TRF5 0001220-67.2015.4.05.8201 00012206720154058201
PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE FRAUDE AO CARÁTER COMPETITIVO DO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO (ART. 90 DA LEI Nº 8.666/93). APELAÇÃO DO MPF. PENA-BASE. CULPABILIDADE. EXASPERAÇÃO ACIMA DO QUANTUM PROPORCIONAL. AUSÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO. ABSOLVIÇÃO DE
APPN. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. CONJUNTO DA PROVA INDICIÁRIA. CONDENAÇÃO. PROVIMENTO PARCIAL. APELAÇÕES DOS RÉUS. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. ERRO DE TIPO. INOCORRÊNCIA. DOLO DEMONSTRADO. IMPORVIMENTO.
01. Apelações interpostas pelo MPF e pelos réus N.C.C.G. e N.S.S. contra sentença que, julgando parcialmente procedente a pretensão punitiva estatal, absolveu A.P.P.N. (art. 386, VII, do CPP), condenando: 1) N.C.C.G. à pena privativa de liberdade de 2
(dois) anos e 07 (sete) meses e 15 (quinze) dias de detenção, a ser cumprida em regime inicial aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos, cumulada com a multa do art. 99 da Lei nº 8.666/93 no valor de R$ 12.350,51 (doze mil trezentos e
cinquenta reais e cinquenta e um centavos) pela prática do crime previsto no art. 90 do mesmo diploma legal; e 2) N.S.S. à pena privativa de liberdade de 2 (dois) anos e 03 (três) meses de detenção, a ser cumprida em regime inicial aberto, substituída
por duas penas restritivas de direitos, cumulada com a multa do art. 99 da Lei nº 8.666/93 no valor de R$ 9.880,41 (nove mil oitocentos e oitenta reais e quarenta e um centavos) pela prática do crime previsto no art. 90 da referida lei.
02. Apelação do MPF. Carece de razão o órgão acusatório quanto ao primeiro tópico do apelo. Conquanto o entendimento predominante do STJ seja sentido de que "a ponderação das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não é uma operação
aritmética em que se dá pesos absolutos a cada uma delas" (AgRg no HC 188.873/AC, Rel. Ministro JORGE MUSSI, STJ - Quinta Turma, DJe: 16/10/2013), a exasperação da pena-base superior à decorrente do critério de proporção direta ao número de
circunstâncias judiciais valoradas negativamente (art. 59 do CP), com idêntico peso (ou seja, de um oitavo da diferença entre a pena mínima e máxima cominadas), exige fundamentação idônea, a fim de assegurar a obediência aos princípios constitucionais
da proporcionalidade e da individualização da pena. Precedente do STJ: HC 444.181/RJ, Rel. Min. RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma DO STJ, julgado em 05/06/2018, DJe: 12/06/2018.
03. O MPF visa à imposição de peso maior à circunstância judicial da culpabilidade em razão do suposto papel de liderança exercido por N.C.C.G. no esquema de crimes licitatórios apurados em outras ações penais, oriundas da "Operação Gasparzinho", o que,
entretanto, é absolutamente inviável, considerando os limites objetivos da presente ação penal (que trata, especificamente, da fraude na Tomada de Preços nº 04/2008 do Município de Barra de Santana/PB), sob pena de ofender os princípios da correlação e
da congruência. Não merece reparo, portanto, a sentença nesse ponto.
04. Relativamente à absolvição de A.P.P.N., merece acolhida a irresignação do Parquet. A princípio, é de se estranhar a prolação de juízo condenatório, pela prática de fraude ao caráter competitivo de licitação (art. 90 da Lei nº 8.666/93), contra o
proprietário de fato das empresas perdedoras do certame, ao passo que se entendeu que A.P.P.N., o maior beneficiário das fraudes praticadas (visto que era o responsável pela empresa vencedora da licitação - cf. fl. 249 do apenso II do ICP nº
1.24.000.002103/2012-69), não estaria envolvido na trama delitiva. O conjunto da prova indiciária nos autos é suficientemente robusto para fundamentar a condenação do réu A.P.P.N. Considere-se, de partida, a existência incontroversa de três fortes
indícios, os quais o douto magistrado a quo julgou insuficientes, tomados de forma isolada, para a condenação: 1) a constituição irregular da empresa VISÃO CONSTRUÇÕES LTDA., a qual, comprovadamente, estava registrada em nome de "laranjas", como o
próprio réu admitiu em interrogatório (mídia digital de fl. 212, tempo : 06'56''); 2) o fato de a empresa JAF, outra pessoa jurídica irregularmente constituída por A.P.P.N., também ter adquirido o edital do certame (cf. fl. 246 do apenso II do ICP); 3)
a apreensão de documentos encontrados na posse do réu N.C.C.G., nos quais estavam grafados os nomes da empresa VISÃO, JAF e de seu representante ("Neto"), associados a números de telefone e outras anotações sugestivas (cf. fl. 76 do ICP e fls.
