TRF5 0001277-03.2011.4.05.8500 00012770320114058500
PENAL E PROCESSUAL PENAL. APLICAÇÃO DE FINANCIMENTO EM FINALIDADE DIVERSA (ART. 20 DA LEI 7.492/86). CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. CRIME DE ESTELIONATO APONTADO NA DENÚNCIA (ART. 171 DO CP). EMENDATIO LIBELLI. OBTENÇÃO FRAUDULENTA DE
FINANCIAMENTO (ART. 19 DA LEI 7.492/1986). SENTENÇA PROLATADA POR JUIZ DIVERSO DO DA INSTRUÇÃO. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO (ART. 1º, VI, LEI 9.613/1998). OCULTAÇÃO E
DISSIMULAÇÃO DE VULTOSOS MONTANTES DE DINHEIRO. CRIME ANTECEDENTE CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. AUTORIA DELITUOSA. PRESENÇA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. REPARAÇÃO DOS DANOS CIVIS. IMPOSSIBILIDADE. IMPROVIMENTO DA
APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E PARCIAL PROVIMENTO DO APELO DO RÉU.
- Cuida-se de apelações interpostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e pelo réu EDMAR GOMES DE AZEVEDO contra sentença que julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva, para absolvê-lo da imputação do art. 288 do Código Penal, pela extinção da
punibilidade, e dos arts. 19 da Lei 7.492/1986 e 1º, V, da Lei 9.613/1998, à luz do art. 386, III, do Código de Processo Penal, e condená-lo à prática do crime previsto no art. 20, caput, da Lei 7.492/1986, às penas de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses
de reclusão, em regime de cumprimento inicialmente semiaberto, e de 200 (duzentos) dias-multa, cada qual valorado em 2 (dois) salários mínimos vigente à época dos fatos e atualizados quando da execução, além da fixação do valor mínimo para reparação dos
dados (art. 387, IV, do Código de Processo Penal) em R$ 4.173.379,28 (quatro milhões, cento e setenta e três mil, trezentos e setenta e nove reais e vinte e oito centavos).
- Em suas razões de apelo, aduz o órgão acusador a presença de prova suficiente à configuração dos crimes descritos no art. 19 da Lei nº 7.492/1986 e no art. 1º, V, da Lei nº 9.613/1998, requerendo a reforma parcial da sentença para a condenação do réu
igualmente nesses crimes.
- Também irresignada, a defesa apela pugnando, em suas razões recursais, pela nulidade do processo e da sentença, face à violação do princípio da identidade física do juiz e por repousar a condenação em prova emprestada sem o crivo do contraditório, com
a sua consequente absolvição pelo crime em que restou condenado, pedido que reforça ao fundamento da atipicidade da conduta. Caso assim não entenda, acusa de exacerbada a pena-base e a pena de multa, pretendendo, ainda, ser excluída a condenação em
ressarcimento dos danos civis.
- Configura o crime contra o sistema financeiro nacional delineado no art. 19 da Lei 7.492/1986, a conduta de obter, mediante fraude, financiamento em instituição financeira. O art. 20 da mesma lei capitula como crime a aplicação, em finalidade diversa
da prevista em lei ou contrato, recursos provenientes de financiamento concedido por instituição financeira oficial ou por instituição credenciada para repassá-lo.
- Caracteriza o crime de lavagem de dinheiro delineado no art. 1º, inciso VI, da Lei 9.613/1998 (Lei de Lavagem de Dinheiro e de Capitais), por sua vez, a conduta de ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou
propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, do crime contra o sistema financeiro nacional.
- Narra a peça acusatória que o réu EDMAR GOMES DE AZEVEDO, em comunhão de esforços com Fernando Antônio Porpino Estruc, Juscelino dos Anjos Bourbon e Juliano César Leite Torres, sócios e administradores da PROMASA - Produtos Médicos de Aracaju S/A,
teria obtido, de modo fraudulento, recursos do Fundo de Investimento do Nordeste - FINOR, para viabilizar projeto, aprovado pela SUDENE e destinado à implantação de uma fábrica de seringas descartáveis no Distrito Industrial do Município de Nossa
Senhora do Socorro/SE, e também dissimulado diversas operações pra encobrir a apropriação e o desvio dos valores assim obtidos, mediante repasse para empresas do mesmo grupo econômico.
