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Jurisprudência


TRF5 0010039-73.2013.4.05.8100 00100397320134058100

Ementa
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. DERRAMAMENTO DE LÍQUIDO DA CASTANHA DO CAJU EM VIAS PÚBLICAS. DANO. I. Apelação interposta contra sentença prolatada nos autos de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal contra Cascaju Agroindustrial S/A, do Grupo Edson Queiroz, em razão do derramamento de aproximadamente 300 toneladas de LCC - Líquido de Castanha de Caju proveniente de armazenagem, localizados na Rua Dioguinho, s/n, Bairro Cais do Porto, o que ocasionou dano ambiental de grande extensão na região. II. Pugnou o Ministério Público Federal pela condenação da ré à reparação integral do dano, mediante a restituição ao status quo ante, conforme dispuser o órgão ambiental competente; à imposição de obrigação de não fazer, consistente na abstenção de qualquer intervenção por parte da promovida, que possa vir a prejudicar a área ambiental lesada; à condenação da promovida ao pagamento de indenização compatível com o montante dos danos ambientais materiais e morais causados e, por fim, que seja determinado o depósito do montante da indenização e das multas eventualmente apuradas, a crédito do Fundo de Defesa de Direitos Difusos. III. O julgador monocrático decidiu pela procedência do pedido autoral, condenando o promovido ao pagamento de indenização por danos ao meio ambiente no valor de R$ 1.600.000,00 (hum milhão e seiscentos mil reais), corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de mora à razão de 1% ao mês, a contar do evento danoso), indenização que deverá ser revertida ao Fundo Nacional do Meio Ambiente. IV. Cascaju Agroindustrial S/A apelou. Preliminarmente, suscitou a ilegitimidade do MPF e do IBAMA, bem como a incompetência da Justiça Federal para julgar o feito, ao argumento de que o dano ambiental teve incidência local, não federal. No mérito, aduziu que não fora devidamente comprovada a ocorrência do dano ambiental em decorrência do vazamento de Líquido da Castanha do Caju (LCC) em via pública. Pediu, ainda, que a taxa de juros e a correção monetária fossem calculados por meio da taxa SELIC. V. A preliminar de ilegitimidade do MPF não merece prosperar. O art. 129, inciso III, da Constituição Federal vigente, estabelece que cabe ao Ministério Público 'promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos' (REsp 1057878/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 26/05/2009, DJe 21/08/2009) VI. O IBAMA é o órgão encarregado de averiguar e prevenir danos ao meio ambiente, cuja função principal consiste no exercício do poder de polícia ambiental. VII. A obrigação de reparar os danos ambientais causados por atividades consideradas lesivas é prevista na constituição (art. 225, parágrafo 3º da CF/88), sendo a referida responsabilidade civil ambiental objetiva. Desta forma, exige-se, para condenação no pagamento de indenização, a comprovação do nexo causal e do dano ambiental, conforme previsão legal (art. 14, parágrafo1º da Lei nº 6.938/81). VIII. Conforme informações dos autos, no dia 07/06/2013, após terceiro desconhecido ter serrado os canos e furtado válvulas dos tanques da empresa Cascaju, que continha o material denominado de LCC (Líquido da castanha de caju), ocorreu vazamento de tal material atingindo as proximidades da região. IX. Em razão do ocorrido, a SEUMA (Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente), nos dias 10 e 12/06/2013, autuou a referida empresa, notificando-a para comparecer ao referido órgão no prazo de cinco dias, conforme se verifica dos autos de constatação de fls. 71 e 75. X. Impende observar ainda, que o IBAMA também havia autuado a empresa CASCAJU por tal vazamento, aplicando multa de R$ 16.000.000,00, conforme auto de infração nº 703600/D colacionado aos autos (fl. 96). Contudo, tal auto foi anulado administrativamente, em razão de haver erro insanável, no caso, a existência de procedimento fiscalizatório pelo ente licenciador (SEUMA), como se verifica na documentação de fls. 198/199. XI. O derramamento do LCC no caso é fato incontroverso, razão pela qual se passa à análise da comprovação do dano ambiental. XII. Observa-se que boa