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Jurisprudência


TRF5 0004318-07.2013.4.05.8500 00043180720134058500

Ementa
PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL INTERPOSTA PELO RÉU. CRIME DE ARMAZENAMENTO DE MATERIAL PORNOGRÁFICO (ART. 241-B DA LEI 8.069/1990. COMPROVAÇÃO DE AUTORIA. CRIME DE EXPLORAÇÃO SEXUAL DE ADOLESCENTE (ART. 218-B DO CPB). SENTENÇA CONDENATÓRIA. CONCURSO MATERIAL. CONTINUIDADE DELITIVA. INEXISTÊNCIA. REDUÇÃO DA PENA. FORMA TENTADA E AJUSTE NA QUANTIFICAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. PROVIMENTO PARCIAL DO APELO. - Trata-se de apelação criminal interposta pelo réu Gilson Santos de Moraes contra sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara Federal da Seção Judiciária de Sergipe, que o condenou às penas de 31 (trinta e um) anos e 1 (um) mês de reclusão e de 115 (cento e quinze) dias-multa pela prática dos crimes previstos nos art. 241-B, da Lei 8.069/90, por duas vezes, e no art. 218-B, do Código Penal, por dez vezes, sendo cinco delas na forma tentada, todos em concurso material, bem como o absolveu da incursão no ilícito tentado de estupro de vulnerável (artigo 217-A, do Código Penal). - Narra a denúncia que, no dia 27 de novembro de 2012, às 17h22min, o usuário da conta de e-mail [email protected], a partir do IP 189.92.232.88, transferiu para o Skydrive (serviço virtual de armazenamento de arquivos) um vídeo contendo sexo explícito de um adulto com duas crianças de nove anos (intitulado orgia 2 niños 9 años com adulto), e, uma vez visualizado pela Microsoft, nos Estados Unidos, e acionados os órgãos internacionais de proteção à criança e ao adolescente, o material foi encaminhado para a Polícia Federal, para a apuração do eventual ilícito de armazenamento de material pornográfico proscrito pelo artigo 241-B, da Lei 8.069/90. Consta da exordial acusatória, outrossim, que, ainda na casa do apelante, foi encontrado um celular, no qual estavam registradas diversas conversas de WhatsApp com menores de idade e com conteúdo sexual, chegando-se à conclusão de que o réu, valendo-se da condição de diretor de base do Cotinguiba Esporte Clube e professor de escolinha de futebol, utilizava-se do contato com diversos adolescentes para "satisfazer sua lascívia, induzindo ou atraindo os garotos à prática de atos sexuais com ele, em troca de favores relacionados ao futebol (pagamento de transporte para treinos e jogos, alimentação nas viagens, chuteiras, caneleiras, camisas térmicas, meiões, créditos para celular, ou mesmo entrega de dinheiro), o que configura o crime do artigo 218-B, do Código Penal (exploração sexual de adolescentes)". - Nas razões recursais, o apelante nega a prática dos fatos asseverando que os equipamentos de informática encontrados na sua posse eram compartilhados com várias pessoas, instando, destarte, pela absolvição. Alternativamente, insurge-se contra a dosimetria da pena, afirmando que o caso não concurso material, mas continuidade delitiva. - Caracteriza o crime descrito no art. 241-B da Lei 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), na modalidade armazenar, a situação da existência de imagens armazenadas em disco rígido. Armazenar configura hipótese de guardar, podendo ser tanto em meio físico como em via eletrônica. O delito do art. 241-B é permanente nas modalidades possuir e armazenar. O bem jurídico tutelado é desestimular o comércio ilícito de material pornográfico. - Pelo conjunto probatório, não há como chancelar a tese do apelante de que se exima da responsabilidade de ter enviado para o serviço de armazenamento de dados Skydrive o vídeo com conteúdo de sexo explícito envolvendo duas crianças de cerca de nove anos (intitulado orgia 2 niños 9 años con adulto). Sustenta o apelante que o aparelho telefônico e o computador apreendidos eram de uso compartilhado com outras pessoas, não podendo ter certeza de que tal material foi por ele armazenado. Contudo, este tipo de crime deixa vestígios incontestes, como é possível inferir na hipótese, já que a postagem (upload) foi feita com a utilização de conta de e-mail do réu ([email protected]), a partir de um computador com número de protocolo reconhecido e encontrado na sua residência (IP 189.92.232.88), tendo a Claro-BPC S. A. informado que disponibilizou tal IP para Gilson Santos de Moraes, CPF 654.412.305-68, por meio da linha telefônica (79) 8112-7249, com registro de endereço de Cotinguiba Esporte Clube. Ademais, ainda no interior da sua residência, foi encontrado um pen drive que, submetido a perícia, foi comprovado que já havia armazenado fotografias ou vídeos de sexo explícito com criança e adolescente, malgrado o réu tenha tentado apagar este conteúdo. Por outro lado, a