau, f. 468-469. A inicial não é inepta, contendo, formalmente, todos os elementos exigidos pelo art. 41, do Código de Processo Penal, de modo que não prejudicou a defesa de nenhum dos acusados, em número de sete, preliminar que foi arguida apenas por três, na reiteração dos mesmos argumentos. O mais é a instrução que vai mostrar, até mesmo pela impossibilidade de se ter, no caminho do atribuído delito, todos os detalhes necessários. A segunda, materializada no princípio da identidade física, f. 545-553, f. 574-578, e, enfim, f. 597-601, também não prospera. A mencionada identidade física do juiz, a teor do art. 399, parágrafo 2º, do Código de Processo Penal, ao estatuir que o juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença, deve ser encarada com a relatividade da situação factual, levando em conta que a real possibilidade de um magistrado fazer a instrução e de outro proferir a sentença, situação que se verifica quando o titular está em gozo de férias, ou convocado para substituição de algum magistrado em segundo grau, ocasião em que o substituto comanda a instrução e, com o retorno do titular, cabe a este proferir a sentença. Não há como se aplicar, rigidamente, o disposto no parágrafo 2º, do art. 399, do aludido Código de Processo Penal, sem os temperos da situação factual vivida. Enfim, não se perde de vista que a finalidade do dispositivo é de evitar que um juiz, estranho ao feito, se embaralhe com a situação factual, proferindo sentença sem conexão com os autos, o que, no caso, não ocorreu, de modo que, sem o elemento prejuízo, que norteia toda nulidade, não há como consagrar a preliminar em foco. A terceira preliminar, denominada de ilegitimidade passiva, f. 572-574, se imiscui com o mérito, ante a necessidade de se revolver provas, circunstância que, em nível de preliminar, não se admite. Fica reservado seu exame no momento de enfrentamento do mérito. A quarta preliminar se liga a incompetência da Justiça Federal, f. 886 e 947, já enfrentada em primeiro grau, f. 467-468, sem nenhuma pertinência, regida por um só farol: a competência é da Justiça Federal quando os recursos, repassados pelo ente federal ao ente municipal, reclamam prestação de contas perante o ente que repassa e perante o Tribunal de Contas da União, o que é aqui o caso. Por fim, as nulidades, por violação aos princípios da ampla defesa e contraditório, f. 895, não prospera, primeiro, porque, no campo factual, o acusado-apelante - Antônio Veríssimo de Souza Filho - foi intimado, via seu ilustre procurador, da expedição da carta precatória inquisitória, para acompanhá-la em todos os seus trâmites, o que simboliza a obrigação de diligenciar junto ao juízo deprecado o andamento da referida ordem. Já no que se refere ao fato de ter a r. sentença se calcado em prova emprestada de processo criminal diverso, é matéria que se mistura ao exame do mérito. Rejeitam-se, assim, as preliminares, à exceção da terceira e da parte final da quinta, matérias que passam a fazer parte do mérito. Iniciando o exame do mérito, necessário ressaltar que os fatos, aqui colocados sob o carimbo de infração ao art. 90, da Lei 8.666, já foram examinados pelo mesmo e douto juízo de primeiro grau, sob a capa da Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa, com condenação dos ora acusados-apelantes pela prática da improbidade desenhada no art. 11, caput, e inc. I, da Lei 8.429, de 1992, cf. cópias de f. 915-933, f. 977-995. Os fatos, ali discutidos, se concentram nas Cartas-Convite 6/2009 e 10/2009, merecendo da sentença em foco a citação que se segue: a) durante a gestão do Prefeito Lindembergue Souza Silva, especificamente no ano de 2009, foram deflagradas no Município de Montadas/PB as Cartas-Convite nº 006/2009 e 010/2009. A primeira destinava-se à construção de 12 (doze) casas populares, enquanto a segunda visava à construção de calçamento em avenidas da cidade. Na execução de ambos os objetos foram empregados recursos federais provenientes, respectivamente, dos Contratos de Repasse nº 0225625-01/2007 e 0282155-15/2008; b) integravam a Comissão de Licitação, nos dois certames, os réus Antônio Veríssimo de Souza Filho, Carlos Magno Ferreira da Silva e Gilson Santiago; c) para participar da Carta-Convite nº 006/2009 foram convidadas as empresas Diagonal Construções Ltda., C. M. Construtora Miranda Ltda. e Status Construções Ltda., havendo esta última se sagrado vencedora, com a proposta de R$ 147.614,82 (cento e quarenta e sete mil seiscentos e quatorze reais e oitenta e dois centavos); d) da Carta-Convite nº 010/2009 participaram as empresas Diagonal Construções Ltda., C. M. Construtora Miranda Ltda. e Construtora Mouriah Ltda., está última vencedora do certame, com proposta de R$ 100.755,84 (cem mil setecentos e cinquenta reais e oitenta e quatro centavos); e) conforme restou averiguado pela Polícia Federal no âmbito da "Operação Fachada", as empresas