TRF5 0001965-23.2015.4.05.8500 00019652320154058500
PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. CRIME DE CONTABILIDADE PARALELA (ART. 11 DA LEI 7.492/1986). CONTA DE DEPÓSITO VINCULADO A CNPJ DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. INOBSERVÂNCIA DE LEGISLAÇÃO. NORMA PENAL EM BRANCO.
MATERIALIDADE CRIMINOSA. INEXISTÊNCIA DE PROVA INDICIÁRIA. MERA RECOMENDAÇÃO DE CORREÇÃO DO BACEN. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. INEXISTÊNCIA. INÉPCIA MATERIAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. IMPROVIMENTO DO RECURSO.
- Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal contra decisão proferida pelo Juízo da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária de Sergipe, que rejeitou a denúncia oferecida contra os acusados João Andrade Vieira da Silva,
Moacir Joaquim de Santana Júnior, Fábio José da Silva, Sílvio Alves dos Santos, Lucimara Dantas Passos, Jair Araújo de Oliveira, Saumínio da Silva Nascimento, Gilvan Silva Garcia, Gilvan Porto Pereira e Petrônio de Melo Barros, pela prática do crime
previsto no art. 11 da Lei 7.492/1986, por atipicidade da conduta decorrente da ausência de conduta dolosa, na forma do art. 395, incisos I e III do Código de Processo Penal.
- Narra a denúncia que, no período de 17 de janeiro de 2005 a 30 de abril de 2010, os dirigentes da Empresa Municipal de Serviços Urbanos - EMSURB, em suposto conluio com dirigentes e empregados do Banco do Estado de Sergipe - BANESE, lograram frustrar
a realização de bloqueios judiciais de valores titularizados por aquela empresa pública municipal. A prática fraudulenta, segundo relata o órgão ministerial, era alcançada mediante a utilização de conta contábil para receber valores devidos à EMSURB,
mas identificada com o CNPJ do BANESE (Conta nº 5234-5 - Depósitos Vinculados). Tal fato teria impedido a identificação da existência de saldo para fins de cumprimento de diversas ordens judiciais de bloqueio de valores da empresa pública municipal,
seja via sistema BACENJUD, seja por meio de ordens escritas. Sustenta, ainda, que o BANESE centralizou todas as operações bancárias da EMSURB e se encarregava de efetuar, diariamente, as transferências de recursos oriundos de terceiros da mencionada
conta contábil vinculada para a conta corrente efetivamente titularizada pela EMSURB (Conta nº 700.00-0, Agência 058-"Antônio Carlos Franco") e nos exatos valores por esta determinados e autorizados, com vistas a arcar com suas obrigações negociais.
Acusa o parquet federal que a conta corrente titularizada pela EMSURB permanecia, sempre ao final do dia, com valores zerados, enquanto a conta contábil vinculada ao CNPJ do BANESE possuía vultosas quantias.
- Em recurso em sentido estrito, o Ministério Público Federal considera prematura a afirmação do Judiciário de inexistência de dolo na perpetração do delito imputado na peça acusatória, sobretudo porque há indícios de que houve manobra engendrada pelos
recorridos para que os valores da EMSURB não fossem alcançados por determinações judiciais e assim fossem mantidos em conta de depósito vinculado ao CNPJ da instituição financeira. Alega, outrossim, que, no conjunto probatório apurado, ficou demonstrada
a ciência dos denunciados quanto à existência de conta de depósito vinculado ao CNPJ da instituição financeira, destinada a receber os créditos de terceiros, mesmo ao alvedrio da normativa do Plano Contábil das Instituições do Sistema Financeiro
Nacional (COSIF)
- O delito de contabilidade paralela previsto no art. 11 da Lei 7.492/1986 consiste em manter ou movimentar recursos paralelamente à contabilidade oficial da empresa, na prática conhecida como "caixa dois". Manter é conservar, guardar, reter, e
movimentar significa colocar em movimento, transferir, pagar, receber, além de outros verbos que impliquem deslocamento. Pune-se a movimentação ou manutenção de recursos ou valores paralelamente à contabilidade exigida pela legislação, ou sem registro
contábil regular. Na forma manter é crime habitual, na movimentar, de mera conduta. Trata-se de norma penal em branco, uma vez que o tipo faz referência à contabilidade exigida pela legislação, assim entendida como as normas expedidas pelo Banco Central
do Brasil ou outro órgão de controle. Basta, neste sentido, que haja contrariedade a ato normativo infralegal. Criminaliza-se, a bem da verdade, a omissão constituída pela não contabilização de receitas da instituição financeira e do resultado de
operações e movimentações financeiras alheias à escrituração contábil oficial. Somente ocorrerá o crime se a movimentação ou manutenção de recursos próprios ou de terceiros à margem da contabilidade se der no âmbito das instituições financeiras. Afinal,
o dispositivo aplica-se somente às instituições financeiras, não abrangendo, portanto, a manutenção da contabilidade paralela em empresas comerciais ou industriais que não detenham aquela qualidade.
