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Jurisprudência


TRF5 200083000016202

Ementa
CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO - SFH. CONTRATO DE MÚTUO HABITACIONAL. REVISÃO. 1. Apelações interpostas pelos mutuários e pela CEF contra sentença proferida nos autos de ação ordinária de revisão de contrato de mútuo habitacional, firmado no âmbito do SFH - decisum exarado após a realização de perícia, determinada por acórdão que invalidou a primeira sentença prolatada, prejudicados os recursos anteriormente manejados (apelações e agravos retidos). 2. Sobre a legitimidade passiva ad causam da CEF/EMGEA: "1. A CEF é instituição financeira que sucedeu o BNH em direitos e obrigações, sendo a administração operacional do SFH atribuída a essa empresa pública, legitimada nos processos em andamento, mesmo com a transferência das operações de crédito imobiliário e seus acessórios à EMGEA./2. A EMGEA deve compor o pólo passivo da demanda, na condição de litisconsorte, em face da cessão dos créditos hipotecários relativos ao contrato sob exame" (TRF5, Primeira Turma, AC 402156/PB, Rel. Des. Federal Francisco Wildo, j. em 01.02.2007). Determinação de reintegração da CEF na lide, a compor o pólo passivo juntamente com a EMGEA. Preliminar de ilegitimidade passiva da CEF não acolhida. 3. Considerando, ademais, que está em discussão o contrato de mútuo habitacional firmado entre a CEF e os mutuário-recorrentes-recorridos, não se mostra parte legítima a seguradora para figurar no pólo passivo da demanda. 4. O SFH foi criado com vistas a estimular a construção de habitações de interesse social e a possibilitar a aquisição da casa própria pelas classes da população que percebiam menor renda e que, portanto, não tinham condições de recorrer à iniciativa privada. 5.O SFH foi fundado no direito à moradia, agasalhado esse pela Constituição Federal como direito social, necessidade premente do trabalhador. Trata-se de reconhecer a habitação como direito inerente à condição humana, habitação como refúgio e como permissivo da inserção do indivíduo no convívio social. Consoante se apreende da evolução normativa da matéria, ao SFH se confere conotação nitidamente social (decorrente de sua finalidade), sendo a ele inerente o equilíbrio que deve permear a relação entre a renda do mutuário e as prestações do financiamento. 6. O princípio do pacta sunt servanda deve ser interpretado de forma harmônica com as outras normas jurídicas que integram o ordenamento, impondo-se o seu sopeso, inclusive e especialmente, diante do escopo do negócio jurídico ajustado. 7. "Consoante entendimento jurisprudencial é aplicável o CDC aos contratos de mútuo hipotecário pelo SFH" (STJ, Quarta Turma, RESP 838372/RS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 06.12.2007). 8. A sentença determinou a revisão das prestações do mútuo, com aplicação exclusiva de índices proporcionais aos reajustes salariais obtidos pela categoria profissional. A CEF assevera que está cumprindo o plano de equivalência salarial por categoria profissional - PES/CP. Conforme se depreende dos autos, o mutuário paradigma se enquadrava na categoria profissional de "bancário" - no período de 11/89 a 03/95 -, e, posteriormente, passou à categoria profissional de "comerciário" - no período de 04/95 a 10/99. Confrontando as declarações dos sindicatos e a planilha de evolução do financiamento, constata-se que a CEF vem descumprindo a política de reajuste adotada no contrato, reajustando as prestações em descompasso com o PES/CP, descumprimento esse, inclusive, constatado pela perícia judicial. Apelação da CEF não provida, nesse ponto. 