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Jurisprudência


TRF5 0002746-88.2014.4.05.8400 00027468820144058400

Ementa
Processual Penal e Penal. Recursos de apelação de sentença, f. 353-409, que condenou os acusados pela prática de um rol de crimes de uso de documentos públicos e particulares falsos, por cinquenta e oito vezes, estelionato majorado, por oito vezes, estelionato simples por trinta e cinco vezes, e estelionato majorado tentado, no caso de Sebastião de Oliveira, e, por uso de documentos públicos e particulares falsos, por sete vezes, estelionato majorado, por duas vezes, estelionato simples, por seis vezes, a acusada Kelly Cristiane Santos dos Anjos, f. 389, tudo efetuado no comércio de Natal, no período de 2006 a 2015. A r. sentença ensejou dois recursos. Um, do demandante, f. 413-425, [1] a atacar a dosimetria da pena e, também, [2] a buscar a declaração da inelegibilidade dos apelados, e, outro, dos réus, f. 505-541, [3] a pleitear a incompetência do Juízo Federal para os crimes cometidos contra pessoas físicas e pessoas jurídicas, não elencados no inc. IV, do art. 109, da Constituição, [4] o reconhecimento da continuidade delitiva, [5] a redução da multa imposta, [6] a exclusão da declaração de inelegibilidade imposta aos acusados, e, enfim, [7] a restituição dos bens apreendidos. Estes, portanto, os marcos dos apelos. Com relação aos fatos, nenhuma insurgência dos acusados. No exame, as matérias se misturam, dando-se preferência inicial a alojado no item 3, pelo seu caráter prejudicial. O imenso arsenal de delitos praticados atingiu tanto o ente federal, como, v. g., a Caixa Econômica Federal, como pessoas jurídicas não incluídas no inc. IV, do art. 109, da Constituição, como Banco Bradesco, Itaú Unibanco, Banco do Brasil, Telefonia Brasil S. A., Rede Mais Supermercados, Telemar Norte Leste S. A., HSBC - Bank Brasil e Lojas Riachuelo, - caso do acusado-varão, f. 547v. -, e Banco Bradesco, Rede Mais Supermercado e Lojas Riachuelo, - caso da acusada-varoa, f. 547v. a 548. Os acusados perseguem a declaração de incompetência da Justiça Federal para os delitos cometidos contra pessoas jurídicas que não estão apontados no referido inc. IV, do art. 109, da Carta Magna. O pedido não prospera, embora, à primeira vista, apresente certa pertinência. É que tais delitos terminam sendo levados para as esferas da Justiça Federal, numa exceção única à regra constitucional da sua competência, por força da unânime jurisprudência, que a Súmula 122, do Superior Tribunal de Justiça, a retrata, a apregoar que compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 7, inc. II, "a", do Código de Processo Penal. Sem guarida a pretensão. Por outro lado, no que se relaciona ao pedido nº 4, a continuidade delitiva, efetivamente, se reconhece, ante a presença de mais de uma ação, na prática do mesmo crime - estelionato -, que, pelas condições de tempo, isto é, de 2006 a 2015, lugar, ou seja, em Natal, maneira de execução, via de documentos falsos, devem ser havidos como continuação do primeiro, dentro dos contornos estabelecidos pelo art. 71, do Código Penal. Pertinente, assim, o pedido. Já no que se refere à dosimetria da pena, o recurso do Ministério Público Federal, pedido nº 1, deve ser acolhido, em parte, tendo em vista a análise das circunstâncias judiciais, que demonstra serem desfavoráveis, ao corréu Sebastião Oliveira, a culpabilidade, personalidade e consequências dos ilícitos, e à corré Kelly Cristiane Santos dos Anjos, apenas essa última circunstância. A este respeito, invocam-se os fundamentos das contrarrazões, pelo retrato que fornece a personalidade dos dois acusados, sobretudo do acusado-varão: Na r. sentença recorrida, o juízo a quo, ao fixar as penas bases de Sebastião de Oliveira, considerou circunstancias desfavoráveis a este apenas a personalidade e as consequências do crime. Nas penas bases de Kelly Cristiane