licitantes foram constituídas com o objetivo de fraudar licitações e estavam inseridas em um esquema orquestrado pelos irmãos Laerte Matias de Araujo e Carlos Alberto Matias, do qual também participava Antônio Erasmo de Lacerda; f) os membros da comissão de Licitação, de maneira conveniente e dolosa, cadastraram, convidaram e habilitaram a participar das licitações empresas flagrantemente fantasmas, pertencentes ao mesmo grupo econômico, frustrando o caráter concorrencial dos certames. Enquanto isso, Lindembergue Souza silva, na qualidade de Prefeito municipal, homologou e adjudicou os objetos licitados, f. 977-978. No caso em foco, não se discute os fatos - devidamente comprovados no curso da presente ação, como, ademais, de outra ação penal, a r. sentença prolatada nos autos da Ação Civil Pública por Improbidade Administrativa cita, f. 984-989. O que reclama enfrentamento, de logo, é o real enquadramento da conduta na moldura traçada pelo art. 90, da Lei 8.666. No aspecto, três elementos constitutivos do delito ancorado no referido art. 90: 1º) a frustração ou fraude, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, 2º) do caráter competitivo do procedimento licitatório, 3º) com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação. Examinam-se os fatos, a teor do entendimento esposado na douta decisão recorrida. Revela-se incontroversa a realização da licitação via carta-convite, da forma que a denúncia aponta e a r. sentença consagra, a dispensar estudos e enfoques outros. A douta decisão recorrida destaca a fraude ao processo licitatório em diversos trechos: 1) ... os acusados aderiram, livre e conscientemente, à vontade de manipular o resultado das licitações especificadas, mediante a utilização de empresas fictícias, f. 472; 2) ... oportunidade na qual se firmou convicção acerca da atuação deliberada dos réus com vistas à fraude de licitações por meio da utilização das empresas supra mencionadas, além de outras também por eles administradas, f. 472; 3) ... constituem importantes elementos de convicção acerca do intuito fraudatório dos demandantes, ... , f. 472-473; 4) O depoimento revela que o intuito era sempre o mesmo: regularizar esse leque de empresas para figurar em licitações, nas mãos do acusado e de seu grupo, f. 473; 5) Evidenciado, pois, o dolo de frustrar o caráter concorrencial da licitação, f. 478; 6) ... frustrando-se, pois, o caráter concorrencial dos certames (artigo 90 da Lei n.8.666/93), f. 478; 7) ... o que representa forte indício de que a escolha foi levada a efeito com o fim de impossibilitar a concorrência, eis que foram convidadas empresas pertencentes ao mesmo grupo, f. 480; 8) Em consequência, o esquema articulado, tanto por envolver empresas de fachada, quanto por integrarem tais empresas o mesmo grupo econômico, resultou em fraude às licitações, com a inviabilização do seu caráter competitivo e violação direta aos princípios administrativos da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência, dentre outros, f. 482; 9) ... os acusados demonstraram intenso dolo em frustrar seu caráter concorrencial, cometendo, pois, o crime tipificado no artigo 90 da Lei nº 8.666/93, f. 482; 10) ... frustrando-lhes o caráter competitivo e, em consequência, direcionando a adjudicação para as mãos do mesmo grupo, f. 484. Dois elementos do delito em apreço se encontram devidamente presentes. Falta o terceiro, justamente, o benefício perseguido, que, a teor do final do art. 90, simboliza o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação. Esta não mereceu a menor referência e demonstração. Qual, afinal, a vantagem obtida? Antes de mais nada, a observação colhida na sentença, prolatada nos autos de ação de improbidade administrativa, já referida, do seguinte teor: 26. Inicialmente, cabe observar que a pretensão ministerial se volta para a suposta ocorrência de fraudes a licitações no Município de Montadas/PB. Não foram narrados quaisquer atos de desvio de verbas públicas, enriquecimento ilícito dos réus ou inexecução das obras licitadas. Em consequência, o julgamento desta lide encontra limites objetivos nas supostas fraudes às Cartas-Convite nº 006/20009 e 010/2009, deles não podendo distanciar este Magistrado, sob pena de violação ao princípio da congruência das decisões judiciais, positivado no art. 460 do Código de Processo Civil, f. 918. As obras, aliás, são as retratadas pelas fotos de f. 410 a 413, reproduzidas, f. 457 a 460, trazidas por um dos acusados. Não há nos autos, nem nos quatro apensos, nada, exclusivamente nada, relativo às duas obras objetos dos dois procedimentos licitatórios: a construção de doze unidades habitacionais para famílias de baixa renda, f. 9, do volume três do apenso, e a construção de calçamento - pavimentação em paralelepípedos nas ruas: em parte da Rua da Consolação (complemento) e parte da Rua Governador Antônio Mariz, f. 72, do volume 4, do