TRF5 200183000165121
CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO - SFH. CONTRATO DE MÚTUO HABITACIONAL. REVISÃO.
1. Apelações interpostas pelos mutuários e pela CEF contra sentença proferida nos autos de ação ordinária de revisão de contrato de mútuo habitacional, firmado no âmbito do SFH.
2. O SFH foi criado com vistas a estimular a construção de habitações de interesse social e a possibilitar a aquisição da casa própria pelas classes da população que percebiam menor renda e que, portanto, não tinham condições de recorrer à iniciativa privada.
3. O SFH foi fundado no direito à moradia, agasalhado esse pela Constituição Federal como direito social, necessidade premente do trabalhador. Trata-se de reconhecer a habitação como direito inerente à condição humana, habitação como refúgio e como permissivo da inserção do indivíduo no convívio social. Consoante se apreende da evolução normativa da matéria, ao SFH se confere conotação nitidamente social (decorrente de sua finalidade), sendo a ele inerente o equilíbrio que deve permear a relação entre a renda do mutuário e as prestações do financiamento.
4. O princípio do pacta sunt servanda deve ser interpretado de forma harmônica com as outras normas jurídicas que integram o ordenamento, impondo-se o seu sopeso, inclusive e especialmente, diante do escopo do negócio jurídico ajustado.
5. Pretendem os mutuários, na literalidade do pedido, a conversão do Plano de Comprometimento de Renda - PCR (denominado "NOVO PES") pelo Plano de Equivalência Salarial por Categoria Profissional - PES/CP, o que não é possível sob pena de violação ao princípio do pacta sunt servanda, haja vista que os mutuários se comprometeram contratualmente sob a égide da Lei nº 8.692/93. De igual modo, na mesma linha, não é possível determinar outra forma de reajustamento da parcela relativa ao seguro. Precedente da Turma (AC nº 380841/PE, Rel. Des. Federal Hélio Ourem, j. em 17.08.2006, unânime). Apelação dos mutuários não provida nesses pontos.
6. Os mutuários pediram a modificação da sistemática de amortização/reajuste do saldo devedor. "A fórmula, segundo a qual corrige-se o saldo devedor majorando-o, para, após avultá-lo, deduzir a prestação devidamente quitada pelo mutuário, apresenta-se imprópria por não permitir zerar o saldo devedor e por transgredir ao escopo perseguido pelo Sistema Financeiro de Habitação, sob cuja égide se acha o contrato em tela. A operação razoável deve ser expressa inicialmente abatendo-se a prestação quitada, para depois corrigir o saldo devedor, conforme art. 6º, c, da lei 4380/64" (TRF5, Primeira Turma, AC 402054/PE, Rel. Des. Federal Francisco Wildo, j. em 01.03.2007, por maioria). Apelação dos mutuários que se acolhe nesse ponto.
7. Os mutuários postularam a limitação dos juros contratuais em 10%. Os juros (nominais e efetivos) restaram expressamente consignados no instrumento contratual, sendo definidos, respectivamente, em 11,3860% e 11,9990%, tendo sido respeitado o limite definido na Lei nº 8.692/93, que, em seu art. 25, estabeleceu o teto de 12% (o contrato é de 26.09.1994). Apelo dos mutuários a que também se nega provimento nesse tocante.
8. A CEF alegou a inocorrência do anatocismo, reconhecido na sentença. "A jurisprudência dos tribunais pátrios vem firmando o entendimento de que há capitalização dos juros na forma utilizada pela Tabela Price para amortização das prestações. 'A capitalização dos juros é proibida (Súmula 121/STJ), somente aceitável quando expressamente permitida em lei (Súmula 93/STJ), o que não acontece no SFH'. Precedente do STJ" (TRF5, Primeira Turma, AC nº 400982/CE, Rel. Des. Federal Francisco Wildo, j. em 14.12.2006). Apelação da CEF a que se nega provimento.
