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Jurisprudência


TRF5 0001800-55.2010.4.05.8401 00018005520104058401

Ementa
PENAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARA PROCESSAR E JULGAR A AÇÃO PENAL. LICITAÇÃO PÚBLICA. RECURSOS DE ORIGEM FEDERAL REPASSADOS AO MUNICÍPIO. INÉPCIA DA INICIAL AFASTADA. DISPENSA DE LICITAÇÃO. ART 89, CAPUT, DA LEI N.º 8.666/1993. DOLO ESPECÍFICO DE CAUSAR DANO. EFETIVO DANO AO ERÁRIO. NÃO COMPROVAÇÃO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ABSOLVIÇÃO. IMPROVIMENTO DO RECURSO DO MPF E PROVIMENTO DOS RECURSOS DOS RÉUS. 1. Recursos de apelação interpostos pelo Ministério Público Federal e pelos réus em face de sentença que julgou parcialmente procedente a pretensão acusatória para: a) absolver SÍLVIO ANTÔNIO BASTOS FREIRE, MANOEL CARLOS DE OLIVEIRA, LUIZ JAIRO MENDONÇA DOS SANTOS e ANTÔNIO LUIZ DE OLIVEIRA da prática dos crimes previstos nos arts. 89 e 90, ambos da Lei n.º 8.666/93, e 299 do Código Penal, nos termos do art. 386, VI, do Código de Processo Penal; b) declarar, com fundamento no art. 107, IV, do Código Penal, extinta a punibilidade de JORGE LUIZ COSTA DE OLIVEIRA, ANTÔNIO AUGUSTO CALDAS RODRIGUES e RUY DA SILVA MARIZ, acusados da prática do crime previsto no art. 90 da Lei n.º 8.666/93, tendo em vista a consumação da prescrição da pretensão punitiva estatal; c) condenar JORGE LUIZ COSTA DE OLIVEIRA, ANTÔNIO AUGUSTO CALDAS RODRIGUES e RUY DA SILVA MARIZ nas sanções cominadas no art. 89 da Lei n.º 8.666/93. 2. A denúncia ofertada pelo Ministério Público narra, em síntese, que, com relação ao crime que é objeto de apelo, no ano de 2002, o réu JORGE LUIZ COSTA DE OLIVEIRA, na qualidade de Prefeito do Município de Upanema/RN, em unidade de desígnios com os membros da comissão de licitação SÍLVIO ANTÔNIO BASTOS FREIRE, MANOEL CARLOS DE OLIVEIRA e LUIZ JAIRO MENDONÇA DOS SANTOS, dispensou procedimento licitatório fora das hipóteses previstas em lei. 3. Consta dos autos que em 31/12/2001 a União, por intermédio da Fundação Nacional de Saúde - FUNASA, celebrou convênio com a Prefeitura Municipal de Upanema/RN, registrado sob o n.º 3380/2001, e cujo objeto consistia na construção de 217 (duzentas e dezessete) unidades sanitárias domiciliares. Para a execução dos serviços, o então prefeito da municipalidade, fundamentando no estado de calamidade pública fixado pelo Decreto nº 002/2002, dispensou o procedimento licitatório nº 003/2002-DL, convidando 03 (três) empresas a apresentarem propostas. 4. A Justiça Federal é competente para processar e julgar a Ação Penal decorrente de crimes ocorridos em virtude de supostas irregularidades na aplicação de recursos federais repassados ao Município, nos termos da Súmula 208 do egrégio STJ, a qual dispõe que: "Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal". 5. Há interesse da União na apuração dos ilícitos descritos na denúncia, na medida em que houve a transferência de verbas federais para a execução de obras no Município em questão, sendo certo que o emprego dos mencionados recursos estava sujeito à fiscalização da Controladoria-Geral da União, o que justifica a competência da Justiça Federal para processar e julgar o presente feito. Precedente: (STJ, RHC 201303793300, Min. Jorge Mussi - Quinta Turma, DJE: 11/12/2014). 6. Rejeição das alegativas de inépcia da peça acusatória, posto que esta atendeu satisfatoriamente aos requisitos previstos no art. 41 do CPP, narrando de forma cristalina e inteligível os fatos e a conduta criminosa dos agentes, além de destacar a autoria e a materialidade delitiva. Do contejo da denúncia, percebe-se que os Réus tiveram plenas condições de exercitar as suas defesas, não se podendo cogitar de ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa. 7. