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Jurisprudência


TRF5 0005847-63.2014.4.05.8100 00058476320144058100

Ementa
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUDITOR FISCAL DO TESOURO NACIONAL. CONTROLADOR DE ESCRITÓRIO DE CONTABILIDADE. FAVORECIMENTO DE SOCIEDADE EMPRESÁRIA. REDUÇÃO DE ALÍQUOTA DE MULTA E UTILIZAÇÃO DE DCTF APRESENTADA APÓS A LAVRATURA DE AUTO DE INFRAÇÃO. TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA. PERCEPÇÃO DE VANTAGEM INDEVIDA. ATO ÍMBROBO DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. CONFIGURAÇÃO. PROVA EMPRESTADA DE PROCESSO PENAL EM CURSO: INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS E DEPOIMENTOS. VALIDADE. CONDENAÇÃO DO SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL E DOS PARTICULARES QUE CONCORRERAM PARA A PRÁTICA DO ILÍCITO E DELE SE BENEFICIARAM. IMPOSIÇÃO. 1. Apelação do Ministério Público Federal em face da sentença que julgou improcedente os pedidos formulados em ação civil pública de improbidade administrativa sob o fundamento de que o conteúdo probatório constante dos autos causa dúvida quanto à culpabilidade dos réus, cabendo aplicar o princípio do in dubio pro reo. 2. Segundo o entendimento firmado pelo STJ, a improbidade não é sinônimo de ilegalidade, uma vez que o ato ímprobo é uma ilegalidade qualificada pelo intuito malsão do agente ativo que atua eivado de desonestidade, por meio de dolo ou culpa grave, a depender do tipo legal a ser enquadrado. Para a configuração do ato de improbidade administrativa descrito na Lei 8.429/92, faz-se necessário que a partir dessa atuação malsão ou desonesta do agente público resulte o enriquecimento ilícito próprio ou alheio (art. 9º), a ocorrência de dano ao erário (art. 10) ou o desrespeito aos princípios que regem a Administração Pública (art. 11). (REsp 1.193.248-MG, Rel. Min. Napoleão Maia Filho, 1ª Turma, j. 24/04/2014, DJe 18/08/2014). 3. Situação em que se apura a existência de associação ilícita entre auditor fiscal da Receita Federal e um contador controlador de escritório de contabilidade para que o referido servidor público federal, por meio da obtenção de vantagem indevida em dinheiro, atenuasse a aplicação de penalidade de multa em processo administrativo fiscal cuja sociedade empresária fiscalizada era cliente do mencionado escritório contábil. 4. É pacífico o entendimento do STJ pela possibilidade da utilização de prova emprestada, desde que assegurado o contraditório no processo em que as provas serão utilizadas, englobando inclusive a prova emprestada vinda de processo do qual não participaram as partes do feito para o qual a prova será trasladada (EREsp 617.428-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, j. 04/06/2014). 5. Interceptação telefônica, emprestada do IPL n. 0206/2007, na denominada operação "Estorno" da Polícia Federal, dá conta de que o escritório do contador E.G.M. intermediava a cobraça de propina para repasse à fiscal de prenome Sérgio para alterar ou omitir informações no sistema da receita para aliviar a situação fiscal da clientela do escritório. 6. Embora tenha negado em seu depoimento perante o juízo criminal, o empresário A.C.G.S. e representante legal da sociedade empresária CONTEDA, afirmou em depoimento no IPL 0206/2007 ter pago valores expressivos ao contador E.G.M. que, segundo este último, seria repassado ao auditor fiscal Sérgio S. para atenuar a aplicação de multa em dois autos de infração de R$ 1.400.000,00 e de R$ 700.000,00. 7. Apesar de ter dito que foi pressionado no inquérito, sem, conduto, explicar de que forma isso teria ocorrido, E.C.R., ex-empregado do mesmo escritório contábil, afirmou em seu depoimento junto à Polícia Federal, que descontou cheque da empresa CONTEDA no BIC Banco e depois entregou pessoalmente os valores ao fiscal Sérgio S. em sua residência. 8. Outro ex-empregado do mesmo escritório contábil, P. C. S., desta vez ouvido no juízo criminal, é dizer, sob o crivo do contraditório, não apenas confirma anterior depoimento prestado no inquérito da Polícia Federal, como esclarece que depois de ter levado E.C.R. no BIC Banco, onde foram sacados os valores, e, posteriormente, até uma residência, ficou sabendo tratar-se da residência de Sérgio S., onde o depoente, permanecendo no veículo, viu E.C.R. entrar em tal residência com uma caixa e depois sair sem ela. Também noticia que o auditor fiscal Sérgio S. era figura frequente no escritório de contabilidade de E.G.M. 9. A valoração conjunta (e não isolada) dos elementos probatórios (indícios e provas) leva este juízo recursal a conclusão diversa do juízo de origem, como também daquela chegada no âmbito administrativo da Receita Federal, cujo PAD encampou a tese de erro escusável por ter o auditor fiscal deixado de lançar multa de ofício na alíquota de 75% em razão de não ter observado que as DCTF's do 2º trimestre de 2001 ao 2º trimestre de 2002 foram transmitidas pelo contribuinte (CONTEDA) após o início da fiscalização. 