Santos, por sua vez, as consequências do crime foram valoradas negativamente. Ademais, o apelante cometeu mais de 7 (sete) crimes de estelionato majorado, de estelionato simples e de uso de documentos públicos e particulares falsos, o número de crimes que exceder a sete deve ser considerado como circunstâncias judiciais desfavoráveis para a dosimetria da pena base. Outrossim, não resta dúvida da intensidade do dolo de Sebastião de Oliveira e que é elevadíssima a sua culpabilidade, haja vista que os crimes narrados na denúncia começaram a ser praticados em 2006 e só cessaram em 2014, com a sua prisão em flagrante, período no qual o apelante teve inúmeras oportunidades de refletir sobre a ilicitude de suas condutas e de deixar de praticá-las, o que terminou não acontecendo. Além disso, a frieza e o controle emocional do apelante para comparecer, pessoalmente, por inúmeras vezes, às agências da Caixa Econômica Federal e aos estabelecimentos comerciais privados para perpetrar os crimes de estelionato e de uso de documento falso revelam a maior reprovabilidade da sua conduta e, por conseguinte, a sua elevadíssima culpabilidade. Consoante o depoimento prestado à autoridade policial e o interrogatório de Kelly Cristiane Santos dos Anjos, era o apelante quem promovia e organizava todas as fraudes preparatórias dos inúmeros golpes, bem como coordenava toda a ação delituosa, mesmo quando era a apelante quem se dirigia às empresas para executá-las. Desse modo, deve ser aplicado o disposto no artigo 62, I, do Código Penal na fixação das penas dos apelantes pela prática dos crimes de uso de documentos públicos e particulares falsos (art. 304, do CP), de estelionato majorado (art. 171, § 3º, do CP), de estelionato simples (art. 171, caput, do CP) e de estelionato majorado tentado (art. 171, parágrafo 3º, c/c o art. 14, II e parágrafo único do CP), f. 554 e v. Por seu turno, não prospera o pedido de redução da multa imposta [nº 5], por seguir a dosimetria correspondente às penas-base, as quais, sendo majoradas justificadamente, ensejam a exacerbação da quantia de dias-multa para além do mínimo legal, na observação do Ministério Público Federal, f. 562. E, continuando: Ademais, no caso, as condutas dos acusados subsumiram-se a mais de um tipo penal, o que explica a maior quantidade de dias-multa a eles fixados. Além disso, o valor das unidades fixadas, relativas à modalidade de pena em comento, foram de 1/30 do salário-mínimo, valor mínimo estabelecido pelo art. 49, I, do Código Penal, em virtude das baixas condições econômicas dos sentenciados, f. 562. Ainda, não merece guarida o pedido de restituição dos bens apreendidos, no que, mais vez, invoca-se o parecer do Ministério Público Federal, para sustentar a negativa, isto é, pois as coisas indisponíveis são relevantes para a elucidação dos fatos apurados. Não há ilegalidade na decisão de manutenção do bloqueio, ainda, porque os recursos apreendidos devem ser resguardados para futura reversão em prol das instituições lesadas, estando comprovadas a materialidade e a autoria delitivas, não sendo cumpridos, assim, os requisitos para a devolução instituídos pelos arts. 118, 119 e 120 do Código de Processo Penal, f. 563. Ademais, a declaração ou não da inelegibilidade dos acusados, quando está em jogo crimes contra a economia popular, fé pública e patrimônio privado, a encontrar ressonância no art. 1º, inc. I, alínea e, incs. I e II, da Lei Complementar 64, de 1990. A declaração em tela é uma forma de resguardo da ordem pública, e, ademais, expressa na referida Lei Complementar 64, de modo a dispensar qualquer fundamentação. Ademais, como já foi aplicada, f. 407-408, o pedido de declaração, por parte do demandante, resta prejudicado, e a sua extirpação, almejada pelos acusados, f. 537, deve ser rejeitada. Há, porém, outra questão a ser dirimida, posta à discussão na soleira da extensão do efeito