TRF5 0003114-86.2012.4.05.8200 00031148620124058200
PENAL. SENTENÇA QUE JULGOU PARCIALMENTE PROCEDENTE DENÚNCIA RELATIVA A DOIS ACUSADOS, SENDO UM CONDENADO. RECURSOS DA DEFESA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO. APELAÇÃO DE CONDENADO PELA PRÁTICA DE CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICA, PREVISTO NO ART. 2º DA LEI Nº
8.176/91, POR EXTRAÇÃO IRREGULAR DE AREIA EM ÁREA DA UNIÃO. PENA DE 02 (DOIS) ANOS E 06 (SEIS) MESES DE DETENÇÃO - AUTOMATICAMENTE SUBSTITUIDA POR RESTRITIVAS DE DIREITOS -, ALÉM DE MULTA. PRESCRIÇÃO, RECONHECIDA NA SENTENÇA, QUANTO AO DELITO DO ART. 55
DA LEI Nº 9.605/98. INEXISTÊNCIA DE CONFLITO DE NORMAS PENAIS. REGULAR CONJUGAÇÃO DAS IMPUTAÇÕES PELA PRÁTICA DAS CONDUTAS DO ART. 55 DA LEI Nº 9.605/98 E A DO ART. 2º DA LEI Nº 8.176/91. CONDUTAS DISTINTAS E BEM JURÍDICOS DIVERSOS. POSSIBILIDADE.
PRECEDENTES DESTA CORTE REGIONAL. AUTORIA E MATERIALIDADE DELITUOSAS DEVIDAMENTE COMPROVADAS. AUSÊNCIA DE LICENÇA PARA EXTRAÇÃO DE AREIA. CONTRATO VERBAL DO RÉU COM TERCEIRO DETENTOR DE LICENÇA QUE NÃO SE REVELOU, IN CASU, JURIDICAMENTE SERVÍVEL A
REBATER A ILICITUDE DA EXTRAÇÃO DO BEM, EM ÁREA DE MARGENS DE LEITO DE RIO PARAIBANO, NO MUNICÍPIO DO PILAR-PB. PLENA CIÊNCIA, PELO RÉU, DO DESVALOR DE SUA CONDUTA, VISTO ATUAR NO RAMO DA EXTRAÇÃO DE AREIA. MANTIDA A CONDENAÇÃO. APELO MINISTERIAL COM
VISTA A CONDENAR EX-SUPERINTENDENTE DA ADMINISTRAÇÃO DO MEIO AMBIENTE DA PARAÍBA - SUDEMA, PELA PRÁTICA DO CRIME DISPOSTO NO ART. 67 DA LEI Nº 9.605/98, DADA A CONCESSÃO DE LICENÇA PARA EMPRESA OPERAR ATIVIDADE DE EXPLORAÇÃO DE AREIA SEM OBSERVÂNCIA À
TOTALIDADE DOS PRESSUPOSTOS EXIGÍVEIS PARA TANTO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO MÍNIMA DE DOLO. ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL DE DAR EFETIVIDADE A ORDEM JUDICIAL QUE RESTABELECEU O DIREITO DO EXPLORADOR REQUERENTE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ OU DE
EVENTUAIS PREJUÍZOS CAUSADOS AO MEIO-AMBIENTE DECORRENTES DA EXPEDIÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO. RELATÓRIO DE INSPEÇÃO TÉCNICA, EMBASADOR DA LICENÇA, EVIDENCIADOR DO REFLORESTAMENTO EM ÁREA ANTERIORMENTE DEGRADADA. INEXISTÊNCIA DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO OU
DE PREJUÍZO AO ERÁRIO. DESCONSIDERÁVEL OFENSIVIDADE AO BEM JURÍDICO TUTELADO PELA NORMA. EVENTUAL DESVIO DE FINALIDADE A SER MELHOR APURADO E SANCIONADO, SE O CASO, À LUZ DO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR. IMPÕE-SE MANTER OS TERMOS E COMANDOS DO
VEREDICTO ABSOLUTÓRIO - NESTE PARTICULAR -, VISTO REPRESENTAR PERCUCIENTE VALORAÇÃO, DE PER SE, DAS PROVAS E CONDUTAS DE CADA ENVOLVIDO NOS EPISÓDIOS DELINEADOS PELA ACUSAÇÃO. DECRETO QUE ORA SE MANTÉM PELA RAZOABILIDADE DE SUA FUNDAMENTAÇÃO,
NOTADAMENTE EM FACE DE PERCUCIENTE COTEJO DE TODOS OS ELEMENTOS QUE COMPUSERAM O PLEXO ACUSATÓRIO, MAS QUE SE REVELARAM, FINDA A INSTRUÇÃO, SUFICIENTES A ALICERÇAR, TÃO-SOMENTE, A RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DE UM DOS DENUNCIADOS.