- Em que pese parágrafo 2º do art. 399 do Estatuto Processual Penal sacramentar que o juiz presidente da audiência instrutória deverá proferir a sentença, há hipóteses que excepcionalizam o princípio da identidade física do julgador, como decorrência
lógica da necessidade de dar constante impulso oficial ao andamento dos feitos, quando o juiz acha-se convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado. Nessas situações, assume a condução das ações e processos o juiz que o
suceder ou for para tanto designado. É remansoso no Superior Tribunal de Justiça, no âmbito das duas Turmas especializadas em matéria criminal, o entendimento no sentido de que o princípio da identidade física do juiz, na esfera do processo penal, não é
absoluto e pode ser relativizado, na hipótese de afastamento regular do magistrado que preside a instrução processual, em consonância com a disciplina legal estampada no Código de Processo Civil (art. 132 do CPC/73 vigorante à época da prolação da
sentença), aplicado subsidiariamente à Lei Instrumental Penal por força do art. 3º (AgRg no RHC 72935-MS, 5ª Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 10/10/2017, DJE 18/10/2017; REsp 1537995-PE, 6ª Turma, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 01/12/2016, DJE
14/12/2016).
- Suscita o réu, outrossim, ainda em sede preambular, que a investigação policial e a consequente ação penal basearam-se em procedimento administrativo instaurado pela CGU, desprovido de contraditório. Tal alegação não merece prosperar. Ao contrário do
que afirma o apelante, não se está diante da utilização de prova emprestada. As referências feitas, na sentença, aos procedimentos instaurados no âmbito da CGU, não se constituem na única prova mediante a qual se assentou o decreto condenatório. Vale
acentuar que, além da prova obtida com a medida cautelar de busca e apreensão na sede da PROMASA S/A, localizada no Município de Nossa Senhora do Socorro/SE, a sentença recorrida encontra-se apoiada em outros elementos probantes, tais como, informes
obtidos a partir da quebra do sigilo bancário das empresas Webal Automação em Plásticos LTDA, CBMA Representação e Comércio LTDA e Ásia Máquinas LTDA, além de dois relatórios confeccionados pelo Departamento de Combate a Ilícitos Cambiais e Financeiros
(DECIF) da Gerência Técnica do Banco Central do Brasil.
- Nega o réu, no tablado do mérito, a sua autoria criminosa, sob o título de atipicidade da conduta imputada, pois advoga que o Projeto de Financiamento com recursos do FINOR foi aprovado pela SUDENE em 03 de setembro de 1993, porém, somente em 09 de
maio de 1997, houve a liberação da primeira parcela do empréstimo no valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), não podendo, assim, apurar delito no período de 1993 a 1996. Assevera, outrossim, que, antes da liberação da primeira parcela, transferiu,
em acerto informal, o controle acionário da PROMASA para o Grupo Figueira Varela, tendo a SUDENE apenas autorizado tal transferência em 1998. Com isso, como o réu, segundo defende, retirou-se da administração da PROMASA, deixando de ser diretor
presidente, com a transferência de suas ações, devidamente homologadas pela SUDENE, não participou da aplicação dos recursos do FINOR no empreendimento, o que afastaria a sua responsabilidade penal em relação ao tipo descrito no art. 20 da Lei
7.492/1986. Complementa, ainda, o réu que as operações correspondentes aos desvios de recursos ocorreram no ano de 1999, quando já havia se retirado da sociedade empresarial, com autorização da SUDENE. A construção do galpão de instalação da fábrica, a
aquisição de equipamentos e utilitários em desacordo com o contrato celebrado com a SUDENE foram perfectibilizados pelos novos administradores que o sucederam na PROMASA.
- No entanto, a análise cuidadosa do presente caderno processual bem revela a existência de elementos de prova suficientes e robustos, calcados primordialmente em farta prova documental, que conduzem à constatação da presença indubitável da irrefutável
autoria delituosa na prática do tipo do art. 20 da Lei 7.492/1986, a autorizar a consequente mantença da condenação do réu.
