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Jurisprudência


TRF5 0002655-25.2014.4.05.8100 00026552520144058100

Ementa
PENAL. CRIME DE PECULATO. INADEQUAÇÃO DO ENCAIXE DOS FATOS ÀS FIGURAS DE ESTELIONATO E DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA. PECULATO CONFIGURADO. CONFISSÃO DO RÉU E PROVA DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL QUE RESPALDAM A ACUSAÇÃO. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA, PARA REDUZIR AS PENAS AO MÍNIMO LEGAL. I - Apelação interposta por JOSÉ RIBAMAR FONTENELE MORAES da sentença que o condenou à pena final de três anos e quatro meses de reclusão e multa de dezesseis dias-multa, cada um à razão de um décimo do salário mínimo vigente à época dos fatos, substituída a prisão por uma pena restritiva de direitos (ao talante do juízo da execução) e a pena pecuniária de cinco salários mínimos. II - O APELANTE foi acusado e condenado como incurso no art. 312, caput, do Código Penal, pois, segundo a peça acusatória inicial, a partir do Procedimento Administrativo Disciplinar nº 4034/2008, oriundo do IPEM de Fortaleza, no exercício das funções de servidor da referida autarquia, teria se apropriado de valores pertinentes ao pagamento de taxas metrológicas, no período compreendido entre os anos de 2006 e 2009. Alega o MPF que o réu recebeu valores a serem pagos ao IPEM, burlando a orientação do INMETRO quanto à utilização da GRU, em agências bancárias ou lotéricas, isto é, o réu recolhia os valores das referidas taxas, mas não repassava tais quantias ao erário público. III - Insatisfeito com a condenação apelou o RÉU, argumentando, em síntese: a) a inépcia da denúncia, em face das acusações vagas e imprecisas, impossibilitando a ampla defesa e o contraditório; b) inexistência de tipicidade do peculato, pois não houve alcance de valores públicos; c) se for entendida a existência de crime, que seja operada a desclassificação de peculato para estelionato - art. 171; d) a incompetência da Justiça Federal, já que não atingido bem ou interesse federal; e) ausência de "induzimento em erro" que habilite a comprovação de peculato ou estelionato; e) falta de dolo para configurar um dos dois crimes em baila; f) não observância de critérios objetivos para o aumento da pena, com base no art. 71 do Código Penal, bem assim falta de atenção, para fins de consideração das atenuantes, dos indicativos das Súmulas 718 e 719 do Supremo Tribunal Federal. IV - Não pode ser inquinada de inepta a denúncia se na peça contém todos os elementos exigidos pelo art. 41 do CPC, ou seja, "a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas". E a inaugural reúne todos esses requisitos, V - O que se controverte nestes autos é o possível crime praticado por um servidor público de uma autarquia municipal - o IPEM -, mas que age como delegatária do INSTITUTO NACIONAL DE METROLOLOGIA, QUALIDADE E TECNOLOGIA - INMETRO, autarquia federal em forma de agência executiva, vinculada ao MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR, além de ter, como alvo da conduta criminosa, essa mesma autarquia delegatária e o serviço público federal delegado. A competência federal é demarcada na Constituição, art. 109. Preliminar desacolhida de incompetência da Justiça Federal que é recusada. VI - A conduta atribuída ao APELANTE cabe na moldura fática do peculato (CP, art. 312). Leia-se o que relata a sentença (fl. 185): "No caso, o réu, servidor da Prefeitura Municipal de Fortaleza, portanto funcionário público, teria recebido em razão de suas funções, entre 2006 e 2009, valores destinados ao pagamento de taxas metrológicas e de qualidade, devidas por particulares/comerciantes ao IPEM, no exercício de atividade delegada do INMETRO, apropriado-se deles e utilizando-os em benefício próprio, deixando de creditá-los em proveito da Administração Pública, embora tendo dado quitação ao contribuintes". VII - Inadequado o relato fático para a moldura do crime de estelionato (art. 171, CP), passível de encaixe se o "golpe" fosse perpetrado, v.g. tão somente sobre o patrimônio do particular e se o agente não fosse integrante do staff oficial (CP, art. 327). Mas, no caso concreto, maculou-se o erário, que ficou privado dos ingressos correspondentes às quantias que foram alcançadas pelo RECORRENTE. Além do mais, a fraude - elementar ao crime do art. 171 - bem pode configurar o modus operandi para a prática do delito do art. 312. Precedente: TRF5, Quarta Turma, ACR 11965-PE, LÁZARO GUIMARÃES, DJe 