TRF5 200184000107792
DIREITO INTERNACIONAL, COMUNITÁRIO E ADMINISTRATIVO. TRANSPORTE DE PRODUTOS PERIGOSOS. VEÍCULOS COMBINADOS. VEDAÇÃO DE CIRCULAÇÃO COM MAIS DE UM REBOQUE OU SEMI-REBOQUE. ACORDO DE ALCANCE PARCIAL PARA A FACILITAÇÃO DE TRANSPORTE DE PRODUTOS PERIGOSOS. APLICAÇÃO NO TRANSPORTE INTERNO. NÃO REVOGAÇÃO PELO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO NEM PELA RESOLUÇÃO N. 68/98 DO CONTRAN. APELAÇÃO DESPROVIDA.
1. O cerne da presente lide é analisar se a regra proibitiva instituída no art. 8o do Anexo I do Acordo de Alcance Parcial para a Facilitação de Transporte de Produtos Perigosos, subscrito por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, segundo a qual "em nenhum caso uma unidade de transporte carregada com produtos perigosos poderá circular com mais de um reboque ou semi-reboque", deve ser aplicada tanto no transporte internacional como no interno.
2. Os acordos de alcance parcial estão previstos no Tratado de Montevidéu de 1980, que criou a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), firmado pelo Brasil em 12.08.1980 e aprovado pelo Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo nº 66, de 16.11.1981.
3. O Acordo de Alcance Parcial para a Facilitação de Transporte de Produtos Perigosos, subscrito pelos países do MERCOSUL em 30.12.1994, somente foi incorporado ao direito brasileiro através do Decreto n. 1.797, de 25.01.1996, situando-se no mesmo plano hierárquico das leis ordinárias, consoante tradicional jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
4. Referido acordo foi firmado no propósito de colaborar com a integração político-sócio-econômica dos países do Mercosul, particularmente visando "estabelecer padrões mínimos de segurança para o intercâmbio desses produtos, qualquer que seja a modalidade de transporte utilizada", tendo em vista os "riscos para a saúde de pessoas, as vias e os equipamentos de transporte e o meio ambiente".
5. Ora, sendo esses os objetivos expressamente declarados pelos países signatários do acordo, não se revela lógico admitir o estabelecimento de duas normativas sobre o mesmo assunto (transporte de produtos perigosos), uma válida para o transporte interno e outra para o internacional. Afinal, no momento em que o Estado firma o compromisso perante outros membros da comunidade internacional de proteger "a saúde de pessoas, as vias e os equipamentos de transporte e o meio ambiente", não pode, por imperativo lógico e ético, definir um tratamento menos rigoroso para as empresas que geram tais riscos no âmbito exclusivo de seu território.
6. O direito internacional - e também o comunitário - não visa apenas a regular as relações bilaterais ou multilaterais entre os países. Objetiva também a uniformização das legislações internas, com o fito de estabelecer padrões mínimos de qualidade de vida para os cidadãos, em sua generalidade, independentemente da origem e nacionalidade.
7. Além disso, a padronização das legislações nacionais atende à necessidade de construção de um cenário que favoreça o equilíbrio concorrencial. É que a fixação de exigências de maior qualidade e segurança certamente agrega custos aos produtos comercializados. Se isso é feito unilateralmente por um determinado país, mais cioso de suas responsabilidades para com os cidadãos, inevitavelmente as mercadorias ali produzidas ficarão mais caras, perdendo competitividade no mercado internacional. A uniformização das legislações internas, desse modo, ao igualarem as exigências no âmbito do bloco regional, equalizam a concorrência, o que favorece o comércio internacional.
8. Portanto, em atenção aos elementos teleológico e sistemático da interpretação, o art. 8o do Anexo I do Acordo de Alcance Parcial para a Facilitação de Transporte de Produtos Perigosos também proíbe a circulação interna de unidades de transporte carregadas com produtos perigosos com mais de um reboque ou semi-reboque, isto é, independentemente de se destinarem ou não para o exterior.