- Antes de tudo, é de bom alvitre registrar que o réu permaneceu na PROMASA, no período de julho de 1989, época de sua constituição (fl. 14, do 1º Volume, do Apenso I), a 13 de outubro de 1998 (fls. 26/29, do 1º Volume, do Apenso I). Não merece,
portanto, qualquer credibilidade a tese de que não se encontrava na época dos desvios de recursos do FINOR obtido perante a SUDENE na gestão da PROMASA, realizando diversos atos negociais. Constata-se às fls. 264/286 (1º Volume, do Apenso I) a
existência de recibos subscritos pelo réu, datados de outubro e novembro de 1997, declarando quitação à PROMASA por créditos que o réu teria junto àquela empresa. Contudo, tais valores, a bem da verdade, no montante de cerca de R$ 250.000,00 (duzentos e
cinquenta mil reais), eram recursos do FINOR. Aliás, até a sua saída em 1998, a iniciativa da contratação da empresa Advance Engenharia LTDA, com irregularidades no pagamento por serviços e obras não realizadas ou realizadas em contrariedade ao projeto
aprovado pela SUDENE, partiram do réu, tendo ele próprio sacado os valores da conta da PROMASA. No período de 09 de maio de 1997 a 13 de abril de 2000, a SUDENE liberou, como demonstra às fls. 15 e 21 do Volume I, do Apenso I, em favor da PROMASA,
aproximadamente R$ 3.193.294,00 (três milhões, cento e noventa e três mil e duzentos e noventa e quatro reais), que correspondiam à época a 92% (noventa e dois) por cento dos recursos financiados, por meio do Banco do Nordeste do Brasil. Como se não
bastasse, foram constatadas, no conjunto da prova constante do relatório da CGU, vários adiantamentos às empresas Webal Automação LTDA e CBMA Representação e Comércio LTDA, no período de 29 de dezembro de 1997 a 1º de junho de 1998, justamente na época
da gestão do réu à frente da PROMASA, de somas de recursos do FINOR que totalizaram o montante de R$ 1.256.360,00 (um milhão, duzentos e cinquenta e seis mil e trezentos e sessenta reais), para a aquisição de maquinário que apresentou especificações
distintas daquelas constantes do projeto aprovado pela SUDENE. Em que pese ter havido algum maquinário adquirido, o certo é que a PROMASA nunca entrou em funcionamento, tendo os recursos do FINOR sido desviados de sua finalidade prevista no contrato que
convolou com a SUDENE. Assim, indubitável a presença de autoria criminosa e tipicidade na perpetração pelo réu do delito de desvio de finalidade de financiamento previsto no art. 20 da Lei 7.492/1986.
- Ainda sustenta o réu apelante que as circunstâncias judiciais do art. 59 do CPB são favoráveis e que, especificamente em relação à culpabilidade, as elementares do próprio tipo penal não podem servir para valorá-la negativamente, sob pena de incorrer
em bis in idem. Daí a pena-base merecer ser fixada no mínimo legal. Ocorre, porém, que, embora as circunstâncias judiciais consideradas no édito condenatório desfavoráveis tenham sido a culpabilidade, as circunstâncias do crime, os motivos e as
consequências do delito, nada discorre a respeito das demais, a não ser a culpabilidade. Esse aspecto, por si só, já sepulta a pretensão de reduzir a pena-base para o mínimo legal, na medida em que ainda restariam três circunstâncias desfavoráveis,
recomendando, pois, a elevação da reprimenda na primeira fase da dosimetria da pena.
- Quanto à culpabilidade, a sentença andou bem em fundamentar sobre aspectos que tornam a reprovabilidade do réu ainda mais acentuada. Discorre a esse respeito o juízo a quo que: "o elevado grau de censura a ele atribuível justifica-se, especialmente,
em razão de sua condição de empresário há vários anos, afeito às vicissitudes do ramo empresarial e dos aspectos voltados à assunção de obrigações no cumprimento de vultosa operação de financiamento com recursos públicos". Essas circunstâncias
específicas não se encontram contempladas nas elementares do tipo do art. 20 da Lei 7.492/1986, falecendo, nesta esteira, qualquer pretensão de redução da pena-base para o mínimo legal.
