TRF5 0011225-21.2010.4.05.8300 00112252120104058300
ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. CONSTRUÇÃO DE MURO EM ÁREA DE PRAIA. BEM DE USO COMUM DO POVO. PROPRIEDADE DA UNIÃO. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO DO ÓRGÃO PÚBLICO FEDERAL. IMPACTOS AMBIENTAL E SOCIAL. DEMOLIÇÃO. IMPOSIÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO REALIZAÇÃO DE NOVAS
OBRAS NO LOCAL. NÃO PROVIMENTO.
1. Apelação interposta pelo particular réu, em face de sentença que julgou procedente o pedido deduzido pela UNIÃO, condenando-o a demolir o muro que construiu em área da praia do Janga, no Município de Paulista/PE, e a se abster de efetuar nova obra.
2. Nos termos do art. 20, IV, da CF/88, as praias, bens de uso comum do povo (art. 99, I, do CC), são de propriedade da UNIÃO. Desse modo, o fato de a Prefeitura do Município de Paulista/PE ter expedido autorização para a construção de muro em área de
praia não pode ser imposto à UNIÃO, de modo a obrigá-la a aceitar a aludida construção, se os seus próprios órgãos (notadamente, a SPU) não foram consultados acerca da possibilidade da edificação.
3. A consequência para a edificação do muro em área de uso comum do povo, cujo domínio pertence à UNIÃO, sem que ela o tenha autorizado, deve ser a demolição, às expensas de quem o ergueu, consoante dispunha, expressamente, o art. 6º, caput e inciso I,
do Decreto-Lei nº 2.398/1987, antes mesmo da alteração implementada pela Lei nº 13.139/2015, sendo essa posterior aos fatos em discussão, que manteve a imposição de remoção.
4. Nessa direção, esta Primeira Turma já havia dado provimento ao agravo de instrumento interposto pela UNIÃO, em face da decisão do Juízo a quo, que indeferiu o seu pedido de antecipação de tutela. Com efeito, no julgamento do AGTR nº 120562/PE,
apontou-se para a decisão transitada em julgado na AC nº 471238/PE, em que esta Corte Regional manteve a sentença de denegação do writ, em mandado de segurança impetrado pelo ora recorrente, reconhecendo, assim, a ilegalidade da construção do muro em
comento.
5. No julgamento daquela AC, invocando-se os arts. 20, IV, da CF/88, 10 da Lei nº 7.661/88, 3º, II, e 23 do Decreto nº 5.300/2004, e 3º e 16 da Lei nº 9.537/97, ressaltou-se que o ora apelante "impetrou mandado de segurança contra ato do Capitão dos
Portos de Pernambuco, objetivando garantia do seu direito de construção de muro de retenção/arrimo a fim de evitar a ação destruidora das marés [...] A CF/88 ao dispor sobre o direito de propriedade, em seu artigo 5º, caput, também estabeleceu alguns
termos a serem considerados, dentre eles que é garantido o direito de propriedade (inciso XXII) e ao mesmo tempo que a propriedade atenderá a sua função social (XXIII), de forma que concordo com o entendimento esboçado pelo MM. Juiz 'a quo' sobre a
necessidade de compatibilização da fruição individual da propriedade com o convívio em sociedade./Também não merece guarida o argumento relativo à omissão do poder público em realizar obras que impeçam os danos causados pelo avanço do mar, posto que a
ausência da atuação pública, por si só, não faz desaparecer as limitações legais que restringem esse direito de propriedade, como as decorrentes do poder de polícia e as de caráter ambiental, dentre outras instituídas em prol da coletividade./Por
oportuno, destaco, ainda, que nos termos da Lei nº 9.636/98, em seu artigo 11, caput e parágrafo 1º, caberá à SPU a incumbência de fiscalizar e zelar para que sejam mantidas a destinação e o interesse público, o uso e a integridade física dos imóveis
pertencentes ao patrimônio da União, podendo, para tanto, por intermédio dos seus técnicos credenciados, embargar serviço e obras, aplicar multas e demais sanções previstas em lei e, ainda, requisitar força policial federal e solicitar o necessário
auxílio de força pública estadual. Para fins do disposto neste artigo, quando necessário, a SPU poderá, na forma do regulamento, solicitar a cooperação da força militar federal. [...]". Na ementa do julgado em alusão, constou: "I - Impõe-se a
preservação das areas de praias, bens de uso comum do povo, inclusive frente ao direito de propriedade que possui titular do domínio, o qual sofre restrições/limitações em prol não só do direito de acesso a elas (praias) e ao mar, garantia esta
assegurada, sempre, livre e franca, em qualquer direção e sentido, bem como em respeito ao direito ao meio ambiente, cuja titularidade é da coletividade.II - Diante da legislação de regência, não se vislumbra macula no ato impugnado, relativo à
exigência de constatação da existência de prévia autorização do CPRH - Companhia Pernambucana de Recursos Hídricos e da GRPU - Gerência Regional do Patrimônio da União para a continuidade da construção de muro de arrimo".
