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Jurisprudência


TRF5 0002028-59.2016.4.05.8000 00020285920164058000

Ementa
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELO DA DEFESA. CONDENAÇÃO PELA PRÁTICA DO DELITO PREVISTO NO TIPO DO ART. 171, PARÁGRAFO 3º, DO CÓDIGO PENAL. ESTELIONATO CONTRA A ADMINISTRAÇÃO. PERCEPÇÃO INDEVIDA DE PARCELAS DO PROGRAMA ASSISTENCIAL DO BOLSA FAMÍLIA, POR CERCA DE 05 (CINCO) ANOS. DELIBERADA OMISSÃO DA RÉ, QUANTO À SUA CONDIÇÃO DE SERVIDORA PÚBLICA. AUTORIA E MATERIALIDADE SOBEJAMENTE COMPROVADAS. INEXISTÊNCIA DE ERRO QUANTO À ILICITUDE DO FATO. RESPOSTA ESTATAL PARAMETRIZADA PELOS PRINCÍPIOS, ENTRE OUTROS, DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. ADEQUADA SUBSUNÇÃO TÍPICA. MÓDICA APENAÇÃO, ASSENTADA NO MÍNIMO LEGAL, ACRESCIDA, TÃO-SOMENTE DA CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO, TOTALIZANDO 01 (UM) ANO E 04 (QUATRO) MESES DE RECLUSÃO - ALÉM DE MULTA, PROPORCIONALMENTE ESTIPULADA -, AUTOMATICAMENTE SUBSTITUÍDA POR RESTRITIVAS DE DIREITO. INADEQUAÇÃO DA REPARAÇÃO DE DANOS, ESTIPULADA NA SENTENÇA (ART. 387, IV, DO CPP), SEM REQUERIMENTO ESPECÍFICO CONTIDO NA DENÚNCIA, CONSOANTE JURISPRUDÊNCIA ASSENTADA NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. APELO, EM PARTE, PROVIDO. 1. Sustenta a defesa da ré, preliminarmente, assertivas voltadas a comprovar a inépcia da peça acusatória, visto não atender aos requisitos do art. 41 do CPP, ante a ausência de individualização e da descrição objetiva do agir da então denunciada, impossibilitando, assim, o pleno exercício do direito de defesa. Todavia, a denúncia, ao contrário, mostrou-se inteiramente condizente com o conteúdo da investigação, imputando à ré, de forma lógica, concatenada e individualizada, a conduta ilícita na qual, em tese - naquele momento processual -, incorreu, justificando, portanto, o respectivo recebimento por parte do juízo monocrático. É que, como ocorreu nestes autos, existindo indícios razoáveis de autoria, bem como da materialidade delituosa, a ação penal deve prosperar para a apuração judicial dos fatos, permitindo-se o exercício pleno do direito de defesa e de acusação, dentro das regras do devido processo legal. E foi o que aconteceu. Nesse sentido, o Habeas Corpus nº 85739 (STJ, 5ª Turma, Rel.Min.Félix Fischer, 07.02.08). 2. Com efeito, e em sentido diametralmente oposto ao da tese esgrimida nesta apelação, não há que se falar, quanto à peça acusatória ora destacada, em ausência de individualização da conduta da denunciada, aqui apelante. É que resulta nítida a descrição pormenorizada do agir, em tese - naquele momento processual -, da denunciada, no episódio delituoso objeto da persecução penal deflagrada na origem, não procedendo o argumento de confecção de peça acusatória impeditiva do livre exercício do direito de defesa - não há prova, sequer, dessa possibilidade! Nessa linha, impossível desprezar tópicos da denúncia de fls. 03/06, especificamente voltados à descrição individualizada da conduta da ora recorrente, como se infere de inúmeros trechos acusatórios em que se reúnem, pormenorizadamente, todos os requisitos previstos no art. 41 do Código de Processo Penal, a partir de criterioso detalhamento da participação da acusada nos atos ilegais descritos na peça ora atacada, sendo a narrativa acusatória em tela suficiente para sugerir a deflagração da persecução, visando à responsabilização penal da denunciada. Não há, portanto, que se falar em denúncia despossuída de lastro documental e sequer em ausência de individualização de condutas supostamente delituosas. Nesse sentido, somente a título de exemplo, devem ser observados, como dito antes, trechos da acusação especificamente dirigidos à ré, com a indicação de todos os elementos - à época, indiciários - reunidos em seu desfavor, como se infere dos autos do Inquérito Policial em anexo (vol. apenso único) - IPL nº 0625/2013-4 - SR/DPF/AL. Preliminar afastada. 