- É crime próprio, somente podendo ser praticado pelas pessoas elencadas no art. 25 da Lei 7.492/1986, porém nada impede que o crime seja praticado por um particular, em concurso com uma dessas pessoas, sendo que, neste caso, por se tratar de uma
elementar, esta se comunica ao coautor ou partícipe, nos termos do art. 30 do Código Penal.
- O tipo subjetivo exigido é o dolo genérico, sendo necessário que o agente tenha conhecimento da existência efetiva da contabilidade paralela e vontade de operar dessa forma.
- Na hipótese dos autos, não se pode afirmar, em princípio, restar excluído o dolo exigido no delito do art. 11 da Lei 7.492/1986 na mera previsão contratual da operacionalização da conta de depósitos vinculados, constante da cláusula terceira, do
Contrato nº 016/2005, celebrado entre a EMSURB e o BANESE. Ora, a cláusula contratual não estabelece que a conta contábil de depósitos vinculados será, necessariamente, aberta com o CNPJ da instituição financeira, mas que seriam "creditados,
diariamente, na dependência detentora de conta corrente centralizadora do beneficiário, no título contábil Depósitos Vinculados, (...), ficando disponibilizados somente no prazo de 48 (quarenta e oito) horas após a efetivação dos créditos (...)".
- A análise sobre a existência de dolo (elemento subjetivo do tipo penal), ou mesmo eventual erro de proibição (art. 21 do CPB) deve ser promovida por ocasião da instrução processual, e não na fase ainda embrionária na qual nem sequer foram ouvidas as
testemunhas arroladas pelas partes.
- No entanto, a partir dos elementos colhidos por ocasião do inquérito policial instaurado e do procedimento administrativo desencadeado no âmbito do Banco Central do Brasil - BACEN, é forçoso reconhecer a inépcia material da denúncia em decorrência da
falta de correspondência entre a narrativa fática e as provas existentes nos autos. Em que pese ter havido a instauração de inquérito policial com a oitiva de várias testemunhas, o Ministério Público Federal não arrolou quaisquer delas nem sequer outra
na peça acusatória, baseando-se unicamente da prova documental produzida na fase inquisitorial. Nesta toada, dificilmente a oportuna instrução processual iria capturar algum elemento probante tanto robusto que conduzisse à condenação dos denunciados.
- A denúncia oferecida pelo parquet federal funda-se, unicamente, em relatório confeccionado pelo BACEN, do qual não houve qualquer aplicação ou sugestão de condenação de penalidade administrativa, mas mera recomendação de correção de duas falhas
encontradas no procedimento: a) alteração cadastral da conta contábil de modo a desvinculá-la do CNPJ da instituição financeira; e b) controle dos períodos de indisponibilidade previstos em contrato. Do inquérito, quase nada se colhe.
- A justa causa significa a existência de suporte probatório mínimo, tendo por objeto a materialidade criminosa e indícios de autoria delitiva. A ausência de lastro probatório autoriza a rejeição da denúncia, dada a falta de justa causa para a
instauração de ação penal. Meras irregularidades administrativas não configuram ilícito penal. Se nem sequer se apurou a existência de infração de ordem administrativa, menos ainda se pode detectar prática de ilícito penal.
- No caso em apreço, não há indícios de materialidade criminosa no conjunto probatório amealhado durante a fase investigativa suficientes a apontar a probabilidade de que os acusados serão condenados pela perpetração do crime de contabilidade paralela
capitulado no art. 11 da Lei 7.492/1986.
- Recurso em sentido estrito improvido.
Ementa
PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. CRIME DE CONTABILIDADE PARALELA (ART. 11 DA LEI 7.492/1986). CONTA DE DEPÓSITO VINCULADO A CNPJ DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. INOBSERVÂNCIA DE LEGISLAÇÃO. NORMA PENAL EM BRANCO.
