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Jurisprudência


TRF5 0001089-97.2012.4.05.8201 00010899720124058201

Ementa
PENAL E PROCESSUAL PENAL. ESTELIONATO MAJORADO. ART. 171, PARÁGRAFO 3º, DO CÓDIGO PENAL. INIDÔNEA INDICAÇÃO DE "DEMISSÃO SEM JUSTA CAUSA" COM O FIM DE POSSIBILITAR INDEVIDA PERCEPÇÃO DE PARCELAS DO SEGURO DESEMPREGO E DA LIBERAÇÃO DO SALDO DA CONTA VINCULADA AO FGTS. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. AUSÊNCIA DE PROVA SUFICIENTE À CONDENAÇÃO. PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO. APLICABILIDADE. APELAÇÃO DO ÓRGÃO ACUSADOR IMPROVIDA. CRIME DE DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. ART. 339 DO CÓDIGO PENAL. NOTICIADA A PRÁTICA DO CRIME DE ESTELIONATO A PARTIR DA RESPONSÁVEL PELA PESSOA JURÍDICA. DECISÃO FINAL DO PROCESSO COM O RECONHECIMENTO JUDICIAL DA INOCÊNCIA DO DENUNCIADO. IMPRESCINDIBILIDADE. PEÇA ACUSATÓRIA QUE NÃO APONTA A CONDUTA NA NARRATIVA DOS FATOS. EVENTUAL OCORRÊNCIA DO CRIME DE FALSO TESTEMUNHO COM INDICAÇÃO DE PROMOVER NOVA CLASSIFICAÇÃO. HIPÓTESE DE MUTATIO LIBELLI. ART. 384 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. NECESSÁRIO ADITAMENTO DA DENÚNCIA. APELAÇÃO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDA. NULIDADE DA SENTENÇA, NO PONTO EM QUE CONDENATÓRIA, COM DEVOLUÇÃO DOS AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM. 1. Cuida-se de apelação interposta pelo Ministério Público Federal e por Jorione Lopes de Almeida e Adriana Mendonça de Souza Negreiros, por intermédio da Defensoria Pública da União, contra a sentença que julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva, absolvendo as acusadas Jorione Lopes de Almeida, Adriana Mendonça de Souza Negreiros e Karla Silveira Cavalcanti, a teor do art. 386, I, do Código de Processo Penal, da imputação nas penas do crime do art. 171, parágrafo 3º, do Código Penal, e condenando as acusadas Jorione Lopes de Almeida e Adriana Mendonça de Souza Negreiros, pelo cometimento do capitulado no art. 339, caput, do Código Penal, cada qual às penas de 2 (dois) anos de reclusão, em regime de cumprimento inicialmente aberto, e de 10 (dez) dias-multa, cada qual valorado em 1/10 (um décimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, substituída a primeira igualmente por duas restritivas de direitos. 2. Noticia a denúncia que as acusadas Jorione Lopes de Almeida e Adriana Mendonça de Souza Negreiros receberam de forma indevida as respectivas parcelas do seguro desemprego bem como tiveram liberados os saldos do FGTS, a partir de declarações ideologicamente falsas, mediante prévio ajuste firmado com as demais denunciadas - Maria do Socorro Silveira Cavalcanti e Gerlânia Fernandes Cruz de Medeiros, respectivamente responsável e contadora da empresa SILVEIRA INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE ARTIGOS DO VESTUÁRIO LTDA - no sentido de que, nas carteiras de trabalho constasse, ao invés de "demissão a pedido", "demissão sem justa causa", prevendo-se a devolução à empresa o valor recebido a título de multa rescisória do FGTS, o que não ocorreu, vindo a ser descoberta a ilicitude da conduta durante audiência de instrução e julgamento em sede de reclamação trabalhista movida por outro ex-funcionário, Eduardo Ferreira Barbosa, quando aquelas acusadas, ex-empregadas da empresa, asseveraram que, na realidade, pediram para deixar o emprego, por iniciativa própria, realizando acordo ilegal com a empresa e que, como não devolveram o mencionado valor a título de multa incidente sobre o FGTS, descumprindo a sua parte no acordo, vinham sendo cobradas pelas também denunciadas Maria do Socorro Silveira Cavalcanti, representante da empresa, e Gerlânia Fernandes Cruz de Medeiros, contadora, acrescentando a peça acusatória que a denunciada Jorione Lopes de Almeida Silva, quando do seu segundo depoimento prestado perante a autoridade policial, alterou substancialmente o teor dos depoimentos antes prestados na Justiça do Trabalho e na própria Polícia Federal, afirmando, no