TRF5 0001202-36.2012.4.05.8400 00012023620124058400
PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE RESPONSABILIDADE DE PREFEITO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. MUNICÍPIO DE IELMO MARINHO/RN. FRACIONAMENTO INDEVIDO DE LICITAÇÃO. FRUSTRAÇÃO DA CONCORRÊNCIA NOS CERTAMES. APROPRIAÇÃO E UTILIZAÇÃO INDEVIDA, EM
PROVEITO PRÓPRIO E ALHEIO, DE RENDAS PÚBLICAS FEDERAIS. PAGAMENTO ANTECIPADO PELOS SERVIÇOS. INEXECUÇÃO PARCIAL DO OBJETO DO CONVÊNIO. CONDUTA TIPIFICADA NO ART. 1º, I, DO DECRETO-LEI Nº 201/67. MATERIALIDADE DELITIVA E AUTORIA COMPROVADAS. REVISÃO DA
DOSIMETRIA DAS PENAS. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS. PRESCRIÇÃO RETROATIVA. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO EM RELAÇÃO A PARTE DOS ACUSADOS.
1. Apelações contra sentença que condenou os réus pelo cometimento de crime de responsabilidade previsto no Art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei nº 201/67, em virtude das condutas de fracionamento indevido de licitação, com frustração da concorrência nos
certames, apropriação e utilização indevida, em proveito próprio e alheio, de rendas públicas federais, pagamento antecipado pelos serviços e inexecução parcial do objeto do convênio.
2. Não configura cerceamento de defesa a juntada tardia de documentos pelo Ministério Público Federal, por ocasião do encerramento da etapa instrutória, tendo em vista que os réus têm ampla oportunidade de se defender e exercer o direito ao
contraditório nas alegações finais da Defesa, quando podem impugnar a prova documental produzida. Inexistência de nulidade, sobretudo porque não foi demonstrada a ocorrência de prejuízo (pas de nullité sans grief). Preliminar rejeitada.
3. Caso que envolve a malversação de verbas públicas federais, obtidas por meio do Convênio nº 3342/2001, firmado pelo Município de Ielmo Marinho/RN com a União, através do Ministério da Saúde, que tinha como objeto apoio técnico e financeiro para a
reforma de unidades de saúde da municipalidade, uma delas na sede do Município e outra no distrito de Umari, condutas imputadas ao ex-prefeito, contador e sócios das empresas contratadas.
4. Existência de precedente desta Corte Regional que examinou os mesmos fatos à luz da Lei de Improbidade Administrativa (Processo nº 00114004020094058400, AC nº 555785/RN, Rel. Des. Federal Geraldo Apoliano, 3ª Turma, j. 10/6/2014, DJe 25/6/2014, p.
23) consignando que houve fracionamento indevido de licitação, com frustração da concorrência, pagamento antecipado e inexecução parcial da obra pública, porquanto:
(i) O ex-prefeito deveria ter adotado apenas uma modalidade licitatória, de tomada de preços ou concorrência, ao invés de realizar duas licitações na modalidade convite, o que configurou o fracionamento indevido da licitação, uma vez que o valor das
licitações era a quantia de R$ 165 mil, e a execução dos serviços poderia ser feita por um só agente.
(ii) Houve pagamento antecipado às empresas contratadas para a execução do serviço sem que as obras estivessem concluídas.
(iii) Constatou-se em laudo elaborado por peritos em engenharia civil da Polícia Federal, a divergência de quantitativo quanto aos bens empregados na execução da obra, consubstanciando um prejuízo ao erário no importe de R$ 6.472,00 (seis mil,
quatrocentos e setenta e dois reais), por parte de uma das empresas Rés, e R$ 34.416,39 (trinta e quatro mil, quatrocentos e dezesseis reais e trinta e nove centavos), acrescidos de R$ 10.000,00 (dez mil reais), dada a inexecução de 10% (dez por cento)
da obra, por parte da outra empresa Ré.