9. Não há no Código de Trânsito Brasileiro - CTB (Lei n. 9.503/97) nenhum dispositivo que, de modo expresso ou mesmo implícito, preveja a possibilidade de uma unidade de transporte carregada com produtos perigosos circular com mais de um reboque ou semi-reboque, sendo descabido falar em revogação do art. 8o do Anexo I do Acordo de Alcance Parcial para a Facilitação de Transporte de Produtos Perigosos.
10. Os art. 97, 99 e 314 do CTB apenas conferem ao Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) a competência para expedir resoluções para regular as características dos veículos, suas especificações básicas, como peso e dimensões, configuração e condições essenciais para registro, licenciamento e circulação. Tais resoluções, porém, por serem normas infralegais, obviamente estão restritas à legalidade, ou seja, não podem contrariar disposições previstas em leis ou em atos equivalentes à lei, como os acordos internacionais.
11. Ao contrário, o próprio art. 314 do CTB deixa claro que a competência do CONTRAN para expedir resoluções deve dar "prioridade àquelas que visam a diminuir o número de acidentes e a assegurar a proteção de pedestres". Ora, invocar essa norma, como faz o apelante, com o objetivo de afastar a aplicação de uma regra que confere um nível maior de segurança às pessoas e ao meio ambiente significa ir de encontro à finalidade traçada pelo próprio legislador, o que não pode ser admitido.
12. Ademais, a Resolução n. 68/98 do CONTRAN, ao estabelecer, em seu art. 1o, que "as Combinações de Veículos de Carga - CVC, com duas ou mais unidades, incluída a unidade tratora, com peso bruto total acima dos fixados na Resolução nº 12/98 - CONTRAN, só deverão circular portando Autorização Especial de Trânsito - AET", cuida apenas de tratar genericamente da matéria, não dispondo especificamente sobre o transporte de produtos perigosos.
13. Nesse sentido, mesmo que a referida resolução tivesse força de lei, ainda assim não teria o condão de revogar o art. 8o do Anexo I do Acordo de Alcance Parcial para a Facilitação de Transporte de Produtos Perigosos, por ser a norma comunitária mais especial em relação à resolução, apesar de esta ser mais recente. Inteligência do art. 2o, parágrafo 2o, da Lei de Introdução ao Código Civil.
14. Por essas razões, o deferimento de Autorização Especial de Trânsito - AET, nos moldes da Resolução n. 68/98 do CONTRAN, não tem o condão de afastar a proibição de transporte de produtos perigosos em veículos com mais de um reboque ou semi-reboque, mesmo que o trajeto percorrido esteja inserido completamente em território nacional.
15. A certificação realizada pelo INMETRO prende-se apenas às condições de fabricação e segurança dos veículos e equipamentos utilizados para o transporte rodoviário de produtos perigosos, não se aferindo, nessa seara, o risco do uso de unidades combinadas nas rodovias, atribuição esta que refoge à competência da referida entidade.
16. Precedente deste Tribunal: AGTR 39970/RN, 3ª Turma, Rel. Des. Fed. Paulo Gadelha, publicado em 28/02/2005 NO DJU Nº 39, PG 576/ 625.
17. Apelação desprovida.
(PROCESSO: 200184000107792, AC346154/RN, DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO RESENDE MARTINS (CONVOCADO), Terceira Turma, JULGAMENTO: 03/09/2009, PUBLICAÇÃO: DJE 24/09/2009 - Página 502)
Ementa
DIREITO INTERNACIONAL, COMUNITÁRIO E ADMINISTRATIVO. TRANSPORTE DE PRODUTOS PERIGOSOS. VEÍCULOS COMBINADOS. VEDAÇÃO DE CIRCULAÇÃO COM MAIS DE UM REBOQUE OU SEMI-REBOQUE. ACORDO DE ALCANCE PARCIAL PARA A FACILITAÇÃO DE TRANSPORTE DE PRODUTOS PERIGOSOS. APLICAÇÃO NO TRANSPORTE INTERNO. NÃO REVOGAÇÃO PELO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO NEM PELA RESOLUÇÃO N. 68/98 DO CONTRAN. APELAÇÃO DESPROVIDA.