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que "Não pode ser acoimada de inepta a denúncia formulada em obediência aos requisitos traçados no artigo 41 do Código de Processo Penal, descrevendo perfeitamente as condutas típicas, cuja autoria é atribuída ao paciente devidamente qualificado, circunstâncias que permitem o exercício da ampla defesa no seio da persecução penal, na qual se observará o devido processo legal". Precedente: (STJ, HC 201102223895, Min. Jorge Mussi - Quinta Turma, DJE: 02/04/2014). 8. Esta Corte já decidiu que aplica-se o princípio da consunção, em relação ao crime de falsidade ideológica (art. 299, do CP), ao entendimento de que a falsidade constituiu meio de execução do crime previsto no art. 90 da Lei 8.666/93, devendo por este ser absorvido. Precedente: (TRF5 , ACR 200405000404659, Des. Federal Cid Marconi, Terceira Turma, DJE: 24/07/2015). 9. O princípio da consunção pode ser aplicado quando um delito serve como fase preparatória ou de execução para um crime mais grave, restando absorvido por este. (STJ, RHC 200001427415, Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, DJ: 14/03/2005). Na hipótese, os fatos narrados na denúncia correspondem à imputação de delito de fraude à licitação, cometido mediante falsificação de documentos, sendo cabível a aplicação de tal princípio, a teor do que pacificou a Súmula 17 do Superior Tribunal de Justiça, mutatis mutandis: "Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido". 10. O art. 90 da Lei 8.666/1993, que tipifica a fraude em procedimento licitatório, é especial no que se refere ao delito previsto pelo art. 299 do Código Penal. Precedentes. 11. Para imputação do crime previsto no art. 89 da Lei 8.666/1993, a acusação se baseia em fiscalização efetuada pela Controladoria Geral da União - CGU, a qual constatou que, para a execução das obras, o então prefeito da municipalidade, fundamentando no estado de calamidade pública fixado pelo Decreto nº 002/2002, dispensou o procedimento licitatório nº 003/2002-DL, para convidar três empresas para a oferta de propostas, que, segundo entendimento da CGU, incorreu em tentativa de se esquivar da exigência legal de adoção da modalidade licitatória de Tomada de Preços. 12. O MPF embasou a acusação em supostos indícios de fraude da licitação em questão, tais como: a) o fato das propostas apresentadas pelas empresas convidadas apresentarem iguais marcadores de texto e fontes; b) constarem nas propostas a expressão "Mossoró/RN 01 de Agosto de 2002"; c) a celeridade dos atos praticados durante o processo licitatório. Contudo, tais circunstâncias não constituem prova inequívoca, ou seja, não se pode considerar tais fatos suficientes para formar a convicção da culpa penal condenatória. 13. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal proclama que a presunção de inocência, princípio cardeal no processo criminal, é tanto uma regra de prova como um escudo contra a punição prematura. Como regra de prova, a melhor formulação é o "standard" anglo-saxônico - a responsabilidade criminal há de ser provada acima de qualquer dúvida razoável -, consagrado no art. 66, item 3, do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (STF, AP 521, Relatora Min.(a). Rosa Weber). 14. A fiscalização realizada pela Controladoria Geral da União - CGU e a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal não comprovaram cabalmente que as 217 (duzentas e dezessete) unidades sanitárias previstas no convênio deixaram de ser construídas em sua totalidade. Ao contrário, deflui-se dos autos que as obras pactuadas foram realizadas e com base no valor do convênio, sem necessidade de termo aditivo. 15. O MPF apontou que a União repassou a quantia de R$ 294.500,00 (duzentos e noventa e quatro mil e quinhentos reais), ao passo que a contrapartida do Município seria de R$ 9.591,66 (nove mil, quinhentos e noventa e um reais e sessenta e seis centavos), totalizando R$ 304.091,66 (trezentos e quatro mil, noventa e um reais e sessenta e seis centavos). O quociente apurado entre esse montante liberado e a quantidade de 217 (duzentas e dezessete) unidades sanitárias previstas no convênio, representa um custo unitário de R$ 1.401,34 (um mil, quatrocentos e um reais e trinta e quatro centavos) de cada instalação sanitária. Essa cifra não se mostra desarrazoada para tal construção. 