TRF5 0001166-83.2010.4.05.8102 00011668320104058102
Penal e Processual Penal. Apelações criminais de sentença que condenou o acusado, pela prática dos crimes de gerir fraudulentamente instituição financeira e obter financiamento mediante fraude, tipificados nos arts. 4º e 19 da Lei 7.492, de 1986, à pena
total de quatro anos e seis meses de reclusão, e pagamento de quantia correspondente a sete mil e quinhentos dias-multa.
Narra a denúncia que o réu, no período de 20 de novembro de 2007 a 1º de setembro de 2008, época em que ocupava o cargo de Gerente de Suporte de Negócios da agência do Banco do Nordeste do Brasil, no Município de Brejo Santo, realizou cento e vinte e
quatro operações fraudulentas de crédito com recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, no valor total de um milhão, oitenta e nove mil, seiscentos e quarenta e três reais e vinte e três centavos.
Quanto ao mérito, a sentença não necessita de qualquer reforma.
Os crimes imputados são do tipo que deixam vestígios inequívocos de autoria e materialidade, calcados, no caso presente, em vasta prova documental e identificados por senhas pessoais utilizadas nas movimentações financeiras.
A propósito, é possível colher da sentença, duplamente combatida, os seguintes excertos, assaz esclarecedores da situação fático-jurídica que encerra o cenário processual:
Tanto a materialidade quanto a autoria emergem, claramente, do confronto entre o interrogatório do denunciado, dos depoimentos colhidos em âmbito administrativo e judicial e os documentos acostados aos autos, sobretudo, o Relatório de Sindicância
realizada no âmbito do Banco do Nordeste do Brasil - BNB (fls. 02/24 - P. A. 1.15.002.000150/2009-61 - Anexo I; do Dossiê Integrado do Ministério da Fazenda/RFB (fls. 72/86 - P. A. 1.15.002.000150/2009-61); dos extratos de conta corrente mantida pelo
denunciado (P. A. 1.15.002.000150/2009-61 - Anexo IV), e do detalhamento das movimentações financeiras havidas nas contas investigadas (P. A. 1.15.002.000150/2009-61 - Anexo V), f. 389. E, como arremate, nessa apertada síntese de seu contexto, o enfoque
ao elemento subjetivo, imbuído do dolo, no agir consciente do réu: Assim, a única conclusão possível é a de que o acusado, valendo-se de sua condição de gerente lotado na agência do BNB de Brejo Santo/CE ultimou, ardilosamente, operações de crédito
fraudulentas fomentadas por recursos PRONAF - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, se utilizando, para tanto, de quatro contas correntes mantidas junto à Agência 114 (Brejo Santo) do Banco do Nordeste do Brasil, quais sejam, c.c.
7853-0, em nome de Cícero José de Lucena, cc 10363-1, em nome de Francisco das Chagas Lucena, cc 11305-0, em nome de José Francisco de Moura Alves, e cc 11306-8, em nome de Zilmar Mariano de Souza, f. 395.
Volvendo a questão, pontue-se que a defesa do acusado sequer ataca o acervo probatório dos autos, em que se lastreia a fundamentação da sentença, se insurgindo apenas pela via processual.
Passa-se ao conhecimento das alegações no apelo da defesa, no inconformismo à acusação quanto à autoria, desclassificação da conduta e aplicação da atenuante de confissão, que veementemente postula.
De início, ressalte-se não merecer guarida a afirmação de que, por ser o crime comissivo próprio, não poderia ter incorrido nas figuras típicas descritas nos arts. 4º e 19, ambos da Lei 7.492, de 1986.
O crime previsto no artigo 4° tem o dolo como elemento subjetivo do tipo, no agir ardiloso, intencional e de risco desmedido, a constituir verdadeira aventura a administração do patrimônio da instituição. É crime formal e de perigo de dano, no que se
reveste a ação de gerir de modo fraudulento ou temerário operações financeiras, sendo fundamental para a sua caracterização a habitualidade da conduta, por se tratar de atos de gestão e não de ação isolada. É também crime próprio, que poderá ser
cometido pelas pessoas indicadas no artigo 25, da aludida lei (controlador e administradores de instituição financeira), também assim considerados diretores e gerentes.
