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Jurisprudência


TRF5 0017586-49.1999.4.05.8103 00175864919994058103

Ementa
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. OBRAS E SERVIÇOS DE IMPLANTAÇÃO DA REDE ELÉTRICA RURAL. MUNICÍPIO DE INDEPENDÊNCIA/CE. SUPERINTENDENTE REGIONAL DO INCRA/CE. PROJETOS DE ASSENTAMENTO. ALTERAÇÃO DO PROJETO BÁSICO. DESVIO DO TRAJETO. EXECUÇÃO INTEGRAL DA OBRA. BENEFÍCIO DE ÁREA MAIS EXTENSA. AUSÊNCIA DE ATO ÍMPROBO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ABSOLVIÇÃO. PROVIMENTO DA APELAÇÃO DO RÉU. - Cuida-se de apelação interposta por LUIZ VIDAL FILHO contra sentença que o condenara, em sede de ação civil pública de improbidade administrativa movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e pelo INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA - INCRA, ao ressarcimento ao erário, em caráter solidário, no valor de R$ 10.344,68 (dez mil, trezentos e quarenta e quatro reais e sessenta e oito centavos), e às sanções de multa civil no montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais), de perda do cargo de Superintendente Regional do INCRA ou Regional Adjunto daquela autarquia ou similar, na eventualidade de o estar exercendo, e de suspensão dos direitos políticos e de proibição de contratar com o Poder Público e dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, ainda que por meio de pessoa jurídica, pelo período de 5 (cinco) anos, em decorrência da prática de ato ímprobo descrito no art. 10, inciso XI, da Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa). - Assevera LUIZ VIDAL FILHO, em seu apelo hospedado às fls. 2063/2077, trazendo à baila as seguintes razões para respaldar a pretendida reforma da sentença hostilizada: a) em momento algum, agiu em desvio de finalidade, tendo atendido somente a critérios técnicos; b) todas as testemunhas ouvidas defenderam a lisura do projeto, a ausência de prejuízo ao erário e o ganho para a coletividade necessitada; c) destaca que o próprio expert judicial declarou que "as alterações realizadas foram satisfatórias, mesmo estas tendo beneficiado alguma propriedade privada ao longo da extensão da rede elétrica, não intencionalmente na ótica deste esperto. Pois hipoteticamente, executado fosse o projeto primeiro, outras propriedades seriam beneficiadas da mesma maneira, onde uma delas seria a FAZENDA UIRAPURU"; d) não houve prejuízo ao erário provocado pela alteração do projeto inicial; e) a prova testemunhal colhida em juízo sinalizou que a obra de eletrificação contratada foi realizada na mais pura transparência legal, atendendo aos Projetos de Assentamento Santana Oriente/Santana Aniceto e São Joaquim II, mesmo tendo um acréscimo mediante aditivo contratual de apenas 4km (quatro kilômetros). - Acusa o parquet federal, na peça vestibular, que LUIZ VIDAL FILHO, então Superintendente Regional do INCRA/CE, teria beneficiado indevidamente o proprietário particular da Fazenda Uirapuru, ao promover a alteração do projeto inicial destinado a realizar obras e serviços de engenharia voltados à implementação de 168,60km (cento e sessenta e oito vírgula sessenta kilômetros) de rede elétrica rural no Município de Independência/CE, no ano de 1997, com a finalidade contemplar os Projetos de Assentamento de Santana/Oriente e Santana/Aniceto. Relata, ainda, que foi realizada aditivo contratual para acrescentar ao projeto original 4km (quatro kilômetros) de rede elétrica, acarretando um indevido desvio do trajeto que comprometeu o suficiente abastecimento do Assentamento Aniceto e, por via de consequência, prejuízo ao erário, devido ao adicionamento de novos recursos federais, sem que se atingisse a finalidade inicial de abastecer os Projetos de Assentamento Santana/Oriente e Santana/Aniceto. - É de bom alvitre realçar que não há margem para imputar ao agente público a prática de ato acoimado de improbidade administrativa, quando ausente o elemento da desonestidade, podendo, assim, o ato hostilizado revestir-se de ilegalidade, mas não apresentar a nota da desonestidade e, em última instância, da improbidade. - No caso dos autos, nenhum ato ou fato de maior gravidade deve ser imputado ao réu que possa revelar a perpetração de alguma conduta atinente a dolo, a desonestidade, a má-fé ou a imoralidade. No que toca ao réu LUIZ VIDAL FILHO, a sentença proferida às fls. 1998/2015 reconheceu a prática ímproba pelas seguintes circunstâncias fáticas ocorridas: "(...) analisando concretamente a execução da aludida obra, verifica-se que a rede elétrica adentrou em larga extensão na área da Fazenda Uirapuru, promovendo energia, inclusive, às margens de um açude naquela inserido, destituído de acesso ao público (vide fl. 1820), agregando valor ao patrimônio de determinado particular, sem ter, com isso, prestigiado o interesse da coletividade destinatária da obra contratada. (...) Tal desvio, decerto, importou em encarecimento