- O juízo a quo, em sede de dosimetria, observou todas as fases na aplicação da pena privativa de liberdade, sobretudo no que concerne à fixação da pena-base e, por conseguinte, da multa. No entanto, um capítulo da sentença merece ser reformado. Aquele
que condena o réu ao pagamento da reparação econômica do dano efetivo na ordem de R$ 4.173.379,28 (quatro milhões, cento e setenta e três mil, trezentos e setenta e nove reais e vinte e oito centavos), de acordo com o disposto no art. 387, IV, do Código
de Processo Penal. É que o crime de desvio de finalidade do financiamento estampado no art. 20 da Lei 7.492/1986 foi perpetrado pelo réu antes da edição da Lei 11.718/2008, não podendo, dado o seu caráter também de norma de direito material, retroagir
para alcançar fatos delituosos anteriores, em atenção ao princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa.
- O Pleno deste Tribunal, em harmonia com precedente do STJ a respeito, já pacificou o entendimento no sentido de não incidir a condenação em reparação de danos civis por força do art. 387, IV, do CPP, para os crimes praticados antes do advento da Lei
11.718/2008 (RVCR - Revisão Criminal - 231, Rel. Des. (Conv.) Sérgio Murilo Wanderley Queiroga, por maioria, j. 13/09/2017, DJE 28/09/2017).
- O Ministério Público Federal insurge-se contra a absolvição do réu em relação aos crimes dos arts. 19 da Lei 7.492/1986 e 1º, VI, da Lei 9.613/1998. A conduta típica do art. 19 da Lei 7.492/1986 é obter financiamento perante instituição financeira
mediante fraude. O elemento subjetivo do crime consiste na vontade de ludibriar instituição financeira para conseguir vantagem econômica. O crime insculpido no art. 19 da Lei 7.492/1976 é formal, nada importando, portanto, haver prejuízo à instituição
financeira. Além do mais, o delito consuma-se com a simples concessão do empréstimo.
- Na hipótese em análise, a prova existente nos autos não indica que a concessão do financiamento tenha sido fraudulenta, assim entendido como a utilização de ardil ou artifício para ludibriar a SUDENE ou o Banco do Nordeste do Brasil. No relatório da
CGU não se aponta qualquer elemento indiciário de que tenha havido fraude, nem sequer a testemunha arrolada pela acusação assim sinaliza. Eventuais omissões encontradiças na escrita contábil da PROMASA apenas se constituem em mera irregularidade, que em
nada se aproximam de alguma fraude. Nem muito menos se pode conceber a prática do crime de lavagem de dinheiro insculpido no art. 1º, inciso VI, da Lei 9.613/1998. Segundo a acusação, o delito de branqueamento de capitais decorreria das inúmeras
operações de transferências de recursos entre empresas. Entretanto, o parquet federal apenas alega, sem, ao menos, apontar a relação entre as transferências de valores entre contas e aplicações financeiras por ordens de crédito ou tantos outros serviços
bancários. Demais disso, os valores repassados pelo FINOR, através do BNB, à PROMASA (e que seriam objeto da alegada lavagem de dinheiro) não possuíam origem ilícita, na medida em que derivados de financiamento regularmente obtido por esta empresa junto
à SUDENE, não havendo, antes da prática das condutas descritas que configurariam o delito do art. 1º da Lei 9.613/1998, crime antecedente a dar guarida à suposta ocultação de valores.
- Parcial provimento da apelação do réu, para excluir da condenação a reparação econômica do dano efetivo, e improvimento do apelo do Ministério Público Federal.
Ementa
PENAL E PROCESSUAL PENAL. APLICAÇÃO DE FINANCIMENTO EM FINALIDADE DIVERSA (ART. 20 DA LEI 7.492/86). CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. CRIME DE ESTELIONATO APONTADO NA DENÚNCIA (ART. 171 DO CP). EMENDATIO LIBELLI. OBTENÇÃO FRAUDULENTA DE
FINANCIAMENTO (ART. 19 DA LEI 7.492/1986). SENTENÇA PROLATADA POR JUIZ DIVERSO DO DA INSTRUÇÃO. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO (ART. 1º, VI, LEI 9.613/1998). OCULTAÇÃO E
DISSIMULAÇÃO DE VULTOSOS MONTANTES DE DINHEIRO. CRIME ANTECEDENTE CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. AUTORIA DELITUOSA. PRESENÇA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. REPARAÇÃO DOS DANOS CIVIS. IMPOSSIBILIDADE. IMPROVIMENTO DA
APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E PARCIAL PROVIMENTO DO APELO DO RÉU.
