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Jurisprudência


TRF5 200282000045890

Ementa
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO ORDINÁRIA. EDIFICAÇÃO NAS PROXIMIDADES DE AERÓDROMO. RESTRIÇÕES ESPECIAIS. PRÉDIO SITUADO FORA DO TRAÇADO DO CONE DE VOO DE ACORDO COM A PLANTA FORNECIDA PELO AEROCLUBE À PREFEITURA. AUSÊNCIA DE PLANO BÁSICO DE ZONA DE PROTEÇÃO DE AERÓDROMO REFERENTE AO AEROCLUBE DA PARAÍBA ANTERIOR À LICENÇA. LEGALIDADE DO ALVARÁ DE CONSTRUÇÃO. PROVA PERICIAL. DISSONÂNCIA ENTRE A PLANTA DO CONE DE VOO DO AEROCLUBE E A PORTARIA 1.141/GM5/87 DO ENTÃO MINISTÉRIO DA AERONÁUTICA. CONSTATAÇÃO DE QUE A EDIFICAÇÃO EXCEDE O GABARITO EM DOIS PAVIMENTOS. PONDERAÇÃO DE VALORES. OBRA CONCLUÍDA E HABITADA DESDE MARÇO/2004. PARTICULARIDADES DO CASO CONCRETO. AUSÊNCIA DE RAZOABILIDADE E DE PROPORCIONALIDADE NA DEMOLIÇÃO PARCIAL DO PRÉDIO. APELAÇÕES PROVIDAS. 1. Trata-se de apelações interpostas por 48 litisconsortes passivos necessários e pela construtora contra sentença que, nos autos de Ação Cominatória ajuizada pela União contra a Construtora Mashia Ltda e o Município de João Pessoa/PB, julgou parcialmente procedente o pedido autoral, para declarar a nulidade do alvará de licença de construção do Edifício Ami Tai Residence e determinar a demolição de dois dos doze pavimentos da edificação. 2. Dispõe o Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei 7.565/86) que as propriedades vizinhas dos aeródromos estão sujeitas a restrições especiais, no que diz respeito a edificações (art. 43). Tais restrições devem ser especificadas pela autoridade aeronáutica, mediante quatro tipos de planos: Plano Básico de Zona de Proteção de Aeródromos; Plano de Zoneamento de Ruído; Plano Básico de Zona de Proteção de Helipontos; e Planos de Zona de Proteção e Auxílios à Navegação Aérea (art. 44). Prevê, também, que podem ser aplicados Planos Específicos a cada aeródromo, de acordo com as conveniências e peculiaridades de proteção ao voo (art. 44, parágrafo 1°) e que as Administrações Públicas devem compatibilizar o zoneamento do uso do solo, nas áreas vizinhas aos aeródromos, às restrições especiais, constantes dos Planos Básicos e Específicos (art. 44, parágrafo 4°). 3. Com base nestes parâmetros, foi editada a Portaria 1.141/GM5, de 08/12/87, aprovada pelo então Ministério da Aeronáutica, dispondo sobre as Zonas de Proteção e os quatro planos mencionados. 4. Conforme já decidiu este Tribunal, por ocasião do julgamento sobre a legalidade da licença concedida pela Prefeitura do Recife para a construção de prédios em 'vizinhança' de bens tombados no Bairro de São José, "ainda que se dê ao vocábulo 'vizinhança' um significado mais largo, a lógica recomenda que se imponham limites físicos e objetivos às áreas demarcadas, sob pena de se cair na falácia de se considerar que todo e qualquer bem localizado nas proximidades da coisa tombada seja alcançado por aquele conceito e, em consequência pelos efeitos do tombamento" (AC 439086-PE, julg. em 12.08.08). Tais limites, portanto, devem estar previstos em um mapa. 5. No caso específico de construções em vizinhança de aeródromo, necessário se faz observar também a altura da edificação, considerando que o art. 79 da Portaria 1.141/GM5 dispensa expressamente a autorização do Comando Aéreo Regional quando respeitado o gabarito de altura permitido. 6. Da análise dos autos verifica-se que a Prefeitura de João Pessoa autorizou a construção do edifício com base em Planta do Cone de Voo fornecida pelo Aeroclube, devidamente assinada e protocolada na Prefeitura em 17/08/89 (sob o nº 1683/89 - fls.327 da Cautelar- AC 383334), ou seja, em data posterior à edição da Portaria 1.141/GM5, e que era o único dado técnico de que dispunha para aprovação do gabarito de altura dos projetos de edificações no entorno do aeroclube (fls.496 e 498). 7. De acordo com a referida Planta, constata-se que o prédio se encontra fora do limite do traçado do cone de voo e que a parte que tangencia o referido traçado respeita a altura permitida, conforme atestou a Prefeitura (fls. 31), dispensando, portanto, a autorização do Comando Aéreo Regional. Registre-se que a construção utiliza 03 terrenos remembrados (lotes 163, 177 e 193 da Quadra 469 do Loteamento Oceania IV) e que a parte mais alta da edificação se situa no lote mais distante em relação ao Aeroclube. 8. Entretanto, o Comandante do II COMAR afirma que "a Prefeitura de João Pessoa baseou-se numa planta do Aeródromo que não corresponde à realidade, pois, segundo consta, classificou a PISTA como Categoria 1, cujas medidas na Área de Transição seriam menores, razão pela qual a Construtora Mashia Ltda. afirma que a lâmina de edificação composta de vinte andares [altura inicial] está fora do limite traçado pelo cone de vôo." (Ofício n. 112/AJUR-2/2547, de 25/06/02 - fls. 282). 9. Contudo, a planta na qual a Prefeitura se baseou não foi por esta elaborada, tratando-se de planta de propriedade do Aeroclube da Paraíba, fornecida à Prefeitura posteriormente à Portaria 1.141/GM5. Não há prova nos autos de que, antes da construção do edifício questionado, o II COMAR tenha elaborado um Plano Básico de Zona de Proteção de Aeródromo, referente ao Aeroclube da Paraíba. O Plano Básico de fls. 485, do II COMAR, é datado de 12/11/04, sendo posterior à autorização da construção pela Prefeitura, não havendo, portanto, ilegalidade na concessão do alvará. 