TRF5 0002383-76.2015.4.05.8300 00023837620154058300
PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. OPERAÇÃO ESTALO. ART. 288 DO CÓDIGO PENAL (COM REDAÇÃO ANTERIOR À LEI 12.850/13). INCOMPETÊNCIA, INÉPCIA DA INICAL E ILEGALIDADE DA PROVA. PRELIMINARES AFASTADAS. PRESCRIÇÃO RETROATIVA. NÃO OCORRÊNCIA. COMPROVAÇÃO DA
MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVA. PRESENÇA DO DOLO. DOSAGEM DA PENA. NECESSIDADE DE AJUSTES. REDUÇÃO DA PENA DE MULTA. SANÇÃO NÃO APLICADA. AUSÊNCIA DE UTILIDADE/NECESSIDADE. CONHECIMENTO EM PARTE DO RECURSO. PROVIMENTO PARCIAL.
1. A competência da Justiça Federal em relação à prática criminosa prevista no art. 288 do Código Penal decorre da incidência da Súmula 122 do STJ, a qual dispõe competir à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de
competência federal e estadual. O crime de formação de quadrilha, embora tenha sido objeto de denúncia em separado, tem estreita ligação com o de contrabando de pássaros exóticos, uma vez que o grupo era dedicado à exploração dessa prática criminosa,
cuidando-se, pois, de fatos conexos. O crime de contrabando ofende interesses da União e, dessa forma, enquadra-se na regra prevista no art. 109, inciso IV, da Constituição Federal de 1988. Além disso, muitos dos animais apreendidos em poder bando
criminoso apresentavam anilhas (anéis de identificação) padrão IBAMA falsificados, o que configura o delito previsto no art. 296, parágrafo 1º, inciso I, do Código Penal, competindo à Justiça Federal o seu julgamento, tendo em vista o interesse da
autarquia ambiental federal.
2. A denúncia ofertada pelo Ministério Público Federal descreve suficientemente os limites das condutas imputadas à recorrente, permitindo, dessa forma, o entendimento da acusação e o exercício da ampla defesa. Alegação de inépcia da denúncia
afastada.
3. A interceptação de comunicações telefônicas, que foi precedida de investigações preliminares, restou autorizada pelo juízo da 13ª Vara Federal do Estado de Pernambuco, por ser o único meio disponível para identificar o local exato de captura das
aves, seus responsáveis e meios de captura, além da destinação final dos espécimes. A quebra do sigilo telefônico da apelante resultou do fato de ela ter mantido contato com alvos da investigação e, a partir dos diálogos travados, terem sido colhidos
indícios suficientes para justificar a sua inclusão como alvo direto da investigação policial. Não acolhimento da tese de ilegalidade da interceptação das comunicações telefônicas da apelante.
4. Sendo o delito de quadrilha crime permanente, cuja consumação se prolonga no tempo, o prazo prescricional deve ser contado a partir da cessação da permanência que, no caso concreto, não se deu com a instauração do inquérito policial, em dezembro de
2008, mas com a deflagração da fase ostensiva da "OPERAÇÃO ESTALO", em 2 de abril de 2012. Tendo sido a denúncia recebida em 11 de maio de 2012 e a sentença condenatória recorrível proferida em 26 de abril de 2016, não há que se falar em prescrição da
pretensão punitiva estatal. Hipótese em que mesmo se fixada a pena no mínimo legal, isto é, em 1 (um) ano de reclusão, ainda assim não estaria prescrita, tendo em vista que não decorridos 4 (quatro) anos entre a data do recebimento da denúncia e a
publicação da sentença condenatória recorrível.
5. A demonstração de que determinado agente integra, de forma livre e consciente, grupo estável e permanente, formado por mais de três pessoas e voltado à prática de crimes, é o que basta para a comprovação da materialidade e autoria do crime de
quadrilha. Hipótese em que os diálogos interceptados, bem assim o termo de apreensão, permitem uma conclusão segura quanto à atuação da recorrente em quadrilha especializada no tráfico e comércio de aves exóticas e nativas. Provas que demonstram, ainda,
a vontade consciente (dolo) da apelante de se associar a outras pessoas para a prática de crimes.
6. Dosagem da pena.
7. A fundamentação empregada pelo juízo a quo na avaliação do vetor culpabilidade cuida, em verdade, do modus operandi e dos recursos empregados na atividade criminosa, dados que devem ser avaliados na operativa relacionada às circunstâncias do crime.
8. O fato de a ré não ter demonstrado arrependimento da prática delitiva não constitui elemento suficiente à avaliação da operativa da personalidade, a qual exige criterioso estudo e profusão de dados do comportamento da agente, não presentes no caso
concreto.
