TRF5 0005651-03.2013.4.05.8400 00056510320134058400
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. EX-PREFEITO DE GUAMARÉ/RN. LEI N. 8.429/92. VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE PRESTAR CONTAS DE RECURSOS FEDERAIS. FATO INCONTROVERSO. SANÇÕES.
EXCLUSÃO: SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS E CONTRATAR COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. MULTA. CABIMENTO. REDUÇÃO. POSSIBILIDADE. APELO PROVIDO EM PARTE.
1. Cuida a hipótese de apelação interposta em face da sentença, que rejeitou as preliminares aventadas pelo particular e julgou procedente em parte a presente ação de improbidade administrativa, condenando o réu ex-prefeito de Guamaré/RN, nas sanções
previstas no artigo 12, inciso III, da Lei nº 8.429/92, em face da prática de ato de improbidade administrativa capitulado no artigo 11, VI, da LIA, por não haver prestado contas referentes aos Programas PEJA, PNAE relativos ao exercício de 2006 e PNATE
relativo ao exercício de 2007, no montante em torno de quatrocentos mil reais.
2. Aplicação das penalidades previstas no art. 12, III, da Lei de Improbidade, da seguinte forma: a) de suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 03 (três) anos, a contar do trânsito em julgado da sentença, nos termos do art. 20 da Lei nº 8.429/92;
b) pagamento de multa civil no valor de 20 (vinte) vezes o valor da remuneração recebida no cargo de prefeito municipal, revertida em favor do FNDE, nos termos do artigo 18, da Lei nº 8.429/92; c) proibição de contratar com o Poder Público ou receber
benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 03 (três) anos.
3. Rejeição da preliminar de cerceamento de defesa por não ter havido o deferimento das diligências requeridas, visto que cabe ao magistrado verificar o cabimento ou não de diligências complementares, se há dúvida ou controvérsia que devam ser
dirimidas.
4. No caso em espécie, o pedido para oficiar aos órgãos municipais e ao Tribunal de Contas da União, para obtenção de informações acerca da prestação de contas dos programas PEJA, PNAE, PNATE, objeto desta ação, poderia ter sido promovido pelo próprio
réu, sem a intervenção do Poder Judiciário.
5. Não obstante a apresentação de atestado médico que informou problema de saúde do ora recorrente, observa-se que não consta no referido documento a impossibilidade do seu comparecimento à audiência referida. Ainda mais que o pedido para adiamento da
audiência informou ter sido acometido de problemas gastrointestinais, enquanto em seu apelo afirma ter sido acometido de dengue, o que demonstra a fragilidade do atestado apresentado.
6. Por se tratar de audiência para oitiva de testemunhas da defesa, possível a sua realização sem a presença do réu, visto que o causídico teria plenas condições de acompanhar sua realização e fazer inquirições, contudo também deixou de comparecer sem
qualquer justificativa.
7. De outra banda, a mera arguição de ocorrência de cerceamento de defesa, por si só, não tem o condão de tornar nulo o processo, visto que o recorrente não demonstrou os prejuízos causados a sua defesa, principalmente quando o objeto da improbidade se
refere ao fato de não ter havido até o momento a prestação de contas dos programas apontados na inicial da ação.
8. É incontroversa ausência de prestação de contas pelo réu quanto aos recursos federais recebidos pelo Município de Guamaré/RN. Conforme descrito na petição inicial, as prestações de contas dos programas de 2006 deveriam ter sido realizadas março/2007,
fevereiro/2007, abril/2007, de acordo com as resoluções CD/FNDE 23/2006 e 12/2006. O MPF em 2010 instaurou Inquérito Civil Público diante de representação apresentada pela nova gestão do Município de Guaramé/RN, que requereu providências, visto se
encontrar em situação de inadimplência, impossibilitando a realização de novos convênios.