defesa não logrou trazer nenhuma prova apta a corroborar a tese de que estes equipamentos de informática eram compartilhados por outras pessoas, muito menos pelos três indivíduos citados pelo réu, pois dois deles estavam presos ao tempo dos fatos, e, o último, um adolescente, confirmou que já existia conteúdo pornográfico no computador do apelante, antes de ter a oportunidade de acessá-lo. - O art. 218-B do Código Penal brasileiro foi inserido pela Lei 12.015/2009 e o nomen iuris do tipo penal alterado pela Lei 12.978/2014. O crime definido em tal tipo constitui modalidade especial do art. 228 do próprio Código Penal. O bem jurídico tutelado é a vulnerabilidade sexual do menor de 18 anos. Presume-se a inocência da vítima em temas relativos à degradação da moral sexual, esta entendida como um padrão de comportamento regrado segundo os costumes e também segundo a sua própria capacidade de discernimento quanto à destinação sexual do próprio corpo. - Configura o crime de exploração sexual de adolescente submeter, induzir ou atrair o sujeito passivo à exploração sexual. Submeter é dominar, subjugar, tirar a liberdade, sujeitar alguém a algo, ou reduzi-lo a um estado de obediência ou dependência. Submeter-se à exploração sexual é sujeitar a pessoa a esse estado contra a sua vontade ou sem que tenha ela liberdade de escolha. Induzir é persuadir, aconselhar, instigar. Nesta forma de conduta, o agente não retira a liberdade de escolha do sujeito passivo, mas o influencia para que voluntariamente se sujeite ao estado de exploração sexual. Atrair significa seduzir, envolver, instigar no ambiente de exploração sexual, ainda que não a exerça. O delito consuma-se com a prática de atos de oposição ao abandono do estado de exploração sexual. Admite-se, porém, a tentativa nos casos em que a vítima não se sujeita à exploração, embora induzida pelo agente, em que pese a oposição deste. - A análise cuidadosa do presente caderno processual bem revela a existência de elementos de prova suficientes e robustos, calcados primordialmente em forte prova testemunhal, que conduzem à constatação da prática do crime de exploração sexual de adolescente previsto no art. 218-B do CPB contra 10 (dez) vítimas, a autorizar a consequente condenação do réu. Também a partir dos objetos encontrados na residência do réu, neste caso, do seu telefone celular, foi possível iniciar a investigação da ocorrência, por, pelo menos (10) dez vezes, do crime de exploração sexual de adolescente. - Na sentença atacada, o julgador singular avaliou a prática de crime consumado ou tentado de exploração sexual (art. 218-B do CPB) levando a efeito a quantidade de vítimas que foram exatamente 10 (dez) adolescentes. - À exceção de um adolescente que pareceu o comportamento delituoso mais grave, possivelmente em decorrência de ter mantido relações sexuais com o réu (6 anos de reclusão), o juízo sentenciante, em todos os demais, acabou por fixar a pena de reclusão em 4 (quatro) para o crime consumado e em 1 (um) ano e 5 (cinco) meses, para o tentado. No caso em apreço, pode-se reconhecer a forma tentada naquelas situações em que a vítima não aceitava as investidas do réu, seja para manter relações sexuais, seja para fornecer fotos íntimas. Com base nesse mesmo critério valorativo, a exploração sexual perpetrada contra um deles não deve ser compreendida na forma consumada, como fez o juízo sentenciante, mas na modalidade tentada (art. 14, II, do CPB), pois o réu não tentou fazer sexo com esse adolescente, nem recebeu foto de partes íntimas, a seu pedido, tendo apenas conversado pela via do WhatsApp. Sendo assim, no que atine à conduta de exploração sexual contra um deles, a condenação deve se consubstanciar na forma tentada, e não na consumada, o que implicará a minoração da pena de 4 (quatro) anos de reclusão para 1 (um) ano e 5 (cinco) meses de reclusão. - Bastante grave parece que a revelação de que alguns dos adolescentes abusados confirmaram ter consciência de que o réu dopava os meninos nas viagens, para fazer sexo com eles enquanto dormiam. - Foram colhidas diversas trocas de mensagens e de conteúdo pornográfico entre o réu e suas vítimas, realizadas a partir do aplicativo WhatsApp, todas feitas de forma clara e explícita, em vocabulário muitas vezes de baixo calão, sem meias palavras nem deixar margem para dúvidas, sendo muitas dessas conversas transcritas na sentença hostilizada. Esses diálogos foram confirmados em juízo pela prova testemunhal, prestada, de modo harmônico, pelos adolescentes envolvidos, sendo menção corrente o fato de haverem trocado fotografias das suas partes íntimas com o apelante, sempre instigados de modo insistente por ele. É de bom alvitre ressaltar que, sem embargo