TRF5 00016870219994058300
CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. CONTRATO DE MÚTUO HABITACIONAL. REVISÃO. POSICIONAMENTOS ASSENTADO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, SOB O REGIME DOS RECURSOS REPETITIVOS.
1. Apelações interpostas contra sentença de parcial procedência do pedido, exarada em ação ordinária de revisão de contrato de mútuo habitacional, firmado no âmbito do SFH.
2. O SFH foi criado com vistas a estimular a construção de habitações de interesse social e a possibilitar a aquisição da casa própria pelas classes da população que percebiam menor renda e que, portanto, não tinham condições de recorrer à iniciativa privada. O SFH foi fundado no direito à moradia, agasalhado esse pela Constituição Federal como direito social, necessidade premente do trabalhador. Consoante se apreende da evolução normativa da matéria, ao SFH se confere conotação nitidamente social (decorrente de sua finalidade), sendo a ele inerente o equilíbrio que deve permear a relação entre a renda do mutuário e as prestações do financiamento.
3. O princípio do pacta sunt servanda deve ser interpretado de forma harmônica com as outras normas jurídicas que integram o ordenamento, impondo-se o seu sopeso, inclusive e especialmente, diante do escopo do negócio jurídico ajustado.
4. O CDC é aplicável aos contratos de mútuo celebrados sob o regramento do SFH.
5. A relação contratual em questão desdobra-se em três momentos: 5.1. contratação originária (em 23.09.82): prestações reajustadas anualmente, segundo o PES ("na mesma proporção da variação da UPC verificada entre o trimestre civil do último reajustamento ocorrido e o trimestre civil da época do reajustamento"); 5.2. primeira alteração contratual (de 23.02.84): prestações reajustadas, a partir de 1º.07.83, anualmente, com opção pelo "Dec. 2065 - 80% SM" ("pela efetiva variação do maior salário mínimo verificado entre os reajustamentos"); 5.3. segundo alteração contratual (de 1º.07.85): reajuste das prestações segundo o PES/CP ("pelo mesmo percentual de aumento da categoria salarial"). Analisando esses vários instantes, o perito judicial concluiu, respectivamente: 5.1.a. a instituição financeira aplicou o índice correto; 5.1.b. a instituição financeira, de igual modo, aplicou o índice correto; 5.1.c. não foram respeitados os índices PES/CP aplicáveis, já que não observados, nem o Banco de Índices PES/CP Categoria Monitorada Funcionário Público Civil Federal, nem os contracheques da mutuária.
5. Assim, tendo, a instituição financeira, descumprido o critério contratual de reajustamento das prestações mensais do mútuo, segundo os reajustes salariais da categoria profissional da mutuária (PES/CP), impõe-se sua condenação a efetuar as correções devidas. Parcial provimento da apelação da CEF/EMGEA nesse ponto, mantendo a sentença de procedência do pedido de revisão quanto aos reajustes das prestações do mútuo apenas a partir de 1º.07.85.
6. A Lei 8.177/91, no seu art. 15, determinou a utilização da TR para os contratos em curso que contivessem cláusula expressa de utilização da UPC como índice de correção. Determinou, ainda, a referida lei, no art. 18 que: "Os saldos devedores e as prestações dos contratos celebrados até 24 de novembro de 1986 por entidades integrantes dos Sistemas Financeiros da Habitação e do Saneamento (SFH e SFS), com cláusula de atualização monetária pela variação da UPC, da OTN, do Salário Mínimo ou do Salário Mínimo de Referência, passam, a partir de fevereiro de 1991, a ser atualizados pela taxa aplicável à remuneração básica dos Depósitos de Poupança com data de aniversário no dia 1°, mantidas a periodicidade e as taxas de juros estabelecidas contratualmente". Entendimento do STJ em acórdão de recurso repetitivo: "1. Para os efeitos do art. 543-C do CPC: 1.1. No âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, a partir da Lei 8.177/91, é permitida a utilização da Taxa Referencial (TR) como índice de correção monetária do saldo devedor. Ainda que o contrato tenha sido firmado antes da Lei n.º 8.177/91, também é cabível a aplicação da TR, desde que haja previsão contratual de correção monetária pela taxa básica de remuneração dos depósitos em poupança, sem nenhum outro índice específico" (STJ, REsp 969.129/MG, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/12/2009, DJe 15/12/2009). Súmula 454, do STJ. Provimento da apelação da CEF/EMGEA nesse ponto.
7. O anatocismo é vedado, salvo nas hipóteses expressamente permitidas por lei, o que não é o caso do SFH. Constatado o anatocismo, in casu, mormente pela amortização negativa, impõe-se sua supressão. "O Sistema Francês de Amortização, Tabela Price, não prevê, a priori, incidência de juros sobre juros. Todavia, na hipótese de o valor da prestação ser insuficiente para cobrir a parcela relativa aos juros, pode ocorrer de o resíduo não pago ser incorporado ao saldo devedor e sobre ele virem a incidir os juros da parcela subseqüente, configurando-se anatocismo, vedado em nosso sistema jurídico./Assim, para evitar a cobrança de juros sobre juros, os Tribunais pátrios passaram a determinar que o quantum devido a título de juros não amortizados fosse lançado em conta separada, sujeita somente à correção monetária. Tal providência não ofende o ordenamento jurídico brasileiro" (STJ, AgRg no REsp 1070224/RS, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/03/2010, DJe 18/03/2010). Apelação da CEF/EMGEA não provida nessa parte.