9. Embora o réu alegue que não seria o responsável pela referida prestação de contas, ao término do prazo para apresentá-la estava ainda em pleno exercício do seu mandato. Da simples leitura de sua peça de apelação, mera repetição de sua contestação e
razões finais, percebe-se que tenta responsabilizar tão somente o gestor que o sucedeu, sem apresentar qualquer defesa acerca da não prestação de contas. Ademais, até o momento em que apresentou sua peça de apelação, ou seja, maio/2016 continuou sem
apresentar qualquer justificativa acerca da inviabilidade da prestação de contas, ou que tenha ocorrido alguma situação excepcional para não tê-la feito.
10. Contexto fático e probatório no qual não se pode deixar de reconhecer ter o réu agido dolosamente quanto ao descumprimento de seu dever de prestar contas. Incidência do art. 11, VI, da Lei n. 8.429/92, pelo qual constitui ato de improbidade "deixar
de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo".
11. Multa, sanção de natureza pecuniária, que se mostra a mais adequada para atos de improbidade violadores de princípios da administração pública desprovidos de maior gravidade e consequências. Por se tratar de pena, e não de ressarcimento, sua
aplicação independente da existência de dano ao erário.
12. Na espécie, como se trata tão somente da ausência de prestação de contas, não havendo qualquer indicação de desvio de valores, dano ao erário ou favorecimento pessoal ou de terceiros, fixo em 02 (duas) vezes o valor da remuneração no cargo de
prefeito municipal devidamente atualizado. Apelo parcialmente provido neste ponto.
13. A inelegibilidade prevista no art. 1º, I, "l", da LC 64/90, na redação dada pela LC 135/10 (Lei de Ficha Limpa), somente é gerada quando condenado o réu, em segundo grau de jurisdição, por ato de improbidade administrativa que cause o enriquecimento
ilícito (art. 9º) ou que enseje dano ao erário (art. 10). Não há, pois, a imposição dessa sanção política (inelegibilidade) pela Lei de Ficha Limpa às condenações por atos ímprobos elencados no art. 11 da Lei 8.429/92 (com ofensa a princípios da
Administração Pública).
14. A LC 135/10 trouxe balizadores ao julgador para a adequada interpretação do art. 12, III, da Lei 8.249/92, que elenca o rol de penalidades para os atos de improbidade que atingem os princípios da Administração Pública (art. 11).
15. Se a própria Lei da Ficha Limpa (LC 135/10), lei complementar mais recente, aprovada por quórum qualificado e conhecida por seu extremo rigor, expressamente destaca que somente haverá pena de inelegibilidade nos casos de condenação por ato de
improbidade administrativa previstos no art. 9º ou no art. 10, ressalvando essa consequência jurídica aos casos do art. 11, deve ser dada a mesma interpretação a Lei de Improbidade Administrativa, que é uma lei ordinária anterior, de 1992, visando a
unicidade e coerência do sistema jurídico.
16. Consoante a ratio da LC 135/10, somente se justifica a aplicação da pena de suspensão dos direitos políticos do art. 12, III, da Lei 8.429/92 para aquelas situações extremamente graves de violação de princípios da Administração Pública, o que não se
constata no caso concreto. Atente-se que a pena de suspensão dos direitos políticos é ainda mais severa do que a sanção de inelegibilidade, porquanto esta última se restringe apenas a suprimir a capacidade eleitoral passiva, enquanto a primeira atinge
tanto a capacidade eleitoral passiva como a ativa. Apelo provido neste ponto.
17. A proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, é sanção que de adequada aplicação a
pessoas físicas ou jurídicas que firmaram contrato com o Poder Público, participando ou se beneficiando dos atos de improbidade. Inadequação de sua aplicação ao agente público. Apelo provido neste ponto.
18. Apelação parcialmente provida.
Ementa
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. EX-PREFEITO DE GUAMARÉ/RN. LEI N. 8.429/92. VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE PRESTAR CONTAS DE RECURSOS FEDERAIS. FATO INCONTROVERSO. SANÇÕES.
EXCLUSÃO: SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS E CONTRATAR COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. MULTA. CABIMENTO. REDUÇÃO. POSSIBILIDADE. APELO PROVIDO EM PARTE.