6. De seu lado, no julgamento daquele AGTR, a Primeira Turma assim se manifestou: "Não há no caso dos autos, em favor do agravado, o fumus boni juris, haja vista o trânsito em julgado de sentença proferida nos autos da ação mandamental - interposta
anteriormente à ação ordinária - no sentido de que a construção do muro feito por aquele era ilegal. Resta claro, portanto, que a construção em questão já deveria ter sido demolida".
7. Nestes autos, o Juízo sentenciante reconheceu a existência da coisa julgada favorável à pretensão da UNIÃO.
8. Não bastasse a ausência de autorização do órgão federal para a construção do equipamento, outros efeitos advêm da instalação do muro, a exemplo dos impactos ambientais e dos pertinentes à utilização do bem público pelos demais administrados. Nesse
contexto, a justificativa do apelante, de que a construção do muro foi necessária para a proteção de bens de sua propriedade situados na área, deve-se atentar ao fato de que o direito de propriedade não é absoluto, devendo ser resguardado em equilíbrio
com os demais direitos que o ordenamento jurídico nacional protege, como os referentes à proteção dos bens públicos e do meio ambiente e ao livre trânsito de pessoas pela área pública.
9. A propósito, cumpre destacar que o fato de o recorrente ser estrangeiro, com suposta dificuldade de compreensão do idioma português, não o isenta do dever de respeitar o ordenamento jurídico brasileiro e de atentar, especificamente, para as regras
que norteiam o uso da propriedade no Brasil. Veja-se que a aludida falta de domínio da língua portuguesa não o impediu de construir um patrimônio no Brasil.
10. Não procede a afirmação do recorrente de que o muro foi demolido antes de ele ter sido comunicado da ordem judicial dada para tanto. Quanto a esse aspecto, o MPF corretamente observou que "é possível constatar que por diversas vezes o Apelante
recebeu ordens de demolição do muro, tanto pela via administrativa quanto pela judicial, que não foram cumpridas. Quando a Prefeitura tinha a iniciativa de derrubá-lo com seus próprios recursos, o Apelante, em momento posterior, construía uma nova
barreira. É nítido, portanto, que ele tinha pleno conhecimento de que o muro não mais deveria existir, sendo incoerente a alegação de que a aplicação de multa diária é incabível por não ter conhecimento da necessidade de demolição da obra".
11. Suposto dano ao erário na construção de muro de contenção pelo Poder Público, em substituição ao que foi edificado pelo recorrente e demolido, não é o objeto desta demanda, não tendo repercussão na conclusão no sentido da ilegalidade da edificação
do equipamento sem a devida autorização da UNIÃO e das correspondentes consequências.
12. Não pode ser considerada inócua a sentença, que acolhe o pedido autoral, inclusive, para impor ao demandado obrigação de não fazer, consistente na não realização de nova obra no local.
13. Impõe-se a condenação do réu em honorários advocatícios, em decorrência de ter ficado vencido na lide.
14. Apelação não provida.
15. Considerando que a sentença foi proferida, quando já vigente o CPC/2015, majora-se a condenação em honorários advocatícios, em 2%, a título de verba honorária recursal, com base no art. 85, parágrafo 11, do CPC/2015.
Ementa
ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. CONSTRUÇÃO DE MURO EM ÁREA DE PRAIA. BEM DE USO COMUM DO POVO. PROPRIEDADE DA UNIÃO. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO DO ÓRGÃO PÚBLICO FEDERAL. IMPACTOS AMBIENTAL E SOCIAL. DEMOLIÇÃO. IMPOSIÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO REALIZAÇÃO DE NOVAS
OBRAS NO LOCAL. NÃO PROVIMENTO.
1. Apelação interposta pelo particular réu, em face de sentença que julgou procedente o pedido deduzido pela UNIÃO, condenando-o a demolir o muro que construiu em área da praia do Janga, no Município de Paulista/PE, e a se abster de efetuar nova obra.