350/352).
06. Conforme as regras da experiência, nos casos de conluio para a fraude do caráter competitivo de licitações, é recorrente a similitude de ofertas apresentadas pelas empresas licitantes. No caso em tela, a proposta apresentada por A.P.P.N. distava de
um pouco mais de R$ 500,00 (quinhentos reais) da menor proposta apresentada pelo corréu, condenado no primeiro grau (fl. 247 do apenso II do ICP), valor substancialmente pequeno, se comparado ao preço total da obra orçado pela Prefeitura, no montante de
R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).
07. Como se não bastasse, a existência de prévio acerto entre os réus salta aos olhos quando se observa o projeto apresentado pela empresa VISÃO CONSTRUÇÕES LTDA (fl. 222/230 do apenso II do ICP), o qual possuía a mesma formatação, com uso das mesmas
palavras e valores de serviços muitas vezes idênticos (frise-se, idênticos) aos das propostas apresentadas pela empresa ALSERV (fls. 239/244 do apenso II do ICP) e GIMA (fls. 232/237 do apenso II do ICP), o que demonstra terem sido extraídos de um
modelo comum, também utilizado pelo réu N.C.C.G. Com todas as vênias, se a existência de tal modelo, independente de quem lho tenha fornecido, não pressupõe prévio acerto entre os licitantes, nada mais o poderia comprovar.
08. Em verdade, a apreciação isolada de cada um dos elementos não bastaria para subsidiar condenação; todavia, a apreciação de todo o conjunto probatório, em perspectiva com o contexto delitivo, é suficiente para incutir no julgador a certeza da
coautoria do delito por parte de A.P.P.N. Com efeito, segundo a jurisprudência desta Primeira Turma, "a prova indiciária da co-participação, quando robusta e concordante, constitui base suficiente para a condenação, desde que, submetida a uma análise
crítica (e somada à absoluta falta de verossimilhança da versão dos fatos apresentada pela defesa), produza um todo coerente, capaz de incutir no ânimo do julgador a certeza de sua efetiva participação na trama criminosa" (ACR - Apelação Criminal -
15086, Rel. Des. Federal Roberto Machado, TRF5 - Primeira Turma, Data: 06/12/2017).
09. Não se pode deixar de notar que o réu chegou a ser condenado pelo Juízo da 11ª Vara Federal da Paraíba em razão da prática do mesmo delito ora imputado, através do uso da outra empresa por ele constituída irregularmente (JAF CONSTRUÇÕES E COMÉRCIO
LTDA, a qual, como anteriormente apontado, também adquiriu o edital do certame da Tomada de Preços nº 004/2008), nos autos da ação penal nº 0001495-21.2012.4.05.8201. Nada obstante este TRF5, ao apreciar a ACR nº 14.874/PB, ter declarado extinta a
punibilidade daquele crime, pela prescrição penal retroativa - não podendo tal condenação, portanto, ser utilizada para fins de reincidência (art. 63 do CP) ou de exasperação da pena (art. 59 do CP), o referido édito condenatório, subsidiado nas provas
daqueles autos, ao menos afasta a alegação da defesa, no sentido de que os crimes ora em análise estariam completamente dissociados do vasto esquema de crimes licitatórios apurados, na mesma época, pela Polícia Federal no Estado da Paraíba.