1. Cuida a hipótese de apelação interposta em face da sentença, que rejeitou as preliminares aventadas pelo particular e julgou procedente em parte a presente ação de improbidade administrativa, condenando o réu ex-prefeito de Guamaré/RN, nas sanções
previstas no artigo 12, inciso III, da Lei nº 8.429/92, em face da prática de ato de improbidade administrativa capitulado no artigo 11, VI, da LIA, por não haver prestado contas referentes aos Programas PEJA, PNAE relativos ao exercício de 2006 e PNATE
relativo ao exercício de 2007, no montante em torno de quatrocentos mil reais.
2. Aplicação das penalidades previstas no art. 12, III, da Lei de Improbidade, da seguinte forma: a) de suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 03 (três) anos, a contar do trânsito em julgado da sentença, nos termos do art. 20 da Lei nº 8.429/92;
b) pagamento de multa civil no valor de 20 (vinte) vezes o valor da remuneração recebida no cargo de prefeito municipal, revertida em favor do FNDE, nos termos do artigo 18, da Lei nº 8.429/92; c) proibição de contratar com o Poder Público ou receber
benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 03 (três) anos.
3. Rejeição da preliminar de cerceamento de defesa por não ter havido o deferimento das diligências requeridas, visto que cabe ao magistrado verificar o cabimento ou não de diligências complementares, se há dúvida ou controvérsia que devam ser
dirimidas.
4. No caso em espécie, o pedido para oficiar aos órgãos municipais e ao Tribunal de Contas da União, para obtenção de informações acerca da prestação de contas dos programas PEJA, PNAE, PNATE, objeto desta ação, poderia ter sido promovido pelo próprio
réu, sem a intervenção do Poder Judiciário.
5. Não obstante a apresentação de atestado médico que informou problema de saúde do ora recorrente, observa-se que não consta no referido documento a impossibilidade do seu comparecimento à audiência referida. Ainda mais que o pedido para adiamento da
audiência informou ter sido acometido de problemas gastrointestinais, enquanto em seu apelo afirma ter sido acometido de dengue, o que demonstra a fragilidade do atestado apresentado.
6. Por se tratar de audiência para oitiva de testemunhas da defesa, possível a sua realização sem a presença do réu, visto que o causídico teria plenas condições de acompanhar sua realização e fazer inquirições, contudo também deixou de comparecer sem
qualquer justificativa.
7. De outra banda, a mera arguição de ocorrência de cerceamento de defesa, por si só, não tem o condão de tornar nulo o processo, visto que o recorrente não demonstrou os prejuízos causados a sua defesa, principalmente quando o objeto da improbidade se
refere ao fato de não ter havido até o momento a prestação de contas dos programas apontados na inicial da ação.
8. É incontroversa ausência de prestação de contas pelo réu quanto aos recursos federais recebidos pelo Município de Guamaré/RN. Conforme descrito na petição inicial, as prestações de contas dos programas de 2006 deveriam ter sido realizadas março/2007,
fevereiro/2007, abril/2007, de acordo com as resoluções CD/FNDE 23/2006 e 12/2006. O MPF em 2010 instaurou Inquérito Civil Público diante de representação apresentada pela nova gestão do Município de Guaramé/RN, que requereu providências, visto se
encontrar em situação de inadimplência, impossibilitando a realização de novos convênios.
9. Embora o réu alegue que não seria o responsável pela referida prestação de contas, ao término do prazo para apresentá-la estava ainda em pleno exercício do seu mandato. Da simples leitura de sua peça de apelação, mera repetição de sua contestação e
razões finais, percebe-se que tenta responsabilizar tão somente o gestor que o sucedeu, sem apresentar qualquer defesa acerca da não prestação de contas. Ademais, até o momento em que apresentou sua peça de apelação, ou seja, maio/2016 continuou sem
apresentar qualquer justificativa acerca da inviabilidade da prestação de contas, ou que tenha ocorrido alguma situação excepcional para não tê-la feito.
10. Contexto fático e probatório no qual não se pode deixar de reconhecer ter o réu agido dolosamente quanto ao descumprimento de seu dever de prestar contas. Incidência do art. 11, VI, da Lei n. 8.429/92, pelo qual constitui ato de improbidade "deixar
de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo".
