TRF5 0000917-70.2012.4.05.8100 00009177020124058100
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. RELATÓRIO DE INTELIGÊNCIA DA POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL E OPERAÇÃO POLICIAL. PRISÃO EM FLAGRANTE. PORTE DE ARMA SEM REGISTRO. NÃO COMPROVAÇÃO DE ARBITRARIEDADES OU ABUSOS.
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS NÃO DEVIDA. DESPROVIMENTO DO RECURSO.
1. Apelação interposta pelo autor contra sentença que julgou improcedente o seu pedido de condenação da UNIÃO, no pagamento de indenização por supostos danos morais, decorrentes de atos perpetrados pela Polícia Rodoviária Federal.
2. Segundo consta na petição inicial, os prejuízos imateriais advieram da emissão de Relatório do Serviço de Inteligência da PRF, no qual foram apontadas suspeitas de que o autor cometera ilícitos penais, consistentes em auxiliar criminosos (inclusive
traficantes de drogas), guardar objetos de crime e armas, receptar gado roubado e ter participado de roubo à agência dos Correios. De acordo com o autor, o referido documento, além de não ter sido assinado, de conter vários erros de português e de não
ter sido instruído com qualquer prova das imputações feitas, referiu fatos inverídicos, não condizentes com o seu comportamento, tratando-se de pessoa de bem e respeitada socialmente. O demandante afirmou que esse documento serviu de base para operação
policial arbitrária, que, transcorrendo antes das seis horas da manhã, na fazenda de sua residência, em Aratuba/CE, por ter localizado, em sua casa, duas armas de fogo sem registro (um revólver calibre 38 e uma espingarda artesanal), resultou na sua
condução coercitiva à Delegacia de Polícia de Baturité/CE, na qual lavrado termo de prisão em flagrante delito, pelo cometimento do tipo penal inscrito no art. 12, da Lei nº 10.826/2003. Sustentou que a prisão foi ilegal, porque, na data da abordagem
policial (17.12.2009), a posse de armas de fogo sem registro não configurava crime, ante a possibilidade inscrita na Lei nº 11.706/2008 de, até o dia 31.12.2009, os possuidores procederem à regularização da situação, com a solicitação do registro ou a
entrega espontânea mediante indenização (abolitio criminis temporária).
3. Sobre a responsabilidade civil do Estado, no exercício de sua função de intérprete máximo da Constituição, o STF vem cristalizando as seguintes premissas: a) "A responsabilidade civil estatal, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37,
parágrafo 6º, subsume-se à teoria do risco administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas quanto paras as omissivas, posto rejeitada a teoria do risco integral" (RE 841526, Relator Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 30/03/2016,
REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO); b) "O Estado responde juridicamente também pela prática de atos lícitos, quando deles decorrerem prejuízos para os particulares em condições de desigualdade com os demais" (RE 571969, Relator Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal
Pleno, julgado em 12/03/2014); c) "Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o 'eventus damni' e o comportamento
positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público ou da entidade de direito privado prestadora de serviços públicos, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder Público (ou a agente vinculado a entidade privada
prestadora de serviços públicos), que tenha, nessa condição, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente de sua licitude, ou não (RTJ 140/636) e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal" (RE 481110 AgR-ED, Relator
Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 15/04/2008).
4. A partir dos parâmetros definidos pelo STF, não restou caracterizada situação que enseje a condenação do ente público federal réu no pagamento de indenização por danos morais.