1. O cerne da presente lide é analisar se a regra proibitiva instituída no art. 8o do Anexo I do Acordo de Alcance Parcial para a Facilitação de Transporte de Produtos Perigosos, subscrito por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, segundo a qual "em nenhum caso uma unidade de transporte carregada com produtos perigosos poderá circular com mais de um reboque ou semi-reboque", deve ser aplicada tanto no transporte internacional como no interno.
2. Os acordos de alcance parcial estão previstos no Tratado de Montevidéu de 1980, que criou a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), firmado pelo Brasil em 12.08.1980 e aprovado pelo Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo nº 66, de 16.11.1981.
3. O Acordo de Alcance Parcial para a Facilitação de Transporte de Produtos Perigosos, subscrito pelos países do MERCOSUL em 30.12.1994, somente foi incorporado ao direito brasileiro através do Decreto n. 1.797, de 25.01.1996, situando-se no mesmo plano hierárquico das leis ordinárias, consoante tradicional jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
4. Referido acordo foi firmado no propósito de colaborar com a integração político-sócio-econômica dos países do Mercosul, particularmente visando "estabelecer padrões mínimos de segurança para o intercâmbio desses produtos, qualquer que seja a modalidade de transporte utilizada", tendo em vista os "riscos para a saúde de pessoas, as vias e os equipamentos de transporte e o meio ambiente".
5. Ora, sendo esses os objetivos expressamente declarados pelos países signatários do acordo, não se revela lógico admitir o estabelecimento de duas normativas sobre o mesmo assunto (transporte de produtos perigosos), uma válida para o transporte interno e outra para o internacional. Afinal, no momento em que o Estado firma o compromisso perante outros membros da comunidade internacional de proteger "a saúde de pessoas, as vias e os equipamentos de transporte e o meio ambiente", não pode, por imperativo lógico e ético, definir um tratamento menos rigoroso para as empresas que geram tais riscos no âmbito exclusivo de seu território.
6. O direito internacional - e também o comunitário - não visa apenas a regular as relações bilaterais ou multilaterais entre os países. Objetiva também a uniformização das legislações internas, com o fito de estabelecer padrões mínimos de qualidade de vida para os cidadãos, em sua generalidade, independentemente da origem e nacionalidade.
7. Além disso, a padronização das legislações nacionais atende à necessidade de construção de um cenário que favoreça o equilíbrio concorrencial. É que a fixação de exigências de maior qualidade e segurança certamente agrega custos aos produtos comercializados. Se isso é feito unilateralmente por um determinado país, mais cioso de suas responsabilidades para com os cidadãos, inevitavelmente as mercadorias ali produzidas ficarão mais caras, perdendo competitividade no mercado internacional. A uniformização das legislações internas, desse modo, ao igualarem as exigências no âmbito do bloco regional, equalizam a concorrência, o que favorece o comércio internacional.
8. Portanto, em atenção aos elementos teleológico e sistemático da interpretação, o art. 8o do Anexo I do Acordo de Alcance Parcial para a Facilitação de Transporte de Produtos Perigosos também proíbe a circulação interna de unidades de transporte carregadas com produtos perigosos com mais de um reboque ou semi-reboque, isto é, independentemente de se destinarem ou não para o exterior.
9. Não há no Código de Trânsito Brasileiro - CTB (Lei n. 9.503/97) nenhum dispositivo que, de modo expresso ou mesmo implícito, preveja a possibilidade de uma unidade de transporte carregada com produtos perigosos circular com mais de um reboque ou semi-reboque, sendo descabido falar em revogação do art. 8o do Anexo I do Acordo de Alcance Parcial para a Facilitação de Transporte de Produtos Perigosos.
10. Os art. 97, 99 e 314 do CTB apenas conferem ao Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) a competência para expedir resoluções para regular as características dos veículos, suas especificações básicas, como peso e dimensões, configuração e condições essenciais para registro, licenciamento e circulação. Tais resoluções, porém, por serem normas infralegais, obviamente estão restritas à legalidade, ou seja, não podem contrariar disposições previstas em leis ou em atos equivalentes à lei, como os acordos internacionais.