- Cuida-se de apelações interpostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e pelo réu EDMAR GOMES DE AZEVEDO contra sentença que julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva, para absolvê-lo da imputação do art. 288 do Código Penal, pela extinção da
punibilidade, e dos arts. 19 da Lei 7.492/1986 e 1º, V, da Lei 9.613/1998, à luz do art. 386, III, do Código de Processo Penal, e condená-lo à prática do crime previsto no art. 20, caput, da Lei 7.492/1986, às penas de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses
de reclusão, em regime de cumprimento inicialmente semiaberto, e de 200 (duzentos) dias-multa, cada qual valorado em 2 (dois) salários mínimos vigente à época dos fatos e atualizados quando da execução, além da fixação do valor mínimo para reparação dos
dados (art. 387, IV, do Código de Processo Penal) em R$ 4.173.379,28 (quatro milhões, cento e setenta e três mil, trezentos e setenta e nove reais e vinte e oito centavos).
- Em suas razões de apelo, aduz o órgão acusador a presença de prova suficiente à configuração dos crimes descritos no art. 19 da Lei nº 7.492/1986 e no art. 1º, V, da Lei nº 9.613/1998, requerendo a reforma parcial da sentença para a condenação do réu
igualmente nesses crimes.
- Também irresignada, a defesa apela pugnando, em suas razões recursais, pela nulidade do processo e da sentença, face à violação do princípio da identidade física do juiz e por repousar a condenação em prova emprestada sem o crivo do contraditório, com
a sua consequente absolvição pelo crime em que restou condenado, pedido que reforça ao fundamento da atipicidade da conduta. Caso assim não entenda, acusa de exacerbada a pena-base e a pena de multa, pretendendo, ainda, ser excluída a condenação em
ressarcimento dos danos civis.
- Configura o crime contra o sistema financeiro nacional delineado no art. 19 da Lei 7.492/1986, a conduta de obter, mediante fraude, financiamento em instituição financeira. O art. 20 da mesma lei capitula como crime a aplicação, em finalidade diversa
da prevista em lei ou contrato, recursos provenientes de financiamento concedido por instituição financeira oficial ou por instituição credenciada para repassá-lo.
- Caracteriza o crime de lavagem de dinheiro delineado no art. 1º, inciso VI, da Lei 9.613/1998 (Lei de Lavagem de Dinheiro e de Capitais), por sua vez, a conduta de ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou
propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, do crime contra o sistema financeiro nacional.
- Narra a peça acusatória que o réu EDMAR GOMES DE AZEVEDO, em comunhão de esforços com Fernando Antônio Porpino Estruc, Juscelino dos Anjos Bourbon e Juliano César Leite Torres, sócios e administradores da PROMASA - Produtos Médicos de Aracaju S/A,
teria obtido, de modo fraudulento, recursos do Fundo de Investimento do Nordeste - FINOR, para viabilizar projeto, aprovado pela SUDENE e destinado à implantação de uma fábrica de seringas descartáveis no Distrito Industrial do Município de Nossa
Senhora do Socorro/SE, e também dissimulado diversas operações pra encobrir a apropriação e o desvio dos valores assim obtidos, mediante repasse para empresas do mesmo grupo econômico.
- Em que pese parágrafo 2º do art. 399 do Estatuto Processual Penal sacramentar que o juiz presidente da audiência instrutória deverá proferir a sentença, há hipóteses que excepcionalizam o princípio da identidade física do julgador, como decorrência
lógica da necessidade de dar constante impulso oficial ao andamento dos feitos, quando o juiz acha-se convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado. Nessas situações, assume a condução das ações e processos o juiz que o
suceder ou for para tanto designado. É remansoso no Superior Tribunal de Justiça, no âmbito das duas Turmas especializadas em matéria criminal, o entendimento no sentido de que o princípio da identidade física do juiz, na esfera do processo penal, não é
absoluto e pode ser relativizado, na hipótese de afastamento regular do magistrado que preside a instrução processual, em consonância com a disciplina legal estampada no Código de Processo Civil (art. 132 do CPC/73 vigorante à época da prolação da
sentença), aplicado subsidiariamente à Lei Instrumental Penal por força do art. 3º (AgRg no RHC 72935-MS, 5ª Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 10/10/2017, DJE 18/10/2017; REsp 1537995-PE, 6ª Turma, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 01/12/2016, DJE
14/12/2016).