da execução da mencionada obra e, consequentemente, em prejuízo ao erário, tendo em vista que o INCRA poderia ter atingido, de igual modo, os projetos de assentamento Aniceto, Oriente e São Joaquim II sem ter penetrado significativamente na Fazenda Uirapuru, uma vez esta não se relaciona com a finalidade social do projeto básico. Desse modo, evidencia-se que, na execução da sobredita rede, houve a prática de ato visando a fim diverso (provimento de energia elétrica a fazenda particular) do previsto no contrato administrativo (abastecimento de projeto de assentamento), configurando-se, assim, desvio de finalidade". E, embora o próprio MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL reconhecesse que Gutemberg Mourão Campelo, então Superintendente Regional Adjunto do INCRA/CE, fosse o responsável direto pela alteração do trajeto original da rede de eletrificação rural, o juízo a quo ainda considera como prática ímproba o fato de o apelante ter assinado o contrato administrativo com a empresa AGROSOLOS ENGENHARIA LTDA, o aditivo contratual e a nota de empenho. - Da forma como se apura na sentença recorrida, a responsabilidade do ex-Superintendente Regional do INCRA no Estado do Ceará decorreria de sua condição hierárquica de simples gestor da autarquia federal, e não propriamente de algum ato comissivo ou omissivo por ele engendrado, sobretudo para beneficiar proprietários particulares de imóveis rurais que estivessem encravadas fora do curso originário do trajeto da rede elétrica. A se entender nestes moldes estar-se-ia a conceber uma responsabilidade político-administrativa de índole objetiva, e não subjetiva. - A improbidade pressupõe a prática de algum ato imputável. Se não há qualquer ato concreto a ser imputado, seja comissivo ou omissivo, não se pode sequer cogitar de qualquer responsabilidade, muito menos por improbidade administrativa. A ação de improbidade administrativa deve se calcar em elementos reveladores da presença de conduta ímproba do agente público. Isto porque, em sua órbita, não se admitem condenações amparadas em meras suposições ou especulações sem respaldo probante, tal como se mostra vedado na esfera penal. Exige-se, para detectar a prática de ato ímprobo, a comprovação da existência de laivo de desonestidade e de imoralidade, não bastando tão somente a perpetração de comportamentos ilícitos ou ilegais. - Malgrado ter havido um acréscimo de apenas 4km (quatro kilômetros) ao projeto original de cerca de 168,60km (cento e sessenta e oito vírgula sessenta kilômetros), a obra de eletrificação rural não foi apenas integralmente executada e cumprida, mas também contemplou uma escola e um açude, consoante restou assentado na perícia técnica realizada (fls. 1806/1837). Segundo o laudo do expert judicial, as adequações ao projeto inicial oneraram a execução da obra em R$ 35.186,00 (trinta e cinco mil, cento e oitenta e seis reais), o que representava aproximadamente 11,76% (onze vírgula setenta e seis por cento) do montante global. - O próprio juiz sentenciante chega à conclusão de que não foi possível comprovar suposta relação de amizade entre o proprietário da Fazenda Uirapuru e um dos réus a caracterizar alguma espécie de favorecimento indevido e, ainda que houvesse, chama atenção a afirmação expressada pelo perito judicial no sentido de que tal propriedade, de uma maneira ou de outra, seria beneficiada com o traçado da rede elétrica concebido no projeto original. - Assim, evidentemente, não pode LUIZ VIDAL FILHO ser responsabilizado por improbidade administrativa em relação à suposta conduta de liberar verba pública em desvio de finalidade, na medida em que, ao que tudo indica, os acréscimos promovidos à obra de eletrificação rural, que foi integralmente executada, acabaram por beneficiar uma área mais extensa, não importando em qualquer prejuízo ao erário público. Uma simples alteração de projeto básico, sem que se demonstre a existência de eiva de desonestidade, má-fé ou imoralidade, não pode, necessariamente, configurar ato de improbidade administrativa, especialmente quando visa melhorar a rede de abastecimento do serviço público prestado. - O recurso de apelação há de ser acolhido para reconhecer a absolvição de LUIZ VIDAL FILHO, por falta de demonstração de ato ímprobo concreto a render ensejo à possível responsabilização político-administrativa. - Provimento da apelação do réu, para julgar improcedente o pleito autoral.
Decisão
UNÂNIME

Data do Julgamento : 20/03/2018
Data da Publicação : 03/04/2018
Classe/Assunto : AC - Apelação Civel - 579679
Órgão Julgador : Segunda Turma
Relator(a) : Desembargador Federal Carlos Wagner Dias Ferreira
Comarca : TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Tipo : Acórdão
Referência legislativa : LEG-FED LEI-8429 ANO-1992 ART-10 INC-11
Fonte da publicação : DJE - Data::03/04/2018 - Página::129
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