5. A prova dos autos é convergente em demonstrar a materialidade delitiva, consubstanciada em extratos bancários evidenciando que o dinheiro público foi sacado poucos dias após a liberação das verbas do convênio, vários relatórios de verificação in loco
demonstrando a inexecução parcial da obra até o final do mandato do ex-prefeito, além de outros documentos relativos ao convênio, inclusive pareceres que examinaram a prestação de contas, prova testemunhal, confirmando que os procedimentos licitatórios
eram fraudados, e confissões extrajudiciais de réus.
6. A autoria delitiva também foi comprovada à saciedade. A conduta do ex-prefeito com o intuito de desviar recursos públicos dessume-se do fato de que foi o próprio réu quem sacou, em dinheiro, a totalidade dos valores destinados à execução do convênio.
A participação do contador consistiu na montagem dos processos licitatórios, cooptação de corréu para abrir empresa de fachada que foi contratada e preparação das notas fiscais ideologicamente falsas para justificar a destinação dada aos recursos
desviados. Os sócios das empresas contratadas tinham ciência do direcionamento da licitação e atuaram em conluio com os corréus, sendo que um deles confessou que era "laranja" do contador e o outro confessou o conluio com o ex-prefeito, propiciando os
desvios mediante percepção de vantagens econômicas indevidas.
7. É cabível a exasperação da pena do mínimo legal por decisão devidamente fundamentada, desde que baseada na análise adequada das circunstâncias judiciais previstas no Art. 59 do Código Penal, considerando no entanto que: (i) o exercício do cargo de
prefeito é inerente ao tipo penal do Art. 1º, I, do Decreto-Lei nº 201/67, não servindo de fundamento para majorar a pena; (ii) é incompatível com o princípio constitucional da presunção da inocência, a majoração da pena-base com base em inquéritos
penais e ações penais em curso, consoante entendimento já consolidado pelo STJ na Súmula nº 444.
8. Revisão parcial da dosimetria das penas aplicadas ao réu Hostílio José de Lara Medina, ex-prefeito do Município de Ielmo Marinho/RN, para manter a valoração negativa das circunstâncias judiciais relativas às circunstâncias do crime, maus antecedentes
e consequências do delito, reduzindo a pena-base fixada para 4 (quatro) anos de reclusão, aumentada para 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão, pela agravante do Art. 62, inciso I, do Código Penal, por ter o réu promovido e dirigido a
participação criminosa dos corréus, pena que se torna definitiva, com regime inicial de cumprimento semi-aberto. Confirmado o decreto da inabilitação, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, mas considerada prejudicada a
sanção de perda do cargo público em face do término do mandato eletivo.
9. Revisão parcial da dosimetria das penas aplicadas aos demais réus para: (i) em relação ao réu Wilson Cavalcante Vieira, contador do Município, manter a valoração negativa das circunstâncias judiciais relativas às circunstâncias do crime e
consequências do delito, reduzindo a pena-base fixada para 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, aumentada para 4 (quatro) anos de reclusão, pela agravante do Art. 62, inciso I, do Código Penal, por ter o réu organizado a cooperação no crime;
(ii) em relação aos réus Cícero Antônio Bezerra e José Bezerra Cavalcanti Filho, sócios das empresas contratadas, fixar a pena definitiva no mínimo legal de 2 (dois) anos de reclusão.
10. Reconhecimento de ofício da prescrição retroativa da pretensão punitiva em respeito aos réus Wilson Cavalcante Vieira, Cícero Antônio Bezerra e José Bezerra Cavalcanti Filho pelas penas impostas em concreto superiores a dois anos que não excedem a
quatro. Hipótese em que transcorreram mais de 9 (nove) entre a data dos fatos (2002/2003) e o recebimento da denúncia (28/6/2012).
11. Recursos parcialmente providos. Decretada a extinção da punibilidade em relação a parte dos réus.
Ementa
PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE RESPONSABILIDADE DE PREFEITO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. MUNICÍPIO DE IELMO MARINHO/RN. FRACIONAMENTO INDEVIDO DE LICITAÇÃO. FRUSTRAÇÃO DA CONCORRÊNCIA NOS CERTAMES. APROPRIAÇÃO E UTILIZAÇÃO INDEVIDA, EM
PROVEITO PRÓPRIO E ALHEIO, DE RENDAS PÚBLICAS FEDERAIS. PAGAMENTO ANTECIPADO PELOS SERVIÇOS. INEXECUÇÃO PARCIAL DO OBJETO DO CONVÊNIO. CONDUTA TIPIFICADA NO ART. 1º, I, DO DECRETO-LEI Nº 201/67. MATERIALIDADE DELITIVA E AUTORIA COMPROVADAS. REVISÃO DA
DOSIMETRIA DAS PENAS. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS. PRESCRIÇÃO RETROATIVA. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO EM RELAÇÃO A PARTE DOS ACUSADOS.