- Suscita o réu, outrossim, ainda em sede preambular, que a investigação policial e a consequente ação penal basearam-se em procedimento administrativo instaurado pela CGU, desprovido de contraditório. Tal alegação não merece prosperar. Ao contrário do
que afirma o apelante, não se está diante da utilização de prova emprestada. As referências feitas, na sentença, aos procedimentos instaurados no âmbito da CGU, não se constituem na única prova mediante a qual se assentou o decreto condenatório. Vale
acentuar que, além da prova obtida com a medida cautelar de busca e apreensão na sede da PROMASA S/A, localizada no Município de Nossa Senhora do Socorro/SE, a sentença recorrida encontra-se apoiada em outros elementos probantes, tais como, informes
obtidos a partir da quebra do sigilo bancário das empresas Webal Automação em Plásticos LTDA, CBMA Representação e Comércio LTDA e Ásia Máquinas LTDA, além de dois relatórios confeccionados pelo Departamento de Combate a Ilícitos Cambiais e Financeiros
(DECIF) da Gerência Técnica do Banco Central do Brasil.
- Nega o réu, no tablado do mérito, a sua autoria criminosa, sob o título de atipicidade da conduta imputada, pois advoga que o Projeto de Financiamento com recursos do FINOR foi aprovado pela SUDENE em 03 de setembro de 1993, porém, somente em 09 de
maio de 1997, houve a liberação da primeira parcela do empréstimo no valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), não podendo, assim, apurar delito no período de 1993 a 1996. Assevera, outrossim, que, antes da liberação da primeira parcela, transferiu,
em acerto informal, o controle acionário da PROMASA para o Grupo Figueira Varela, tendo a SUDENE apenas autorizado tal transferência em 1998. Com isso, como o réu, segundo defende, retirou-se da administração da PROMASA, deixando de ser diretor
presidente, com a transferência de suas ações, devidamente homologadas pela SUDENE, não participou da aplicação dos recursos do FINOR no empreendimento, o que afastaria a sua responsabilidade penal em relação ao tipo descrito no art. 20 da Lei
7.492/1986. Complementa, ainda, o réu que as operações correspondentes aos desvios de recursos ocorreram no ano de 1999, quando já havia se retirado da sociedade empresarial, com autorização da SUDENE. A construção do galpão de instalação da fábrica, a
aquisição de equipamentos e utilitários em desacordo com o contrato celebrado com a SUDENE foram perfectibilizados pelos novos administradores que o sucederam na PROMASA.
- No entanto, a análise cuidadosa do presente caderno processual bem revela a existência de elementos de prova suficientes e robustos, calcados primordialmente em farta prova documental, que conduzem à constatação da presença indubitável da irrefutável
autoria delituosa na prática do tipo do art. 20 da Lei 7.492/1986, a autorizar a consequente mantença da condenação do réu.