3. À luz de todo o arcabouço probatório antes referenciado e que permaneceu hígido - porquanto confirmado, quanto à autoria e à materialidade associadas ao fato típico - ao fim da instrução processual, caem por terra as genéricas argumentações recursais, voltadas a desconstituir a condenação em causa, amparadas na ideia de que a resposta estatal decorreu de provas inservíveis a tal resposta estatal sancionatória, por não resultar comprovado o elemento subjetivo do tipo penal em causa. Buscou-se, assim, no Recurso de Apelação, a desqualificação, pura e simplesmente, das provas apresentadas - e confirmadas -desfavoráveis à sentenciada, ora apelante, sem, contudo, apresentar a defesa elementos tecnicamente capazes de infirmar a higidez dessas provas, que, reunidas e acrescidas ao plexo probatório que exsurgiu da instrução processual, formam, incontestavelmente, um todo sistêmico e de solidez não abalável por meras ilações de conteúdo fragmentário, dado, inclusive, que o modus operandi da ré foi ricamente pormenorizado, mormente quanto à caracterização do dolo ínsito ao seu agir. 4. Impõe-se, na sequência, negar aplicabilidade, neste caso, à tese de atipicidade - por ausência de elementar do tipo -, nos termos em que cogitada pela defesa, visto que bem evidenciada, como descrito no veredicto antes reproduzido, a não apenas potencial, mas, sim, total consciência da ilicitude, pela ré, da percepção indevida das parcelas do Programa Bolsa Família, ocasionando prejuízo aos cofres da Administração Pública, da ordem de R$ 3.046,00 (três mil e quarenta e seis reais), durante o decurso de cerca de 05 (cinco) anos de apropriação, sabidamente - pela ré - indébita. 5. Resulta necessário, pois, rechaçar a aplicabilidade, neste caso, da tese de inexistência de comprovação do elemento subjetivo - dolo - do tipo penal em causa, nos termos em que cogitada pela defesa. É que salta aos olhos a impropriedade de tal pretensão recursal, à vista da inadequação do agir da ré, porquanto deliberado em suas respectivas condutas - por vários anos -, , não havendo, ao contrário, elementos mínimos que concorram para o reconhecimento de que a apenada, ao tempo de suas inúmeras ações, não detivesse a plena consciência de que seus atos representavam contrariedade à licitude exigível à espécie, como bem pontuou o magistrado. 6. Ainda nessa linha - positivação do dolo -, é de se realçar a omissão, consciente, da ré, visando lograr a Administração, de sua real condição de servidora pública, fato incompatível com a permanência da mesma no programa assistencial em causa, como evidenciou o sentenciante, daí cair por terra a alegação recursal - inconsistente - de incidência, na hipótese dos autos, de erro de proibição, valendo, ao contrário, a escorreita subsunção da conduta da apelante - assim observada pelo julgador -, às elementares do tipo previsto no art. 171, parágrafo 3º, do Código Penal. 7. Segue a impropriedade da proposição recursal lançada com o objetivo de reconhecimento da inconstitucionalidade do referenciado dispositivo penal, ao argumento de que o agir da apelante encontraria, no juízo cível, a instância mais adequada à resolução da quaestio e, consequentemente, mais condizente resposta estatal, por afastar o caráter penal de eventual sanção, à luz do princípio da ultima ratio. É que, como bem lembrado pelo Custos Legis, em sede do Parecer, persiste a presunção de legitimidade e constitucionalidade da referida norma penal, não formalmente contrariada, ante a ausência, para fins de declaração, no ordenamento jurídico, de sua inconstitucionalidade, de "procedimento próprio, difuso ou concentrado, não havendo