1. Afastada a necessidade de modificação da sentença recorrida, tanto pela escorreita fundamentação jurídica empregada, quanto pelo senso de fiel aplicação dos princípios - entre outros - da razoabilidade e da proporcionalidade, na aferição pela
sentenciante da procedibilidade da acusação descrita na denúncia, que se revelou, após a instrução processual, incapaz de justificar a responsabilização penal de um dos acusados, servível, porém, a imprimir condenação ao réu, aqui apelante, pela prática
de crime contra o patrimônio da União, previsto no art. 2º da Lei nº 8.176/91, por usurpação de matéria-prima (areia).
2. Pretende o apelo do réu a reforma do julgado condenatório monocrático, visto entender inadequada a subsunção de sua conduta às elementares do tipo penal previsto no art. 2º da Lei nº 8.176/91, notadamente em razão de se tratar de norma penal em
branco, destacando que tal norma criminalizaria, tão-somente, a usurpação de fontes energéticas (combustíveis, por exemplo), e não, a extração de recursos minerais (areia, etc.). Pontuou, em suma, que o réu comprava areia de terceiro, sendo este titular
de licença ambiental, daí porque não teria praticado ilícito penal, além do que não restaria configurada, apenas pela conduta do apelante, lesão alguma ao bem jurídico protegido pela norma em referência.
3. Ao contrário da alegação recursal de que a conduta de exploração da matéria-prima em questão - areia - em área da União não se enquadraria na Lei nº 8.176/91, é de se afirmar que, para além de contemplar - como corretamente sugerido pelo recorrente -
a tipificação e a responsabilização de condutas voltadas à indevida aquisição, comercialização, etc., de matéria extraída de fontes energéticas, a exemplo de derivados de petróleo, gás natural e correlatos, previstos no art. 1º e incisos do aludido
diploma, há, também, na referenciada Lei nº 8.176/91, específica previsão - subsunção típica - no que tange à configuração de tipo penal exclusivamente referente à conduta criminosa que atinge o patrimônio material da União, como, in casu, a usurpação
decorrente da exploração de matéria-prima, a saber, areia do leito do Rio Paraíba (bem da União, na forma do art. 20, IX, da CF/88), no Município do Pilar/PB.
4. Nessa linha, aliás, desmerece guarida a assertiva recursal de que inexistiria "concurso formal de crimes entre o art. 55 da Lei 9.605/98 e o art. 2º da Lei 8.176/91, porque o art. 2º não tipifica condutas relativas à usurpação mineral (art. 54, Lei
9.605/98)", com o objetivo de enquadrar o agir do apelante, se o caso, apenas à figura típica disposta no art. 55 da Lei nº 9.605/98.
5. É de se realçar, na Sentença, o fato de haver sido declarada a extinção da punibilidade do réu, exclusivamente, pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, quanto ao cometimento do delito inserto na figura típica do art. 55 da Lei nº
9.605/98, fato que aponta, nitidamente, para a pretensão recursal contrária ao pleito de reconhecimento, inicialmente proposto na Denúncia, do concurso formal entre os crimes do art. 2º da Lei nº 8.176/91 e do art. 55 da Lei nº 9.605/98. Todavia, a
jurisprudência, inclusive a adotada nesta Corte Regional, aponta para o regular concurso formal de crimes entre as imputações dirigidas ao réu, visto que distintas são as condutas e, na sequência, os bens jurídicos tutelados pelas respectivas normas
(TRF/5ª REGIÃO. RSE1623/RN. 3ª Turma. Rel. Des. Fed. Conv. Élio Wanderley de Siqueira Filho. Julg. 19.09.2013; ACR 8459/PE. 3ª Turma. Rel. Des. Fed. Conv. Manuel Maia. Julg. 31.10.13; ACR 14561-CE. 4ª Turma. Rel. Des. Fed. Conv. André Carvalho Monteiro.
Julg. 28.03.17; ACR 14025-PE. 3ª Turma. Rel. Des. Fed. Cid Marconi Julg. 09.02.17; ACR 14017-PB. 2ª Turma. Rel. Des. Fed. Paulo Roberto de Oliveira Lima. Julg. 13.03.18).