- Antes de tudo, é de bom alvitre registrar que o réu permaneceu na PROMASA, no período de julho de 1989, época de sua constituição (fl. 14, do 1º Volume, do Apenso I), a 13 de outubro de 1998 (fls. 26/29, do 1º Volume, do Apenso I). Não merece,
portanto, qualquer credibilidade a tese de que não se encontrava na época dos desvios de recursos do FINOR obtido perante a SUDENE na gestão da PROMASA, realizando diversos atos negociais. Constata-se às fls. 264/286 (1º Volume, do Apenso I) a
existência de recibos subscritos pelo réu, datados de outubro e novembro de 1997, declarando quitação à PROMASA por créditos que o réu teria junto àquela empresa. Contudo, tais valores, a bem da verdade, no montante de cerca de R$ 250.000,00 (duzentos e
cinquenta mil reais), eram recursos do FINOR. Aliás, até a sua saída em 1998, a iniciativa da contratação da empresa Advance Engenharia LTDA, com irregularidades no pagamento por serviços e obras não realizadas ou realizadas em contrariedade ao projeto
aprovado pela SUDENE, partiram do réu, tendo ele próprio sacado os valores da conta da PROMASA. No período de 09 de maio de 1997 a 13 de abril de 2000, a SUDENE liberou, como demonstra às fls. 15 e 21 do Volume I, do Apenso I, em favor da PROMASA,
aproximadamente R$ 3.193.294,00 (três milhões, cento e noventa e três mil e duzentos e noventa e quatro reais), que correspondiam à época a 92% (noventa e dois) por cento dos recursos financiados, por meio do Banco do Nordeste do Brasil. Como se não
bastasse, foram constatadas, no conjunto da prova constante do relatório da CGU, vários adiantamentos às empresas Webal Automação LTDA e CBMA Representação e Comércio LTDA, no período de 29 de dezembro de 1997 a 1º de junho de 1998, justamente na época
da gestão do réu à frente da PROMASA, de somas de recursos do FINOR que totalizaram o montante de R$ 1.256.360,00 (um milhão, duzentos e cinquenta e seis mil e trezentos e sessenta reais), para a aquisição de maquinário que apresentou especificações
distintas daquelas constantes do projeto aprovado pela SUDENE. Em que pese ter havido algum maquinário adquirido, o certo é que a PROMASA nunca entrou em funcionamento, tendo os recursos do FINOR sido desviados de sua finalidade prevista no contrato que
convolou com a SUDENE. Assim, indubitável a presença de autoria criminosa e tipicidade na perpetração pelo réu do delito de desvio de finalidade de financiamento previsto no art. 20 da Lei 7.492/1986.
- Ainda sustenta o réu apelante que as circunstâncias judiciais do art. 59 do CPB são favoráveis e que, especificamente em relação à culpabilidade, as elementares do próprio tipo penal não podem servir para valorá-la negativamente, sob pena de incorrer
em bis in idem. Daí a pena-base merecer ser fixada no mínimo legal. Ocorre, porém, que, embora as circunstâncias judiciais consideradas no édito condenatório desfavoráveis tenham sido a culpabilidade, as circunstâncias do crime, os motivos e as
consequências do delito, nada discorre a respeito das demais, a não ser a culpabilidade. Esse aspecto, por si só, já sepulta a pretensão de reduzir a pena-base para o mínimo legal, na medida em que ainda restariam três circunstâncias desfavoráveis,
recomendando, pois, a elevação da reprimenda na primeira fase da dosimetria da pena.
- Quanto à culpabilidade, a sentença andou bem em fundamentar sobre aspectos que tornam a reprovabilidade do réu ainda mais acentuada. Discorre a esse respeito o juízo a quo que: "o elevado grau de censura a ele atribuível justifica-se, especialmente,
em razão de sua condição de empresário há vários anos, afeito às vicissitudes do ramo empresarial e dos aspectos voltados à assunção de obrigações no cumprimento de vultosa operação de financiamento com recursos públicos". Essas circunstâncias
específicas não se encontram contempladas nas elementares do tipo do art. 20 da Lei 7.492/1986, falecendo, nesta esteira, qualquer pretensão de redução da pena-base para o mínimo legal.
- O juízo a quo, em sede de dosimetria, observou todas as fases na aplicação da pena privativa de liberdade, sobretudo no que concerne à fixação da pena-base e, por conseguinte, da multa. No entanto, um capítulo da sentença merece ser reformado. Aquele
que condena o réu ao pagamento da reparação econômica do dano efetivo na ordem de R$ 4.173.379,28 (quatro milhões, cento e setenta e três mil, trezentos e setenta e nove reais e vinte e oito centavos), de acordo com o disposto no art. 387, IV, do Código
de Processo Penal. É que o crime de desvio de finalidade do financiamento estampado no art. 20 da Lei 7.492/1986 foi perpetrado pelo réu antes da edição da Lei 11.718/2008, não podendo, dado o seu caráter também de norma de direito material, retroagir
para alcançar fatos delituosos anteriores, em atenção ao princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa.