5. Do que consta dos autos, a participação da PRF nos fatos narrados remonta a acordo de cooperação técnica, firmado entre a União, através da 16ª Superintendência da PRF, e o Ministério Público do Estado do Ceará, em 2006, visando a combater a
macrocriminalidade e o crime organizado no mencionado Estado-membro. Em 2009, a PRF, através de seu Núcleo de Inteligência, instada a realizar levantamento de criminalidade no Município de Aratuba/CE, exarou o Relatório de Inteligência nº
0017/NUINT/16ªSRPRF/CE (fls. 39/46). No mencionado documento, categorizado como "RESERVADO", foram apresentadas algumas "informações", obtidas a partir de um "levantamento preliminar sobre a criminalidade na região", nele se consignando, especificamente
em relação ao autor: "[...] Dois vereadores do município são tido como pessoas temidas na região, portão livremente armas de fogo e dão guarida a suspeitos da prática de roubo. O primeiro deles é conhecido por [...] Há suspeita de ter envolvimento em um
recente roubo a agência dos Correios de Aratuba [...] Vereadores da cidade seriam suspeitos de fornecerem apoio logístico e de participarem nas condutas criminosas, principalmente, no roubo aos Correios. Um dos vereadores citados abaixo teria
aproximação com um indivíduo preso quando do assalto à Agência dos Correios [...] Envolvimento: suspeito de dar apoio aos meliantes da região após os roubos, guardando os objetos do crime e as armas. Informações atribuem ao mesmo o crime de receptação
de gado roubado na zona rural do município. Também é visto constantemente circulando armado pela cidade". O relatório em questão acrescentou que "é salutar a obtenção de cópias dos inquéritos relacionados aos assaltos à Agência dos Correios [...] com o
intuito de verificar os envolvidos", bem como que, quanto às informações sobre o tráfico de entorpecentes na região, "são imprecisas e desencontradas, deixando a desejar no tocante a materialidade e autoria dos referidos crimes".
6. Com base nesse relatório, o MP/CE requereu ao Juízo de Direito da Comarca de Aratuba/CE, a expedição de mandados de busca e apreensão domiciliar e pessoal, sublinhando, particularmente, quanto ao autor, que "é apontado por auxiliar criminosos após
roubos, guardando objetos de crime e armas, além de receptar gado roubado". O Juízo de Direito da Comarca de Aratuba/CE deferiu o requerimento do MP/CE.
7. Em cumprimento à decisão do Juízo, foi destacada uma equipe de agentes da PRF, que, comparecendo à residência do autor, apreendeu duas armas de fogo sem registro e, em função da apreensão, conduziu o demandante à Delegacia de Polícia, na qual foi
lavrado o termo de prisão em flagrante de fls. 125/126, pelo suposto cometimento do crime do art. 12, da Lei nº 10.826/2003 ("Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou
regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa").
8. A emissão de relatório pelo Núcleo de Inteligência da PRF integra o rol de suas obrigações, em função de acordo de cooperação firmado entre o órgão e o MP/CE, no combate à criminalidade da região. Nele foram apresentadas informações, apuradas a
partir de um levantamento preliminar, sendo apresentadas ao Parquet estadual que, ponderando os elementos trazidos pela PRF, entendeu ser o caso de aprofundar as investigações, requerendo, ao Juízo competente, a expedição de mandados de busca e
apreensão domiciliar e pessoal, o que restou deferido, embasando o deslocamento da equipe policial e as providências que se desenrolaram na sequência.
9. No relatório da PRF não são feitas acusações; são narradas suspeitas, em função de uma apuração inicial, levada a efeito em razão de acordo de cooperação interinstitucional. A PRF não agiu isoladamente.
10. Além disso, o documento tramitou, inicialmente, de modo reservado, o que se presta, sobretudo, a garantir a efetividade das medidas policiais, contra eventuais tentativas de esvaziá-las, não havendo vedação a essa tramitação sigilosa preliminar,
liberando-se seu pleno conhecimento ao investigado, uma vez implementadas as providências policiais, em respeito ao devido processo legal. Por outro lado, essa reserva inicial evita exposições desnecessárias da figura do investigado, contra quem pesam,
inicialmente, suspeitas. Veja-se que, uma vez realizadas as diligências policiais, o autor teve acesso à documentação correspondente, cujos erros gramaticais não lhe invalidam a serventia.
11. A operação policial da qual se ressente o autor não resultou, singelamente, do relatório da PRF, decorrendo de requerimento do MP/CE, que, após ponderar sobre o quadro apresentado, entendeu ser o caso de prosseguir nas medidas investigativas, que
foram autorizadas pelo Juízo de Direito da Comarca de Aratuba/CE. Assim, o deslocamento da PRF seu deu em cumprimento a uma ordem judicial, exarada em função de requerimento do MP/CE. Não cabia ao PRF substituir o órgão ministerial e a autoridade
judicial na ponderação acerca das providências investigativas a serem adotadas. Tratou-se de estrito cumprimento do dever legal.
12. Sobre a operação em si, conquanto ao autor diga que os policiais adentraram em sua residência por volta das cinco horas da manhã, não logrou demonstrar esse horário, constando dos documentos oficiais que a chegada da Polícia ocorreu por volta das
seis horas. Ainda que assim não fosse, consta dos autos depoimento do próprio autor, prestado quando da prisão em flagrante, no sentido de que ele autorizou a entrada dos agentes em sua casa. De mais a mais, não há qualquer relato ou demonstração de
ocorrência de violência (física ou psicológica) por parte dos agentes da PRF, sequer tendo sido empregadas algemas na condução do demandante.