8. "Nos contratos vinculados ao SFH, a atualização do saldo devedor antecede sua amortização pelo pagamento da prestação" (Súmula 450, do STJ). Apelo da mutuária não provido nesse ponto.
9. Não se pode condenar a instituição financeira à devolução dobrada, se não agiu com má-fé. "A aplicação da sanção prevista no art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor pressupõe a existência de pagamento indevido e má-fé do credor, o que, na hipótese, não está evidenciado" (STJ, AgRg no REsp 1107478/SC, Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 17/09/2009, DJe 05/10/2009). Desprovimento da apelação da mutuária nessa parte.
10. O montante pago a maior deve ser dirigido à quitação das prestações em atraso, se houver, e, se ainda assim houver sobra, ao pagamento das prestações vincendas e à amortização do saldo devedor, nessa ordem, não havendo que se falar em restituição.
11. Sucumbência recíproca mantida, por estar configurada a hipótese do art. 21, do CPC.
12. Desprovimento da apelação da mutuária.
13. Apelação da CEF/EMGEA parcialmente provida.
(PROCESSO: 00016870219994058300, AC495407/PE, DESEMBARGADOR FEDERAL FREDERICO PINTO DE AZEVEDO (CONVOCADO), Primeira Turma, JULGAMENTO: 09/09/2010, PUBLICAÇÃO: DJE 17/09/2010 - Página 183)
Ementa
CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. CONTRATO DE MÚTUO HABITACIONAL. REVISÃO. POSICIONAMENTOS ASSENTADO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, SOB O REGIME DOS RECURSOS REPETITIVOS.
1. Apelações interpostas contra sentença de parcial procedência do pedido, exarada em ação ordinária de revisão de contrato de mútuo habitacional, firmado no âmbito do SFH.
2. O SFH foi criado com vistas a estimular a construção de habitações de interesse social e a possibilitar a aquisição da casa própria pelas classes da população que percebiam menor renda e que, portanto, não tinham condições de recorrer à iniciativa privada. O SFH foi fundado no direito à moradia, agasalhado esse pela Constituição Federal como direito social, necessidade premente do trabalhador. Consoante se apreende da evolução normativa da matéria, ao SFH se confere conotação nitidamente social (decorrente de sua finalidade), sendo a ele inerente o equilíbrio que deve permear a relação entre a renda do mutuário e as prestações do financiamento.
3. O princípio do pacta sunt servanda deve ser interpretado de forma harmônica com as outras normas jurídicas que integram o ordenamento, impondo-se o seu sopeso, inclusive e especialmente, diante do escopo do negócio jurídico ajustado.
4. O CDC é aplicável aos contratos de mútuo celebrados sob o regramento do SFH.
5. A relação contratual em questão desdobra-se em três momentos: 5.1. contratação originária (em 23.09.82): prestações reajustadas anualmente, segundo o PES ("na mesma proporção da variação da UPC verificada entre o trimestre civil do último reajustamento ocorrido e o trimestre civil da época do reajustamento"); 5.2. primeira alteração contratual (de 23.02.84): prestações reajustadas, a partir de 1º.07.83, anualmente, com opção pelo "Dec. 2065 - 80% SM" ("pela efetiva variação do maior salário mínimo verificado entre os reajustamentos"); 5.3. segundo alteração contratual (de 1º.07.85): reajuste das prestações segundo o PES/CP ("pelo mesmo percentual de aumento da categoria salarial"). Analisando esses vários instantes, o perito judicial concluiu, respectivamente: 5.1.a. a instituição financeira aplicou o índice correto; 5.1.b. a instituição financeira, de igual modo, aplicou o índice correto; 5.1.c. não foram respeitados os índices PES/CP aplicáveis, já que não observados, nem o Banco de Índices PES/CP Categoria Monitorada Funcionário Público Civil Federal, nem os contracheques da mutuária.
5. Assim, tendo, a instituição financeira, descumprido o critério contratual de reajustamento das prestações mensais do mútuo, segundo os reajustes salariais da categoria profissional da mutuária (PES/CP), impõe-se sua condenação a efetuar as correções devidas. Parcial provimento da apelação da CEF/EMGEA nesse ponto, mantendo a sentença de procedência do pedido de revisão quanto aos reajustes das prestações do mútuo apenas a partir de 1º.07.85.