9. Buscam os mutuários, a repetição do que teriam pago a maior à instituição financeira, com dobre, de acordo com a regra encartada no parágrafo único, do art. 42, do CDC (Lei nº 8.078/90). Se é certo que aos contratos de financiamento firmados no âmbito do SFH se aplicam as regras do Código de Defesa do Consumidor (no STJ, ver o RESP 591110/BA, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, j. em 04.05.2004; e o RESP 756973/RS, Rel. Min. Castro Filho, j. em 27.03.2007), por outro lado, no caso em apreciação não estão configurados motivos suficientes à imposição do dobre, porquanto os procedimentos aplicados pela CEF são controversos na esfera judicial, não estando demonstradas má-fé ou intenção de fraude. O montante pago a maior deve ser dirigido à quitação das prestações em atraso, se houver, e, se ainda assim houver sobra, ao pagamento das prestações vincendas e à amortização do saldo devedor, nessa ordem, não havendo que se falar em restituição. Apelação dos mutuários não provida, nesse ponto.
10. Sucumbência recíproca.
11. Apelação da CEF não provida.
12. Apelação dos mutuários parcialmente provida.
(PROCESSO: 200183000165121, AC435915/PE, DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO CAVALCANTI, Primeira Turma, JULGAMENTO: 24/04/2008, PUBLICAÇÃO: DJ 29/05/2008 - Página 352)
Ementa
CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO - SFH. CONTRATO DE MÚTUO HABITACIONAL. REVISÃO.
1. Apelações interpostas pelos mutuários e pela CEF contra sentença proferida nos autos de ação ordinária de revisão de contrato de mútuo habitacional, firmado no âmbito do SFH.
2. O SFH foi criado com vistas a estimular a construção de habitações de interesse social e a possibilitar a aquisição da casa própria pelas classes da população que percebiam menor renda e que, portanto, não tinham condições de recorrer à iniciativa privada.
3. O SFH foi fundado no direito à moradia, agasalhado esse pela Constituição Federal como direito social, necessidade premente do trabalhador. Trata-se de reconhecer a habitação como direito inerente à condição humana, habitação como refúgio e como permissivo da inserção do indivíduo no convívio social. Consoante se apreende da evolução normativa da matéria, ao SFH se confere conotação nitidamente social (decorrente de sua finalidade), sendo a ele inerente o equilíbrio que deve permear a relação entre a renda do mutuário e as prestações do financiamento.
4. O princípio do pacta sunt servanda deve ser interpretado de forma harmônica com as outras normas jurídicas que integram o ordenamento, impondo-se o seu sopeso, inclusive e especialmente, diante do escopo do negócio jurídico ajustado.
5. Pretendem os mutuários, na literalidade do pedido, a conversão do Plano de Comprometimento de Renda - PCR (denominado "NOVO PES") pelo Plano de Equivalência Salarial por Categoria Profissional - PES/CP, o que não é possível sob pena de violação ao princípio do pacta sunt servanda, haja vista que os mutuários se comprometeram contratualmente sob a égide da Lei nº 8.692/93. De igual modo, na mesma linha, não é possível determinar outra forma de reajustamento da parcela relativa ao seguro. Precedente da Turma (AC nº 380841/PE, Rel. Des. Federal Hélio Ourem, j. em 17.08.2006, unânime). Apelação dos mutuários não provida nesses pontos.
6. Os mutuários pediram a modificação da sistemática de amortização/reajuste do saldo devedor. "A fórmula, segundo a qual corrige-se o saldo devedor majorando-o, para, após avultá-lo, deduzir a prestação devidamente quitada pelo mutuário, apresenta-se imprópria por não permitir zerar o saldo devedor e por transgredir ao escopo perseguido pelo Sistema Financeiro de Habitação, sob cuja égide se acha o contrato em tela. A operação razoável deve ser expressa inicialmente abatendo-se a prestação quitada, para depois corrigir o saldo devedor, conforme art. 6º, c, da lei 4380/64" (TRF5, Primeira Turma, AC 402054/PE, Rel. Des. Federal Francisco Wildo, j. em 01.03.2007, por maioria). Apelação dos mutuários que se acolhe nesse ponto.