último, que fora pressionada pelo autor da ação trabalhista a dizer que saiu da empresa por "demissão sem justa causa" apenas para prejudicar a então parte reclamada, além do que foi a mesma readmitida na pessoa jurídica após aquele primeiro depoimento em sede policial e pouco antes do segundo. Em aditamento à denúncia, aponta-se a acusada Karla Silveira Cavalcanti, filha da também denunciada Maria do Socorro Silveira Cavalcanti, como ma verdadeira pessoa que intermediou e fez o acordo, responsável por todos os atos da pessoa jurídica, inclusive eventuais contratações e demissões dos empregados, enquanto que sua mãe, que na realidade é dona e administradora de um restaurante local, tão somente a auxiliava na administração financeira da empresa. 3. Aduz o Ministério Público Federal em suas razões recursais haver provas suficientes da existência da fraude praticada em prejuízo dos cofres públicos, da Caixa Econômica Federal (CEF) e do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), na obtenção dos benefícios do seguro-desemprego e do saque do FGTS, configurando, assim, o crime de estelionato, pugnando, desta forma, pela reforma da sentença para condenar Jorione Lopes de Almeida, Adriana Mendonça de Souza Negreiros e Karla Silveira Cavalcanti nas penas do art. 171, parágrafo 3º, c/c art. 29, caput, e art. 71 (quatro vezes) do Código Penal. 4. A defesa, em suas insurgências, apontam a incongruência da sentença, em violação ao princípio da correlação; a atipicidade da conduta quanto ao crime de denunciação caluniosa e ao crime de estelionato; acrescentando quanto a esse último, a nulidade do depoimento prestado à Justiça do Trabalho; a imprestabilidade dos depoimentos à Polícia Federal e à Justiça do Trabalho para subsidiar a acusação e a irrisoriedade da multa do FGTS. 5. Em que pese as declarações prestadas, perante a Justiça do Trabalho, pelas ora apeladas Jorione Lopes de Almeida e Adriana Mendonça de Souza Negreiros, ali admitindo um acordo entre elas, como empregadas, com a empresa para que a demissão fosse indicada como "sem justa causa" e, assim, possibilitar, de forma indevida, o recebimento das parcelas do seguro desemprego bem como o levantamento dos respectivos saldo do FGTS, não se apresentam nos autos provas suficiente para a configuração da materialidade delitiva, inclusive diante da retratação perante a autoridade policial e em juízo e, ainda, de não se reportarem, as acusadas/empregadas, a real responsável pela administração da empresa, indicando inicialmente tratar-se de Maria do Socorro Silveira Cavalcanti, e não a filha dessa, sócia administradora da pessoa jurídica, a também acusada, e aqui apelada, Karla Silveira Cavalcanti. 6. Ao se confrontar o narrado pelas mesmas, em relação à contadora da empresa, Gerlânia Fernandes Cruz de Medeiros, e por essa rebatido, além do que veio ela a ser absolvida sumariamente, esvai-se a situação de que essa teria coagido aquelas ex-empregadas a devolverem o valor relativo à multa rescisória do FGTS, sendo de se ressaltar, que as declarações, seja perante a justiça laboral ou a autoridade policial, mostram-se dissonantes quanto ao local em foram pagos os aludidos valores, sendo, pelas ex-empregadas, aqui apeladas, afirmado o recebimento quando da formalização da rescisão contratual na Delegacia Regional do Trabalho, e pela contadora, naquele ato representando a empresa, de que já havia providenciado o depósito em conta corrente, ali apenas apresentando os quantitativos. 7. Ausente a pretendida forte convicção para firmar uma condenação, apresentando-se dúvida de tal forma a propiciar, sem qualquer ressalva, a aplicação do princípio do in dubio pro reo e, acompanhando o expendido na sentença ora recorrida, entender por não provada a existência do fato, mantendo-a incólume, no tocante à capitulação pelo crime de estelionato. 