De igual modo, pode ser o crime previsto no art. 19 (obter, mediante fraude, financiamento em instituição financeira) perpetrado por qualquer pessoa, bastando que obtenha financiamento fraudulentamente. Nesse sentido, precedente do Tribunal Regional
Federal da 3ª Região, a atroar ser pacífico entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o crime previsto no artigo 19, da Lei nº 7.492/86, é comum, ou seja, não é próprio de controlador, administrador, diretor ou gerente de instituição financeira,
podendo ser cometido por qualquer pessoa (ACR38766, des. Wilson Zauhy [convocado], julgada em 15 de dezembro de 2015).
Com efeito, o elemento característico das condutas imputadas é o risco desmedido do administrador, a imprimir verdadeira aventura na gerência do patrimônio da instituição bancária, em detrimento da ocorrência, ou não, de prejuízo, no que desponta o
antagonismo do correto funcionamento e da credibilidade que se deve ter no Sistema Financeiro Nacional, enquanto bem jurídico tutelado, e as consequências dos atos praticados, v. g., na aprovação de transações irregulares e empréstimos concedidos por
meio de fraude.
Este, o caso dos autos.
Não restam dúvidas que o réu detinha poderes de gerência, na medida em que praticou os crimes pelos quais foi condenado valendo-se do cargo de Gerente de Suporte de Negócios da agência do Banco do Nordeste do Brasil, no Município de Brejo Santo, agindo,
como dito alhures, com dolo, com a habitualidade exigida de por em risco o Sistema Financeiro Nacional.
Também, no caso, manifestamente improcedente é o pedido de desclassificação das condutas para a figura típica do estelionato, uma vez que os delitos em questão são específicos e suas molduras típicas se revelam totalmente preenchidas.
Por último, postulado da defesa, igualmente inoportuna é a revisão da dosimetria da pena, para considerar a aplicação da atenuante da confissão espontânea. A uma, porque as penas-base, dos dois ilícitos, foram aplicadas, na sentença, no mínimo legal,
devendo incidir a orientação sufragada no enunciado da Súmula 231, do Superior Tribunal de Justiça, a disciplinar que a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal. A duas, que se encaixa, agora, como
a mão à luva, neste julgamento, consoante registrou o Ministério Público Federal, nas contrarrazões, não se trata de confissão, uma vez que, ao tempo em que o apelante admite ter realizado as transações, tenta responsabilizar outras pessoas pela prática
de alguns atos por ele praticados, conforme se infere de trechos de seu interrogatório transcrito na sentença à fl. 393, f. 491-492. Trata-se, portanto, da chamada confissão qualificada, em que a jurisprudência somente admite a aplicação da atenuante
prevista no art. 65, inc. III, alínea d, do Código Penal, quando utilizada para fundamentar a sentença, o que não foi o caso.
Nessa senda, revela-se de todo improcedente a pretensão recursal da defesa.
Quanto à apelação do Ministério Público Federal, merece acolhimento em parte, para rever a pena-base imposta na r. sentença, na linha argumentativa do parecer opinativo.
Transcreve-se: Em seguida, da análise do presente feito, percebe-se que assiste razão ao Órgão Ministerial quanto à irresignação referente à pena-base aplicada, haja vista que o magistrado de piso não sopesou adequadamente todas as circunstâncias
judiciais previstas no art. 59, do Código Penal, especialmente, quanto à culpabilidade, às circunstâncias e às consequências do crime, todas consideradas pelo Juízo como favoráveis ao Réu.
Na verdade, a culpabilidade (aferição maior ou menor índice de reprovabilidade da conduta do agente) há de ser considerada acentuada, em virtude do agente ter plenas condições de se determinar conforme o direito, mas preferiu fraudar documentos e
desviar recursos federais destinados ao PRONAF, cometendo o crime por pura ganância e desdenho para com a ordem jurídica e os interesses da sociedade, tendo violado gravemente o bem jurídico tutelado pelas normas penais em comento.
Da mesma forma, as circunstâncias e as consequências do delito são gravíssimas, não só diante do elevado prejuízo causado à Fazenda Pública, na ordem de R$ 1.089.643,23 (hum milhão, oitenta e nove mil, seiscentos e quarenta e três reais e vinte e três
centavos), mas também por não ter havido nem a metade do ressarcimento do prejuízo causado.
Além disso, há de se considerar a importância dos recursos desviados para a região do sertão nordestino, cujo destino seria o fomento e fortalecimento da agricultura familiar, beneficiando, ainda, pescadores artesanais, extrativistas, silvicultores e
aquicultores.