6. Inexistente, pois, o alegado conflito de normas suscitado no apelo do réu, revelando-se acertada a sua responsabilização penal, visto que adequada a subsunção típica de sua conduta à legislação de regência, remanescendo, como antes dito, a sanção
atinente ao crime previsto no art. 2º da Lei nº 8.176/91, dado que reconhecida a prescrição - retroativa - em relação ao delito do art. 55 da Lei nº 9.605/98.
7. É que a materialidade e a autoria delituosas do crime do art. 2º da Lei nº 8.176/91 restaram incontestavelmente configuradas, a partir da plena ciência do réu - empresário do ramo de exploração de areia - do agir em contrariedade à norma, dado não se
portar em acordo com a necessidade legal de obter autorização da Administração Pública - Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM -, para os serviços de exploração que vinha executando, sendo juridicamente inaceitável, no caso concreto dos
autos, a pífia alegação de o réu explorar referida área fiado, tão-somente, em "contrato verbal", algo fictício, com terceiro - titular de licença ambiental -, daí o acerto das conclusões sentenciantes.
8. É de se destacar que o apelo ministerial em causa objetiva, exclusivamente, a responsabilização penal de apelado, quanto à conduta de haver o mesmo concedido, na condição, à época dos fatos, de Superintendente da SUDEMA, a Licença de Operação nº
710/2010, em prol da empresa de terceiro, para atividades de extração de areia, sem a completa observância das normas ambientais exigíveis.
9. Insiste o Parquet que o apelado faltou, dolosamente, com o seu dever de ofício, ao conceder a referida Licença de Operação nº 710/2010, em favor da empresa de terceiro, visto que não embasada pela comprovação de execução efetiva de plano de
recuperação ambiental da área explorada pela aludida empresa, como assim determinado em licença anterior (nº 1512/2005), dado que a extração em questão já havia provocado danos no meio ambiente da área explorada.
10. Aduz, ainda, o recurso em tela, não ser satisfatoriamente justificável a alegação da defesa de que o denunciado, aqui apelado, estaria, ao conceder a Licença nº 710/2010, agindo em estrito cumprimento de dever legal, ao dar efetividade à ordem
judicial advinda do Tribunal de Justiça da Paraíba, em sede de Agravo de Instrumento que revogou decisão oriunda de instância judicial de primeiro grau - que sustou as atividades da empresa de extração -, restabelecendo, portanto, a permissão para o
desenvolvimento das atividades de extração de areia. Entende o Ministério Público Federal, ainda assim, que a Licença nº 710/2010 se ressentiria da apresentação dos documentos viabilizadores a tal desiderato e que não seria mera "renovação" da anterior
(nº 1512/2005), vencida desde 16/12/2007. Enfim, a dita "renovação" de licenças se operou, ainda segundo o recorrente, sem observância aos pressupostos legais de concessão, tanto que não verificado o efetivo atendimento das condicionantes dispostas no
licenciamento anteriormente concedido, apesar de, no intervalo entre as licenças, haver sido emitido o Relatório de Inspeção Técnica nº 3704/2008, com alusões ao grau considerável de reflorestamento promovido pela empresa em questão das margens do leito
do rio, além da demonstração de que o titular da empresa demonstra recuperar, com ações, a área degradada.
11. Evidencia-se, pois, no veredicto objeto do presente apelo, o sistemático cotejo promovido pela julgadora, entre os elementos probantes constantes nos autos, não se revelando, contudo, necessária e obrigatoriamente servíveis ao escopo de revelar, de
forma inequívoca, o cometimento - doloso -, por parte do ex-Superintendente da Administração do Meio Ambiente da Paraíba - SUDEMA, do delito descrito na peça acusatória, como sendo o previsto no art. 67 da Lei nº 9.605/98, à míngua da confirmação do
elemento subjetivo exigível para o perfazimento do núcleo das elementares do respectivo tipo, como ilustram as passagens, antes transcritas, do decreto absolutório.
12. Vê-se, pois, das conclusões sentenciantes - suficientemente fundamentadas -, a falta de convergência dos elementos de prova reunidos nos autos, para comprovar a intencionalidade do agente público, ora apelado, voltada, de forma pensada, a praticar a
conduta ilícita descrita no tipo penal em relevo. Assim, quer a partir do acervo documental, quer dos testemunhos colhidos - nas fases inquisitorial e judicial -, é de se realçar a lógica empregada na aferição do acervo probatório em seu conjunto
sistêmico, ao inverso da pretensão recursal ministerial, que pretende fazer valerem, para efeitos condenatórios, provas não conclusivas da configuração do elemento subjetivo do ilícito em causa, separadamente consideradas, visto que de precária
autonomia probante, ou mesmo sequer corroboradas, como antes dito, pelos demais elementos integrativos dos autos, apontando, então, para a ausência de constatação, extreme de dúvidas, da tipicidade subjetiva.