13. Especificamente sobre a condução policial do autor à Delegacia, deu-se em razão de os agentes policiais terem encontrado, em sua casa, duas armas de fogo sem registro, subsumindo-se o fato, em tese, à hipótese típica do art. 12, da Lei nº
10.826/2003. Conduzido o autor à Delegacia, o Delegado ratificou a voz de prisão inicialmente dada pelo policial condutor. Portanto, a prisão em flagrante foi determinada pelo Delegado de Polícia, cabendo aos policiais apenas a condução, antes os
indícios de prática criminosa em curso, constatação que terminou por corroborar, ao menos parcialmente, com as suspeitas narradas no relatório vergastado.
14. Quanto à alegação do autor de que a prisão fora ilegal, porque, na data da abordagem policial (17.12.2009), a posse de armas de fogo sem registro não configurava crime, ante a possibilidade inscrita na Lei nº 11.706/2008 de, até o dia 31.12.2009, os
possuidores procederem à regularização da situação, com a solicitação do registro ou a entrega espontânea mediante indenização (abolitio criminis temporária), deve ser rejeitada.
15. Quanto a esse ponto, é de se ressaltar que foram duas as armas de fogo sem registro apreendidas em poder do investigado, assim detalhadas no termo de apreensão: a) revólver, marca Rossi, calibre 38, capacidade para seis tiros, cano longo ventilado e
municiada; b) espingarda, fabricação artesanal, calibre desconhecido. Em relação ao revólver, restou apurado que se tratava de arma de uso permitido, de modo que caberia, em tese, o enquadramento nos arts. 30 e 31 da Lei nº 11.706/2008. No entanto, no
que tange à espingarda, estabeleceu-se uma celeuma, quanto ao calibre, o que, a depender da definição desse elemento, teria o condão de influir na categorização como de uso permitido ou de uso restrito e, consequentemente, na configuração, ou não, da
abolitio criminis temporária, a que alude o recorrente, segundo a linha de entendimento do STJ, na seguinte direção: "[...] Por incidência da abolitio criminis temporária, revela-se atípica a conduta daquele que possuía arma de fogo, acessórios e
munição, fosse de uso permitido ou de uso restrito, se praticada no período compreendido entre 23/11/2003 e 23/10/2005. [...] Conforme a dicção do art. 1º da Lei n. 11.706/2008, que conferiu nova redação aos arts. 30 e 32 da Lei n. 10.826/2003, o prazo
final restou estendido até 31/11/2008, tão somente em relação aos possuidores e proprietários de arma de fogo de uso permitido. Na sequência, com o advento da Lei n. 11.922/2009, houve nova prorrogação de tal prazo para o dia 31/12/2009 [...]" (HC
310.369/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 06/10/2016, DJe 26/10/2016).
16. Também em função da necessidade de realização de perícia para definição do calibre do armamento, não há como se reputar ilegal a condução do autor à Delegacia.
17. Eventual arquivamento do inquérito policial instaurado não tem o condão de, necessariamente, tornar ilegal a prisão em flagrante (cf. STJ, AgRg no AREsp 785.410/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/02/2016, DJe
23/02/2016; AgInt no REsp 1604779/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/11/2016, DJe 29/11/2016).
18. Acresça-se que o autor restou liberto na mesma data em que foi preso, mediante pagamento de fiança.
19. Paralelamente ao inquérito instaurado para apuração da conduta flagrada na operação policial guerreada, no que se refere às demais informações apresentadas, em relação ao autor, no relatório da PRF, houve a instauração de outro inquérito policial,
de cuja conclusão o autor não deu qualquer notícia.
20. Não se divisando qualquer ação estatal federal passível de ensejar ressarcimento a título de danos morais, NEGA-SE PROVIMENTO à apelação.
Ementa
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. RELATÓRIO DE INTELIGÊNCIA DA POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL E OPERAÇÃO POLICIAL. PRISÃO EM FLAGRANTE. PORTE DE ARMA SEM REGISTRO. NÃO COMPROVAÇÃO DE ARBITRARIEDADES OU ABUSOS.