9. Na sentença, não se acolheu a alegação de que, na transição do cruzeiro para a URV, teria havido reajuste das prestações, não condizente com a evolução salarial do mutuário paradigma, à medida que ele não teria tido aumento salarial. Os mutuários insistem na tese. Segundo o STJ, "a aplicação da URV [...] não significou reajuste de prestação, mas critério de transição para que fosse efetuada a correção para o real" (Terceira Turma, RESP 645126/PE, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. em 03.04.2007), bem como "a incidência da URV nas prestações do contrato não rendem ensejo à ilegalidade, porquanto, na época em que vigente, era quase que uma moeda de curso forçado, funcionando como indexador geral da economia, inclusive dos salários, sendo certo, nesse contexto, que a sua aplicação, antes de causar prejuízos, mantém, na verdade, o equilíbrio entre as parcelas do mútuo e a renda, escopo maior do PES" (Quarta Turma, RESP 576638/RS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 03.05.2005). O fato é que, comparando-se a declaração do sindicato, em específico, quanto ao período de março a junho de 1994, com o averiguado pela perícia, a variação do cruzeiro real para a URV, os índices aplicados nas prestações e os percentuais de aumento da categoria profissional, naquele instante, não divergiram. Não provimento da apelação dos mutuários, nessa parte. 10. Alegam os mutuários que o valor do seguro foi reajustado erroneamente, seja porque incorreta a correção procedida em relação às prestações mensais, seja porque o percentual correlato teria variado no curso do contrato. Em que pese a perícia ter afirmado que não houve, originariamente, variação percentual na relação seguro/prestação, é certo que as parcelas referentes ao seguro, mercê de sua natureza acessória, devem obedecer aos mesmos critérios de reajuste das prestações, de sorte que, como se constatou o descumprimento do PES/CP pela CEF, em relação às prestações, a parcela relativa ao seguro deve ser revisada, por igual razão, proporcionalmente. Apelação dos mutuários a que se dá provimento, nesse tocante. 11. Os mutuários pretendem que seja reconhecida a ilegalidade da cobrança do CES. A sentença entendeu ser legítima a sua cobrança. O CES - Coeficiente de Equiparação Salarial, instituído pela Resolução nº 36/69, do extinto BNH, e referido no art. 8o, da Lei nº 8.692/93, não deve ter a sua aplicação mantida, in casu, por não estar expressamente previsto no contrato. Precedente do STJ: "Não havendo previsão contratual não há como determinar aplicação do CES - Coeficiente de Equiparação Salarial, presente a circunstância de ser o contrato anterior à lei que o criou" (Terceira Turma, RESP 703907/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. em 15.08.2006). Apelação dos mutuários provida, nesse ponto. 12. Os mutuários querem a substituição da Tabela Price pelo Sistema de Amortização Constante, o que não foi autorizado na sentença. Não é viável a modificação pretendida, não apenas porque a sistemática Price foi ajustada livremente (não se alegando corrupção da vontade), mas também porque essa alteração implicaria na necessidade de os mutuários pagarem à CEF a diferença, devidamente corrigida, em relação às prestações inicialmente adimplidas, tendo em conta que, no SAC, as amortizações periódicas são todas iguais ou constantes, o que implica em que as prestações iniciais do SAC são maiores. Não provimento da apelação dos mutuários, nesse aspecto. 13. Os mutuários alegaram a ocorrência de anatocismo. Caracterizada, in casu, a injurídica incidência de juros sobre juros, tanto em razão da amortização negativa, quanto pelo fato de que as prestações vencidas, não pagas, serão incorporadas ao saldo devedor, para nova incidência de juros, quando já são constituídas de uma parte de juros e outra de amortização, conclusão a que também chegou a perícia. "A jurisprudência dos tribunais pátrios vem firmando o entendimento de que há capitalização dos juros na forma utilizada pela Tabela Price para amortização das prestações. 'A capitalização dos juros é proibida (Súmula 121/STJ), somente aceitável quando expressamente permitida em lei (Súmula 93/STJ), o que não acontece no SFH'. Precedente do STJ" (TRF5, Primeira Turma, AC nº 400982/CE, Rel. Des. Federal Francisco Wildo, j. em 14.12.2006). Apelação dos mutuários provida, nessa parte. 