10. O dolo também restou cabalmente comprovado pelo modus operandi empreendido, visto que o réu, em prévio acerto com N.C.C.G., logrou obter para si a adjudicação do objeto da licitação, conferindo ao procedimento o falso aspecto de competição em livre
concorrência, através de atos perfeitamente ordenados ao fim delitivo (constituição irregular da empresa, prévio acordo com o dono das outras empresas "fantasmas" participantes, apresentação de proposta previamente ajustada etc.), o que demonstra a
existência da vontade direcionada à obtenção do resultado criminoso.
11. Condenação de A.P.P.N. Dosimetria. Na primeira fase, apenas as circunstâncias do crime devem ser valoradas negativamente, considerando a constituição irregular da empresa VISÃO CONSTRUÇÕES LTDA em o nome de terceiros ("laranjas"), utilizada
posteriormente para práticas delitivas, em prejuízo ao nome dessas pessoas, o que foge aos elementos ínsitos ao tipo. Pena-base fixada em 2 (dois) anos e 3 (três) meses de detenção. Ausentes atenuantes ou agravantes. Sem causas de aumento ou diminuição.
Pena definitiva fixada em 02 (dois) anos e 03 (três) meses de detenção, a ser cumprida inicialmente em regime aberto, substituída por duas sanções restritivas de direitos, além de multa no valor de 2,0 % sobre o valor do contrato (art. 99, parágrafo 1º,
da Lei nº 8.666/93).
12. No caso, considerando que o crime foi praticado em 10/03/2008, antes, portanto, da entrada em vigor da Lei nº 11.719/2008 (que modificou o art. 387, IV, do CPP), deixa-se de impor quantum mínimo indenizatório.
13. Apelações dos réus. Consoante já ensaiado na apreciação do recurso do MPF, a materialidade do delito restou fartamente comprovada nos autos, sobretudo pela vasta documentação acostada pelo Parquet, constante no ICP nº 1.24.000.002103/2012-69.
14. Relativamente à autoria, todas provas coligidas apontam no sentido de que N.C.C.G. era o proprietário e administrador de fato de duas das empresas que participaram da Tomada de Preços nº 004/2008 (GIMA CONSTRUÇÕES E INCOPORAÇÕES LTDA e ALSERV
CONSTRUTRA LTDA), apresentando à comissão propostas de aspectos formais e ideológicos praticamente idênticos, bastando o mero cotejo das propostas para verificá-lo (fls. 239/244 e 232/237 do vol. II do ICP), com valores praticamente iguais, diferindo em
apenas R$ 61,78 (sessenta e um reais e setenta e oito centavos).
15. A primeira empresa, constituída em nome de dois indivíduos de vulnerável condição socioeconômica (um pedreiro e um agricultor), sempre foi dirigida, indiscutivelmente, pelo réu (cf. depoimentos dos donos formais da empresa e interceptações
telefônicas à mídia de fl. 76 do vol. I do ICP). Por sua vez, também ficou comprovado que a segunda, embora de quadro societário mais extenso, era de propriedade de fato do acusado, sendo por ele gerenciada junto com N.S.S., conforme se pode verificar
do depoimento de Patrick Cordeiro Guedes (um dos donos, em tese, da empresa), o qual afirmou categoricamente que "a ALSERV é administrada por N.[C.C.G.]" (mídia de fl. 179 do vol. I do ICP); bem como da versão apresentada pelo corréu N.S.S., segundo o
qual "de fato, a empresa era do Sr. N.[C.C.G.]", e que apenas assinava os documentos que este último lhe trazia por ser o suposto dono da empresa (mídia digital de fl. 176). No mesmo sentido é o testemunho de Pedro Cândido Aguiar (ibidem).
16. Na medida em que o acusado apresentou ao certame duas empresas que estavam sob a sua titularidade material, cuja sede era a mesma e que apresentaram propostas praticamente idênticas ao Poder Público, restou translúcida a autoria delitiva, bem como o
intuito deliberado de burlar o caráter competitivo do procedimento licitatório, no mínimo, como apontou a magistrada a quo, a fim de "majorar suas possibilidades de êxito em detrimento dos demais licitantes" (fl. 316). Ademais, os elementos intelectivo
e volitivo da conduta de N.C.C.G. ficaram caracterizados enquanto premissas da responsabilização criminal de A.P.P.N., reconhecida na presente decisão, vez que ficou translúcida a existência de prévio conluio entre os acusados desta ação penal.