parte da documentação juntada aos autos refere-se a danos materiais causados a particulares (fls.39/54), o que não é objeto de análise da presente lide. No Processo Administrativo nº 1015000.001397/2013-00 colacionado, há inúmeras representações apresentadas pela população local (fls. 24/25; 38/49; 50/51; 99; 102) com o intuito de obter solução para os danos provocados pelo vazamento referido, bem como se observa a existência de boletins de ocorrência relatando prejuízos causados aos veículos que se encontravam nas vias afetadas pelo acidente (fls. 28; 29 e 30). XIII. No Relatório Técnico de Inspeção nº 333/2013 da SEUMA (fls. 57/66), assinado por engenheiro químico, consta as propriedades químicas do material que vazou dos tanques localizados na empresa ré e o que foi observado na data da vistoria, realizada em 12/06/2013: "o acidente ocasionado pelo derramamento de óleo de castanha de caju da empresa CASCAJU provocou nas áreas citadas danos ambientais e à saúde da população local, bem como à infra-estrutura de saneamento básico existente (rede de drenagem de águas pluviais e rede coletora de esgoto)" Entretanto, não houve no mencionado documento qualquer descriminação dos danos ambientais ocorridos. XIV. O Relatório expõe ainda (fls. 61) que "a areia encontrava-se com uma coloração escura característica do escoamento do LCC, chegando ao mar. Este apresentava uma mancha escuro-amarelada decorrentes do LCC, não sendo possível mensurar o tamanho da mancha" E continua afirmando que "A contaminação do solo proveniente do derramamento (...) pode causar uma erupção cutânea alérgica e em contato coma a pele é conhecida como dermatite de contato. A lixiviação desse solo através de chuvas e o vazamento desse óleo nos bueiros e drenagem vão aos cursos de água, mar e lençol freático, contaminando-os e poluindo-os. XV. Contudo, o relatório apenas aponta a possibilidade de contaminação ao relatar que "O solo da área em questão é arenoso, alta porosidade, possibilitando uma percolação rápida e o lençol freático da região é aflorante, podendo ocasionar a sua contaminação. A quantidade de LCC que desaguou no oceano não pôde ser mensurada devido ao tempo decorrido do vazamento e de falta de instrumentos necessários para tal análise." Em seguida, menciona que "Deve ser realizada a análise da água do lençol freático (água subterrânea) e do mar para analisar o grau de contaminação das águas." XVI. Ao fim, conclui o engenheiro que "O LCC percorreu várias vias públicas e adentrou os imóveis localizados nessas vias, a rede coletora de esgoto causando a sua obstrução e a rede de drenagem de águas pluviais, entrou em contato direito com o solo da região e a areia da praia de Serviluz/Tintanzinho, como também o mar, podendo ser visualizada uma macha escuro-amarelada no mar. A empresa deve solicitar a SEUMA, a Licença Ambiental (Licença de Operação) para regularização dos tanques de armazenagem de LCC, localizado na Rua Dioguinho, S/n, Bairro Cais do Porto e fazer a recuperação da área afetada, contemplando a retirada do LCC extravasado, nas vias públicas, no interior dos imóveis, na rede de drenagem de água pluviais e no mar. Deve contemplar, ainda, análise do grau de contaminação do solo e das águas subterrâneas da área em questão. As medidas de recuperação da área degradada a serem executadas devem ser aprovadas pela SEUMA. A SEUMA está realizando o monitoramento dos danos ambientais causados pelo derramamento de LCC" XVI. Já no Relatório Técnico de Vistoria da SEUMA (fls. 72/73) observam-se as seguintes informações: a) houve contato direito do LCC com o solo; b) constatação de entupimento da rede de esgoto pelo LCC; c) constatação de que a empresa havia colocado areia nas ruas para conter o LCC. XVI. Em decorrência dos relatórios foram lavrados em face da Companhia CASCAJU o Auto de Constatação nº. 31309, datado de 10/06/2013, em razão do derramamento de aproximadamente 300 toneladas de LCC e o Auto de Constatação nº. 30269, datado de 12/06/13, ante a comprovada ausência de licença ambiental. XVII. Ainda instrui os autos o depoimento da testemunha Carlos Maia, analista ambiental do IBAMA, de fls. 399/401. Observe-se seguinte trecho: "O depoente esclarece que o IBAMA também não fez