13. É que da instrução não exsurgiu, inegavelmente, a comprovação irrefutável de que o acusado, ex-Superintendente da SUDEMA, detinha a plena vontade, a intencionalidade mesma, dirigida a praticar a conduta penalmente reprovável, prevista no tipo
específico, visto inexistir prova - extreme de dúvidas - de que detinha o propósito criminoso de agir em desconformidade com as normas da Administração Pública e promover, propositadamente, como consectário à concessão da Licença nº 710/2010, qualquer
dano ao meio ambiente, não restando sequer comprovada eventual má-fé em seu agir, e, muito menos, de haver o ex-Superintendente da SUDEMA percebido vantagem ilícita para a prática do ato administrativo em comento ou causado desfalque ao erário. Na
esteira do teor dos fundamentos sentenciantes, que ora comungamos, são juridicamente plausíveis os argumentos da defesa do acusado, em primeiro, por, em nenhum momento, negar a autoria da concessão da licença administrativa em tela; em segundo momento,
por se encontrar sob o cumprimento de ordem judicial emanada do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, garantidora do direito - da empresa de terceiro - à exploração de areia na área referenciada nos autos.
14. É de se admitir, também, que a Licença de Operação nº 710/2010 estabeleceu, textualmente, como uma de suas condicionantes, a observância à evolução do processo judicial antes referenciado, imprimindo, assim, vinculação de sua validade às decisões
judiciais ali proferidas (vide verso, item nº 8). Realce-se, também, o fato constatado no Relatório de Inspeção Técnica nº 3704/2008, que subsidiou a concessão da Licença de Operação nº 710/2010, alusões ao grau considerável de reflorestamento promovido
pela empresa em questão das margens do leito do rio, além da demonstração de que o titular da empresa demonstra recuperar, com ações, a área degradada, daí poder se concluir pela ausência de indicação de lesividade ao bem jurídico protegido pela norma,
porventura decorrente da expedição da multirreferenciada licença, inexistindo, assim, nexo etiológico entre o ato administrativo - ainda que se considere confeccionado sem o rigor e a formatação exigíveis à finalidade e ao interesse públicos nele
estampados - e a produção de qualquer resultado criminoso caracterizador de conduta concorrente, porventura traduzível em lesão ao meio ambiente.
15. Fato é que a presente apelação ministerial, para além do esforço dirigido a responsabilizar, penalmente, o denunciado, não se desobrigou, satisfatoriamente, do seu exclusivo ônus de demonstrar o dolo exigível para o perfazimento da conduta
reiteradamente descrita em seu apelo, sendo de se afirmar, apenas levando em consideração o caso concreto dos autos, tratar-se de episódio desmerecedor, separadamente, de responsabilização penal neste feito em particular, porquanto mais próximo - o fato
de expedição do ato administrativo -, todavia e se o caso, da seara do Direito Administrativo Sancionador, a ter lugar por intermédio de seus instrumentos mais especificamente voltados à apuração e à repressão - inclusive judicialmente, a exemplo da
Ação de Improbidade - de eventuais atos e responsabilidades de agentes da Administração, porventura encontrados em culpa ou em práticas desviantes da finalidade precípua do bem comum ou do interesse público.
16. Ainda que se possa considerar - hipótese que, inclusive, descartamos -, a prática do crime previsto no art. 67 da Lei nº 9.605/98, em sua modalidade culposa, segundo a regra do seu parágrafo único, é de se lembrar o acerto, também neste particular,
da incidência do fenômeno da prescrição, nos termos dispostos no veredicto.
17. Impõe-se negar provimento ao apelo do sentenciado e, da mesma forma, do Ministério Público Federal, mantendo-se todos os termos da Sentença.