Dessa forma, depreende-se que pelo menos 3 circunstâncias judiciais são desfavoráveis ao Acusado, o que justifica o aumento da pena além do montante fixado pelo magistrado de piso, uma vez que a Sentença objurgada não considerou a desfavorabilidade de
tais circunstâncias judiciais, tendo aplicado a pena-base no mínimo legal.
[...]
Portanto, com fundamento no princípio da individualização das penas, o magistrado sentenciante não poderia ter considerado que a culpabilidade do agente e as consequências e circunstâncias do crime não transcenderam ao ordinário. Razão pela qual, merece
reforma a sentença recorrida para ser majorada a pena-base aplicada.
Revisão da dosimetria.
Na perspectiva, as penas-base aplicadas, na r. sentença, devem ser adequadas aos parâmetros da razoabilidade e da proporcionalidade, no quanto necessária e suficiente para a reprovação e prevenção dos crimes.
A análise do caderno processual apresenta duas circunstâncias a serem valoradas negativamente, e não três como busca a pretensão recursal do Parquet.
Nesse sentido, se mostra em grau elevado a culpabilidade, posto que o réu agiu no pleno exercício de suas funções de gerente da instituição bancária, valendo-se de ser essa condição favorável para o seu intento; também, não se afiguram as consequências
dos crimes normais, em face do desvio e apropriação dos recursos públicos, cujo montante, à época, superava a casa de um milhão de reais. No caso específico, as demais circunstâncias não se podem aferir dos elementos contidos nos autos, ou são
intrínsecas à própria configuração dos tipos penais em discussão, que tem objetivo a vantagem em decorrência dos atos praticados pelo agente, não sendo de valorizá-las para o aumento da pena corporal.
Quanto ao concurso formal, comporta o veredicto recorrido modificação.
A r. sentença condenou o acusado pela prática, em continuidade delitiva, de cento e vinte e quatro vezes, pelo crime do art. 19, da Lei 7.492, bem como pela incidência do art. 4ª, do mesmo diploma legal, considerando autonomamente as penas do crime
continuado, todavia, resultou por aplicar sobre a maior pena imposta (de três anos de reclusão, pelo crime do art. 19) a fração de metade.
Nesse cenário, impende destacar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, firme em que o recrudescimento da pena, no concurso formal, tem como parâmetro e razão de ser o número de delitos perpetrados. Nesse sentido: [...] aumento de pena
referente ao concurso formal de crimes, aplica-se a fração de aumento de 1/6 pela prática de 2 infrações; 1/5, para 3 infrações; 1/4, para 4 infrações; 1/3, para 5 infrações; 1/2, para 6 infrações; e 2/3, para 7 ou mais infrações. Na espécie, observando
o universo de 4 (quatro) crimes cometidos pelo réu, por lógica da operação dosimétrica, deve-se considerar o aumento de 1/4 (um quarto) [...]. (HC 395869 / SP, min. Maria Thereza de Assis Moura, Dje. de 15 de maio de 2017).
Nova dosimetria das penas. Considerando a existência de duas circunstâncias em desfavor do réu - culpabilidade e consequências do crime -, fixo a pena base nos seguintes termos: para o crime do art. 4º, da Lei 7.492, em cinco anos de reclusão, e para o
crime previsto no art. 19, do mencionado diploma legal, em três anos de reclusão. Não há circunstância atenuante ou agravante a ser considerada, ou causa de aumento ou de diminuição. Todavia, incide a regra da continuidade delitiva quanto ao crime do
art. 19, para aumentar de dois terços a pena, que, considerando o número de vezes que o réu praticou o aludido crime (cento e vinte e quatro vezes), passa para cinco anos de reclusão.
Por fim, aplicando a regra do concurso formal, prevista no art. 70, caput, do Código Penal, ressaltando, no aspecto, terem sido iguais as duas reprimendas corporais impostas, neste julgamento, aplica-se, na fração de um sexto, à pena pelo crime do art.
19, que se torna definitiva em cinco anos e dez meses de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime semiaberto.
Manutenção das penas de multa, cominadas na sentença, f. 402, porquanto adequadas.
Improvimento à apelação da defesa. Provimento parcial do recurso do Ministério Público Federal, nos termos definidos.
Ementa
Penal e Processual Penal. Apelações criminais de sentença que condenou o acusado, pela prática dos crimes de gerir fraudulentamente instituição financeira e obter financiamento mediante fraude, tipificados nos arts. 4º e 19 da Lei 7.492, de 1986, à pena
total de quatro anos e seis meses de reclusão, e pagamento de quantia correspondente a sete mil e quinhentos dias-multa.