9. Há prova nos autos de que a recorrente, ao associar-se a outras pessoas para a prática de crimes, buscou maximizar o seu ganho financeiro, eis que lucrava com o comércio dos pássaros. Embora seja ínsita ao crime de contrabando, penso que tal
circunstância justifica a majoração da pena-base, no que concerne ao delito tipificado no art. 288 do Código Penal.
10. O número de envolvidos, a extensão da área de atuação da quadrilha, o fato de movimentarem enorme número de pássaros, os quais, no mais das vezes, eram submetidos à condições absurdas de transporte, armazenados em microgaiolas depositadas em malas e
bolsas que não permitiam o movimento e geravam temperaturas extremas, privando os animais de oxigênio, justificam a elevação da pena-base a título de circunstâncias do crime.
11. A consequência do crime descrita na sentença condenatória (prejuízo à fauna) refere-se muito mais aos crimes conexos cometidos pela quadrilha do que ao crime imputado ao recorrente na denúncia. Para consideração da mencionada circunstância neste
feito seria necessária a demonstração de algum dano concreto à fauna, não apenas da possibilidade de ocorrência de uma lesão.
12. É firme a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 5ª Região no sentido de que o comportamento da vítima não poderá ser considerado em desfavor do acusado, quando não for possível, pela própria natureza daquela, atribuir-lhe qualquer
influência no fato criminoso.
13. Fixação da pena-base privativa de liberdade no quantitativo de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão.
14. Redução da pena definitiva imposta na sentença de 2 (dois) anos de reclusão para 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão. Manutenção da substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos.
15. O pedido reativo à redução da pena de multa não merece ser conhecido, na medida em que referida sanção não é prevista no preceito secundário do crime de quadrilha ou bando, não tendo sido aplicada à recorrente na sentença condenatória.
16. Apelo parcialmente conhecido e, em parte, provido, para redução das penas impostas à recorrente.
Ementa
PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. OPERAÇÃO ESTALO. ART. 288 DO CÓDIGO PENAL (COM REDAÇÃO ANTERIOR À LEI 12.850/13). INCOMPETÊNCIA, INÉPCIA DA INICAL E ILEGALIDADE DA PROVA. PRELIMINARES AFASTADAS. PRESCRIÇÃO RETROATIVA. NÃO OCORRÊNCIA. COMPROVAÇÃO DA
MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVA. PRESENÇA DO DOLO. DOSAGEM DA PENA. NECESSIDADE DE AJUSTES. REDUÇÃO DA PENA DE MULTA. SANÇÃO NÃO APLICADA. AUSÊNCIA DE UTILIDADE/NECESSIDADE. CONHECIMENTO EM PARTE DO RECURSO. PROVIMENTO PARCIAL.
1. A competência da Justiça Federal em relação à prática criminosa prevista no art. 288 do Código Penal decorre da incidência da Súmula 122 do STJ, a qual dispõe competir à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de
competência federal e estadual. O crime de formação de quadrilha, embora tenha sido objeto de denúncia em separado, tem estreita ligação com o de contrabando de pássaros exóticos, uma vez que o grupo era dedicado à exploração dessa prática criminosa,
cuidando-se, pois, de fatos conexos. O crime de contrabando ofende interesses da União e, dessa forma, enquadra-se na regra prevista no art. 109, inciso IV, da Constituição Federal de 1988. Além disso, muitos dos animais apreendidos em poder bando
criminoso apresentavam anilhas (anéis de identificação) padrão IBAMA falsificados, o que configura o delito previsto no art. 296, parágrafo 1º, inciso I, do Código Penal, competindo à Justiça Federal o seu julgamento, tendo em vista o interesse da
autarquia ambiental federal.
2. A denúncia ofertada pelo Ministério Público Federal descreve suficientemente os limites das condutas imputadas à recorrente, permitindo, dessa forma, o entendimento da acusação e o exercício da ampla defesa. Alegação de inépcia da denúncia
afastada.
3. A interceptação de comunicações telefônicas, que foi precedida de investigações preliminares, restou autorizada pelo juízo da 13ª Vara Federal do Estado de Pernambuco, por ser o único meio disponível para identificar o local exato de captura das
aves, seus responsáveis e meios de captura, além da destinação final dos espécimes. A quebra do sigilo telefônico da apelante resultou do fato de ela ter mantido contato com alvos da investigação e, a partir dos diálogos travados, terem sido colhidos
indícios suficientes para justificar a sua inclusão como alvo direto da investigação policial. Não acolhimento da tese de ilegalidade da interceptação das comunicações telefônicas da apelante.