Ementa
PENAL. SENTENÇA QUE JULGOU PARCIALMENTE PROCEDENTE DENÚNCIA RELATIVA A DOIS ACUSADOS, SENDO UM CONDENADO. RECURSOS DA DEFESA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO. APELAÇÃO DE CONDENADO PELA PRÁTICA DE CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICA, PREVISTO NO ART. 2º DA LEI Nº
8.176/91, POR EXTRAÇÃO IRREGULAR DE AREIA EM ÁREA DA UNIÃO. PENA DE 02 (DOIS) ANOS E 06 (SEIS) MESES DE DETENÇÃO - AUTOMATICAMENTE SUBSTITUIDA POR RESTRITIVAS DE DIREITOS -, ALÉM DE MULTA. PRESCRIÇÃO, RECONHECIDA NA SENTENÇA, QUANTO AO DELITO DO ART. 55
DA LEI Nº 9.605/98. INEXISTÊNCIA DE CONFLITO DE NORMAS PENAIS. REGULAR CONJUGAÇÃO DAS IMPUTAÇÕES PELA PRÁTICA DAS CONDUTAS DO ART. 55 DA LEI Nº 9.605/98 E A DO ART. 2º DA LEI Nº 8.176/91. CONDUTAS DISTINTAS E BEM JURÍDICOS DIVERSOS. POSSIBILIDADE.
PRECEDENTES DESTA CORTE REGIONAL. AUTORIA E MATERIALIDADE DELITUOSAS DEVIDAMENTE COMPROVADAS. AUSÊNCIA DE LICENÇA PARA EXTRAÇÃO DE AREIA. CONTRATO VERBAL DO RÉU COM TERCEIRO DETENTOR DE LICENÇA QUE NÃO SE REVELOU, IN CASU, JURIDICAMENTE SERVÍVEL A
REBATER A ILICITUDE DA EXTRAÇÃO DO BEM, EM ÁREA DE MARGENS DE LEITO DE RIO PARAIBANO, NO MUNICÍPIO DO PILAR-PB. PLENA CIÊNCIA, PELO RÉU, DO DESVALOR DE SUA CONDUTA, VISTO ATUAR NO RAMO DA EXTRAÇÃO DE AREIA. MANTIDA A CONDENAÇÃO. APELO MINISTERIAL COM
VISTA A CONDENAR EX-SUPERINTENDENTE DA ADMINISTRAÇÃO DO MEIO AMBIENTE DA PARAÍBA - SUDEMA, PELA PRÁTICA DO CRIME DISPOSTO NO ART. 67 DA LEI Nº 9.605/98, DADA A CONCESSÃO DE LICENÇA PARA EMPRESA OPERAR ATIVIDADE DE EXPLORAÇÃO DE AREIA SEM OBSERVÂNCIA À
TOTALIDADE DOS PRESSUPOSTOS EXIGÍVEIS PARA TANTO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO MÍNIMA DE DOLO. ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL DE DAR EFETIVIDADE A ORDEM JUDICIAL QUE RESTABELECEU O DIREITO DO EXPLORADOR REQUERENTE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ OU DE
EVENTUAIS PREJUÍZOS CAUSADOS AO MEIO-AMBIENTE DECORRENTES DA EXPEDIÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO. RELATÓRIO DE INSPEÇÃO TÉCNICA, EMBASADOR DA LICENÇA, EVIDENCIADOR DO REFLORESTAMENTO EM ÁREA ANTERIORMENTE DEGRADADA. INEXISTÊNCIA DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO OU
DE PREJUÍZO AO ERÁRIO. DESCONSIDERÁVEL OFENSIVIDADE AO BEM JURÍDICO TUTELADO PELA NORMA. EVENTUAL DESVIO DE FINALIDADE A SER MELHOR APURADO E SANCIONADO, SE O CASO, À LUZ DO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR. IMPÕE-SE MANTER OS TERMOS E COMANDOS DO
VEREDICTO ABSOLUTÓRIO - NESTE PARTICULAR -, VISTO REPRESENTAR PERCUCIENTE VALORAÇÃO, DE PER SE, DAS PROVAS E CONDUTAS DE CADA ENVOLVIDO NOS EPISÓDIOS DELINEADOS PELA ACUSAÇÃO. DECRETO QUE ORA SE MANTÉM PELA RAZOABILIDADE DE SUA FUNDAMENTAÇÃO,
NOTADAMENTE EM FACE DE PERCUCIENTE COTEJO DE TODOS OS ELEMENTOS QUE COMPUSERAM O PLEXO ACUSATÓRIO, MAS QUE SE REVELARAM, FINDA A INSTRUÇÃO, SUFICIENTES A ALICERÇAR, TÃO-SOMENTE, A RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DE UM DOS DENUNCIADOS.