14. Os mutuários pediram a modificação da sistemática de amortização/reajuste do saldo devedor. "A fórmula, segundo a qual corrige-se o saldo devedor majorando-o, para, após avultá-lo, deduzir a prestação devidamente quitada pelo mutuário, apresenta-se imprópria por não permitir zerar o saldo devedor e por transgredir ao escopo perseguido pelo Sistema Financeiro de Habitação, sob cuja égide se acha o contrato em tela. A operação razoável deve ser expressa inicialmente abatendo-se a prestação quitada, para depois corrigir o saldo devedor, conforme art. 6º, c, da lei 4380/64" (TRF5, Primeira Turma, AC 402054/PE, Rel. Des. Federal Francisco Wildo, j. em 01.03.2007, por maioria). Apelação dos mutuários também provida, nessa parte. 15. Os mutuários postularam a limitação dos juros contratuais. Juros nominais correspondem à taxa de juros contratada numa determinada operação financeira (encontrada, a sua expressão mensal, a partir da divisão do percentual por 12, ou seja, pelo número de meses do ano), e juros efetivos, à taxa de rendimento que a operação financeira proporciona efetivamente (já que a incidência de juros em cada mês acarreta percentual, no final do ano, não coincidente com a taxa nominal). A existência das taxas nominal e efetiva deriva da própria mecânica da matemática financeira. De se observar que a taxa nominal é fixada para um período de um ano, ao passo que a freqüência da amortização é mensal (períodos diferentes, portanto). A ré estaria a agir ilegitimamente se omitisse o percentual da taxa de juros efetiva, o que não ocorreu. As duas espécies restaram expressamente consignadas no instrumento contratual, sendo definidas em 8,80% (nominal) e 9,1637% (efetiva), estando, ambas, abaixo do limite de 10% estabelecido pela Lei nº 4.380/64, vigorante, quanto a esse limite, até o advento da Lei nº 8.692/93, que, em seu art. 25, estabeleceu o teto de 12%. (o contrato é de 27.10.1989). Apelação dos mutuários a que se nega provimento, nesse tocante. 16. Propugnaram, os mutuários, pela devolução dos valores atinentes ao pagamento do FUNDHAB - Fundo de Assistência Habitacional. A sentença indeferiu o pedido, ante a falta de comprovação de pagamento pelos mutuários. Nos termos da redação conferida pelo Decreto-Lei nº 2.240, de 31.01.1985, constituem recursos do FUNDHAB "as contribuições ao FUNDHAB, a partir do mês de fevereiro de 1984, dos vendedores, pessoas físicas ou jurídicas, de imóveis objeto de financiamento concedido por sua Carteira de Habitação a mutuário final" (inciso II, do art. 7o, do Decreto-Lei nº 2.164/84). Por conseguinte, trata-se de parcela cujo ônus não pode ser imputado ao devedor (mutuário), mas sim ao vendedor (construtora), do que decorre a ilegalidade da cláusula contratual em sentido inverso. In casu, constando na planilha do financiamento o ônus imputado ao mutuário a título de FUNDHAB, é de se determinar a restituição pela instituição financeira do montante correspondente pago pelos mutuários. Apelação dos mutuários provida, quanto a esse ponto. 17. Os mutuários se insurgiram contra a correção do saldo devedor pela TR, pedindo a substituição da TR pelo INPC. A questão relativa à incidência da TR para fins de correção do saldo devedor dos contratos de mútuo habitacional encontra-se já, de certo modo - pelo menos no respeitante aos contratos celebrados anteriormente à Lei nº 8.177, de 01.03.1991, ou, a dizer, anteriores à Medida Provisória nº 294, de 31.01.1991, e sem cláusula de correção pelos índices praticados quanto à poupança -, pacificada, em face da decisão do Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADIN 493-0/DF (j. em 25.06.1992, p. em DJ de 04.09.1992, Rel. Min. Moreira Alves). O STJ tem entendido que, para os contratos posteriores à lei mencionada ou com cláusula de correção pelos índices da poupança, a TR é aplicável (Terceira Turma, AgReg no AgReg no RESP 937435/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 21.02.2008). Cuida-se, contudo, a TR, de índice de remuneração de capital e não de fator de correção monetária, não refletindo a variação do poder aquisitivo da moeda. Não se olvide, ademais, que a TR não se mostra compatível com a sistemática dos contratos de mútuo habitacional inseridos no contexto do SFH, a teor da regra mater representada pela Lei nº 4.380/64. A despeito disso, é menos prejudicial aos mutuários, consideradas as variações acumuladas da TR e do INPC, a persistência da TR. Apelação dos mutuários a que se nega provimento, nesse tocante. 