coleta de amostragem. O depoente esclarece que também não foi feita a coleta de água do mar atingida pelo LCC. O depoente esclarece que a pesquisa sobre a autuação foi feita com base na ficha de informação do produto LCC, pesquisas bibliográficas, aspectos observados quando da vistoria, registros fotográficos. O depoente esclarece que o laudo posterior deveria ficar sob a responsabilidade da SEUMA, coube ao IBAMA tão somente a autuação e como se tratava de valor elevado, o procedimento foi encaminhado para Brasília em sua sede. O depoente esclarece que apenas os dois exemplos citados em seu depoimento, uma senhora e o animal, foram atingidos pelo LCC." XVIII. Há nos autos o Relatório Técnico de Vistoria nº. 003/2013-NUPAEM/DITEC/SUPES/IBAMA/CE (fls. 79/95) lavrado pelo IBAMA após vistoria realizada no dia 10 de junho de 2013, que concluiu que: a) o produto exposto é extremamente corrosivo aos olhos e pele, podendo causar queimaduras nos olhos e inflamações na pele. b) ausência de plano emergencial para o caso de possível acidente; c) as fotos registradas pela SEUMA comprovam que o líquido percolou o solo, sendo necessária a realização de análises para verificar a contaminação do lençol freático; d) as fotos registradas pela SEUMA demonstram que o LCC através da rede pluvial atingiu a faixa de praia, bem como a beira do mar; e) o ambiente afetado possui índice de sensibilidade nível 3, tendo sua biota consideravelmente rica e complexa. XIX. Importante relatar que a parte ré colacionou aos autos seguintes documentações a fim de comprovar a não contaminação do solo e da água, bem como para demonstrar o cumprimento das orientações dos órgãos ambientais: a) Plano de Controle Prevenções e Ações Emergenciais entregue na SEUMA em 11/07/2013, portanto após o ocorrido; b) Informação fornecida pela CAGECE (Companhia de água e esgoto do Ceará, informando em 17/06/2013 que não havia "alterações nas características do efuente que aqui chega e que caracterize influencia do derramamento de óleo de castanha provocado pelo acidente em sua unidade industrial"; c) Laudo de análise realizada na água dos poços da região coletada em 17/06/2013, indicando que a amostra atendeu aos padrões físico-quimicos conforme a legislação aplicada; d) Laudo de análise do solo realizada através de coleta datada de 11/06/2013 e 13/06/2013 em três pontos diferentes da localidade, informando que "Comparando-se os resultados obtidos para amostra com os valores estabelecidos para Área Residencial, podemos observar que os parâmetros analisados satisfazem os limites permitidos da resolução acima, não exigindo ações de intervenção ou atividades mitigadoras. XX. Pelo que se depreende dos autos, de fato, ainda que desnecessário demonstrar, em razão da responsabilidade no caso ser objetiva, a Empresa incorreu em culpa in vigilando, ante a falta de segurança na área em que era acondicionado o LCC, bem como em razão da ausência de plano emergencial para o caso de possível acidente, o que agravou a situação, levando à propagação do LCC. XXI. Restou comprovado também, conforme o já citado Auto de Constatação nº. 30269, (fls. 75), que a empresa ré não possuía licença ambiental para as instalações onde estavam abrigados os tanques. XXII. Desta forma, conclui-se que as provas que instruem os autos, as quais foram detalhadamente analisadas, se limitam a evidenciar o derramamento de grande volume de LCC nas vias públicas, a existência do líquido poluente em pequena área da areia da praia e no mar e atuação da empresa sem a devida licença de operação. Quanto aos eventuais danos em animais, somente há nos autos a comprovação de lesões em apenas um animal doméstico (fl. 92). XXIII. Neste ponto, advirta-se que o analista do IBAMA em depoimento pessoal asseverou que apenas um animal e uma senhora comprovadamente foram atingidos pelo LCC. XXIV. Desta forma, quanto à comprovação do dano ambiental, não há, em toda documentação dos autos, a demonstração de contaminação do lençol freático, do solo, de mortandade de animais, de degradação da flora ou destruição significativa da biodiversidade do meio ambiente envolvido. XXV. Importante observar que a multa aplicada pelo IBAMA, em auto que foi posteriormente anulado, em razão de já