devolutivo, que, no processo penal, não se limita às razões do recurso, a considerar que a interposição deste devolve à instância superior o exame integral da matéria discutida na ação criminal. Apresenta-se de aplicabilidade o princípio da consunção, que tem por pressuposto a absorção de uma conduta menos grave que constitua meio de preparação ou execução. Nesse sentido, a orientação da Súmula 17, do Superior Tribunal de Justiça: Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido. A análise das provas dos autos permite compreender que o falso, afinal, tinha em mira o cometimento do estelionato, porquanto o uso de documentos públicos e particulares (crime-meio) exauriu-se na prática do estelionato, nas formas simples, qualificada e tentada (crime-fim), em função da conexão lógica e porque reconhecido o nexo de dependência entre as condutas ilícitas, desenvolvidas em mesmo contexto fático, de obter a vantagem ilícita. Excluem-se, pois, as condenações impostas, aos dois acusados, pela prática do crime do art. 304, do Código Penal. Revisão da dosimetria das penas, tendo em vista a pretensão recursal comum, ao demandante e à defesa dos demandados, na linha de entendimento já fixada. De início, quanto ao réu Sebastião de Oliveira, a análise das circunstâncias judiciais, em comum para todos os ilícitos de estelionato: a culpabilidade revela-se alta, como se infere de simples leitura dos autos, que estampa modo de agir que se repete, por inúmeras vezes; a personalidade do acusado assenta-se na busca de dinheiro fácil, ilicitamente; as consequências extrapenais do crime, à exceção do crime tentado, são igualmente graves, a ludibriar nove instituições diferentes, causando-lhes prejuízos de monta considerável, à época dos fatos; por outro lado, porquanto trazido à discussão, é fato que as vítimas em nada contribuíram para a prática dos ilícitos, sendo essa circunstância neutra. As demais circunstâncias judiciais são inerentes à configuração dos tipos penais aludidos, ou não se podem aferir dos elementos contidos nos autos. Na segunda fase, acolhem-se os fundamentos da r. sentença, ao reconhecer o concurso da circunstância agravante do art. 62, inc. II, do Código Penal, pois o acusado contribuiu decisivamente para que a corré, sua companheira, incorresse na prática delituosa, - consignado-se o registro, no particular, de que, ainda que tal influência tenha sido apta ao ponto de extirpar o dolo da pessoa instigada, cumpre ser reconhecida sua influição e, por conseguinte, o amoldamento à citada agravante, f. 391 -, e a de confissão espontânea, do art. 65, inc. III, alínea d do Código Penal, uma vez que, de fato, o condenado reconheceu sua autoria criminal, tendo havido, entre ambas, compensação. Outrossim, também objeto da pretensão recursal do demandante, não se configura no contexto dos autos a agravante de direção da atividade criminosa, prevista no art. 62, inc. I, do Código Penal, não sendo cabível, pois, a sua aplicação. Na verdade, não há elemento suficiente da efetiva submissão da vontade da corré, em relação ao acusado, noutro dizer, que confirme ter ele exercido qualquer mando na empreitada criminosa, não se prestando, a tanto, alegação simples, sem respaldo no caderno processual. Aplicação das penas nos termos e parâmetros do voto divergente, proferido pelo des. Frederico Wildson da Silva Dantas, no sentido de que todos os estelionatos estão conectados entre si como elos da mesma sequência criminosa. São, de fato, ilícitos da mesma espécie, assemelhados pelas condições de tempo, lugar e maneira de execução, não havendo razão para separá-los em três blocos diferentes, como se cada um dos quais possuísse uma continuidade delitiva exclusivamente sua, todos eles (os blocos) ainda precisando ser ligados por concurso material (CP, art. 69). Ou seja: a continuidade delitiva é uma só, devendo ser calculada no percentual máximo (tantas