18. A sentença entendeu correto o procedimento da CEF na aplicação do IPC, do mês de março/90, nos reajustes das prestações e saldo devedor dos contratos de financiamento da casa própria. Os mutuários pugnam pelo afastamento do IPC. Quanto à correção das prestações, é de ser afastado o índice em questão, pois as prestações estão atreladas à evolução salarial do mutuário, como antes já se deferiu. Provimento da apelação dos mutuários, nessa parte. Quanto ao saldo devedor, entretanto: "Está pacificado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, em definitivo, por maioria absoluta, o entendimento de que o índice aplicável ao reajuste do saldo devedor dos contratos de financiamento habitacional, relativamente ao mês de março de 1990, é de 84,32%, consoante variação do IPC" (STJ, Corte Especial, AgRg nos EREsp 684466/DF, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 15.08.2007). Não provimento da apelação dos mutuários, nessa parte. Por outro lado, o comando sentencial foi omisso quanto à insurgência dos autores em relação à aplicação do IPC nos meses de abril, maio e julho de 1990, não tendo, os mutuários, oposto embargos de declaração, de modo que a parte da apelação relativa a tal pretensão não pode ser conhecida. Provimento parcial da apelação dos mutuários, na parte conhecida. 19. Buscam, os mutuários, a repetição do que teriam pago a maior à instituição financeira. Não há que se falar em repetição de quantias pagas a maior, se não houve a extinção do contrato de mútuo, devendo, o montante pago a maior, ser dirigido à quitação das prestações em atraso, se houver, e, se ainda assim houver sobra, ao pagamento das prestações vincendas e à amortização do saldo devedor, nessa ordem. Apelação dos mutuários também não provida nesse aspecto. 20. Custas e honorários advocatícios (esses fixados em R$1.000,00), a serem rateados proporcionalmente entre as partes em vista da sucumbência recíproca, cabendo à CEF arcar com 70% e aos mutuários com 30%. 21.Apelação da CEF não provida. 22. Apelação dos mutuários parcialmente provida, na parte conhecida. (PROCESSO: 200083000016202, AC338986/PE, DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO CAVALCANTI, Primeira Turma, JULGAMENTO: 29/05/2008, PUBLICAÇÃO: DJ 14/07/2008 - Página 317)

Data do Julgamento : 29/05/2008
Classe/Assunto : Apelação Civel - AC338986/PE
Órgão Julgador : Primeira Turma
Relator(a) : Desembargador Federal Francisco Cavalcanti
Comarca : Tribunal Regional Federal - 5ª Região
Código do documento : 162014
PublicaÇÕes : Diário da Justiça (DJ) - 14/07/2008 - Página 317
DecisÃo : UNÂNIME
Veja tambÉm : AC 402156/PB  (TRF5)RESP 838372/RS (STJ)RESP 645126/PE (STJ)RESP 576638/RS (STJ)AC 400982/CE (TRF5)AC 402054/PE (TRF5)
Doutrinas : Obra: Juros no Direito Brasileiro Autor: Luiz Antônio Scavone Júnior
ReferÊncias legislativas : CPC-73 Código de Processo Civil LEG-FED LEI-5869 ANO-1973 ART-21 LEG-FED LEI-4380 ANO-1964 ART-5 PAR-4 ART-6 LET-C ART-18 PAR-1 PAR-2 PAR-3 PAR-4 LEG-FED RES-36 ANO-1969 (BNH) LEG-FED LEI-8692 ANO-1993 ART-8 ART-25 LEG-FED SUM-121 (STJ) LEG-FED SUM-93 (STJ) LEG-FED SUM-168 (STJ) LEG-FED DEL-2240 ANO-1985 LEG-FED DEL-2164 ANO-1984 ART-7 INC-2 LEG-FED SUM-295 (STJ) LEG-FED MPR-294 ANO-1991 LEG-FED DEL-19 ANO-1966 ART-1 CF-88 Constituição Federal de 1988 ART-5 INC-36 LEG-FED LEI-8177 ANO-1991 ART-1 PAR-1 PAR-2 PAR-3 ART-18 (CAPUT) PAR-1 PAR-2 PAR-3 PAR-4 ART-12 ART-17 ART-20 PAR-ÚNICO ART-21 INC-1 INC-2 PAR-ÚNICO ART-22 ART-23 INC-1 LET-A LET-B INC-2 PAR-1 PAR-2 PAR-3 ART-24 PAR-1 PAR-2 ART-39 (CAPUT) PAR-3 PAR-1 PAR-1 LEG-FED RES-1805 ANO-1991 ART-3 (CMN) LEG-FED CIR-1948 ANO-1991 (BACEN) LEG-FED RES-1980 ANO-1993 ART-19 (CMN)
Votantes : Desembargador Federal José Maria Lucena Desembargador Federal Francisco Cavalcanti
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