11. Multa, sanção de natureza pecuniária, que se mostra a mais adequada para atos de improbidade violadores de princípios da administração pública desprovidos de maior gravidade e consequências. Por se tratar de pena, e não de ressarcimento, sua
aplicação independente da existência de dano ao erário.
12. Na espécie, como se trata tão somente da ausência de prestação de contas, não havendo qualquer indicação de desvio de valores, dano ao erário ou favorecimento pessoal ou de terceiros, fixo em 02 (duas) vezes o valor da remuneração no cargo de
prefeito municipal devidamente atualizado. Apelo parcialmente provido neste ponto.
13. A inelegibilidade prevista no art. 1º, I, "l", da LC 64/90, na redação dada pela LC 135/10 (Lei de Ficha Limpa), somente é gerada quando condenado o réu, em segundo grau de jurisdição, por ato de improbidade administrativa que cause o enriquecimento
ilícito (art. 9º) ou que enseje dano ao erário (art. 10). Não há, pois, a imposição dessa sanção política (inelegibilidade) pela Lei de Ficha Limpa às condenações por atos ímprobos elencados no art. 11 da Lei 8.429/92 (com ofensa a princípios da
Administração Pública).
14. A LC 135/10 trouxe balizadores ao julgador para a adequada interpretação do art. 12, III, da Lei 8.249/92, que elenca o rol de penalidades para os atos de improbidade que atingem os princípios da Administração Pública (art. 11).
15. Se a própria Lei da Ficha Limpa (LC 135/10), lei complementar mais recente, aprovada por quórum qualificado e conhecida por seu extremo rigor, expressamente destaca que somente haverá pena de inelegibilidade nos casos de condenação por ato de
improbidade administrativa previstos no art. 9º ou no art. 10, ressalvando essa consequência jurídica aos casos do art. 11, deve ser dada a mesma interpretação a Lei de Improbidade Administrativa, que é uma lei ordinária anterior, de 1992, visando a
unicidade e coerência do sistema jurídico.
16. Consoante a ratio da LC 135/10, somente se justifica a aplicação da pena de suspensão dos direitos políticos do art. 12, III, da Lei 8.429/92 para aquelas situações extremamente graves de violação de princípios da Administração Pública, o que não se
constata no caso concreto. Atente-se que a pena de suspensão dos direitos políticos é ainda mais severa do que a sanção de inelegibilidade, porquanto esta última se restringe apenas a suprimir a capacidade eleitoral passiva, enquanto a primeira atinge
tanto a capacidade eleitoral passiva como a ativa. Apelo provido neste ponto.
17. A proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, é sanção que de adequada aplicação a
pessoas físicas ou jurídicas que firmaram contrato com o Poder Público, participando ou se beneficiando dos atos de improbidade. Inadequação de sua aplicação ao agente público. Apelo provido neste ponto.
18. Apelação parcialmente provida.Decisão
UNÂNIME
Data do Julgamento
:
13/03/2018
Data da Publicação
:
23/03/2018
Classe/Assunto
:
AC - Apelação Civel - 589301
Órgão Julgador
:
Quarta Turma
Relator(a)
:
Desembargador Federal Rubens de Mendonça Canuto
Comarca
:
TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
LEG-FED RES-12 ANO-2006 (CD/FNDE)
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
LEG-FED RES-23 ANO-2006 (CD/FNDE)
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
LEG-FED LCP-64 ANO-1990 ART-1 INC-1 LET-L
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
LEG-FED LCP-135 ANO-2010
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
***** CPC-73 Código de Processo Civil
LEG-FED LEI-5869 ANO-1973 ART-20 PAR-2
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
LEG-FED LEI-8429 ANO-1992 ART-11 INC-6 ART-12 INC-3 ART-18 ART-20 ART-9 ART-10
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
***** CF-88 Constituição Federal de 1988
ART-93 INC-9
Fonte da publicação
:
DJE - Data::23/03/2018 - Página::220
Mostrar discussão