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS NÃO DEVIDA. DESPROVIMENTO DO RECURSO.
1. Apelação interposta pelo autor contra sentença que julgou improcedente o seu pedido de condenação da UNIÃO, no pagamento de indenização por supostos danos morais, decorrentes de atos perpetrados pela Polícia Rodoviária Federal.
2. Segundo consta na petição inicial, os prejuízos imateriais advieram da emissão de Relatório do Serviço de Inteligência da PRF, no qual foram apontadas suspeitas de que o autor cometera ilícitos penais, consistentes em auxiliar criminosos (inclusive
traficantes de drogas), guardar objetos de crime e armas, receptar gado roubado e ter participado de roubo à agência dos Correios. De acordo com o autor, o referido documento, além de não ter sido assinado, de conter vários erros de português e de não
ter sido instruído com qualquer prova das imputações feitas, referiu fatos inverídicos, não condizentes com o seu comportamento, tratando-se de pessoa de bem e respeitada socialmente. O demandante afirmou que esse documento serviu de base para operação
policial arbitrária, que, transcorrendo antes das seis horas da manhã, na fazenda de sua residência, em Aratuba/CE, por ter localizado, em sua casa, duas armas de fogo sem registro (um revólver calibre 38 e uma espingarda artesanal), resultou na sua
condução coercitiva à Delegacia de Polícia de Baturité/CE, na qual lavrado termo de prisão em flagrante delito, pelo cometimento do tipo penal inscrito no art. 12, da Lei nº 10.826/2003. Sustentou que a prisão foi ilegal, porque, na data da abordagem
policial (17.12.2009), a posse de armas de fogo sem registro não configurava crime, ante a possibilidade inscrita na Lei nº 11.706/2008 de, até o dia 31.12.2009, os possuidores procederem à regularização da situação, com a solicitação do registro ou a
entrega espontânea mediante indenização (abolitio criminis temporária).
3. Sobre a responsabilidade civil do Estado, no exercício de sua função de intérprete máximo da Constituição, o STF vem cristalizando as seguintes premissas: a) "A responsabilidade civil estatal, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37,
parágrafo 6º, subsume-se à teoria do risco administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas quanto paras as omissivas, posto rejeitada a teoria do risco integral" (RE 841526, Relator Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 30/03/2016,
REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO); b) "O Estado responde juridicamente também pela prática de atos lícitos, quando deles decorrerem prejuízos para os particulares em condições de desigualdade com os demais" (RE 571969, Relator Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal
Pleno, julgado em 12/03/2014); c) "Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o 'eventus damni' e o comportamento
positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público ou da entidade de direito privado prestadora de serviços públicos, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder Público (ou a agente vinculado a entidade privada
prestadora de serviços públicos), que tenha, nessa condição, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente de sua licitude, ou não (RTJ 140/636) e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal" (RE 481110 AgR-ED, Relator
Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 15/04/2008).
4. A partir dos parâmetros definidos pelo STF, não restou caracterizada situação que enseje a condenação do ente público federal réu no pagamento de indenização por danos morais.
5. Do que consta dos autos, a participação da PRF nos fatos narrados remonta a acordo de cooperação técnica, firmado entre a União, através da 16ª Superintendência da PRF, e o Ministério Público do Estado do Ceará, em 2006, visando a combater a
macrocriminalidade e o crime organizado no mencionado Estado-membro. Em 2009, a PRF, através de seu Núcleo de Inteligência, instada a realizar levantamento de criminalidade no Município de Aratuba/CE, exarou o Relatório de Inteligência nº
0017/NUINT/16ªSRPRF/CE (fls. 39/46). No mencionado documento, categorizado como "RESERVADO", foram apresentadas algumas "informações", obtidas a partir de um "levantamento preliminar sobre a criminalidade na região", nele se consignando, especificamente
em relação ao autor: "[...] Dois vereadores do município são tido como pessoas temidas na região, portão livremente armas de fogo e dão guarida a suspeitos da prática de roubo. O primeiro deles é conhecido por [...] Há suspeita de ter envolvimento em um
recente roubo a agência dos Correios de Aratuba [...] Vereadores da cidade seriam suspeitos de fornecerem apoio logístico e de participarem nas condutas criminosas, principalmente, no roubo aos Correios. Um dos vereadores citados abaixo teria
aproximação com um indivíduo preso quando do assalto à Agência dos Correios [...] Envolvimento: suspeito de dar apoio aos meliantes da região após os roubos, guardando os objetos do crime e as armas. Informações atribuem ao mesmo o crime de receptação
de gado roubado na zona rural do município. Também é visto constantemente circulando armado pela cidade". O relatório em questão acrescentou que "é salutar a obtenção de cópias dos inquéritos relacionados aos assaltos à Agência dos Correios [...] com o
intuito de verificar os envolvidos", bem como que, quanto às informações sobre o tráfico de entorpecentes na região, "são imprecisas e desencontradas, deixando a desejar no tocante a materialidade e autoria dos referidos crimes".