1. Apelações contra sentença que condenou os réus pelo cometimento de crime de responsabilidade previsto no Art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei nº 201/67, em virtude das condutas de fracionamento indevido de licitação, com frustração da concorrência nos
certames, apropriação e utilização indevida, em proveito próprio e alheio, de rendas públicas federais, pagamento antecipado pelos serviços e inexecução parcial do objeto do convênio.
2. Não configura cerceamento de defesa a juntada tardia de documentos pelo Ministério Público Federal, por ocasião do encerramento da etapa instrutória, tendo em vista que os réus têm ampla oportunidade de se defender e exercer o direito ao
contraditório nas alegações finais da Defesa, quando podem impugnar a prova documental produzida. Inexistência de nulidade, sobretudo porque não foi demonstrada a ocorrência de prejuízo (pas de nullité sans grief). Preliminar rejeitada.
3. Caso que envolve a malversação de verbas públicas federais, obtidas por meio do Convênio nº 3342/2001, firmado pelo Município de Ielmo Marinho/RN com a União, através do Ministério da Saúde, que tinha como objeto apoio técnico e financeiro para a
reforma de unidades de saúde da municipalidade, uma delas na sede do Município e outra no distrito de Umari, condutas imputadas ao ex-prefeito, contador e sócios das empresas contratadas.
4. Existência de precedente desta Corte Regional que examinou os mesmos fatos à luz da Lei de Improbidade Administrativa (Processo nº 00114004020094058400, AC nº 555785/RN, Rel. Des. Federal Geraldo Apoliano, 3ª Turma, j. 10/6/2014, DJe 25/6/2014, p.
23) consignando que houve fracionamento indevido de licitação, com frustração da concorrência, pagamento antecipado e inexecução parcial da obra pública, porquanto:
(i) O ex-prefeito deveria ter adotado apenas uma modalidade licitatória, de tomada de preços ou concorrência, ao invés de realizar duas licitações na modalidade convite, o que configurou o fracionamento indevido da licitação, uma vez que o valor das
licitações era a quantia de R$ 165 mil, e a execução dos serviços poderia ser feita por um só agente.
(ii) Houve pagamento antecipado às empresas contratadas para a execução do serviço sem que as obras estivessem concluídas.
(iii) Constatou-se em laudo elaborado por peritos em engenharia civil da Polícia Federal, a divergência de quantitativo quanto aos bens empregados na execução da obra, consubstanciando um prejuízo ao erário no importe de R$ 6.472,00 (seis mil,
quatrocentos e setenta e dois reais), por parte de uma das empresas Rés, e R$ 34.416,39 (trinta e quatro mil, quatrocentos e dezesseis reais e trinta e nove centavos), acrescidos de R$ 10.000,00 (dez mil reais), dada a inexecução de 10% (dez por cento)
da obra, por parte da outra empresa Ré.
5. A prova dos autos é convergente em demonstrar a materialidade delitiva, consubstanciada em extratos bancários evidenciando que o dinheiro público foi sacado poucos dias após a liberação das verbas do convênio, vários relatórios de verificação in loco
demonstrando a inexecução parcial da obra até o final do mandato do ex-prefeito, além de outros documentos relativos ao convênio, inclusive pareceres que examinaram a prestação de contas, prova testemunhal, confirmando que os procedimentos licitatórios
eram fraudados, e confissões extrajudiciais de réus.
6. A autoria delitiva também foi comprovada à saciedade. A conduta do ex-prefeito com o intuito de desviar recursos públicos dessume-se do fato de que foi o próprio réu quem sacou, em dinheiro, a totalidade dos valores destinados à execução do convênio.