10. A atuação ilegal do auditor fiscal se deu por meio da utilização de DCTF's entregues ao fisco de maneira intempestiva, porque recebidas após a lavratura de auto de infração, tendo o referido auditor aplicado multa com alíquota menos gravosa de 20%, quando, na verdade, deveria tê-la aplicado em 75%, o que ensejou num enorme prejuízo ao erário, estimado pelo MPF em mais de cinco milhões de reais (valores atualizados até julho de 2014). 11. Ilegalidade qualificada pelo intuito nocivo do agente público, uma vez que deixou de averiguar, de maneira livre e consciente, numa autêntica cegueira deliberada, a data do recebimento das DCTF's, mesmo quando era possível fazê-la por meio de simples consulta ao sistema informatizado da Receita Federal. Fê-lo por dolo de forma malsão quando se colocou voluntariamente em estado de desconhecimento, ao deixar de diligenciar a (in)tempestividade da entrega das declarações do contribuinte que chegaram a ele - ao auditor fiscal - sem data e por meio de disquete, ainda que essa informação pudesse ser colhida do sistema informatizado da receita federal, optando por situação que lhe rendeu a percepção de vantagem indevida em dinheiro. 12. Demonstrada, suficientemente, a conduta dolosa, eivada de desonestidade, do servidor público federal Sérgio. S. que, valendo-se do cargo de auditor fiscal da Receita Federal, atuou ilicitamente, mediante o recebimento de vantagem indevida em espécie e em conluio com o contador E.G.M., para favorecer a sociedade CONTEDA, o que caracteriza ato de improbidade administrativa que importa enriquecimento ilícito, nos termos do art. 9º, caput, da Lei 8.429/92. 13. Comprovado o envolvimento de A.C.G.S., empresário e representante legal da empresa CONTEDA, como também do contador E.G.M., na prática dolosa de conduta do art. 9º da Lei 8.429/92, visto que todos eles (pessoas físicas e jurídica) concorreram para a ocorrência do ato ímprobo, além de terem dele se beneficiado de forma direta e indireta, tal qual dispõe o art. 3º da Lei 8.429/92: "As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta." 14. Condenação por ato ímprobo descrito no art. 9, caput, da Lei 8.429/92 dos apelados nas seguintes sanções do art. 12, inciso I, da LIA: (i) ressarcimento integral ao erário da quantia correspondente à diferença entre a multa de 20% e a que deveria ter sido aplicada de ofício pelo auditor fiscal na alíquota de 75%, solidariamente entre todos os réus, pessoas físicas e jurídica; (ii) perda do cargo público do auditor fiscal da receita federal; (iii) suspensão dos direitos políticos por 8 (oito) anos apenas em desfavor do auditor fiscal, tendo em vista que, apesar de não ocupar ou ter ocupado mandato eletivo, o teor de interceptação telefônica revelou que o agente público detém pretensões políticas; (iv) multa no valor de R$ 30.000,00 em desfavor de cada réu, inclusive da pessoa jurídica CONTEDA, mercê de o valor do acréscimo patrimonial ser impreciso; e (v) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 10 (dez) anos, em desfavor da empresa CONTEDA, de seu respectivo empresário e representante legal A.C.G.S. que, inclusive, detém outras sociedades empresárias, além do contador E.G.M. 15. Apelação provida para julgar parcialmente procedente o pedido com a condenação dos réus pela prática prevista no art. 9º da Lei 8.429/92, aplicando-lhes parte das sanções fixadas no art. 12, caput e inciso I, da LIA.
Decisão
UNÂNIME

Data do Julgamento : 14/08/2018
Data da Publicação : 20/08/2018
Classe/Assunto : AC - Apelação Civel - 593263
Órgão Julgador : Quarta Turma
Relator(a) : Desembargador Federal Rubens de Mendonça Canuto
Comarca : TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Tipo : Acórdão
Referência legislativa : LEG-FED LEI-7347 ANO-1985 ART-18 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED LEI-8429 ANO-1992 ART-9 (CAPUT) ART-10 ART-11 ART-3 ART-12 (CAPUT) INC-1
Fonte da publicação : DJE - Data::20/08/2018 - Página::61
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