2. Nos termos do art. 20, IV, da CF/88, as praias, bens de uso comum do povo (art. 99, I, do CC), são de propriedade da UNIÃO. Desse modo, o fato de a Prefeitura do Município de Paulista/PE ter expedido autorização para a construção de muro em área de
praia não pode ser imposto à UNIÃO, de modo a obrigá-la a aceitar a aludida construção, se os seus próprios órgãos (notadamente, a SPU) não foram consultados acerca da possibilidade da edificação.
3. A consequência para a edificação do muro em área de uso comum do povo, cujo domínio pertence à UNIÃO, sem que ela o tenha autorizado, deve ser a demolição, às expensas de quem o ergueu, consoante dispunha, expressamente, o art. 6º, caput e inciso I,
do Decreto-Lei nº 2.398/1987, antes mesmo da alteração implementada pela Lei nº 13.139/2015, sendo essa posterior aos fatos em discussão, que manteve a imposição de remoção.
4. Nessa direção, esta Primeira Turma já havia dado provimento ao agravo de instrumento interposto pela UNIÃO, em face da decisão do Juízo a quo, que indeferiu o seu pedido de antecipação de tutela. Com efeito, no julgamento do AGTR nº 120562/PE,
apontou-se para a decisão transitada em julgado na AC nº 471238/PE, em que esta Corte Regional manteve a sentença de denegação do writ, em mandado de segurança impetrado pelo ora recorrente, reconhecendo, assim, a ilegalidade da construção do muro em
comento.
5. No julgamento daquela AC, invocando-se os arts. 20, IV, da CF/88, 10 da Lei nº 7.661/88, 3º, II, e 23 do Decreto nº 5.300/2004, e 3º e 16 da Lei nº 9.537/97, ressaltou-se que o ora apelante "impetrou mandado de segurança contra ato do Capitão dos
Portos de Pernambuco, objetivando garantia do seu direito de construção de muro de retenção/arrimo a fim de evitar a ação destruidora das marés [...] A CF/88 ao dispor sobre o direito de propriedade, em seu artigo 5º, caput, também estabeleceu alguns
termos a serem considerados, dentre eles que é garantido o direito de propriedade (inciso XXII) e ao mesmo tempo que a propriedade atenderá a sua função social (XXIII), de forma que concordo com o entendimento esboçado pelo MM. Juiz 'a quo' sobre a
necessidade de compatibilização da fruição individual da propriedade com o convívio em sociedade./Também não merece guarida o argumento relativo à omissão do poder público em realizar obras que impeçam os danos causados pelo avanço do mar, posto que a
ausência da atuação pública, por si só, não faz desaparecer as limitações legais que restringem esse direito de propriedade, como as decorrentes do poder de polícia e as de caráter ambiental, dentre outras instituídas em prol da coletividade./Por
oportuno, destaco, ainda, que nos termos da Lei nº 9.636/98, em seu artigo 11, caput e parágrafo 1º, caberá à SPU a incumbência de fiscalizar e zelar para que sejam mantidas a destinação e o interesse público, o uso e a integridade física dos imóveis
pertencentes ao patrimônio da União, podendo, para tanto, por intermédio dos seus técnicos credenciados, embargar serviço e obras, aplicar multas e demais sanções previstas em lei e, ainda, requisitar força policial federal e solicitar o necessário
auxílio de força pública estadual. Para fins do disposto neste artigo, quando necessário, a SPU poderá, na forma do regulamento, solicitar a cooperação da força militar federal. [...]". Na ementa do julgado em alusão, constou: "I - Impõe-se a
preservação das areas de praias, bens de uso comum do povo, inclusive frente ao direito de propriedade que possui titular do domínio, o qual sofre restrições/limitações em prol não só do direito de acesso a elas (praias) e ao mar, garantia esta
assegurada, sempre, livre e franca, em qualquer direção e sentido, bem como em respeito ao direito ao meio ambiente, cuja titularidade é da coletividade.II - Diante da legislação de regência, não se vislumbra macula no ato impugnado, relativo à
exigência de constatação da existência de prévia autorização do CPRH - Companhia Pernambucana de Recursos Hídricos e da GRPU - Gerência Regional do Patrimônio da União para a continuidade da construção de muro de arrimo".