1. Afastada a necessidade de modificação da sentença recorrida, tanto pela escorreita fundamentação jurídica empregada, quanto pelo senso de fiel aplicação dos princípios - entre outros - da razoabilidade e da proporcionalidade, na aferição pela
sentenciante da procedibilidade da acusação descrita na denúncia, que se revelou, após a instrução processual, incapaz de justificar a responsabilização penal de um dos acusados, servível, porém, a imprimir condenação ao réu, aqui apelante, pela prática
de crime contra o patrimônio da União, previsto no art. 2º da Lei nº 8.176/91, por usurpação de matéria-prima (areia).
2. Pretende o apelo do réu a reforma do julgado condenatório monocrático, visto entender inadequada a subsunção de sua conduta às elementares do tipo penal previsto no art. 2º da Lei nº 8.176/91, notadamente em razão de se tratar de norma penal em
branco, destacando que tal norma criminalizaria, tão-somente, a usurpação de fontes energéticas (combustíveis, por exemplo), e não, a extração de recursos minerais (areia, etc.). Pontuou, em suma, que o réu comprava areia de terceiro, sendo este titular
de licença ambiental, daí porque não teria praticado ilícito penal, além do que não restaria configurada, apenas pela conduta do apelante, lesão alguma ao bem jurídico protegido pela norma em referência.
3. Ao contrário da alegação recursal de que a conduta de exploração da matéria-prima em questão - areia - em área da União não se enquadraria na Lei nº 8.176/91, é de se afirmar que, para além de contemplar - como corretamente sugerido pelo recorrente -
a tipificação e a responsabilização de condutas voltadas à indevida aquisição, comercialização, etc., de matéria extraída de fontes energéticas, a exemplo de derivados de petróleo, gás natural e correlatos, previstos no art. 1º e incisos do aludido
diploma, há, também, na referenciada Lei nº 8.176/91, específica previsão - subsunção típica - no que tange à configuração de tipo penal exclusivamente referente à conduta criminosa que atinge o patrimônio material da União, como, in casu, a usurpação
decorrente da exploração de matéria-prima, a saber, areia do leito do Rio Paraíba (bem da União, na forma do art. 20, IX, da CF/88), no Município do Pilar/PB.
4. Nessa linha, aliás, desmerece guarida a assertiva recursal de que inexistiria "concurso formal de crimes entre o art. 55 da Lei 9.605/98 e o art. 2º da Lei 8.176/91, porque o art. 2º não tipifica condutas relativas à usurpação mineral (art. 54, Lei
9.605/98)", com o objetivo de enquadrar o agir do apelante, se o caso, apenas à figura típica disposta no art. 55 da Lei nº 9.605/98.
5. É de se realçar, na Sentença, o fato de haver sido declarada a extinção da punibilidade do réu, exclusivamente, pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, quanto ao cometimento do delito inserto na figura típica do art. 55 da Lei nº
9.605/98, fato que aponta, nitidamente, para a pretensão recursal contrária ao pleito de reconhecimento, inicialmente proposto na Denúncia, do concurso formal entre os crimes do art. 2º da Lei nº 8.176/91 e do art. 55 da Lei nº 9.605/98. Todavia, a
jurisprudência, inclusive a adotada nesta Corte Regional, aponta para o regular concurso formal de crimes entre as imputações dirigidas ao réu, visto que distintas são as condutas e, na sequência, os bens jurídicos tutelados pelas respectivas normas
(TRF/5ª REGIÃO. RSE1623/RN. 3ª Turma. Rel. Des. Fed. Conv. Élio Wanderley de Siqueira Filho. Julg. 19.09.2013; ACR 8459/PE. 3ª Turma. Rel. Des. Fed. Conv. Manuel Maia. Julg. 31.10.13; ACR 14561-CE. 4ª Turma. Rel. Des. Fed. Conv. André Carvalho Monteiro.
Julg. 28.03.17; ACR 14025-PE. 3ª Turma. Rel. Des. Fed. Cid Marconi Julg. 09.02.17; ACR 14017-PB. 2ª Turma. Rel. Des. Fed. Paulo Roberto de Oliveira Lima. Julg. 13.03.18).
6. Inexistente, pois, o alegado conflito de normas suscitado no apelo do réu, revelando-se acertada a sua responsabilização penal, visto que adequada a subsunção típica de sua conduta à legislação de regência, remanescendo, como antes dito, a sanção
atinente ao crime previsto no art. 2º da Lei nº 8.176/91, dado que reconhecida a prescrição - retroativa - em relação ao delito do art. 55 da Lei nº 9.605/98.