17. Relativamente a N.S.S., tampouco há que se falar em ocorrência de erro de tipo ou ausência de comprovação de conduta dolosa. De fato, durante a instrução, evidenciou-se que ele não apenas funcionava no esquema na qualidade de "laranja", porquanto,
ao contrário dos demais, possuía uma postura ativa, participando efetivamente da administração. Como o próprio acusado admitiu em interrogatório, ele foi originalmente convidado por N.C.C.G. para participar de uma "suposta sociedade", em que,
entretanto, "seguia, fazia, participava em licitações" (sic - cf. interrogatório do réu, mídia digital de fl. 176), de modo absolutamente voluntário. Além disso, no caso sub examine, o réu não apenas subscreveu a Carta Proposta de Preços em nome da
ALSERV, na qualidade de "dono" da ALSERV (fl. 239 do vol. II do ICP), como também compareceu à fase de habilitação do procedimento, exatamente no mesmo horário e local em que N.C.C.G. se apresentara como proprietário da empresa GIMA (fl. 246 do vol. II
do ICP), o que demonstra a perfeita consciência de ambos na participação do engodo, que visava a dar ares de competitividade à licitação.
18. Irrefutáveis, portanto, a autoria e a materialidade delitivas, bem como o dolo na conduta dos agentes, devendo-se manter a sentença condenatória em todos os seus termos.
19. Apelação do MPF parcialmente provida, apenas para condenar o réu A.P.P.N. à pena de 02 (dois) anos e 3 (três) meses de detenção, a ser cumprida inicialmente em regime aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos, além de multa no valor
de R$ 9.880,41 (art. 99, parágrafo 1º, da Lei nº 8.666/93), pela prática do delito previsto no art. 90 da Lei nº 8.666/93. Apelação dos réus improvidas.
Ementa
PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE FRAUDE AO CARÁTER COMPETITIVO DO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO (ART. 90 DA LEI Nº 8.666/93). APELAÇÃO DO MPF. PENA-BASE. CULPABILIDADE. EXASPERAÇÃO ACIMA DO QUANTUM PROPORCIONAL. AUSÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO. ABSOLVIÇÃO DE
APPN. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. CONJUNTO DA PROVA INDICIÁRIA. CONDENAÇÃO. PROVIMENTO PARCIAL. APELAÇÕES DOS RÉUS. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. ERRO DE TIPO. INOCORRÊNCIA. DOLO DEMONSTRADO. IMPORVIMENTO.
01. Apelações interpostas pelo MPF e pelos réus N.C.C.G. e N.S.S. contra sentença que, julgando parcialmente procedente a pretensão punitiva estatal, absolveu A.P.P.N. (art. 386, VII, do CPP), condenando: 1) N.C.C.G. à pena privativa de liberdade de 2
(dois) anos e 07 (sete) meses e 15 (quinze) dias de detenção, a ser cumprida em regime inicial aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos, cumulada com a multa do art. 99 da Lei nº 8.666/93 no valor de R$ 12.350,51 (doze mil trezentos e
cinquenta reais e cinquenta e um centavos) pela prática do crime previsto no art. 90 do mesmo diploma legal; e 2) N.S.S. à pena privativa de liberdade de 2 (dois) anos e 03 (três) meses de detenção, a ser cumprida em regime inicial aberto, substituída
por duas penas restritivas de direitos, cumulada com a multa do art. 99 da Lei nº 8.666/93 no valor de R$ 9.880,41 (nove mil oitocentos e oitenta reais e quarenta e um centavos) pela prática do crime previsto no art. 90 da referida lei.
02. Apelação do MPF. Carece de razão o órgão acusatório quanto ao primeiro tópico do apelo. Conquanto o entendimento predominante do STJ seja sentido de que "a ponderação das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não é uma operação
aritmética em que se dá pesos absolutos a cada uma delas" (AgRg no HC 188.873/AC, Rel. Ministro JORGE MUSSI, STJ - Quinta Turma, DJe: 16/10/2013), a exasperação da pena-base superior à decorrente do critério de proporção direta ao número de
circunstâncias judiciais valoradas negativamente (art. 59 do CP), com idêntico peso (ou seja, de um oitavo da diferença entre a pena mínima e máxima cominadas), exige fundamentação idônea, a fim de assegurar a obediência aos princípios constitucionais
da proporcionalidade e da individualização da pena. Precedente do STJ: HC 444.181/RJ, Rel. Min. RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma DO STJ, julgado em 05/06/2018, DJe: 12/06/2018.