MATERIALIDADE CRIMINOSA. INEXISTÊNCIA DE PROVA INDICIÁRIA. MERA RECOMENDAÇÃO DE CORREÇÃO DO BACEN. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. INEXISTÊNCIA. INÉPCIA MATERIAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. IMPROVIMENTO DO RECURSO.
- Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal contra decisão proferida pelo Juízo da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária de Sergipe, que rejeitou a denúncia oferecida contra os acusados João Andrade Vieira da Silva,
Moacir Joaquim de Santana Júnior, Fábio José da Silva, Sílvio Alves dos Santos, Lucimara Dantas Passos, Jair Araújo de Oliveira, Saumínio da Silva Nascimento, Gilvan Silva Garcia, Gilvan Porto Pereira e Petrônio de Melo Barros, pela prática do crime
previsto no art. 11 da Lei 7.492/1986, por atipicidade da conduta decorrente da ausência de conduta dolosa, na forma do art. 395, incisos I e III do Código de Processo Penal.
- Narra a denúncia que, no período de 17 de janeiro de 2005 a 30 de abril de 2010, os dirigentes da Empresa Municipal de Serviços Urbanos - EMSURB, em suposto conluio com dirigentes e empregados do Banco do Estado de Sergipe - BANESE, lograram frustrar
a realização de bloqueios judiciais de valores titularizados por aquela empresa pública municipal. A prática fraudulenta, segundo relata o órgão ministerial, era alcançada mediante a utilização de conta contábil para receber valores devidos à EMSURB,
mas identificada com o CNPJ do BANESE (Conta nº 5234-5 - Depósitos Vinculados). Tal fato teria impedido a identificação da existência de saldo para fins de cumprimento de diversas ordens judiciais de bloqueio de valores da empresa pública municipal,
seja via sistema BACENJUD, seja por meio de ordens escritas. Sustenta, ainda, que o BANESE centralizou todas as operações bancárias da EMSURB e se encarregava de efetuar, diariamente, as transferências de recursos oriundos de terceiros da mencionada
conta contábil vinculada para a conta corrente efetivamente titularizada pela EMSURB (Conta nº 700.00-0, Agência 058-"Antônio Carlos Franco") e nos exatos valores por esta determinados e autorizados, com vistas a arcar com suas obrigações negociais.
Acusa o parquet federal que a conta corrente titularizada pela EMSURB permanecia, sempre ao final do dia, com valores zerados, enquanto a conta contábil vinculada ao CNPJ do BANESE possuía vultosas quantias.
- Em recurso em sentido estrito, o Ministério Público Federal considera prematura a afirmação do Judiciário de inexistência de dolo na perpetração do delito imputado na peça acusatória, sobretudo porque há indícios de que houve manobra engendrada pelos
recorridos para que os valores da EMSURB não fossem alcançados por determinações judiciais e assim fossem mantidos em conta de depósito vinculado ao CNPJ da instituição financeira. Alega, outrossim, que, no conjunto probatório apurado, ficou demonstrada
a ciência dos denunciados quanto à existência de conta de depósito vinculado ao CNPJ da instituição financeira, destinada a receber os créditos de terceiros, mesmo ao alvedrio da normativa do Plano Contábil das Instituições do Sistema Financeiro
Nacional (COSIF)
- O delito de contabilidade paralela previsto no art. 11 da Lei 7.492/1986 consiste em manter ou movimentar recursos paralelamente à contabilidade oficial da empresa, na prática conhecida como "caixa dois". Manter é conservar, guardar, reter, e
movimentar significa colocar em movimento, transferir, pagar, receber, além de outros verbos que impliquem deslocamento. Pune-se a movimentação ou manutenção de recursos ou valores paralelamente à contabilidade exigida pela legislação, ou sem registro
contábil regular. Na forma manter é crime habitual, na movimentar, de mera conduta. Trata-se de norma penal em branco, uma vez que o tipo faz referência à contabilidade exigida pela legislação, assim entendida como as normas expedidas pelo Banco Central
do Brasil ou outro órgão de controle. Basta, neste sentido, que haja contrariedade a ato normativo infralegal. Criminaliza-se, a bem da verdade, a omissão constituída pela não contabilização de receitas da instituição financeira e do resultado de
operações e movimentações financeiras alheias à escrituração contábil oficial. Somente ocorrerá o crime se a movimentação ou manutenção de recursos próprios ou de terceiros à margem da contabilidade se der no âmbito das instituições financeiras. Afinal,
o dispositivo aplica-se somente às instituições financeiras, não abrangendo, portanto, a manutenção da contabilidade paralela em empresas comerciais ou industriais que não detenham aquela qualidade.