7. Os mutuários postularam a limitação dos juros contratuais em 10%. Os juros (nominais e efetivos) restaram expressamente consignados no instrumento contratual, sendo definidos, respectivamente, em 11,3860% e 11,9990%, tendo sido respeitado o limite definido na Lei nº 8.692/93, que, em seu art. 25, estabeleceu o teto de 12% (o contrato é de 26.09.1994). Apelo dos mutuários a que também se nega provimento nesse tocante.
8. A CEF alegou a inocorrência do anatocismo, reconhecido na sentença. "A jurisprudência dos tribunais pátrios vem firmando o entendimento de que há capitalização dos juros na forma utilizada pela Tabela Price para amortização das prestações. 'A capitalização dos juros é proibida (Súmula 121/STJ), somente aceitável quando expressamente permitida em lei (Súmula 93/STJ), o que não acontece no SFH'. Precedente do STJ" (TRF5, Primeira Turma, AC nº 400982/CE, Rel. Des. Federal Francisco Wildo, j. em 14.12.2006). Apelação da CEF a que se nega provimento.
9. Buscam os mutuários, a repetição do que teriam pago a maior à instituição financeira, com dobre, de acordo com a regra encartada no parágrafo único, do art. 42, do CDC (Lei nº 8.078/90). Se é certo que aos contratos de financiamento firmados no âmbito do SFH se aplicam as regras do Código de Defesa do Consumidor (no STJ, ver o RESP 591110/BA, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, j. em 04.05.2004; e o RESP 756973/RS, Rel. Min. Castro Filho, j. em 27.03.2007), por outro lado, no caso em apreciação não estão configurados motivos suficientes à imposição do dobre, porquanto os procedimentos aplicados pela CEF são controversos na esfera judicial, não estando demonstradas má-fé ou intenção de fraude. O montante pago a maior deve ser dirigido à quitação das prestações em atraso, se houver, e, se ainda assim houver sobra, ao pagamento das prestações vincendas e à amortização do saldo devedor, nessa ordem, não havendo que se falar em restituição. Apelação dos mutuários não provida, nesse ponto.
10. Sucumbência recíproca.
11. Apelação da CEF não provida.
12. Apelação dos mutuários parcialmente provida.
(PROCESSO: 200183000165121, AC435915/PE, DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO CAVALCANTI, Primeira Turma, JULGAMENTO: 24/04/2008, PUBLICAÇÃO: DJ 29/05/2008 - Página 352)
Data do Julgamento
:
24/04/2008
Classe/Assunto
:
Apelação Civel - AC435915/PE
Órgão Julgador
:
Primeira Turma
Relator(a)
:
Desembargador Federal Francisco Cavalcanti
Comarca
:
Tribunal Regional Federal - 5ª Região
Código do documento
:
159554
PublicaÇÕes
:
Diário da Justiça (DJ) - 29/05/2008 - Página 352
DecisÃo
:
UNÂNIME
Veja tambÉm
:
AC 380841 / PE (TRF5)AC 402054 / PE (TRF5)AC 400982 / CE (TRF5)AC 316650 / PE (TRF5)AC 325566 / PB (TRF5)AC 383265 / PE (TRF5)
ReferÊncias legislativas
:
CPC-73 Código de Processo Civil LEG-FED LEI-5869 ANO-1973 ART-21
LEG-FED LEI-4380 ANO-1964 ART-6 LET-c ART-5 PAR-4
LEG-FED LEI-8692 ANO-1993 ART-25
LEG-FED SUM-121 (STJ)
LEG-FED SUM-93 (STJ)
CDC-90 Código de Defesa do Consumidor LEG-FED LEI-8078 ANO-1990 ART-42 PAR-ÚNICO
LEG-FED LEI-8177 ANO-1991 ART-18 PAR-1 PAR-2 PAR-3 PAR-4
LEG-FED DEL-19 ANO-1966 ART-1
LEG-FED DEL-2164 ANO-1984
LEG-FED SUM-295 (STJ)
Votantes
:
Desembargador Federal José Maria Lucena
Desembargador Federal Ubaldo Ataíde Cavalcante
Desembargador Federal Francisco Cavalcanti
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