ter havido atuação do órgão local, a infração decorreu tão somente da constatação do vazamento do material potencialmente danoso (art. 62, V e IX da Lei nº 6.514/2008) e não em decorrência da comprovação de mortandade de animais ou destruição significativa da biodiversidade (art. 61 do citado diploma). XXVI. Ressalte-se que este Tribunal Regional não está alheio à importância do meio ambiente e bem como à necessidade de sua preservação. No entanto, não pode ser imputada multa de valor vultoso sem a presença robusta de provas nos autos dos danos severos causados pelo já mencionado vazamento, assim como da extensão desses prejuízos. XXVII. Portanto, ante os danos e irregularidades verificados nos autos, no caso: a) derramamento de grande volume de LCC nas vias públicas, b) a existência do líquido potencialmente poluente em pequena área da areia da praia e no mar e c) atuação da empresa sem a devida licença de operação quanto ao armazenamento do LCC, tem-se por razoável a fixação da indenização no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), os quais deverão, ao final (trânsito em julgado da sentença), reverter ao Fundo Nacional do Meio Ambiente. XXVIII. No tocante ao quantum fixado, cumpre mencionar precedentes do STJ e do e. Tribunal Regional da 3ª Região que demonstram a razoabilidade do valor arbitrado. (RESP 201202481713, Diva Malerbi (Des. Convocada TRF 3ª Região), STJ - Segunda Turma, DJE DATA:23/08/2016 ..DTPB; AC 00067577520014036104, Des. Federal Marli Ferreira, TRF3 - Quarta Turma, e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/06/2015 ..Fonte_Republicacao:.; AC 00067824220114036103, Des. Federal Johonsom Di Salvo, TRF3 - Sexta Turma, e-DJF3 Judicial 1 DATA:19/11/2015 ..Fonte_Republicacao:.) XXIX. Cumpre destacar que o Juiz de primeiro grau, ao fixar o montante da indenização, levou em consideração percentual sobre valor da causa eleito pelo MPF. Ocorre que a base valorativa eleita para tal fixação foi fulminada quando da apreciação dos autos. Tal fato naturalmente não afasta a responsabilidade. XXX. Registre-se que a despeito do auto do IBAMA ter sido anulado, oportuno advertir que não constava de forma motivada as razões da própria extensão do elevado valor ali consignado. XXXI. Não merece prosperar o pedido da apelante quanto à aplicação da SELIC. Essa Segunda Turma julgadora tem se posicionado pela incidência de juros de mora de 0,5% ao mês e correção monetária, segundo os índices do Manual de Cálculos da Justiça Federal. XXXII. Apelação parcialmente provida para reduzir o valor da indenização e para estabelecer que os juros de mora são devidos no percentual de 0,5% ao mês.
Decisão
UNÂNIME

Data do Julgamento : 19/09/2017
Data da Publicação : 25/09/2017
Classe/Assunto : AC - Apelação Civel - 595054
Órgão Julgador : Segunda Turma
Relator(a) : Desembargador Federal Leonardo Carvalho
Comarca : TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Tipo : Acórdão
Referência legislativa : LEG-FED LEI-8630 ANO-1993 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED LEI-9605 ANO-1998 ART-60 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED SUM-54 (STJ) - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED LEI-4717 ANO-1965 ART-19 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED SUM-7 (STJ) - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED SUM-283 (STF) - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED LEI-6514 ANO-2008 ART-62 INC-5 INC-9 ART-61 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED LEI-6938 ANO-1981 ART-14 PAR-1 INC-2 INC-3 ART-4 INC-7 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED SUM-211 (STJ) - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED SUM-150 (STJ) - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED LEI-9240 ANO-1995 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED DEC-1306 ANO-2004 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED LEI-7347 ANO-1985 ART-13 ART-2 ART-3 ART-18 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ***** CF-88 Constituição Federal de 1988 ART-129 INC-3 ART-109 INC-1 ART-21 INC-12 ART-22 INC-10 ART-225 PAR-3
Fonte da publicação : DJE - Data::25/09/2017 - Página::59
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