de dois deles não terem sido ouvidos em juízo, mas tão somente na fase inquisitorial, as conversas travadas mediante o aplicativo WhatsApp constituem-se em elementos de prova que podem autorizar a condenação do réu. - O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RHC 93.144-SP, entendeu que, para configurar a continuidade delitiva do art. 71 do CPB, "é imperioso que o agente: a) pratique mais de uma ação ou omissão; b) que as referidas ações ou omissões sejam previstas como crime; c) que os crimes sejam da mesma espécie; d) que as condições do crime (tempo, lugar, modo de execução e outras similares) indiquem que as ações ou omissões subsequentes efetivamente constituem o prosseguimento da primeira. 2. É assente na doutrina e na jurisprudência que não basta que haja similitude entre as condições objetivas (tempo, lugar, modo de execução e outras similares). É necessário que entre essas condições haja uma ligação, um liame, de tal modo a evidenciar-se, de plano, terem sido os crimes subsequentes continuação do primeiro. 3. O entendimento desta Corte é no sentido de que a reiteração criminosa indicadora de delinquência habitual ou profissional é suficiente para descaracterizar o crime continuado." (1ª Turma, Rel. Min. Menezes Direito, j. 13/08/2008, DJE 09/05/2008) (grifos em negrito acrescidos). - No caso em análise, por mais que se constate a presença dos requisitos objetivos do crime continuado (mesmas condições de lugar, tempo e modo de execução, além de outros elementos), não há como compreender que um crime de exploração sexual praticado contra um adolescente tenha decorrido do desdobramento de outro. Em circunstância alguma, pode-se asseverar que os vários crimes foram perpetrados em continuação do primeiro, havendo, em verdade, uma habitualidade da prática criminosa, em lugar de uma continuidade delitiva. Os crimes de exploração sexual apurados, em momento subsequente, não derivaram de crime praticado anteriormente, de modo a se perceber um liame subjetivo entre eles. Demais disso, as vítimas eram diversas e não havia um vínculo entre uma vítima em relação à outra. Não se trata de exploração sexual em uma mesma vítima durante determinado período, mas várias explorações em vítimas diversas, em locais diferentes e de maneiras também distintas. - No exame da pena aplicada pela conduta praticada contra um dos adolescentes, porém, ficou comprovado que fez sexo com o réu durante anos, em troca de dinheiro e vários objetos, inclusive viagens. E, por isso mesmo, na fixação da pena base, reconheceu o juiz de primeiro grau a existência de duas circunstâncias judiciais do art. 59 do CPB desfavoráveis (culpabilidade e consequências do crime). Todavia, em que pese não merecer qualquer reparo essa valoração, a quantificação de cada uma das circunstâncias judiciais desfavoráveis há de ser ajustada. A sentença vergastada quantificou cada circunstância judicial desfavorável em 1 (um) ano, quando o correto seriam 9 (nove) meses. Isso porque o art. 218-B do CPB estipula como pena abstrata a sanção de 4 (quatro) a 10 (dez) anos de reclusão. Ao efetuar o cálculo considerando o intervalo de 6(seis) anos entre a pena mínima e máxima prevista na norma penal incriminadora, cada uma das 8 (oito) circunstâncias judiciais desfavoráveis corresponde a 9 (nove) meses. Por isso, a pena aplicada deve ser reduzida de 6 (seis) anos para 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de reclusão. - Neste pensar, o recurso de apelação interposto pela defesa há de ser acolhido, ao menos, em parte, para reduzir a pena total definitiva de 31 (trinta e um) anos e 1 (um) mês para 28 (vinte e oito) anos de reclusão e 104 (cento e quatro) dias-multa à razão de 1/30 do salário mínimo vigorante à época dos fatos, em conformidade com a tabela ostentada acima. - Apelação improvida, mantida a decretação da prisão preventiva pelos mesmos fundamentos esgrimidos pelo juízo sentenciante.
Decisão
UNÂNIME

Data do Julgamento : 24/10/2017
Data da Publicação : 27/10/2017
Classe/Assunto : ACR - Apelação Criminal - 14432
Órgão Julgador : Segunda Turma
Relator(a) : Desembargador Federal Vladimir Carvalho
Comarca : TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Tipo : Acórdão
Referência legislativa : LEG-FED LEI-12978 ANO-2014 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED LEI-12015 ANO-2009 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ***** CP-40 Codigo Penal LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-218-B ART-217-A ART-228 ART-14 INC-2 ART-71 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED LEI-8069 ANO-1990 ART-241-B
Fonte da publicação : DJE - Data::27/10/2017 - Página::18
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