apenso 4. Qual, afinal, a vantagem obtida? A sentença não esclarece como se deu a vantagem, se o valor recebido foi superior ao do mercado; se o bem entregue ao Município foi de baixa qualidade; se a empresa vencedora estava, naquele exato momento, em dificuldade financeira, de maneira que o valor, recebido em decorrência do contrato celebrado, além de ter sido superior ao do mercado, se constituía na pedra salvadora de uma anunciada quebra, ou outra forma qualquer. Nada foi esclarecido a respeito. O benefício decorrente da adjudicação do objeto da licitação é elemento integrante do delito hospedado no art. 90, da Lei de Licitação, de modo que, para se caracterizar a ocorrência da aludida infração, necessário que tal requisito receba o realce devido e necessário, ao lado dos demais elementos, já destacados. No caso do delito, necessário que todos os elementos apareçam e sejam indicados, de maneira concreta, tudo sob o forro da necessária e constitucional fundamentação, sem o que o crime em pauta não se concretiza. A r. sentença não apontou o benefício obtido, nem tampouco o demandante, em suas manifestações, desde a inicial às contrarrazões aos apelos, centralizado, apenas e tão somente, na utilização de pessoas jurídicas fictícias, o que, isoladamente, não sustenta o delito residente no art. 90, da Lei de Licitações, por exigir, entre os seus elementos, a vantagem, e tal vantagem não foi declinada, de modo a não configurar o delito perseguido e consagrado. A conclusão em apreço deixa sem objeto o recurso do demandante, ao buscar o aumento da pena. No entanto, durante as discussões ensejadas na turma, esta relatoria foi convencida de que, à míngua do terceiro elemento, ou seja, o proveito econômico, o delito do art. 90, da Lei 8.666, não se concretizava, embora o fato em si simbolizasse para um crime, e, no caso, este se encaixava, com perfeição, na letra do inc. XI, do art. 1º, do Decreto-lei 201, de 1967, sobretudo no que se refere à realização de serviços e obra, sem concorrência ou coleta de preços, nos casos exigidos em lei, de modo que, real a situação factual, havendo norma a considerá-la infração, fazia-se o enquadramento devido. Condenando o acusado prefeito, Lindembergue Souza Silva, pela prática do delito ensacado no inc. XI, do art. 1º, do Decreto-lei 201, mantendo a análise das circunstâncias da r. sentença, que valorou negativamente a culpabilidade e as consequências do crimes, fixa-se a pena-base, no quanto suficiente para a reprovação e prevenção do ilícito, em um ano de detenção. Não se constata circunstância agravante ou atenuante, causa de aumento ou de diminuição. Todavia, incide a causa de aumento pela continuidade delitiva, - em razão das duas cartas-convite -, aplicada na fração de um sexto; majorando-se a pena provisória em dois meses, torna-se definitiva a pena em um ano e dois meses de detenção, estendendo tal pena aos demais acusados. Com efeito, os fatos, nesta ação penal, ocorreram no período de março e abril de 2009, tendo decorrido, desde então, até o recebimento da denúncia, em 3 de abril de 2013, f. 28-29, o lapso de quatro anos, exigido pelo art. 109, inc. V, do Código Penal. Tratando o caso de crime continuado, o prazo prescricional deve ser regulado pela reprimenda aplicada, provisoriamente, sem o aumento pela continuidade delitiva. Nessa perspectiva, em razão da improcedência da pretensão do Ministério Público Federal, que, neste julgamento, visava o aumento das reprimendas dos acusados, mostra-se incontroversa a ocorrência da prescrição, pela pena privativa de liberdade in concreto. Parcial provimento aos apelos dos demandados, para desclassificar a conduta imputada para o crime de responsabilidade, nos termos definidos. Decretada a extinção da punibilidade, em face da prescrição. Prejudicado o apelo do Ministério Público Federal.
Decisão
UNÂNIME

Data do Julgamento : 15/01/2019
Data da Publicação : 22/02/2019
Classe/Assunto : ACR - Apelação Criminal - 12641
Órgão Julgador : Segunda Turma
Relator(a) : Desembargador Federal Vladimir Carvalho
Comarca : TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Tipo : Acórdão
Referência legislativa : ***** CP-40 Codigo Penal LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-109 INC-5 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED DEL-201 ANO-1967 ART-1 INC-11 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ***** CPC-15 Código de Processo Civil LEG-FED LEI-13105 ANO-2015 ART-460 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED LEI-8429 ANO-1992 ART-11 (CAPUT) INC-1 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ***** CPP-41 Codigo de Processo Penal LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-41 ART-399 PAR-2 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED LEI-8666 ANO-1993 ART-90
Fonte da publicação : DJE - Data::22/02/2019 - Página::27
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