22.06.2016. VIII - Igualmente não vinga o argumento de que o crime em apreço pode ser o de apropriação indébita, marcado no art. 168 do Código Penal. Com efeito, apesar de deduzir esse elemento de defesa (fls. 229), o APELANNTE não carreia aos autos nenhum elemento que sirva a construir a fattispecie concreta, sequer a fattispecie legale. IX - A autoria, a materialidade e a dolosidade das condutas estão suficientemente comprovadas, ainda mais com o teor do interrogatório do próprio RÉU que, como dito acima, "apropriou-se de valores relativos ao recolhimento de taxas metrológicas, no período de 2006 a 2009, driblando as normas do IPEM, burlando a orientação do INMETRO quanto à utilização da GRU, em agências bancárias ou lotéricas, ou seja, o réu, no exercício das atribuições do cargo de fiscal metrológico, recebia os valores das referidas taxas, mas não repassava tais quantias ao erário público, praticando assim o peculato". Os testemunhos de ELIZOMAR ARAÚJO DE CARVALHO e de LUIZ ROCHA MIRANDA, acima mencionados, reforçam a incidência penal. X - Entretanto, apesar de ser inquestionável que crime houve (o de peculato), e a prova documental carreada ao inquérito (fls. 83 a 86 e 109 a 110), harmonizada com a prova testemunhal e com a confissão do próprio RÉU, disso dão conta, inexiste nos autos clareza sobre quantas vezes o APELANTE praticou esse crime, já que toda a instrução e a sentença apenas falam em "entre 2006 e 2009". Como elementos materiais dos crimes existem os documentos de fls. 83 a 86 e 109 a 110, ou seja, duas ocorrências. Isso há que ser considerado na dosimetria, para os fins do art. 171 do Código Penal. XI - A pena-base foi demarcada no mínimo legal (dois anos de reclusão), com multa de dez dias-multa (cada um fixado em um décimo do salário-mínimo em vigor em maio de 2009). Logo, quanto à prisão, não podem incidir atenuantes (STJ, Súmula 231). Mas deve ser corrigido o quantitativo da pena, na fase da dosimetria que atrai a incidência do art. 716 (crime continuado). Com efeito, o mencionado dispositivo prevê, em caso de continuidade delitiva de crimes da mesma espécie, que seja fixada a pena correspondente a um delito, acrescida de um sexto a dois terços. XII - Na espécie, o juiz analisou os fatos e a conduta do RÉU à luz do art. 59 do CP, concluindo ser o APELANTE merecedor da pena prisional mínima. Logo, pelos mesmos elementos, deveria ter operado o aumento da pena pela continuidade delitiva também no patamar mínimo, é dizer, em um sexto; mais o fez no máximo (dois terços), afirmando que o fez considerando "o número de infrações praticadas pelo agente" (fl. 193). XIII - Também a pena de multa, pelas mesmas razões, deve ser reduzida para o quantitativo mínimo da unidade, ainda que o número de dias-multa fixado na sentença (dez) seja razoável, posto que é o mínimo previsto no art. 49 do C. Penal. XIV - É de rigor o parcial do apelo, para: a) mantendo a pena básica de prisão em dois anos de reclusão, sobre ela incidir a causa de aumento prevista no art. 71 no percentual de um sexto, ficando definitivamente marcada em dois anos e quatro meses de reclusão; b) recalcular a pena de multa, deixando o dia-multa à base de um trigésimo do salário-mínimo em vigor em maio de 2009; c) reduzir a pena substitutiva de prestação pecuniária para um salário-mínimo vigente em maio de 2009; d) ter por definitivas as penas acima referidas.
Decisão
UNÂNIME

Data do Julgamento : 10/10/2017
Data da Publicação : 16/10/2017
Classe/Assunto : ACR - Apelação Criminal - 13685
Órgão Julgador : Quarta Turma
Relator(a) : Desembargador Federal Ivan Lira de Carvalho
Comarca : TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Tipo : Acórdão
Revisor : Desembargador Federal Edílson Nobre
Referência legislativa : LEG-FED SUM-231 (STJ) - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ***** CC-02 Código Civil LEG-FED LEI-10406 ANO-2002 ART-312 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ***** CPP-41 Codigo de Processo Penal LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-41 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED SUM-719 (STF) - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED SUM-718 (STF) - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ***** CP-40 Codigo Penal LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-312 (CAPUT) ART-71 ART-171 ART-327 PAR-3 ART-59 ART-49 ART-168
Fonte da publicação : DJE - Data::16/10/2017 - Página::77
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