6. Com base nesse relatório, o MP/CE requereu ao Juízo de Direito da Comarca de Aratuba/CE, a expedição de mandados de busca e apreensão domiciliar e pessoal, sublinhando, particularmente, quanto ao autor, que "é apontado por auxiliar criminosos após
roubos, guardando objetos de crime e armas, além de receptar gado roubado". O Juízo de Direito da Comarca de Aratuba/CE deferiu o requerimento do MP/CE.
7. Em cumprimento à decisão do Juízo, foi destacada uma equipe de agentes da PRF, que, comparecendo à residência do autor, apreendeu duas armas de fogo sem registro e, em função da apreensão, conduziu o demandante à Delegacia de Polícia, na qual foi
lavrado o termo de prisão em flagrante de fls. 125/126, pelo suposto cometimento do crime do art. 12, da Lei nº 10.826/2003 ("Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou
regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa").
8. A emissão de relatório pelo Núcleo de Inteligência da PRF integra o rol de suas obrigações, em função de acordo de cooperação firmado entre o órgão e o MP/CE, no combate à criminalidade da região. Nele foram apresentadas informações, apuradas a
partir de um levantamento preliminar, sendo apresentadas ao Parquet estadual que, ponderando os elementos trazidos pela PRF, entendeu ser o caso de aprofundar as investigações, requerendo, ao Juízo competente, a expedição de mandados de busca e
apreensão domiciliar e pessoal, o que restou deferido, embasando o deslocamento da equipe policial e as providências que se desenrolaram na sequência.
9. No relatório da PRF não são feitas acusações; são narradas suspeitas, em função de uma apuração inicial, levada a efeito em razão de acordo de cooperação interinstitucional. A PRF não agiu isoladamente.
10. Além disso, o documento tramitou, inicialmente, de modo reservado, o que se presta, sobretudo, a garantir a efetividade das medidas policiais, contra eventuais tentativas de esvaziá-las, não havendo vedação a essa tramitação sigilosa preliminar,
liberando-se seu pleno conhecimento ao investigado, uma vez implementadas as providências policiais, em respeito ao devido processo legal. Por outro lado, essa reserva inicial evita exposições desnecessárias da figura do investigado, contra quem pesam,
inicialmente, suspeitas. Veja-se que, uma vez realizadas as diligências policiais, o autor teve acesso à documentação correspondente, cujos erros gramaticais não lhe invalidam a serventia.
11. A operação policial da qual se ressente o autor não resultou, singelamente, do relatório da PRF, decorrendo de requerimento do MP/CE, que, após ponderar sobre o quadro apresentado, entendeu ser o caso de prosseguir nas medidas investigativas, que
foram autorizadas pelo Juízo de Direito da Comarca de Aratuba/CE. Assim, o deslocamento da PRF seu deu em cumprimento a uma ordem judicial, exarada em função de requerimento do MP/CE. Não cabia ao PRF substituir o órgão ministerial e a autoridade
judicial na ponderação acerca das providências investigativas a serem adotadas. Tratou-se de estrito cumprimento do dever legal.
12. Sobre a operação em si, conquanto ao autor diga que os policiais adentraram em sua residência por volta das cinco horas da manhã, não logrou demonstrar esse horário, constando dos documentos oficiais que a chegada da Polícia ocorreu por volta das
seis horas. Ainda que assim não fosse, consta dos autos depoimento do próprio autor, prestado quando da prisão em flagrante, no sentido de que ele autorizou a entrada dos agentes em sua casa. De mais a mais, não há qualquer relato ou demonstração de
ocorrência de violência (física ou psicológica) por parte dos agentes da PRF, sequer tendo sido empregadas algemas na condução do demandante.