que se falar em incompatibilidade, formal ou material, com a Constituição Federal" 8. Daí, igualmente, a inaplicabilidade do princípio da insignificância e da bagatela, pura e simplesmente, apenas pelo valor - que a defesa entende ínfimo - do prejuízo causado à Administração, visto que, para além da lesão ao próprio bem jurídico - patrimonial e de natureza pública - tutelado pela norma penal, é de se ter em conta que o agir da sentenciada feriu o tecido social como um todo, notadamente em face de atingir programa exclusiva e eminentemente voltado às parcelas mais pobres da nação, desmerecendo a incidência de causa extralegal de despenalização. 9. Assiste, todavia, razão à recorrente, quanto à impropriedade da decretação, pelo julgador, da reparação, em prol do erário, dos danos efetivamente causados, nos termos do art. 387, IV, do Código de Processo Penal, independentemente de não haver sido objeto de requerimento do Parquet, quando do oferecimento da peça acusatória, visto não decorrer, automaticamente, de consectário processual a ser determinado ex officio, consoante já pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ, entendimento já adotado, inclusive, por este Regional (STJ. AGRESP 201701054762. 6ª Turma. Relator Ministro Antônio Saldanha Palheiro. Julg.unân. data: 26/09/17; STJ. AIRESP 201702286389. 6ª Turma. Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura Julg.unân. data: 10/10/17 e TRF 5ª Região. ACR - Apelação Criminal - 11681. 1ª Turma. Rel. Desembargador Federal Leonardo Resende Martins. Julg. maioria. Data: 21/09/17). 10. Não procede, por último, pleito de modulação do quantum da pena. Inexiste desnecessidade de conserto, visto que a justificação da dosimetria foi, em tudo, norteada, principalmente, pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, revelando apuro técnico na valoração comedida dos elementos e circunstâncias balizadores do cômputo trifásico (art. 68 do CP), resultando em patamar mui condizente com a infração penal em causa: pena-base fixada no mínimo legal, somente acrescida na 3ª fase, em 1/3 (um terço) por conta da causa especial de aumento, prevista no próprio tipo (parágrafo 3º, do art. 171, do Código Penal), totalizando a pena de 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão - além de multa proporcionalmente estipulada -, automaticamente substituída por restritivas de direito, em face do cometimento do delito tipificado no art. 171, parágrafo 3º, do Código Penal, por haver a ré, em período específico, recebido parcelas do Programa assistencial do Bolsa-Família, prestando, para tanto, informações cadastrais (renda, etc.) falsas acerca de sua real condição econômico-social (a exemplo de sua condição de servidora pública), causando, assim, prejuízo aos cofres da Administração. 11. Apelo, em parte, provido.
Decisão
UNÂNIME

Data do Julgamento : 09/11/2017
Data da Publicação : 17/11/2017
Classe/Assunto : ACR - Apelação Criminal - 15262
Órgão Julgador : Primeira Turma
Relator(a) : Desembargador Federal Élio Wanderley de Siqueira Filho
Comarca : TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Tipo : Acórdão
Referência legislativa : LEG-FED LEI-11719 ANO-2008 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED LEI-10836 ANO-2004 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ***** CPP-41 Codigo de Processo Penal LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-41 ART-387 INC-4 ART-395 INC-1 INC-2 INC-3 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ***** CP-40 Codigo Penal LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-171 PAR-3 ART-20 (CAPUT) ART-21 PAR-1 PAR-1 PAR-2 ART-155 PAR-2 INC-1 INC-2 INC-3 INC-4 INC-5 INC-6 PAR-4 ART-68
Fonte da publicação : DJE - Data::17/11/2017 - Página::67
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