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Jurisprudência


TRF5 0003908-55.2013.4.05.8400 00039085520134058400

Ementa
PENAL E PROCESSUAL PENAL. CONTRABANDO. ART. 344, PARÁGRAFO 1º, C, DO CP (COM REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 4.720/65). NULIDADE DA SENTENÇA. CARÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. CONFUSÃO COM O MÉRITO. PRELIMINAR AFASTADA. AUTORIA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. PROVA TESTEMUNHAL INCOERENTE. RESPONSABILIZAÇÃO PENAL OBJETIVA. IMPOSSIBILIDADE. ABSOLVIÇÃO (ART. 386, V E VII, DO CPP). PROVIMENTO. 01. Apelação interposta por AEA contra sentença que, julgando procedente a pretensão punitiva estatal, condenou-o à pena privativa de liberdade de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, substituída por duas penas restritivas de direito, pela prática do crime previsto no art. 334, parágrafo 1º, c, do CP, nos termos da redação dada pela Lei nº 4.720/65 (fls. 411v/418). 02. Preliminar. Nulidade da Sentença. Não prospera a alegação preliminar de nulidade da sentença, por carência de fundamentação, visto que a decisão vergastada expendeu embasamento estruturado e coerente, possibilitando, inclusive, o exercício da ampla defesa, como se pode verificar pela impugnação específica e esmiuçada, por parte do réu, dos capítulos da sentença. Em verdade, a alegação preliminar confunde-se com o próprio mérito recursal (ausência de provas suficientes para embasar a condenação), devendo ser analisada em momento oportuno. Analogamente, já decidiu o STJ: "inviabilidade de se examinar a preliminar de prescrição do fundo de direito suscitada pela parte agravante uma vez que se confunde com o próprio mérito da controvérsia, decidido pela Corte Estadual à luz de fundamento constitucional" (AgRg no AREsp 95.500/SE, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Primeira Turma, DJe 18/02/2014). Preliminar afastada. 03. Mérito. Pelo princípio da ultra-atividade da lei penal mais benéfica (art. 5º, XL da CF/88 c/c art. 2º do CP), deve incidir o tipo com a redação vigente à época da ação criminosa (art. 4º do CP), dada pela Lei nº 4.729/65, a qual cominava penas inferiores às previstas pelo Código Penal em vigor (após as alterações operadas pela Lei nº 13.008/2014). Além disso, tratando-se o art. 334-A do CP de norma penal em branco (na qual, consoante lição de Souza Nucci,"a proibição deve ser captada em outras leis" - NUCCI, Código Penal Comentado. 16 ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. P. 1452), o complemento da disposição normativa se dá pela Instrução Normativa nº 309/03 da SRF, a qual dispõe, em seu art. 1º, que as máquinas de videopôquer, videobingo e caça-níqueis, como quaisquer outras máquinas eletrônicas programadas para exploração de jogos de azar, procedentes do exterior, devem ser apreendidas para fins de aplicação da pena de perdimento, inclusive as peças e acessórios importados, quando ficar comprovado que têm destinação na montagem das referidas máquinas. 04. Razão assiste ao apelante quanto à ausência de comprovação da autoria delitiva. Com efeito, inexiste nos autos acervo probatório suficiente para atestar a prática, por parte do réu AEA, de algum dos verbos núcleos do tipo do art. 334, parágrafo 1º, c, do CP (com redação dada pela Lei nº 4.729/65). 05. Não se ignora que, consoante o Laudo de Exame de Equipamento Computacional SETEC/SR/DPF/RN nº 338/2007, várias das Máquinas Eletrônicas Programáveis de jogos de azar ("caça-níqueis") apreendidas na sede da empresa VIP POINT PROMOÇÕES E EVENTOS LTDA (cf. Termo de Apreensão nº 338/2007 - fls. 13/17 do IPL), foram fabricadas da empresa AMERICAN INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE EQUIPAMENTOS ELETRÔNICOS, de propriedade do réu, possuindo muitos de componentes internos (placas-mãe, analisadores de células, microprocessadores, memórias, circuitos integrados, dentre outros) de origem estrangeira (notadamente de países como China, Malásia, Coréia, Taiwan, Costa Rica e Inglaterra) (fls. 292/317 do Volume II do IPL). Com relação à autoria delitiva, a sentença fundamentou-se nos testemunhos de Roberto Nasi, então empregado de uma das empresas do acusado, e Sérgio Tadeu, empresário, sócio cotista da VIP POINT PROMOÇÕES E EVENTOS LTDA, que teriam atestado o fornecimento das máquinas pela empresa AMERICAN (mídia digital de fl. 110 - tempo 2'53''). 06. Nada obstante, compulsando-se aos autos, vê-se que a prova testemunhal é meramente alusiva e incoerente, não servindo para embasar a condenação. O depoente Roberto Nasi, por exemplo, na fase inquisitiva, afirmou que "mantinha contato somente com pessoas ligadas à empresa AMERICA, nas pessoas dos senhores LIEGIO, LINCOLN e ROGER, gerentes da empresa" (fls. 265/266 do IPL). A testemunha Sérgio Tadeu afirmou que "como não participava efetivamente da administração não tem conhecimento da empresa fornecedora das máquinas apreendidas", saltando aos olhos o fato de nem mesmo ter mencionado o nome do réu como responsável por intermediar as negociações entre a empresa VIP POINT e a AMERICAN (fls. 234/234 do IPL). Além disso, a testemunha Carlos Eduardo de Andrade, empresário, também sócio da empresa VIP POINT à época dos fatos, afirmou que "não conhece ninguém ligado a essas empresas citadas, tampouco pessoas das empresas fabricantes das máquinas que operavam no bingo" (fl. 249/250 do IPL). 