7. É que a materialidade e a autoria delituosas do crime do art. 2º da Lei nº 8.176/91 restaram incontestavelmente configuradas, a partir da plena ciência do réu - empresário do ramo de exploração de areia - do agir em contrariedade à norma, dado não se
portar em acordo com a necessidade legal de obter autorização da Administração Pública - Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM -, para os serviços de exploração que vinha executando, sendo juridicamente inaceitável, no caso concreto dos
autos, a pífia alegação de o réu explorar referida área fiado, tão-somente, em "contrato verbal", algo fictício, com terceiro - titular de licença ambiental -, daí o acerto das conclusões sentenciantes.
8. É de se destacar que o apelo ministerial em causa objetiva, exclusivamente, a responsabilização penal de apelado, quanto à conduta de haver o mesmo concedido, na condição, à época dos fatos, de Superintendente da SUDEMA, a Licença de Operação nº
710/2010, em prol da empresa de terceiro, para atividades de extração de areia, sem a completa observância das normas ambientais exigíveis.
9. Insiste o Parquet que o apelado faltou, dolosamente, com o seu dever de ofício, ao conceder a referida Licença de Operação nº 710/2010, em favor da empresa de terceiro, visto que não embasada pela comprovação de execução efetiva de plano de
recuperação ambiental da área explorada pela aludida empresa, como assim determinado em licença anterior (nº 1512/2005), dado que a extração em questão já havia provocado danos no meio ambiente da área explorada.
10. Aduz, ainda, o recurso em tela, não ser satisfatoriamente justificável a alegação da defesa de que o denunciado, aqui apelado, estaria, ao conceder a Licença nº 710/2010, agindo em estrito cumprimento de dever legal, ao dar efetividade à ordem
judicial advinda do Tribunal de Justiça da Paraíba, em sede de Agravo de Instrumento que revogou decisão oriunda de instância judicial de primeiro grau - que sustou as atividades da empresa de extração -, restabelecendo, portanto, a permissão para o
desenvolvimento das atividades de extração de areia. Entende o Ministério Público Federal, ainda assim, que a Licença nº 710/2010 se ressentiria da apresentação dos documentos viabilizadores a tal desiderato e que não seria mera "renovação" da anterior
(nº 1512/2005), vencida desde 16/12/2007. Enfim, a dita "renovação" de licenças se operou, ainda segundo o recorrente, sem observância aos pressupostos legais de concessão, tanto que não verificado o efetivo atendimento das condicionantes dispostas no
licenciamento anteriormente concedido, apesar de, no intervalo entre as licenças, haver sido emitido o Relatório de Inspeção Técnica nº 3704/2008, com alusões ao grau considerável de reflorestamento promovido pela empresa em questão das margens do leito
do rio, além da demonstração de que o titular da empresa demonstra recuperar, com ações, a área degradada.
11. Evidencia-se, pois, no veredicto objeto do presente apelo, o sistemático cotejo promovido pela julgadora, entre os elementos probantes constantes nos autos, não se revelando, contudo, necessária e obrigatoriamente servíveis ao escopo de revelar, de
forma inequívoca, o cometimento - doloso -, por parte do ex-Superintendente da Administração do Meio Ambiente da Paraíba - SUDEMA, do delito descrito na peça acusatória, como sendo o previsto no art. 67 da Lei nº 9.605/98, à míngua da confirmação do
elemento subjetivo exigível para o perfazimento do núcleo das elementares do respectivo tipo, como ilustram as passagens, antes transcritas, do decreto absolutório.
12. Vê-se, pois, das conclusões sentenciantes - suficientemente fundamentadas -, a falta de convergência dos elementos de prova reunidos nos autos, para comprovar a intencionalidade do agente público, ora apelado, voltada, de forma pensada, a praticar a
conduta ilícita descrita no tipo penal em relevo. Assim, quer a partir do acervo documental, quer dos testemunhos colhidos - nas fases inquisitorial e judicial -, é de se realçar a lógica empregada na aferição do acervo probatório em seu conjunto
sistêmico, ao inverso da pretensão recursal ministerial, que pretende fazer valerem, para efeitos condenatórios, provas não conclusivas da configuração do elemento subjetivo do ilícito em causa, separadamente consideradas, visto que de precária
autonomia probante, ou mesmo sequer corroboradas, como antes dito, pelos demais elementos integrativos dos autos, apontando, então, para a ausência de constatação, extreme de dúvidas, da tipicidade subjetiva.