03. O MPF visa à imposição de peso maior à circunstância judicial da culpabilidade em razão do suposto papel de liderança exercido por N.C.C.G. no esquema de crimes licitatórios apurados em outras ações penais, oriundas da "Operação Gasparzinho", o que,
entretanto, é absolutamente inviável, considerando os limites objetivos da presente ação penal (que trata, especificamente, da fraude na Tomada de Preços nº 04/2008 do Município de Barra de Santana/PB), sob pena de ofender os princípios da correlação e
da congruência. Não merece reparo, portanto, a sentença nesse ponto.
04. Relativamente à absolvição de A.P.P.N., merece acolhida a irresignação do Parquet. A princípio, é de se estranhar a prolação de juízo condenatório, pela prática de fraude ao caráter competitivo de licitação (art. 90 da Lei nº 8.666/93), contra o
proprietário de fato das empresas perdedoras do certame, ao passo que se entendeu que A.P.P.N., o maior beneficiário das fraudes praticadas (visto que era o responsável pela empresa vencedora da licitação - cf. fl. 249 do apenso II do ICP nº
1.24.000.002103/2012-69), não estaria envolvido na trama delitiva. O conjunto da prova indiciária nos autos é suficientemente robusto para fundamentar a condenação do réu A.P.P.N. Considere-se, de partida, a existência incontroversa de três fortes
indícios, os quais o douto magistrado a quo julgou insuficientes, tomados de forma isolada, para a condenação: 1) a constituição irregular da empresa VISÃO CONSTRUÇÕES LTDA., a qual, comprovadamente, estava registrada em nome de "laranjas", como o
próprio réu admitiu em interrogatório (mídia digital de fl. 212, tempo : 06'56''); 2) o fato de a empresa JAF, outra pessoa jurídica irregularmente constituída por A.P.P.N., também ter adquirido o edital do certame (cf. fl. 246 do apenso II do ICP); 3)
a apreensão de documentos encontrados na posse do réu N.C.C.G., nos quais estavam grafados os nomes da empresa VISÃO, JAF e de seu representante ("Neto"), associados a números de telefone e outras anotações sugestivas (cf. fl. 76 do ICP e fls.
350/352).
06. Conforme as regras da experiência, nos casos de conluio para a fraude do caráter competitivo de licitações, é recorrente a similitude de ofertas apresentadas pelas empresas licitantes. No caso em tela, a proposta apresentada por A.P.P.N. distava de
um pouco mais de R$ 500,00 (quinhentos reais) da menor proposta apresentada pelo corréu, condenado no primeiro grau (fl. 247 do apenso II do ICP), valor substancialmente pequeno, se comparado ao preço total da obra orçado pela Prefeitura, no montante de
R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).
07. Como se não bastasse, a existência de prévio acerto entre os réus salta aos olhos quando se observa o projeto apresentado pela empresa VISÃO CONSTRUÇÕES LTDA (fl. 222/230 do apenso II do ICP), o qual possuía a mesma formatação, com uso das mesmas
palavras e valores de serviços muitas vezes idênticos (frise-se, idênticos) aos das propostas apresentadas pela empresa ALSERV (fls. 239/244 do apenso II do ICP) e GIMA (fls. 232/237 do apenso II do ICP), o que demonstra terem sido extraídos de um
modelo comum, também utilizado pelo réu N.C.C.G. Com todas as vênias, se a existência de tal modelo, independente de quem lho tenha fornecido, não pressupõe prévio acerto entre os licitantes, nada mais o poderia comprovar.
08. Em verdade, a apreciação isolada de cada um dos elementos não bastaria para subsidiar condenação; todavia, a apreciação de todo o conjunto probatório, em perspectiva com o contexto delitivo, é suficiente para incutir no julgador a certeza da
coautoria do delito por parte de A.P.P.N. Com efeito, segundo a jurisprudência desta Primeira Turma, "a prova indiciária da co-participação, quando robusta e concordante, constitui base suficiente para a condenação, desde que, submetida a uma análise
crítica (e somada à absoluta falta de verossimilhança da versão dos fatos apresentada pela defesa), produza um todo coerente, capaz de incutir no ânimo do julgador a certeza de sua efetiva participação na trama criminosa" (ACR - Apelação Criminal -
15086, Rel. Des. Federal Roberto Machado, TRF5 - Primeira Turma, Data: 06/12/2017).