6. De seu lado, no julgamento daquele AGTR, a Primeira Turma assim se manifestou: "Não há no caso dos autos, em favor do agravado, o fumus boni juris, haja vista o trânsito em julgado de sentença proferida nos autos da ação mandamental - interposta
anteriormente à ação ordinária - no sentido de que a construção do muro feito por aquele era ilegal. Resta claro, portanto, que a construção em questão já deveria ter sido demolida".
7. Nestes autos, o Juízo sentenciante reconheceu a existência da coisa julgada favorável à pretensão da UNIÃO.
8. Não bastasse a ausência de autorização do órgão federal para a construção do equipamento, outros efeitos advêm da instalação do muro, a exemplo dos impactos ambientais e dos pertinentes à utilização do bem público pelos demais administrados. Nesse
contexto, a justificativa do apelante, de que a construção do muro foi necessária para a proteção de bens de sua propriedade situados na área, deve-se atentar ao fato de que o direito de propriedade não é absoluto, devendo ser resguardado em equilíbrio
com os demais direitos que o ordenamento jurídico nacional protege, como os referentes à proteção dos bens públicos e do meio ambiente e ao livre trânsito de pessoas pela área pública.
9. A propósito, cumpre destacar que o fato de o recorrente ser estrangeiro, com suposta dificuldade de compreensão do idioma português, não o isenta do dever de respeitar o ordenamento jurídico brasileiro e de atentar, especificamente, para as regras
que norteiam o uso da propriedade no Brasil. Veja-se que a aludida falta de domínio da língua portuguesa não o impediu de construir um patrimônio no Brasil.
10. Não procede a afirmação do recorrente de que o muro foi demolido antes de ele ter sido comunicado da ordem judicial dada para tanto. Quanto a esse aspecto, o MPF corretamente observou que "é possível constatar que por diversas vezes o Apelante
recebeu ordens de demolição do muro, tanto pela via administrativa quanto pela judicial, que não foram cumpridas. Quando a Prefeitura tinha a iniciativa de derrubá-lo com seus próprios recursos, o Apelante, em momento posterior, construía uma nova
barreira. É nítido, portanto, que ele tinha pleno conhecimento de que o muro não mais deveria existir, sendo incoerente a alegação de que a aplicação de multa diária é incabível por não ter conhecimento da necessidade de demolição da obra".
11. Suposto dano ao erário na construção de muro de contenção pelo Poder Público, em substituição ao que foi edificado pelo recorrente e demolido, não é o objeto desta demanda, não tendo repercussão na conclusão no sentido da ilegalidade da edificação
do equipamento sem a devida autorização da UNIÃO e das correspondentes consequências.
12. Não pode ser considerada inócua a sentença, que acolhe o pedido autoral, inclusive, para impor ao demandado obrigação de não fazer, consistente na não realização de nova obra no local.
13. Impõe-se a condenação do réu em honorários advocatícios, em decorrência de ter ficado vencido na lide.
14. Apelação não provida.
15. Considerando que a sentença foi proferida, quando já vigente o CPC/2015, majora-se a condenação em honorários advocatícios, em 2%, a título de verba honorária recursal, com base no art. 85, parágrafo 11, do CPC/2015.Decisão
UNÂNIME
Data do Julgamento
:
05/07/2018
Data da Publicação
:
12/07/2018
Classe/Assunto
:
AC - Apelação Civel - 593824
Órgão Julgador
:
Primeira Turma
Relator(a)
:
Desembargador Federal Élio Wanderley de Siqueira Filho
Comarca
:
TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** CPC-15 Código de Processo Civil
LEG-FED LEI-13105 ANO-2015 ART-85 PAR-11
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
LEG-FED LEI-9636 ANO-1998 ART-11 (CAPUT) PAR-1
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
LEG-FED LEI-9537 ANO-1997 ART-16
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
LEG-FED DEC-5300 ANO-2004 ART-3 INC-2 ART-23
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
LEG-FED LEI-7661 ANO-1988 ART-10
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
LEG-FED LEI-13139 ANO-2015
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
LEG-FED DEL-2398 ANO-1987 ART-6 (CAPUT) INC-1
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
***** CC-02 Código Civil
LEG-FED LEI-10406 ANO-2002 ART-99 INC-1
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
***** CF-88 Constituição Federal de 1988
ART-20 INC-4 ART-5 (CAPUT) INC-22 INC-23
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
***** CF-88 Constituição Federal de 1988
ART-20 INC-4
Fonte da publicação
:
DJE - Data::12/07/2018 - Página::44
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