4. Sendo o delito de quadrilha crime permanente, cuja consumação se prolonga no tempo, o prazo prescricional deve ser contado a partir da cessação da permanência que, no caso concreto, não se deu com a instauração do inquérito policial, em dezembro de
2008, mas com a deflagração da fase ostensiva da "OPERAÇÃO ESTALO", em 2 de abril de 2012. Tendo sido a denúncia recebida em 11 de maio de 2012 e a sentença condenatória recorrível proferida em 26 de abril de 2016, não há que se falar em prescrição da
pretensão punitiva estatal. Hipótese em que mesmo se fixada a pena no mínimo legal, isto é, em 1 (um) ano de reclusão, ainda assim não estaria prescrita, tendo em vista que não decorridos 4 (quatro) anos entre a data do recebimento da denúncia e a
publicação da sentença condenatória recorrível.
5. A demonstração de que determinado agente integra, de forma livre e consciente, grupo estável e permanente, formado por mais de três pessoas e voltado à prática de crimes, é o que basta para a comprovação da materialidade e autoria do crime de
quadrilha. Hipótese em que os diálogos interceptados, bem assim o termo de apreensão, permitem uma conclusão segura quanto à atuação da recorrente em quadrilha especializada no tráfico e comércio de aves exóticas e nativas. Provas que demonstram, ainda,
a vontade consciente (dolo) da apelante de se associar a outras pessoas para a prática de crimes.
6. Dosagem da pena.
7. A fundamentação empregada pelo juízo a quo na avaliação do vetor culpabilidade cuida, em verdade, do modus operandi e dos recursos empregados na atividade criminosa, dados que devem ser avaliados na operativa relacionada às circunstâncias do crime.
8. O fato de a ré não ter demonstrado arrependimento da prática delitiva não constitui elemento suficiente à avaliação da operativa da personalidade, a qual exige criterioso estudo e profusão de dados do comportamento da agente, não presentes no caso
concreto.
9. Há prova nos autos de que a recorrente, ao associar-se a outras pessoas para a prática de crimes, buscou maximizar o seu ganho financeiro, eis que lucrava com o comércio dos pássaros. Embora seja ínsita ao crime de contrabando, penso que tal
circunstância justifica a majoração da pena-base, no que concerne ao delito tipificado no art. 288 do Código Penal.
10. O número de envolvidos, a extensão da área de atuação da quadrilha, o fato de movimentarem enorme número de pássaros, os quais, no mais das vezes, eram submetidos à condições absurdas de transporte, armazenados em microgaiolas depositadas em malas e
bolsas que não permitiam o movimento e geravam temperaturas extremas, privando os animais de oxigênio, justificam a elevação da pena-base a título de circunstâncias do crime.
11. A consequência do crime descrita na sentença condenatória (prejuízo à fauna) refere-se muito mais aos crimes conexos cometidos pela quadrilha do que ao crime imputado ao recorrente na denúncia. Para consideração da mencionada circunstância neste
feito seria necessária a demonstração de algum dano concreto à fauna, não apenas da possibilidade de ocorrência de uma lesão.
12. É firme a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 5ª Região no sentido de que o comportamento da vítima não poderá ser considerado em desfavor do acusado, quando não for possível, pela própria natureza daquela, atribuir-lhe qualquer
influência no fato criminoso.
13. Fixação da pena-base privativa de liberdade no quantitativo de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão.
14. Redução da pena definitiva imposta na sentença de 2 (dois) anos de reclusão para 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão. Manutenção da substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos.
15. O pedido reativo à redução da pena de multa não merece ser conhecido, na medida em que referida sanção não é prevista no preceito secundário do crime de quadrilha ou bando, não tendo sido aplicada à recorrente na sentença condenatória.
16. Apelo parcialmente conhecido e, em parte, provido, para redução das penas impostas à recorrente.Decisão
UNÂNIME
Data do Julgamento
:
16/01/2018
Data da Publicação
:
19/01/2018
Classe/Assunto
:
ACR - Apelação Criminal - 14212
Órgão Julgador
:
Quarta Turma
Relator(a)
:
Desembargador Federal Rubens de Mendonça Canuto
Comarca
:
TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
LEG-FED LEI-12234 ANO-2010
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***** CPP-41 Codigo de Processo Penal
LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-41
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LEG-FED LEI-9605 ANO-1998 ART-31
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LEG-FED SUM-122 (STJ)
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LEG-FED PRT-93 ANO-1998
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LEG-FED LEI-12850 ANO-2013
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***** CP-40 Codigo Penal
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-288 ART-296 PAR-1 INC-1 ART-33 PAR-2 LET-C ART-109 INC-4
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***** CF-88 Constituição Federal de 1988
ART-109 INC-4
Fonte da publicação
:
DJE - Data::19/01/2018 - Página::287
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