11. Ao contrário, o próprio art. 314 do CTB deixa claro que a competência do CONTRAN para expedir resoluções deve dar "prioridade àquelas que visam a diminuir o número de acidentes e a assegurar a proteção de pedestres". Ora, invocar essa norma, como faz o apelante, com o objetivo de afastar a aplicação de uma regra que confere um nível maior de segurança às pessoas e ao meio ambiente significa ir de encontro à finalidade traçada pelo próprio legislador, o que não pode ser admitido.
12. Ademais, a Resolução n. 68/98 do CONTRAN, ao estabelecer, em seu art. 1o, que "as Combinações de Veículos de Carga - CVC, com duas ou mais unidades, incluída a unidade tratora, com peso bruto total acima dos fixados na Resolução nº 12/98 - CONTRAN, só deverão circular portando Autorização Especial de Trânsito - AET", cuida apenas de tratar genericamente da matéria, não dispondo especificamente sobre o transporte de produtos perigosos.
13. Nesse sentido, mesmo que a referida resolução tivesse força de lei, ainda assim não teria o condão de revogar o art. 8o do Anexo I do Acordo de Alcance Parcial para a Facilitação de Transporte de Produtos Perigosos, por ser a norma comunitária mais especial em relação à resolução, apesar de esta ser mais recente. Inteligência do art. 2o, parágrafo 2o, da Lei de Introdução ao Código Civil.
14. Por essas razões, o deferimento de Autorização Especial de Trânsito - AET, nos moldes da Resolução n. 68/98 do CONTRAN, não tem o condão de afastar a proibição de transporte de produtos perigosos em veículos com mais de um reboque ou semi-reboque, mesmo que o trajeto percorrido esteja inserido completamente em território nacional.
15. A certificação realizada pelo INMETRO prende-se apenas às condições de fabricação e segurança dos veículos e equipamentos utilizados para o transporte rodoviário de produtos perigosos, não se aferindo, nessa seara, o risco do uso de unidades combinadas nas rodovias, atribuição esta que refoge à competência da referida entidade.
16. Precedente deste Tribunal: AGTR 39970/RN, 3ª Turma, Rel. Des. Fed. Paulo Gadelha, publicado em 28/02/2005 NO DJU Nº 39, PG 576/ 625.
17. Apelação desprovida.
(PROCESSO: 200184000107792, AC346154/RN, DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO RESENDE MARTINS (CONVOCADO), Terceira Turma, JULGAMENTO: 03/09/2009, PUBLICAÇÃO: DJE 24/09/2009 - Página 502)
Data do Julgamento
:
03/09/2009
Classe/Assunto
:
Apelação Civel - AC346154/RN
Órgão Julgador
:
Terceira Turma
Relator(a)
:
Desembargador Federal Leonardo Resende Martins (Convocado)
Comarca
:
Tribunal Regional Federal - 5ª Região
Código do documento
:
199849
PublicaÇÕes
:
Diário da Justiça Eletrônico TRF5 (DJE) - 24/09/2009 - Página 502
DecisÃo
:
UNÂNIME
Veja tambÉm
:
ADI-MC 1480 (STF)AG 39970/RN (TRF5)
ReferÊncias legislativas
:
LEG-FED DEC-96044 ANO-1988
LEG-FED RES-68 ANO-1998 (CONTRAN)
LEG-FED DEL-66 ANO-1981
LEG-FED DEC-1797 ANO-1996
LEG-FED LEI-9503 ANO-1997 ART-97 ART-99 PAR-1 PAR-2 PAR-3 ART-314 PAR-UNICO
LEG-FED RES-12 ANO-1998 (CONTRAN)
LICC-42 Lei de Introdução ao Codigo Civil LEG-FED DEL-4657 ANO-1942 ART-2 PAR-2
Votantes
:
Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima
Desembargador Federal Vladimir Carvalho
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