07. Da análise das declarações acima transcritas, bem como do restante do acervo probatório coligido nos autos, conclui-se ser impossível proferir qualquer juízo de certeza quanto à autoria delitiva, tendo em vista que as provas produzidas foram meramente indiciárias e desconexas, não se podendo estabelecer um liame objetivo entre o réu e a conduta perpetrada. Com efeito, o juízo de culpabilidade não se pode subsidiar, apenas, no fato de o réu ser o suposto proprietário da empresa AMERICAN, sob pena de assumir o risco de uma responsabilização penal objetiva, inaceitável no ordenamento jurídico pátrio. Nesse sentido, o seguinte precedente do STJ: "este Superior de Justiça tem reiteradamente decidido ser inepta a denúncia que, mesmo em crimes societários e de autoria coletiva, atribui responsabilidade penal à pessoa física, levando em consideração apenas a qualidade dela dentro da empresa, deixando de demonstrar o vínculo desta com a conduta delituosa, por configurar, além de ofensa à ampla defesa, ao contraditório e ao devido processo legal, responsabilidade penal objetiva, repudiada pelo ordenamento jurídico pátrio" (RHC 43.405/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 2/9/2014, DJe 22/9/2014). 08. Tampouco há provas suficientes para a comprovar o dolo na conduta do agente porque, para tanto, seria necessário demonstrar que o réu, de modo consciente e voluntário, importava ou adquiria produtos oriundos de importação ilegal (os componentes das máquinas apreendidas), o que não ocorreu in casu. Pelo contrário, o acusado, em seu interrogatório (mídia digital de fl. 195, tempo : 03'00''), afirmou não conhecer os sócios da empresa VIP POINT, não ter conhecimento das máquinas ali apreendidas e jamais ter trabalhado com importação nem importação de quaisquer componentes das máquinas. Nesse sentido, deve-se aplicar a garantia do in dubio pro reo, a teor da jurisprudência pacífica deste TRF5: "havendo dúvida razoável quanto ao conhecimento, por parte dos acusados, da importação irregular da máquina apreendida, impõe-se o afastamento do dolo, e, por conseguinte, a absolvição" (ACR 12260, Rel. Des. Federal PAULO MACHADO CORDEIRO, Terceira Turma, DJE: 16/10/2015). 09. Repita-se: a lei (art. 334, parágrafo 1º, letra "c" do CP, com redação dada pela Lei nº 4.720/65) usa a locução "... ou que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional...". Para a configuração do delito de contrabando por assimilação (letra "c"), pois, é necessário o dolo direto, isto é, que o sujeito tenha plena certeza da origem delituosa da coisa, segundo o magistério de Damásio de Jesus (Código Penal Comentado, 3ª Edição, Renovar, pg. 509). 10. Por fim, impende ressaltar que o acusado foi absolvido, pelo TRF4, das acusações formuladas no âmbito da "Operação Cartada Final" (Proc. nº 2008.72.00006023-3), que investigava amplo leque de supostos crimes relativos à exploração de jogos de azar. Embora se trate de ação penal distinta, vez que há diferente causa de pedir, não se pode ignorar que tal absolvição, em processo criminal de maior vulto (mais próximo do local de prova e, portanto, melhor instruído), relacionados a fatos próximos, corrobora fortemente a inocência do acusado ou, ao menos, a ausência de provas suficientes para embasar o juízo condenatório. 11. Apelação provida, para absolver o réu, com fundamento no art. 386, V e VII, do CPP.
Decisão
POR MAIORIA

Data do Julgamento : 31/01/2019
Data da Publicação : 13/02/2019
Classe/Assunto : ACR - Apelação Criminal - 14902
Órgão Julgador : Primeira Turma
Relator(a) : Desembargador Federal Roberto Machado
Comarca : TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Tipo : Acórdão
Referência legislativa : LEG-FED INT-309 ANO-2003 ART-1 (SRF) - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED LEI-13008 ANO-2014 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ***** CPP-41 Codigo de Processo Penal LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-156 ART-386 INC-5 INC-7 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED LEI-4720 ANO-1965 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ***** CP-40 Codigo Penal LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-334 PAR-1 LET-C ART-2 ART-4 ART-334-A - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ***** CF-88 Constituição Federal de 1988 ART-5 INC-55
Fonte da publicação : DJE - Data::13/02/2019 - Página::14 - Nº::31
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