6. A Lei 8.177/91, no seu art. 15, determinou a utilização da TR para os contratos em curso que contivessem cláusula expressa de utilização da UPC como índice de correção. Determinou, ainda, a referida lei, no art. 18 que: "Os saldos devedores e as prestações dos contratos celebrados até 24 de novembro de 1986 por entidades integrantes dos Sistemas Financeiros da Habitação e do Saneamento (SFH e SFS), com cláusula de atualização monetária pela variação da UPC, da OTN, do Salário Mínimo ou do Salário Mínimo de Referência, passam, a partir de fevereiro de 1991, a ser atualizados pela taxa aplicável à remuneração básica dos Depósitos de Poupança com data de aniversário no dia 1°, mantidas a periodicidade e as taxas de juros estabelecidas contratualmente". Entendimento do STJ em acórdão de recurso repetitivo: "1. Para os efeitos do art. 543-C do CPC: 1.1. No âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, a partir da Lei 8.177/91, é permitida a utilização da Taxa Referencial (TR) como índice de correção monetária do saldo devedor. Ainda que o contrato tenha sido firmado antes da Lei n.º 8.177/91, também é cabível a aplicação da TR, desde que haja previsão contratual de correção monetária pela taxa básica de remuneração dos depósitos em poupança, sem nenhum outro índice específico" (STJ, REsp 969.129/MG, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/12/2009, DJe 15/12/2009). Súmula 454, do STJ. Provimento da apelação da CEF/EMGEA nesse ponto.
7. O anatocismo é vedado, salvo nas hipóteses expressamente permitidas por lei, o que não é o caso do SFH. Constatado o anatocismo, in casu, mormente pela amortização negativa, impõe-se sua supressão. "O Sistema Francês de Amortização, Tabela Price, não prevê, a priori, incidência de juros sobre juros. Todavia, na hipótese de o valor da prestação ser insuficiente para cobrir a parcela relativa aos juros, pode ocorrer de o resíduo não pago ser incorporado ao saldo devedor e sobre ele virem a incidir os juros da parcela subseqüente, configurando-se anatocismo, vedado em nosso sistema jurídico./Assim, para evitar a cobrança de juros sobre juros, os Tribunais pátrios passaram a determinar que o quantum devido a título de juros não amortizados fosse lançado em conta separada, sujeita somente à correção monetária. Tal providência não ofende o ordenamento jurídico brasileiro" (STJ, AgRg no REsp 1070224/RS, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/03/2010, DJe 18/03/2010). Apelação da CEF/EMGEA não provida nessa parte.
8. "Nos contratos vinculados ao SFH, a atualização do saldo devedor antecede sua amortização pelo pagamento da prestação" (Súmula 450, do STJ). Apelo da mutuária não provido nesse ponto.
9. Não se pode condenar a instituição financeira à devolução dobrada, se não agiu com má-fé. "A aplicação da sanção prevista no art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor pressupõe a existência de pagamento indevido e má-fé do credor, o que, na hipótese, não está evidenciado" (STJ, AgRg no REsp 1107478/SC, Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 17/09/2009, DJe 05/10/2009). Desprovimento da apelação da mutuária nessa parte.
10. O montante pago a maior deve ser dirigido à quitação das prestações em atraso, se houver, e, se ainda assim houver sobra, ao pagamento das prestações vincendas e à amortização do saldo devedor, nessa ordem, não havendo que se falar em restituição.
11. Sucumbência recíproca mantida, por estar configurada a hipótese do art. 21, do CPC.
12. Desprovimento da apelação da mutuária.
13. Apelação da CEF/EMGEA parcialmente provida.
(PROCESSO: 00016870219994058300, AC495407/PE, DESEMBARGADOR FEDERAL FREDERICO PINTO DE AZEVEDO (CONVOCADO), Primeira Turma, JULGAMENTO: 09/09/2010, PUBLICAÇÃO: DJE 17/09/2010 - Página 183)
Data do Julgamento
:
09/09/2010
Classe/Assunto
:
Apelação Civel - AC495407/PE
Órgão Julgador
:
Primeira Turma
Relator(a)
:
Desembargador Federal Frederico Pinto de Azevedo (Convocado)
Comarca
:
Tribunal Regional Federal - 5ª Região
Código do documento
:
239794
PublicaÇÕes
:
Diário da Justiça Eletrônico TRF5 (DJE) - 17/09/2010 - Página 183
DecisÃo
:
UNÂNIME
Veja tambÉm
:
REsp 969129/MG (STJ)AgRg no REsp 1070224/RS (STJ)AgRg no REsp 1107478/SC (STJ)RESP 838372/RS (STJ)
ReferÊncias legislativas
:
CPC-73 Código de Processo Civil LEG-FED LEI-5869 ANO-1973 ART-290 INC-1 ART-20 PAR-3 ART-3 ART-543-C ART-21
CDC-90 Código de Defesa do Consumidor LEG-FED LEI-8078 ANO-1990 ART-42 PAR-ÚNICO
CC-02 Código Civil LEG-FED LEI-10406 ANO-2002 ART-586
LICC-42 Lei de Introdução ao Codigo Civil LEG-FED DEL-4657 ANO-1942 ART-6
LEG-FED LEI-8004 ANO-1990 ART-22
LEG-FED LEI-8177 ANO-1991 ART-15 ART-18
LEG-FED SUM-454 (STJ)
LEG-FED SUM-450 (STJ)
LEG-FED SUM-5 (STJ)
LEG-FED SUM-7 (STJ)
Votantes
:
Desembargador Federal José Maria Lucena
Desembargador Federal Francisco Cavalcanti
Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira
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