09. Não se pode deixar de notar que o réu chegou a ser condenado pelo Juízo da 11ª Vara Federal da Paraíba em razão da prática do mesmo delito ora imputado, através do uso da outra empresa por ele constituída irregularmente (JAF CONSTRUÇÕES E COMÉRCIO
LTDA, a qual, como anteriormente apontado, também adquiriu o edital do certame da Tomada de Preços nº 004/2008), nos autos da ação penal nº 0001495-21.2012.4.05.8201. Nada obstante este TRF5, ao apreciar a ACR nº 14.874/PB, ter declarado extinta a
punibilidade daquele crime, pela prescrição penal retroativa - não podendo tal condenação, portanto, ser utilizada para fins de reincidência (art. 63 do CP) ou de exasperação da pena (art. 59 do CP), o referido édito condenatório, subsidiado nas provas
daqueles autos, ao menos afasta a alegação da defesa, no sentido de que os crimes ora em análise estariam completamente dissociados do vasto esquema de crimes licitatórios apurados, na mesma época, pela Polícia Federal no Estado da Paraíba.
10. O dolo também restou cabalmente comprovado pelo modus operandi empreendido, visto que o réu, em prévio acerto com N.C.C.G., logrou obter para si a adjudicação do objeto da licitação, conferindo ao procedimento o falso aspecto de competição em livre
concorrência, através de atos perfeitamente ordenados ao fim delitivo (constituição irregular da empresa, prévio acordo com o dono das outras empresas "fantasmas" participantes, apresentação de proposta previamente ajustada etc.), o que demonstra a
existência da vontade direcionada à obtenção do resultado criminoso.
11. Condenação de A.P.P.N. Dosimetria. Na primeira fase, apenas as circunstâncias do crime devem ser valoradas negativamente, considerando a constituição irregular da empresa VISÃO CONSTRUÇÕES LTDA em o nome de terceiros ("laranjas"), utilizada
posteriormente para práticas delitivas, em prejuízo ao nome dessas pessoas, o que foge aos elementos ínsitos ao tipo. Pena-base fixada em 2 (dois) anos e 3 (três) meses de detenção. Ausentes atenuantes ou agravantes. Sem causas de aumento ou diminuição.
Pena definitiva fixada em 02 (dois) anos e 03 (três) meses de detenção, a ser cumprida inicialmente em regime aberto, substituída por duas sanções restritivas de direitos, além de multa no valor de 2,0 % sobre o valor do contrato (art. 99, parágrafo 1º,
da Lei nº 8.666/93).
12. No caso, considerando que o crime foi praticado em 10/03/2008, antes, portanto, da entrada em vigor da Lei nº 11.719/2008 (que modificou o art. 387, IV, do CPP), deixa-se de impor quantum mínimo indenizatório.
13. Apelações dos réus. Consoante já ensaiado na apreciação do recurso do MPF, a materialidade do delito restou fartamente comprovada nos autos, sobretudo pela vasta documentação acostada pelo Parquet, constante no ICP nº 1.24.000.002103/2012-69.
14. Relativamente à autoria, todas provas coligidas apontam no sentido de que N.C.C.G. era o proprietário e administrador de fato de duas das empresas que participaram da Tomada de Preços nº 004/2008 (GIMA CONSTRUÇÕES E INCOPORAÇÕES LTDA e ALSERV
CONSTRUTRA LTDA), apresentando à comissão propostas de aspectos formais e ideológicos praticamente idênticos, bastando o mero cotejo das propostas para verificá-lo (fls. 239/244 e 232/237 do vol. II do ICP), com valores praticamente iguais, diferindo em
apenas R$ 61,78 (sessenta e um reais e setenta e oito centavos).