8. No que diz respeito ao crime de denunciação caluniosa, pelo qual restaram condenadas as acusadas Jorione Lopes de Almeida e Adriana Mendonça de Souza Negreiros, observa-se, de início, haver o douto Magistrado da vara trabalhista adotado, em sede de reclamação trabalhista em que não se apontava tal situação, o processamento como se em esfera criminal, com uma inquirição às acusadas, ali arroladas como testemunhas, que se mostrou em desconformidade com o nexo da reclamação trabalhista. 9. A notícia ali surgida quanto ao "marido da proprietária utilizar a prática de pressionar o trabalhador a devolver os valores da multa rescisória, após seu pagamento no Ministério do Trabalho" não é objeto de apuração naquela sede, situação em que não cabia àquele juízo, por dissociado da pretensão em sede da reclamação ali processada, adotar qualquer providência que não fosse, já ali, encaminhar ao Ministério Público para as tomar, acrescentado-se, por necessário, que, neste ponto, as apelantes terminaram por deduzir, contra si, imputações penais, não observando aquele juízo, pelo que consta dos autos, no mínimo assegurar o direito ao silêncio para não vir a produzir provas contra si mesmo. 10. O crime de denunciação caluniosa, consoante magistério de Guilherme de Souza Nucci (Código Penal comentado, 11.ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 1233), "torna-se imprescindível, para que se julgue corretamente o crime de denunciação caluniosa, o aguardo da finalização da investigação instaurada para apurar a infração penal imputada, bem como a ação civil ou penal, cuja finalidade é a mesma, sob pena de injustiças flagrantes", acrescentando, a partir de Nelson Hungria, que "a decisão final do processo contra o denunciante deve aguardar o prévio reconhecimento judicial da inocência do denunciado, quando instaurado processo contra este". 11. Na peça acusatória não se faz menção a tal hipótese, mas tão somente, restando comprovado na instrução processual "que não houve o ajuste ilícito ora debatido entre as denunciadas, tendo Jorione realmente sido demitida sem justa causa, tal fato, inevitavelmente, desaguaria na ocorrência do delito de falso testemunho (art. 342 do Código Penal) operado no seu depoimento prestado na Justiça do Trabalho", advertindo o órgão acusador, ali, "acerca da possibilidade, em momento processual oportuno, se for o caso, de promover nova classificação dos fatos aqui narrados". 12. Da narrativa dos fatos conclui-se que não se oportunizou à defesa refutar a conduta aqui destacada, aliás nem mesma a do falso testemunho, eis que o próprio órgão acusador entendeu pela necessidade de o fazer, se fosse o caso de nova classificação dos fatos narrados, em momento processual oportuno, fazendo-se imprescindível, por se enquadrar na previsão do art. 384 do Código de Processo Penal, como inclusive defendido no parecer ministerial, o aditamento da denúncia eis que restaram violados os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. 13. Apelação do Ministério Público Federal, em relação ao crime de estelionato, improvida. 14. Apelação da defesa, em relação à condenação pelo crime de denunciação caluniosa, parcialmente provida, com a declaração de nulidade, neste ponto, da sentença.
Decisão
UNÂNIME

Data do Julgamento : 15/01/2019
Data da Publicação : 27/02/2019
Classe/Assunto : ACR - Apelação Criminal - 12959
Órgão Julgador : Segunda Turma
Relator(a) : Desembargador Federal Leonardo Carvalho
Comarca : TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Tipo : Acórdão
Revisor : Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima
Doutrina : AUTOR:Guilherme de Souza Nucci OBRA:Código Penal comentado, 11.ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 1233
Referência legislativa : ***** CP-40 Codigo Penal LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-171 PAR-3 ART-339 (CAPUT) ART-29 (CAPUT) ART-71 ART-342 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ***** CPP-41 Codigo de Processo Penal LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-386 INC-1 ART-384
Fonte da publicação : DJE - Data::27/02/2019 - Página::69 - Nº::41
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