A participação do contador consistiu na montagem dos processos licitatórios, cooptação de corréu para abrir empresa de fachada que foi contratada e preparação das notas fiscais ideologicamente falsas para justificar a destinação dada aos recursos
desviados. Os sócios das empresas contratadas tinham ciência do direcionamento da licitação e atuaram em conluio com os corréus, sendo que um deles confessou que era "laranja" do contador e o outro confessou o conluio com o ex-prefeito, propiciando os
desvios mediante percepção de vantagens econômicas indevidas.
7. É cabível a exasperação da pena do mínimo legal por decisão devidamente fundamentada, desde que baseada na análise adequada das circunstâncias judiciais previstas no Art. 59 do Código Penal, considerando no entanto que: (i) o exercício do cargo de
prefeito é inerente ao tipo penal do Art. 1º, I, do Decreto-Lei nº 201/67, não servindo de fundamento para majorar a pena; (ii) é incompatível com o princípio constitucional da presunção da inocência, a majoração da pena-base com base em inquéritos
penais e ações penais em curso, consoante entendimento já consolidado pelo STJ na Súmula nº 444.
8. Revisão parcial da dosimetria das penas aplicadas ao réu Hostílio José de Lara Medina, ex-prefeito do Município de Ielmo Marinho/RN, para manter a valoração negativa das circunstâncias judiciais relativas às circunstâncias do crime, maus antecedentes
e consequências do delito, reduzindo a pena-base fixada para 4 (quatro) anos de reclusão, aumentada para 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão, pela agravante do Art. 62, inciso I, do Código Penal, por ter o réu promovido e dirigido a
participação criminosa dos corréus, pena que se torna definitiva, com regime inicial de cumprimento semi-aberto. Confirmado o decreto da inabilitação, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, mas considerada prejudicada a
sanção de perda do cargo público em face do término do mandato eletivo.
9. Revisão parcial da dosimetria das penas aplicadas aos demais réus para: (i) em relação ao réu Wilson Cavalcante Vieira, contador do Município, manter a valoração negativa das circunstâncias judiciais relativas às circunstâncias do crime e
consequências do delito, reduzindo a pena-base fixada para 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, aumentada para 4 (quatro) anos de reclusão, pela agravante do Art. 62, inciso I, do Código Penal, por ter o réu organizado a cooperação no crime;
(ii) em relação aos réus Cícero Antônio Bezerra e José Bezerra Cavalcanti Filho, sócios das empresas contratadas, fixar a pena definitiva no mínimo legal de 2 (dois) anos de reclusão.
10. Reconhecimento de ofício da prescrição retroativa da pretensão punitiva em respeito aos réus Wilson Cavalcante Vieira, Cícero Antônio Bezerra e José Bezerra Cavalcanti Filho pelas penas impostas em concreto superiores a dois anos que não excedem a
quatro. Hipótese em que transcorreram mais de 9 (nove) entre a data dos fatos (2002/2003) e o recebimento da denúncia (28/6/2012).
11. Recursos parcialmente providos. Decretada a extinção da punibilidade em relação a parte dos réus.Decisão
UNÂNIME
Data do Julgamento
:
05/04/2018
Data da Publicação
:
11/06/2018
Classe/Assunto
:
ACR - Apelação Criminal - 12581
Órgão Julgador
:
Terceira Turma
Relator(a)
:
Desembargador Federal Fernando Braga
Comarca
:
TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
LEG-FED SUM-444 (STJ)
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
LEG-FED LEI-4320 ANO-1964
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
***** CP-40 Codigo Penal
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-59 ART-68 ART-43 ART-44 ART-23 ART-62 INC-1 ART-110 PAR-1 ART-109 INC-4 INC-5 ART-107 INC-4
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
LEG-FED LEI-8137 ANO-1990 ART-11 ART-1 INC-1
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
LEG-FED LEI-4729 ANO-1965 ART-1 INC-1
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
***** CPP-41 Codigo de Processo Penal
LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-400 ART-499 ART-563 ART-231
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
LEG-FED SUM-273 (STJ)
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
LEG-FED DEL-201 ANO-1967 ART-1 INC-1 INC-2 INC-11
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
***** CF-88 Constituição Federal de 1988
ART-5 INC-46
Fonte da publicação
:
DJE - Data::11/06/2018 - Página::37
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