Narra a denúncia que o réu, no período de 20 de novembro de 2007 a 1º de setembro de 2008, época em que ocupava o cargo de Gerente de Suporte de Negócios da agência do Banco do Nordeste do Brasil, no Município de Brejo Santo, realizou cento e vinte e
quatro operações fraudulentas de crédito com recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, no valor total de um milhão, oitenta e nove mil, seiscentos e quarenta e três reais e vinte e três centavos.
Quanto ao mérito, a sentença não necessita de qualquer reforma.
Os crimes imputados são do tipo que deixam vestígios inequívocos de autoria e materialidade, calcados, no caso presente, em vasta prova documental e identificados por senhas pessoais utilizadas nas movimentações financeiras.
A propósito, é possível colher da sentença, duplamente combatida, os seguintes excertos, assaz esclarecedores da situação fático-jurídica que encerra o cenário processual:
Tanto a materialidade quanto a autoria emergem, claramente, do confronto entre o interrogatório do denunciado, dos depoimentos colhidos em âmbito administrativo e judicial e os documentos acostados aos autos, sobretudo, o Relatório de Sindicância
realizada no âmbito do Banco do Nordeste do Brasil - BNB (fls. 02/24 - P. A. 1.15.002.000150/2009-61 - Anexo I; do Dossiê Integrado do Ministério da Fazenda/RFB (fls. 72/86 - P. A. 1.15.002.000150/2009-61); dos extratos de conta corrente mantida pelo
denunciado (P. A. 1.15.002.000150/2009-61 - Anexo IV), e do detalhamento das movimentações financeiras havidas nas contas investigadas (P. A. 1.15.002.000150/2009-61 - Anexo V), f. 389. E, como arremate, nessa apertada síntese de seu contexto, o enfoque
ao elemento subjetivo, imbuído do dolo, no agir consciente do réu: Assim, a única conclusão possível é a de que o acusado, valendo-se de sua condição de gerente lotado na agência do BNB de Brejo Santo/CE ultimou, ardilosamente, operações de crédito
fraudulentas fomentadas por recursos PRONAF - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, se utilizando, para tanto, de quatro contas correntes mantidas junto à Agência 114 (Brejo Santo) do Banco do Nordeste do Brasil, quais sejam, c.c.
7853-0, em nome de Cícero José de Lucena, cc 10363-1, em nome de Francisco das Chagas Lucena, cc 11305-0, em nome de José Francisco de Moura Alves, e cc 11306-8, em nome de Zilmar Mariano de Souza, f. 395.
Volvendo a questão, pontue-se que a defesa do acusado sequer ataca o acervo probatório dos autos, em que se lastreia a fundamentação da sentença, se insurgindo apenas pela via processual.
Passa-se ao conhecimento das alegações no apelo da defesa, no inconformismo à acusação quanto à autoria, desclassificação da conduta e aplicação da atenuante de confissão, que veementemente postula.
De início, ressalte-se não merecer guarida a afirmação de que, por ser o crime comissivo próprio, não poderia ter incorrido nas figuras típicas descritas nos arts. 4º e 19, ambos da Lei 7.492, de 1986.
O crime previsto no artigo 4° tem o dolo como elemento subjetivo do tipo, no agir ardiloso, intencional e de risco desmedido, a constituir verdadeira aventura a administração do patrimônio da instituição. É crime formal e de perigo de dano, no que se
reveste a ação de gerir de modo fraudulento ou temerário operações financeiras, sendo fundamental para a sua caracterização a habitualidade da conduta, por se tratar de atos de gestão e não de ação isolada. É também crime próprio, que poderá ser
cometido pelas pessoas indicadas no artigo 25, da aludida lei (controlador e administradores de instituição financeira), também assim considerados diretores e gerentes.
De igual modo, pode ser o crime previsto no art. 19 (obter, mediante fraude, financiamento em instituição financeira) perpetrado por qualquer pessoa, bastando que obtenha financiamento fraudulentamente. Nesse sentido, precedente do Tribunal Regional
Federal da 3ª Região, a atroar ser pacífico entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o crime previsto no artigo 19, da Lei nº 7.492/86, é comum, ou seja, não é próprio de controlador, administrador, diretor ou gerente de instituição financeira,
podendo ser cometido por qualquer pessoa (ACR38766, des. Wilson Zauhy [convocado], julgada em 15 de dezembro de 2015).