- É crime próprio, somente podendo ser praticado pelas pessoas elencadas no art. 25 da Lei 7.492/1986, porém nada impede que o crime seja praticado por um particular, em concurso com uma dessas pessoas, sendo que, neste caso, por se tratar de uma
elementar, esta se comunica ao coautor ou partícipe, nos termos do art. 30 do Código Penal.
- O tipo subjetivo exigido é o dolo genérico, sendo necessário que o agente tenha conhecimento da existência efetiva da contabilidade paralela e vontade de operar dessa forma.
- Na hipótese dos autos, não se pode afirmar, em princípio, restar excluído o dolo exigido no delito do art. 11 da Lei 7.492/1986 na mera previsão contratual da operacionalização da conta de depósitos vinculados, constante da cláusula terceira, do
Contrato nº 016/2005, celebrado entre a EMSURB e o BANESE. Ora, a cláusula contratual não estabelece que a conta contábil de depósitos vinculados será, necessariamente, aberta com o CNPJ da instituição financeira, mas que seriam "creditados,
diariamente, na dependência detentora de conta corrente centralizadora do beneficiário, no título contábil Depósitos Vinculados, (...), ficando disponibilizados somente no prazo de 48 (quarenta e oito) horas após a efetivação dos créditos (...)".
- A análise sobre a existência de dolo (elemento subjetivo do tipo penal), ou mesmo eventual erro de proibição (art. 21 do CPB) deve ser promovida por ocasião da instrução processual, e não na fase ainda embrionária na qual nem sequer foram ouvidas as
testemunhas arroladas pelas partes.
- No entanto, a partir dos elementos colhidos por ocasião do inquérito policial instaurado e do procedimento administrativo desencadeado no âmbito do Banco Central do Brasil - BACEN, é forçoso reconhecer a inépcia material da denúncia em decorrência da
falta de correspondência entre a narrativa fática e as provas existentes nos autos. Em que pese ter havido a instauração de inquérito policial com a oitiva de várias testemunhas, o Ministério Público Federal não arrolou quaisquer delas nem sequer outra
na peça acusatória, baseando-se unicamente da prova documental produzida na fase inquisitorial. Nesta toada, dificilmente a oportuna instrução processual iria capturar algum elemento probante tanto robusto que conduzisse à condenação dos denunciados.
- A denúncia oferecida pelo parquet federal funda-se, unicamente, em relatório confeccionado pelo BACEN, do qual não houve qualquer aplicação ou sugestão de condenação de penalidade administrativa, mas mera recomendação de correção de duas falhas
encontradas no procedimento: a) alteração cadastral da conta contábil de modo a desvinculá-la do CNPJ da instituição financeira; e b) controle dos períodos de indisponibilidade previstos em contrato. Do inquérito, quase nada se colhe.
- A justa causa significa a existência de suporte probatório mínimo, tendo por objeto a materialidade criminosa e indícios de autoria delitiva. A ausência de lastro probatório autoriza a rejeição da denúncia, dada a falta de justa causa para a
instauração de ação penal. Meras irregularidades administrativas não configuram ilícito penal. Se nem sequer se apurou a existência de infração de ordem administrativa, menos ainda se pode detectar prática de ilícito penal.
- No caso em apreço, não há indícios de materialidade criminosa no conjunto probatório amealhado durante a fase investigativa suficientes a apontar a probabilidade de que os acusados serão condenados pela perpetração do crime de contabilidade paralela
capitulado no art. 11 da Lei 7.492/1986.
- Recurso em sentido estrito improvido.Decisão
UNÂNIME
Data do Julgamento
:
21/11/2017
Data da Publicação
:
30/11/2017
Classe/Assunto
:
RSE - Recurso em Sentido Estrito - 2273
Órgão Julgador
:
Segunda Turma
Relator(a)
:
Desembargador Federal Vladimir Carvalho
Comarca
:
TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** CP-40 Codigo Penal
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-30 ART-21
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
***** CPP-41 Codigo de Processo Penal
LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-395 INC-1 INC-2 INC-3
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
LEG-FED LEI-7492 ANO-1986 ART-11 ART-25
Fonte da publicação
:
DJE - Data::30/11/2017 - Página::90
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