foram as ações cometidas pelos réus), a incidir sobre a maior pena privativa de liberdade cominada, que é aquela fixada para o estelionato "qualificado" consumado, praticado em detrimento da Caixa Econômica Federal, tudo nos termos do art. 171, parágrafo 3°, c/c o art. 71, ambos do Código Penal. Para o acusado-varão, na primeira fase, fixa-se a pena-base em três anos de reclusão, a qual, na segunda fase, pelas razões antes expostas - considerando a compensação entre a agravante e a atenuante, já aludidas, previstas nos arts. 62, inc. II, e 65, inc. III, alínea d, ambos do Código Penal, mantém-se inalterada. Na terceira fase, incide a causa de aumento prevista no art. 171, parágrafo 3°, do Código Penal, (na fração de um terço, ou seja, aumento de um ano de reclusão) e, do mesmo modo, a causa de aumento da continuidade delitiva (art. 71, do Código Penal), em seu patamar máximo (dois terços), o que resulta o aumento de mais dois anos de reclusão, a implicar, definitivamente, pena privativa de liberdade de seis anos de reclusão para o Sr. Sebastião de Oliveira, em regime inicial semiaberto (art. 33, parágrafo 2°, alínea b, do Código Penal). Para a acusada-varoa, mantém-se inalterada a pena-base aplicada, pelos mesmos fundamentos sustentados na sentença, em um ano e seis meses de reclusão, a qual, na segunda fase, mercê da atenuante de confissão, reduz-se de um sexto, estabelecendo-se, provisoriamente, em um ano e três meses de reclusão. Na terceira fase, incidindo a causa de aumento prevista no art. 171, § 3°, do Código Penal, (na fração de um terço, ou seja, aumento de cinco meses de reclusão) e, do mesmo modo, a causa de aumento da continuidade delitiva, em seu patamar máximo (dois terços), o que resulta o aumento de mais dez meses de reclusão, a implicar, definitivamente, pena privativa de liberdade de dois anos e seis meses de reclusão para a Sra. Kelly Cristiane Santos dos Anjos, em regime inicial aberto (art. 33, parágrafo 2°, alínea c, do código Penal). Mantêm-se inalteradas, por seus próprios fundamentos, as penas de multa aplicadas, a ambos os réus, na r. sentença, pelos crimes de estelionato, pois adequadas aos parâmetros da razoabilidade e proporcionalidade. Substituição da pena privativa de liberdade da ré Kelly Cristiane Santos dos Anjos por penas restritivas de direitos, a serem definidas e aplicadas pelo juízo da execução penal, pois atendidos os termos do art. 59, inc. IV, do Código Penal, e presentes os requisitos do art. 44 do mesmo diploma legal. Não há mais matéria a ser cotejada. Parcial provimento ao recurso do Ministério Público Federal, para rever a dosimetria das penas, nos termos já expostos. Improvimento do apelo dos réus.
Decisão
UNÂNIME

Data do Julgamento : 20/06/2017
Data da Publicação : 29/06/2017
Classe/Assunto : ACR - Apelação Criminal - 13969
Órgão Julgador : Segunda Turma
Relator(a) : Desembargador Federal Vladimir Carvalho
Comarca : TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Tipo : Acórdão
Referência legislativa : LEG-FED SUM-17 (STJ) - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED LCP-64 ANO-1990 ART-1 INC-1 LET-E INC-1 INC-2 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ***** CPP-41 Codigo de Processo Penal LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-7 INC-2 LET-A ART-118 ART-119 ART-120 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED SUM-122 (STJ) - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ***** CP-40 Codigo Penal LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-62 INC-1 ART-71 ART-304 ART-171 (CAPUT) PAR-3 ART-14 INC-2 PAR-ÚNICO ART-49 INC-1 INC-2 ART-65 INC-3 LET-D ART-69 ART-59 INC-4 ART-33 PAR-2 LET-A LET-C ART-44 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ***** CF-88 Constituição Federal de 1988 ART-109 INC-4
Fonte da publicação : DJE - Data::29/06/2017 - Página::60
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