Com efeito, o elemento característico das condutas imputadas é o risco desmedido do administrador, a imprimir verdadeira aventura na gerência do patrimônio da instituição bancária, em detrimento da ocorrência, ou não, de prejuízo, no que desponta o
antagonismo do correto funcionamento e da credibilidade que se deve ter no Sistema Financeiro Nacional, enquanto bem jurídico tutelado, e as consequências dos atos praticados, v. g., na aprovação de transações irregulares e empréstimos concedidos por
meio de fraude.
Este, o caso dos autos.
Não restam dúvidas que o réu detinha poderes de gerência, na medida em que praticou os crimes pelos quais foi condenado valendo-se do cargo de Gerente de Suporte de Negócios da agência do Banco do Nordeste do Brasil, no Município de Brejo Santo, agindo,
como dito alhures, com dolo, com a habitualidade exigida de por em risco o Sistema Financeiro Nacional.
Também, no caso, manifestamente improcedente é o pedido de desclassificação das condutas para a figura típica do estelionato, uma vez que os delitos em questão são específicos e suas molduras típicas se revelam totalmente preenchidas.
Por último, postulado da defesa, igualmente inoportuna é a revisão da dosimetria da pena, para considerar a aplicação da atenuante da confissão espontânea. A uma, porque as penas-base, dos dois ilícitos, foram aplicadas, na sentença, no mínimo legal,
devendo incidir a orientação sufragada no enunciado da Súmula 231, do Superior Tribunal de Justiça, a disciplinar que a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal. A duas, que se encaixa, agora, como
a mão à luva, neste julgamento, consoante registrou o Ministério Público Federal, nas contrarrazões, não se trata de confissão, uma vez que, ao tempo em que o apelante admite ter realizado as transações, tenta responsabilizar outras pessoas pela prática
de alguns atos por ele praticados, conforme se infere de trechos de seu interrogatório transcrito na sentença à fl. 393, f. 491-492. Trata-se, portanto, da chamada confissão qualificada, em que a jurisprudência somente admite a aplicação da atenuante
prevista no art. 65, inc. III, alínea d, do Código Penal, quando utilizada para fundamentar a sentença, o que não foi o caso.
Nessa senda, revela-se de todo improcedente a pretensão recursal da defesa.
Quanto à apelação do Ministério Público Federal, merece acolhimento em parte, para rever a pena-base imposta na r. sentença, na linha argumentativa do parecer opinativo.
Transcreve-se: Em seguida, da análise do presente feito, percebe-se que assiste razão ao Órgão Ministerial quanto à irresignação referente à pena-base aplicada, haja vista que o magistrado de piso não sopesou adequadamente todas as circunstâncias
judiciais previstas no art. 59, do Código Penal, especialmente, quanto à culpabilidade, às circunstâncias e às consequências do crime, todas consideradas pelo Juízo como favoráveis ao Réu.
Na verdade, a culpabilidade (aferição maior ou menor índice de reprovabilidade da conduta do agente) há de ser considerada acentuada, em virtude do agente ter plenas condições de se determinar conforme o direito, mas preferiu fraudar documentos e
desviar recursos federais destinados ao PRONAF, cometendo o crime por pura ganância e desdenho para com a ordem jurídica e os interesses da sociedade, tendo violado gravemente o bem jurídico tutelado pelas normas penais em comento.
Da mesma forma, as circunstâncias e as consequências do delito são gravíssimas, não só diante do elevado prejuízo causado à Fazenda Pública, na ordem de R$ 1.089.643,23 (hum milhão, oitenta e nove mil, seiscentos e quarenta e três reais e vinte e três
centavos), mas também por não ter havido nem a metade do ressarcimento do prejuízo causado.
Além disso, há de se considerar a importância dos recursos desviados para a região do sertão nordestino, cujo destino seria o fomento e fortalecimento da agricultura familiar, beneficiando, ainda, pescadores artesanais, extrativistas, silvicultores e
aquicultores.
Dessa forma, depreende-se que pelo menos 3 circunstâncias judiciais são desfavoráveis ao Acusado, o que justifica o aumento da pena além do montante fixado pelo magistrado de piso, uma vez que a Sentença objurgada não considerou a desfavorabilidade de
tais circunstâncias judiciais, tendo aplicado a pena-base no mínimo legal.
[...]