16. Os valores da licitação não se mostraram incompatíveis com os de mercado para realização da obra, na época da contratação, não se podendo cogitar de evidência de "sobrepreço" a ensejar a conclusão de existência de esquema de fraude de licitação ou corrupção. 17. Não restou comprovada a vontade livre e conscientemente dirigida por parte dos réus de superar a necessidade de realização da licitação. O caso dos autos sugere a adoção do entendimento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que o tipo penal do art. 89 da Lei nº 8.666/93 pressupõe, além do necessário dolo simples (vontade consciente e livre de contratar independentemente da realização de prévio procedimento licitatório), a intenção de produzir um prejuízo aos cofres públicos por meio do afastamento indevido da licitação. Precedente: (STF, AP 559, Relator Min. Dias Toffoli). 18. "A incidência da norma que se extrai do art. 89, caput, da Lei nº 8.666/93 depende da presença de um claro elemento subjetivo do agente político: a vontade livre e consciente (dolo) de lesar o Erário, pois é assim que se garante a necessária distinção entre atos próprios do cotidiano político-administrativo e atos que revelam o cometimento de ilícitos penais. No caso, o órgão ministerial não se desincumbiu do seu dever processual de demonstrar, minimamente, que tenha havido vontade livre e consciente do agente de lesar o Erário". (STF, Inq. nº 2.646/RN, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Ayres Britto, DJe de 7/5/10). 19. Impossibilidade de quantificação de efetivo prejuízo ao Erário ocasionado pela não realização, de fato, do certame licitatório, o que exclui a tipicidade da conduta. Não ficou demonstrado o especial fim de agir, pois não há comprovação de prejuízo efetivo ao Erário, deixando a conduta de se amoldar ao tipo penal do art. 89 da Lei n.º 8.666/93. 20. A caracterização do crime previsto no art. 89 da Lei n.º 8.666/93 demanda a comprovação do dolo específico do agente, voltado ao dano à Administração Pública, e o efetivo prejuízo ao Erário. Não se afigurando presentes esses elementos, a conduta é penalmente irrelevante e não constitui ilícito penal. 21. Apelação criminal interposta pelo MPF improvida. Apelações interpostas por Jorge Luiz Costa de Oliveira, Antônio Augusto Caldas Rodrigues e Ruy da Silva Mariz providas, para se julgar improcedente a pretensão acusatória e absolver os mencionados réus da imputação do delito capitulado no art. 89 da Lei 8.666/93.
Decisão
UNÂNIME

Data do Julgamento : 30/03/2017
Data da Publicação : 10/04/2017
Classe/Assunto : ACR - Apelação Criminal - 11431
Órgão Julgador : Terceira Turma
Relator(a) : Desembargador Federal Carlos Rebêlo Júnior
Comarca : TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Tipo : Acórdão
Referência legislativa : LEG-FED DEL-201 ANO-1967 ART-1 INC-1 INC-7 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED SUM-208 (STJ) - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED SUM-17 (STJ) - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED DEC-2 ANO-2002 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ***** CP-40 Codigo Penal LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-107 INC-4 ART-206 ART-288 ART-109 INC-4 ART-299 ART-304 ART-305 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ***** CPP-41 Codigo de Processo Penal LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-386 INC-6 ART-366 ART-41 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED LEI-8666 ANO-1993 ART-90 ART-89 (CAPUT) ART-24 ART-25 ART-26 PAR-2 PAR-4 ART-17 INC-3 ART-8 PAR-ÚNICO INC-1 INC-2 INC-3 INC-4 ART-84 PAR-2 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ***** CF-88 Constituição Federal de 1988 ART-71 INC-6 ART-109 INC-4 ART-37 INC-21
Fonte da publicação : DJE - Data::10/04/2017 - Página::50
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