15. A primeira empresa, constituída em nome de dois indivíduos de vulnerável condição socioeconômica (um pedreiro e um agricultor), sempre foi dirigida, indiscutivelmente, pelo réu (cf. depoimentos dos donos formais da empresa e interceptações
telefônicas à mídia de fl. 76 do vol. I do ICP). Por sua vez, também ficou comprovado que a segunda, embora de quadro societário mais extenso, era de propriedade de fato do acusado, sendo por ele gerenciada junto com N.S.S., conforme se pode verificar
do depoimento de Patrick Cordeiro Guedes (um dos donos, em tese, da empresa), o qual afirmou categoricamente que "a ALSERV é administrada por N.[C.C.G.]" (mídia de fl. 179 do vol. I do ICP); bem como da versão apresentada pelo corréu N.S.S., segundo o
qual "de fato, a empresa era do Sr. N.[C.C.G.]", e que apenas assinava os documentos que este último lhe trazia por ser o suposto dono da empresa (mídia digital de fl. 176). No mesmo sentido é o testemunho de Pedro Cândido Aguiar (ibidem).
16. Na medida em que o acusado apresentou ao certame duas empresas que estavam sob a sua titularidade material, cuja sede era a mesma e que apresentaram propostas praticamente idênticas ao Poder Público, restou translúcida a autoria delitiva, bem como o
intuito deliberado de burlar o caráter competitivo do procedimento licitatório, no mínimo, como apontou a magistrada a quo, a fim de "majorar suas possibilidades de êxito em detrimento dos demais licitantes" (fl. 316). Ademais, os elementos intelectivo
e volitivo da conduta de N.C.C.G. ficaram caracterizados enquanto premissas da responsabilização criminal de A.P.P.N., reconhecida na presente decisão, vez que ficou translúcida a existência de prévio conluio entre os acusados desta ação penal.
17. Relativamente a N.S.S., tampouco há que se falar em ocorrência de erro de tipo ou ausência de comprovação de conduta dolosa. De fato, durante a instrução, evidenciou-se que ele não apenas funcionava no esquema na qualidade de "laranja", porquanto,
ao contrário dos demais, possuía uma postura ativa, participando efetivamente da administração. Como o próprio acusado admitiu em interrogatório, ele foi originalmente convidado por N.C.C.G. para participar de uma "suposta sociedade", em que,
entretanto, "seguia, fazia, participava em licitações" (sic - cf. interrogatório do réu, mídia digital de fl. 176), de modo absolutamente voluntário. Além disso, no caso sub examine, o réu não apenas subscreveu a Carta Proposta de Preços em nome da
ALSERV, na qualidade de "dono" da ALSERV (fl. 239 do vol. II do ICP), como também compareceu à fase de habilitação do procedimento, exatamente no mesmo horário e local em que N.C.C.G. se apresentara como proprietário da empresa GIMA (fl. 246 do vol. II
do ICP), o que demonstra a perfeita consciência de ambos na participação do engodo, que visava a dar ares de competitividade à licitação.
18. Irrefutáveis, portanto, a autoria e a materialidade delitivas, bem como o dolo na conduta dos agentes, devendo-se manter a sentença condenatória em todos os seus termos.
19. Apelação do MPF parcialmente provida, apenas para condenar o réu A.P.P.N. à pena de 02 (dois) anos e 3 (três) meses de detenção, a ser cumprida inicialmente em regime aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos, além de multa no valor
de R$ 9.880,41 (art. 99, parágrafo 1º, da Lei nº 8.666/93), pela prática do delito previsto no art. 90 da Lei nº 8.666/93. Apelação dos réus improvidas.Decisão
UNÂNIME
Data do Julgamento
:
13/12/2018
Data da Publicação
:
09/01/2019
Classe/Assunto
:
ACR - Apelação Criminal - 14959
Órgão Julgador
:
Primeira Turma
Relator(a)
:
Desembargador Federal Leonardo Resende Martins
Comarca
:
TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
LEG-FED LEI-11719 ANO-2008
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***** CP-40 Codigo Penal
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-59 ART-63
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LEG-FED LEI-8666 ANO-1993 ART-90 ART-99 PAR-1
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***** CPP-41 Codigo de Processo Penal
LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-386 INC-7 ART-387 INC-4
Fonte da publicação
:
DJE - Data::09/01/2019 - Página::47
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