13. É que da instrução não exsurgiu, inegavelmente, a comprovação irrefutável de que o acusado, ex-Superintendente da SUDEMA, detinha a plena vontade, a intencionalidade mesma, dirigida a praticar a conduta penalmente reprovável, prevista no tipo
específico, visto inexistir prova - extreme de dúvidas - de que detinha o propósito criminoso de agir em desconformidade com as normas da Administração Pública e promover, propositadamente, como consectário à concessão da Licença nº 710/2010, qualquer
dano ao meio ambiente, não restando sequer comprovada eventual má-fé em seu agir, e, muito menos, de haver o ex-Superintendente da SUDEMA percebido vantagem ilícita para a prática do ato administrativo em comento ou causado desfalque ao erário. Na
esteira do teor dos fundamentos sentenciantes, que ora comungamos, são juridicamente plausíveis os argumentos da defesa do acusado, em primeiro, por, em nenhum momento, negar a autoria da concessão da licença administrativa em tela; em segundo momento,
por se encontrar sob o cumprimento de ordem judicial emanada do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, garantidora do direito - da empresa de terceiro - à exploração de areia na área referenciada nos autos.
14. É de se admitir, também, que a Licença de Operação nº 710/2010 estabeleceu, textualmente, como uma de suas condicionantes, a observância à evolução do processo judicial antes referenciado, imprimindo, assim, vinculação de sua validade às decisões
judiciais ali proferidas (vide verso, item nº 8). Realce-se, também, o fato constatado no Relatório de Inspeção Técnica nº 3704/2008, que subsidiou a concessão da Licença de Operação nº 710/2010, alusões ao grau considerável de reflorestamento promovido
pela empresa em questão das margens do leito do rio, além da demonstração de que o titular da empresa demonstra recuperar, com ações, a área degradada, daí poder se concluir pela ausência de indicação de lesividade ao bem jurídico protegido pela norma,
porventura decorrente da expedição da multirreferenciada licença, inexistindo, assim, nexo etiológico entre o ato administrativo - ainda que se considere confeccionado sem o rigor e a formatação exigíveis à finalidade e ao interesse públicos nele
estampados - e a produção de qualquer resultado criminoso caracterizador de conduta concorrente, porventura traduzível em lesão ao meio ambiente.
15. Fato é que a presente apelação ministerial, para além do esforço dirigido a responsabilizar, penalmente, o denunciado, não se desobrigou, satisfatoriamente, do seu exclusivo ônus de demonstrar o dolo exigível para o perfazimento da conduta
reiteradamente descrita em seu apelo, sendo de se afirmar, apenas levando em consideração o caso concreto dos autos, tratar-se de episódio desmerecedor, separadamente, de responsabilização penal neste feito em particular, porquanto mais próximo - o fato
de expedição do ato administrativo -, todavia e se o caso, da seara do Direito Administrativo Sancionador, a ter lugar por intermédio de seus instrumentos mais especificamente voltados à apuração e à repressão - inclusive judicialmente, a exemplo da
Ação de Improbidade - de eventuais atos e responsabilidades de agentes da Administração, porventura encontrados em culpa ou em práticas desviantes da finalidade precípua do bem comum ou do interesse público.
16. Ainda que se possa considerar - hipótese que, inclusive, descartamos -, a prática do crime previsto no art. 67 da Lei nº 9.605/98, em sua modalidade culposa, segundo a regra do seu parágrafo único, é de se lembrar o acerto, também neste particular,
da incidência do fenômeno da prescrição, nos termos dispostos no veredicto.
17. Impõe-se negar provimento ao apelo do sentenciado e, da mesma forma, do Ministério Público Federal, mantendo-se todos os termos da Sentença.Decisão
UNÂNIME
Data do Julgamento
:
07/06/2018
Data da Publicação
:
18/06/2018
Classe/Assunto
:
ACR - Apelação Criminal - 14825
Órgão Julgador
:
Primeira Turma
Relator(a)
:
Desembargador Federal Élio Wanderley de Siqueira Filho
Comarca
:
TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** CP-40 Codigo Penal
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-44 ART-70 ART-330
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LEG-FED LEI-8176 ANO-1991 ART-1 INC-1 INC-2 ART-2 PAR-1 PAR-2 PAR-3
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LEG-FED LEI-9605 ANO-1998 ART-55 ART-67 (CAPUT) ART-54 PAR-ÚNICO PAR-ÚNICO
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***** CF-88 Constituição Federal de 1988
ART-20 INC-9
Fonte da publicação
:
DJE - Data::18/06/2018 - Página::48
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