- O Pleno deste Tribunal, em harmonia com precedente do STJ a respeito, já pacificou o entendimento no sentido de não incidir a condenação em reparação de danos civis por força do art. 387, IV, do CPP, para os crimes praticados antes do advento da Lei
11.718/2008 (RVCR - Revisão Criminal - 231, Rel. Des. (Conv.) Sérgio Murilo Wanderley Queiroga, por maioria, j. 13/09/2017, DJE 28/09/2017).
- O Ministério Público Federal insurge-se contra a absolvição do réu em relação aos crimes dos arts. 19 da Lei 7.492/1986 e 1º, VI, da Lei 9.613/1998. A conduta típica do art. 19 da Lei 7.492/1986 é obter financiamento perante instituição financeira
mediante fraude. O elemento subjetivo do crime consiste na vontade de ludibriar instituição financeira para conseguir vantagem econômica. O crime insculpido no art. 19 da Lei 7.492/1976 é formal, nada importando, portanto, haver prejuízo à instituição
financeira. Além do mais, o delito consuma-se com a simples concessão do empréstimo.
- Na hipótese em análise, a prova existente nos autos não indica que a concessão do financiamento tenha sido fraudulenta, assim entendido como a utilização de ardil ou artifício para ludibriar a SUDENE ou o Banco do Nordeste do Brasil. No relatório da
CGU não se aponta qualquer elemento indiciário de que tenha havido fraude, nem sequer a testemunha arrolada pela acusação assim sinaliza. Eventuais omissões encontradiças na escrita contábil da PROMASA apenas se constituem em mera irregularidade, que em
nada se aproximam de alguma fraude. Nem muito menos se pode conceber a prática do crime de lavagem de dinheiro insculpido no art. 1º, inciso VI, da Lei 9.613/1998. Segundo a acusação, o delito de branqueamento de capitais decorreria das inúmeras
operações de transferências de recursos entre empresas. Entretanto, o parquet federal apenas alega, sem, ao menos, apontar a relação entre as transferências de valores entre contas e aplicações financeiras por ordens de crédito ou tantos outros serviços
bancários. Demais disso, os valores repassados pelo FINOR, através do BNB, à PROMASA (e que seriam objeto da alegada lavagem de dinheiro) não possuíam origem ilícita, na medida em que derivados de financiamento regularmente obtido por esta empresa junto
à SUDENE, não havendo, antes da prática das condutas descritas que configurariam o delito do art. 1º da Lei 9.613/1998, crime antecedente a dar guarida à suposta ocultação de valores.
- Parcial provimento da apelação do réu, para excluir da condenação a reparação econômica do dano efetivo, e improvimento do apelo do Ministério Público Federal.Decisão
UNÂNIME
Data do Julgamento
:
21/11/2017
Data da Publicação
:
30/11/2017
Classe/Assunto
:
ACR - Apelação Criminal - 11491
Órgão Julgador
:
Segunda Turma
Relator(a)
:
Desembargador Federal Leonardo Carvalho
Comarca
:
TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Tipo
:
Acórdão
Revisor
:
Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima
Referência
legislativa
:
LEG-FED LEI-11719 ANO-2008
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LEG-FED LEI-9998 ANO-2000
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LEG-FED LEI-11718 ANO-2008
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LEG-FED SUM-545 (STJ)
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LEG-FED SUM-7 (STJ)
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***** CPC-73 Código de Processo Civil
LEG-FED LEI-5869 ANO-1973 ART-132
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***** CPP-41 Codigo de Processo Penal
LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-386 INC-7 ART-387 INC-4 ART-383 ART-399 PAR-2 ART-3 ART-580 ART-621 INC-1 INC-3
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LEG-FED LEI-9613 ANO-1998 ART-1 INC-5 INC-6
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LEG-FED LEI-7492 ANO-1986 ART-19 ART-20 (CAPUT)
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***** CP-40 Codigo Penal
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-107 INC-4 ART-109 INC-4 ART-288 ART-171 ART-313-A ART-29 ART-30 ART-59 ART-62 INC-4 ART-33 PAR-2 LET-C
Fonte da publicação
:
DJE - Data::30/11/2017 - Página::80
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