Portanto, com fundamento no princípio da individualização das penas, o magistrado sentenciante não poderia ter considerado que a culpabilidade do agente e as consequências e circunstâncias do crime não transcenderam ao ordinário. Razão pela qual, merece
reforma a sentença recorrida para ser majorada a pena-base aplicada.
Revisão da dosimetria.
Na perspectiva, as penas-base aplicadas, na r. sentença, devem ser adequadas aos parâmetros da razoabilidade e da proporcionalidade, no quanto necessária e suficiente para a reprovação e prevenção dos crimes.
A análise do caderno processual apresenta duas circunstâncias a serem valoradas negativamente, e não três como busca a pretensão recursal do Parquet.
Nesse sentido, se mostra em grau elevado a culpabilidade, posto que o réu agiu no pleno exercício de suas funções de gerente da instituição bancária, valendo-se de ser essa condição favorável para o seu intento; também, não se afiguram as consequências
dos crimes normais, em face do desvio e apropriação dos recursos públicos, cujo montante, à época, superava a casa de um milhão de reais. No caso específico, as demais circunstâncias não se podem aferir dos elementos contidos nos autos, ou são
intrínsecas à própria configuração dos tipos penais em discussão, que tem objetivo a vantagem em decorrência dos atos praticados pelo agente, não sendo de valorizá-las para o aumento da pena corporal.
Quanto ao concurso formal, comporta o veredicto recorrido modificação.
A r. sentença condenou o acusado pela prática, em continuidade delitiva, de cento e vinte e quatro vezes, pelo crime do art. 19, da Lei 7.492, bem como pela incidência do art. 4ª, do mesmo diploma legal, considerando autonomamente as penas do crime
continuado, todavia, resultou por aplicar sobre a maior pena imposta (de três anos de reclusão, pelo crime do art. 19) a fração de metade.
Nesse cenário, impende destacar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, firme em que o recrudescimento da pena, no concurso formal, tem como parâmetro e razão de ser o número de delitos perpetrados. Nesse sentido: [...] aumento de pena
referente ao concurso formal de crimes, aplica-se a fração de aumento de 1/6 pela prática de 2 infrações; 1/5, para 3 infrações; 1/4, para 4 infrações; 1/3, para 5 infrações; 1/2, para 6 infrações; e 2/3, para 7 ou mais infrações. Na espécie, observando
o universo de 4 (quatro) crimes cometidos pelo réu, por lógica da operação dosimétrica, deve-se considerar o aumento de 1/4 (um quarto) [...]. (HC 395869 / SP, min. Maria Thereza de Assis Moura, Dje. de 15 de maio de 2017).
Nova dosimetria das penas. Considerando a existência de duas circunstâncias em desfavor do réu - culpabilidade e consequências do crime -, fixo a pena base nos seguintes termos: para o crime do art. 4º, da Lei 7.492, em cinco anos de reclusão, e para o
crime previsto no art. 19, do mencionado diploma legal, em três anos de reclusão. Não há circunstância atenuante ou agravante a ser considerada, ou causa de aumento ou de diminuição. Todavia, incide a regra da continuidade delitiva quanto ao crime do
art. 19, para aumentar de dois terços a pena, que, considerando o número de vezes que o réu praticou o aludido crime (cento e vinte e quatro vezes), passa para cinco anos de reclusão.
Por fim, aplicando a regra do concurso formal, prevista no art. 70, caput, do Código Penal, ressaltando, no aspecto, terem sido iguais as duas reprimendas corporais impostas, neste julgamento, aplica-se, na fração de um sexto, à pena pelo crime do art.
19, que se torna definitiva em cinco anos e dez meses de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime semiaberto.
Manutenção das penas de multa, cominadas na sentença, f. 402, porquanto adequadas.
Improvimento à apelação da defesa. Provimento parcial do recurso do Ministério Público Federal, nos termos definidos.Decisão
UNÂNIME
Data do Julgamento
:
06/06/2017
Data da Publicação
:
08/06/2017
Classe/Assunto
:
ACR - Apelação Criminal - 11714
Órgão Julgador
:
Segunda Turma
Relator(a)
:
Desembargador Federal Vladimir Carvalho
Comarca
:
TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
LEG-FED SUM-231 (STJ)
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
***** CP-40 Codigo Penal
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-171 ART-70 (CAPUT) ART-65 INC-3 LET-D ART-59
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
LEG-FED LEI-7492 ANO-1986 ART-4 ART-19 ART-25
Fonte da publicação
:
DJE - Data::08/06/2017 - Página::68
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