13. Especificamente sobre a condução policial do autor à Delegacia, deu-se em razão de os agentes policiais terem encontrado, em sua casa, duas armas de fogo sem registro, subsumindo-se o fato, em tese, à hipótese típica do art. 12, da Lei nº
10.826/2003. Conduzido o autor à Delegacia, o Delegado ratificou a voz de prisão inicialmente dada pelo policial condutor. Portanto, a prisão em flagrante foi determinada pelo Delegado de Polícia, cabendo aos policiais apenas a condução, antes os
indícios de prática criminosa em curso, constatação que terminou por corroborar, ao menos parcialmente, com as suspeitas narradas no relatório vergastado.
14. Quanto à alegação do autor de que a prisão fora ilegal, porque, na data da abordagem policial (17.12.2009), a posse de armas de fogo sem registro não configurava crime, ante a possibilidade inscrita na Lei nº 11.706/2008 de, até o dia 31.12.2009, os
possuidores procederem à regularização da situação, com a solicitação do registro ou a entrega espontânea mediante indenização (abolitio criminis temporária), deve ser rejeitada.
15. Quanto a esse ponto, é de se ressaltar que foram duas as armas de fogo sem registro apreendidas em poder do investigado, assim detalhadas no termo de apreensão: a) revólver, marca Rossi, calibre 38, capacidade para seis tiros, cano longo ventilado e
municiada; b) espingarda, fabricação artesanal, calibre desconhecido. Em relação ao revólver, restou apurado que se tratava de arma de uso permitido, de modo que caberia, em tese, o enquadramento nos arts. 30 e 31 da Lei nº 11.706/2008. No entanto, no
que tange à espingarda, estabeleceu-se uma celeuma, quanto ao calibre, o que, a depender da definição desse elemento, teria o condão de influir na categorização como de uso permitido ou de uso restrito e, consequentemente, na configuração, ou não, da
abolitio criminis temporária, a que alude o recorrente, segundo a linha de entendimento do STJ, na seguinte direção: "[...] Por incidência da abolitio criminis temporária, revela-se atípica a conduta daquele que possuía arma de fogo, acessórios e
munição, fosse de uso permitido ou de uso restrito, se praticada no período compreendido entre 23/11/2003 e 23/10/2005. [...] Conforme a dicção do art. 1º da Lei n. 11.706/2008, que conferiu nova redação aos arts. 30 e 32 da Lei n. 10.826/2003, o prazo
final restou estendido até 31/11/2008, tão somente em relação aos possuidores e proprietários de arma de fogo de uso permitido. Na sequência, com o advento da Lei n. 11.922/2009, houve nova prorrogação de tal prazo para o dia 31/12/2009 [...]" (HC
310.369/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 06/10/2016, DJe 26/10/2016).
16. Também em função da necessidade de realização de perícia para definição do calibre do armamento, não há como se reputar ilegal a condução do autor à Delegacia.
17. Eventual arquivamento do inquérito policial instaurado não tem o condão de, necessariamente, tornar ilegal a prisão em flagrante (cf. STJ, AgRg no AREsp 785.410/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/02/2016, DJe
23/02/2016; AgInt no REsp 1604779/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/11/2016, DJe 29/11/2016).
18. Acresça-se que o autor restou liberto na mesma data em que foi preso, mediante pagamento de fiança.
19. Paralelamente ao inquérito instaurado para apuração da conduta flagrada na operação policial guerreada, no que se refere às demais informações apresentadas, em relação ao autor, no relatório da PRF, houve a instauração de outro inquérito policial,
de cuja conclusão o autor não deu qualquer notícia.
20. Não se divisando qualquer ação estatal federal passível de ensejar ressarcimento a título de danos morais, NEGA-SE PROVIMENTO à apelação.Decisão
UNÂNIME
Data do Julgamento
:
26/01/2017
Data da Publicação
:
02/02/2017
Classe/Assunto
:
AC - Apelação Civel - 574117
Órgão Julgador
:
Primeira Turma
Relator(a)
:
Desembargador Federal Gustavo de Paiva Gadelha
Comarca
:
TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
LEG-FED LEI-11922 ANO-2009
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
LEG-FED LEI-10826 ANO-2003 ART-30 ART-32 ART-12
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
LEG-FED LEI-11706 ANO-2008 ART-30 ART-31 ART-1
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
***** CF-88 Constituição Federal de 1988
ART-37 PAR-6
Fonte da publicação
:
DJE - Data::02/02/2017 - Página::36
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