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Jurisprudência


TRF5 0000770-50.2012.4.05.8001 00007705020124058001

Ementa
APELAÇÃO CÍVEL. RATIFICAÇÃO DE AGRAVO RETIDO. MANUTENÇÃO DE DECISÃO DE APLICOU ASTREINTES EM RAZÃO DE DESCUMPRIMENTO DE DETERMINAÇÃO JUDICIAL. PRELIMINAR DE NULIDADE DE SENTEÇA. REJEIÇÃO. MÉRITO. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTO. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. ART. 196 DA CF/88. INQUESTIONÁVEL DEVER DO ESTADO. AGRAVO RETIDO E APELO IMPROVIDOS. 1. Em 21/10/2014, a União insurgiu-se contra a decisão interlocutória de fls. 356/359v, que aplicou a multa diária de R$ 100,00, prevista no decisum de fls. 46/51, cujo termo inicial deu-se em 12/03/2014 e, em 25/09/2014, já alcançava a cifra de R$ 56.300,00. 2. Entendeu o douto Magistrado que a União não regularizou o fornecimento dos medicamentos outrora determinado, limitando-se o ente federado a informar que as providências já haviam sido adotadas mas que, um ano e meio depois, nada fora solucionado, implicando desrespeito ao comando judicial. 3. Ora, parece claro o descumprimento do comando judicial por parte da União pois ela não se desincumbiu satisfatoriamente do seu ônus de comprovar o adimplemento de sua obrigação, limitando-se a afirmar, ano e meio depois, que havia tomado providências para a aquisição dos fármacos, quando a decisão agravada foi clara no sentido de que eles deveriam ser fornecidos no prazo de 30 dias, cujo período fora prorrogado, a seu pedido, por mais 20 e depois por mais 30, totalizando 80 dias. 4. Por tais razões, nega-se provimento ao agravo retido. 5. No que tange à preliminar de nulidade de sentença em razão do cerceamento do direito de defesa, pois o Magistrado sentenciante revogou despacho que havia designado audiência de instrução de julgamento, entendo que, diante da incontrovérsia quanto ao não-fornecimento dos medicamentos pleiteados e considerando a natureza do bem jurídico tutelado na presente ação coletiva, faculta-se ao magistrado, nos limites do seu livre convencimento motivado e quando estiverem presentes elementos de cognição suficientes, proferir sentença para dirimir determinada lide, sem que isso implique qualquer nulidade processual. 6. Outrossim, "o julgamento antecipado da lide não ocasiona cerceamento de defesa quando o Juízo entende que o processo versa exclusivamente sobre matéria de direito, cuja análise prescinde da produção de novas provas." (STJ, Primeira Turma, AGARESP 118671, Relator(a) Min. Arnaldo Esteves Lima, DJE 14/02/2013). 7. O Superior Tribunal de Justiça firmou jurisprudência no sentido de que as ações relativas à assistência à saúde pelo SUS (fornecimento de medicamentos ou de tratamento médico, inclusive, no exterior) podem ser propostas em face de qualquer dos entes componentes da Federação Brasileira (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), sendo todos legitimados passivos para responderem a elas, individualmente ou em conjunto: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL. TRATAMENTO MÉDICO NO EXTERIOR. ARTIGO 196 DA CF/88. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. DEVER DA UNIÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA. 1. O Sistema Único de Saúde-SUS visa a integralidade da assistência à saúde, seja individual ou coletiva, devendo atender aos que dela necessitem em qualquer grau de complexidade, de modo que, restando comprovado o acometimento do indivíduo ou de um grupo por determinada moléstia, necessitando de determinado medicamento para debelá-la, este deve ser fornecido, de modo a atender ao princípio maior, que é a garantia à vida digna. 2. Ação objetivando a condenação da entidade pública ao fornecimento gratuito dos medicamentos necessários ao tratamento de doença grave. 3. O direito à saúde é assegurado a todos e dever do Estado, por isso que legítima a pretensão quando configurada a necessidade do recorrido. 4. A União, o Estado, o Distrito Federal e o Município são partes legítimas para figurar no pólo passivo nas demandas cuja pretensão é o fornecimento de medicamentos imprescindíveis à saúde de pessoa carente, podendo a ação ser proposta em face de quaisquer deles. Precedentes: REsp 878080 / SC; Segunda Turma; DJ 20.11.2006 p. 296; REsp 772264 / RJ; Segunda Turma; DJ 09.05.2006 p. 207; REsp 656979 / RS, DJ 07.03.2005. 5. Agravo Regimental desprovido. (STJ, 1.ª Turma, AgRg no REsp n.º 1.028.835/DF, Relator Ministro Luiz Fux, DJe 15.12.2008) 8. Possuem, portanto, a União, os Estados, o DF e os Municípios legitimidade para figurar no polo passivo de eventual ação. A divisão administrativa de atribuições estabelecida pela legislação decorrente da Lei n.º 8.080/90 não pode restringir essa responsabilidade, servindo ela, apenas, como parâmetro da repartição do ônus financeiro final dessa atuação, o qual, no entanto, deve ser resolvido pelos entes federativos administrativamente ou em ação judicial própria, não sendo oponível como óbice à pretensão da população a seus direitos constitucionalmente garantidos como exigíveis deles de forma solidária. 9. A saúde está expressamente prevista no art. 196 da CF, como direito de todos e dever do Estado, garantida mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos, bem como através do acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, sendo uma responsabilidade comum da União, dos Estados, do DF e dos Municípios a concretização de tal direito. 10. Enquanto direito essencialmente vinculado à vida e à proteção da integridade físico-psíquica do ser humano, a saúde não pode ser interpretada apenas como um enunciado meramente programático, mas, sim, como um direito fundamental cuja efetivação é dever do Poder Público, pois a sua não concretização consiste em evidente afronta à dignidade da pessoa humana. Ainda que tal direito não estivesse expressamente previsto na CF/88, a sua estreita vinculação com o direito à vida, bem supremo do ser humano, o conduziria à situação de direito fundamental implícito, de modo que a sua efetivação também seria um dever do Estado, vez que a ação deste está vinculada pela imediata aplicabilidade das normas dos direitos fundamentais. 11. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são solidariamente responsáveis pela efetivação do direito à saúde (art. 23, inciso II, da CF), o que implica não apenas a elaboração de políticas públicas e em uma consistente programação orçamentária para tal área, como também uma atuação integrada entre tais entes, que não se encerra com o mero repasse de verbas. O Poder Público não se exime de tal responsabilidade quando investe ou repassa recursos para serem aplicados na área da saúde. Em sendo investida verba pública para tais fins e não havendo a efetivação do direito que se quer garantir, é notório que a política adotada não se coaduna com a realidade a ser enfrentada ou que tal política não foi concretizada como programada, sendo dever de todos os entes federados atentarem para tal fato e atuarem de modo a cumprir com as suas responsabilidades constitucionais. 12. A jurisprudência nacional possui reiteradas decisões no sentido de que o direito à saúde é líquido e certo, bem como de que a saúde é direito público subjetivo, não podendo ser reduzido a mera promessa constitucional vazia, sendo tal direito exigível em Juízo por não ser um mero enunciado programático. Dessa forma, vigora o entendimento de que é dever do Poder Público disponibilizar tratamento médico-hospitalar à população que dele necessitar, ou seja, oferecer o serviço essencial na esfera médica, o que inclui o fornecimento de medicamentos e aparelhos médicos, sob pena de incidência em grave comportamento inconstitucional, ainda que por omissão, pelo não fornecimento de condições materiais de efetivação de tal direito fundamental. 13. Não se está, ressalte-se, diante de intromissão indevida do Poder Judiciário em esfera de atuação reservada aos demais Poderes, mas, ao contrário, de atuação judicial de natureza prestacional positiva calcada em relevante fundamento constitucional e na omissão ilegal do Poder Público em seu atendimento, sem que este tenha, concretamente, apresentado qualquer fundamento minimamente oponível à sua concretização. 14. A questão principal a ser examinada, em casos como o presente, diz respeito à legitimidade da atuação estatal do Poder Executivo/Legislativo em relação à opção quanto aos tratamentos médicos a serem disponibilizados à população, opção esta que se insere no âmbito da discricionariedade administrativa. 15. Essa constatação, contudo, não é, por si só, um atestado de imunidade jurisdicional ao conteúdo de referido ato administrativo, pois a discricionariedade administrativa representa, apenas, a constatação de que determinado ato administrativo não tem seu conteúdo previamente vinculado de forma completa em lei, mas traz ao Estado-Administrador um âmbito possível, mais ou menos amplo e mais ou menos subjetivo, de escolhas no seu atuar. 16. Assim, os atos administrativos de conteúdo discricionário não são todos iguais quanto à liberdade de escolha do Estado-Administrador, nem deixam de se submeter a limites mínimos de vinculação impostos pela finalidade de realização do interesse público e respeito aos princípios constitucionais e legais que regem a atuação administrativa. 17. Nesse aspecto, as opções adotadas pelo Estado-Administrador no âmbito de sua margem de liberdade discricionária não se mostram de natureza absolutamente incontrastável, podendo e devendo o Poder Judiciário examinar a sua adequação aos dois parâmetros limitadores expostos no parágrafo anterior. 18. É verdade, no entanto, que essa atuação do Poder Judiciário deve ser exercida com parcimônia, em verdadeira autocontenção da interferência jurisdicional, pois o excesso nessa atuação poderia gerar uma inversão dos papéis constitucionalmente reservados ao Estado-Administrador e ao Estado-Juiz, em desrespeito ao equilíbrio por freios e contrapesos estabelecido entre a arquitetura democrática do primeiro e a estabilidade institucional do segundo no sistema político brasileiro, fazendo com que a atuação contra-majoritária deste no controle do primeiro exorbitasse ao âmbito da simples proteção dos direitos e garantias legais e constitucionalmente protegidos e passasse a constituir-se em substituição das escolhas livremente deixadas pela Constituição ao jogo democrático. 19. Essa postura de autocontenção judicial no estabelecimento dos limites da judiciabilidade dos atos administrativos discricionários deve pautar-se pela razoabilidade das escolhas administrativas frente a parâmetros objetivamente existentes quanto às opções de atuação existentes e pela abstenção de interferência nas situações em que referidos parâmetros inexistirem (puro âmbito da subjetividade) e não houver elementos que indiquem desvio de finalidade no atuar do Estado-Administrador. 20. Não há, pois, ampla judiciabilidade dos atos administrativos discricionários, mas, também, não há imunidade total destes à tutela jurisdicional. 21. Apelação cível e agravo retido improvidos.
Decisão
UNÂNIME

Data do Julgamento : 19/05/2016
Data da Publicação : 02/06/2016
Classe/Assunto : APELREEX - Apelação / Reexame Necessário - 33323
Órgão Julgador : Primeira Turma
Relator(a) : Desembargador Federal Rogério Roberto Gonçalves de Abreu
Comarca : TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Tipo : Acórdão
Referência legislativa : LEG-FED LEI-8080 ANO-1990 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED PRT-3185 ANO-2010 (GM/MS) - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ***** CF-88 Constituição Federal de 1988 ART-196 ART-23 INC-2
Fonte da publicação : DJE - Data::02/06/2016 - Página::26
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