10. Mesmo não tendo havido ilegalidade, a perícia realizada nos autos, constatou que, de fato, o edifício se situa na Área de Transição do Plano Básico de Zona de Proteção do Aeroclube da Paraíba (excedendo o gabarito permitido a partir do 11º pavimento), assim como o edifício Residencial Sangallo, vizinho ao prédio em análise (fls. 326/341), estando o mapa do Aeroclube em desacordo com a Portaria 1.141/GM5, embora fosse posterior a ela. 11. Tal constatação conduz a uma outra discussão, qual seja, se, mesmo sendo formalmente válido o alvará, a situação de fato existente, em desacordo com o novo Plano Básico de Proteção (elaborado com base em norma de ordem pública), impõe necessariamente a demolição dos dois pavimentos excedentes. 12. Diante do caso concreto e de suas particularidades, deve-se aplicar a ponderação de valores, técnica de decisão pela qual se solucionam conflitos para os quais as fórmulas hermenêuticas tradicionais se mostram insuficientes. 13. A Lei de Introdução ao Código Civil estabelece que "na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum" e que "quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito." (Decreto-Lei n. 4.657/42, arts. 5º e 4º, respectivamente). 14. Dispõe o parágrafo 2º do art. 182 da CF/88 que "a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor”. 15. A Lei 10.257/2001, denominada Estatuto da Cidade, regulamentou os artigos 182 e 183 da CF/88, estabelecendo as diretrizes gerais a serem observadas pelo Poder Público Municipal na elaboração de seu Plano Diretor, que "é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana" (CF, art. 182, parágrafo 1º). Entre outras diretrizes previstas no Estatuto da Cidade, tem-se a que determina o planejamento do desenvolvimento das cidades, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano (art. 2º, inciso IV). 16. O bairro onde se acha inserido o Aeroclube sofreu forte crescimento urbano, havendo inúmeros prédios nas imediações do aeródromo, conforme demonstram as fotos de fls. 90/99, bem como as que podem ser conferidas no site do Aeroclube, que mostram a ocupação do bairro em 1986 e nos dias atuais. 17. A Lei Complementar nº 54, de 23/12/08, aprovada pela Câmara Municipal de João Pessoa, que dispôs sobre a adequação do Plano Diretor do Município (Lei Complementar nº 03, de 30/12/92) às diretrizes e instrumentos para gestão urbana instituídos pelo Estatuto da Cidade, previu expressamente a alteração de uso e ocupação da área do Aeroclube: "Art. 13. Ficam acrescidos os incisos I, II, III, IV ao parágrafo único do artigo 23 da Lei Complementar nº 03/92: (...) IV - A alteração de uso e ocupação da área do Aeroclube, no bairro do Aeroclube, fica condicionada à reserva de um percentual de 75% da área total para criação de um Parque e a área remanescente, 25% da área total, poderá ser utilizada para fins exclusivamente residenciais." 18. Posteriormente, foi editada a Lei Municipal 11.854, de 10/01/10, que autorizou o Poder Executivo Municipal a delimitar o Parque Linear Urbano - Parque Parahyba -, como Zona de Preservação Ambiental e de Proteção Paisagística, lei contra a qual o Aeroclube da Paraíba se insurgiu no Mandado de Segurança n. 0002566-32.2010.4.05.8200, impetrado na Justiça Federal da Paraíba, por ter incluído o terreno do Aeroclube como parte integrante do Parque. 19. Destacam-se algumas considerações, que, embora não constituam o fundamento do presente julgado, merecem alguma reflexão: (a) apesar da construção ter sido embargada pela Justiça Federal quando se encontrava na 11ª laje (cf. certidão do Oficial de Justiça de fls. 85v, AC383334), prosseguiu autorizada por liminares, a exemplo da que foi deferida no Mandado de Segurança nº 81357, impetrado por terceiro interessado, o que permitiu a continuidade da obra (fls.179/184), encontrando-se concluída e habitada por 60 famílias (cinco apartamentos por andar), desde março de 2004, data do "habite-se"; (b) a Ação Popular nº 0005600-93.2002.4.05.8200, ajuizada por particular contra a União, o Comandante do II COMAR, o Município de João Pessoa, a Secretaria de Controle Urbano da Prefeitura de João Pessoa e o Aeroclube da Paraíba (que consta por cópia às fls. 70/87), objetivando a declaração de nulidade de todos os alvarás de construção expedidos pela Prefeitura aos prédios da vizinhança do Aeroclube, sentenciada em 02/09/10, determinou a demolição parcial de 19 edificações, inclusive em relação ao prédio em questão, matéria amplamente noticiada pela imprensa (não obstante a referida sentença não seja objeto da presente apelação), não há dúvida que o mesmo prédio é objeto de ambos os feitos, não podendo o julgador, nos dias atuais, deixar de ponderar as repercussões econômicas e sociais de suas decisões); (c) embora não se possa afirmar categoricamente a inviabilidade técnica da demolição parcial de um prédio, é possível deduzir que a eventual destruição de dois dos doze pavimentos do prédio em questão afetaria todas as famílias que nele residem, sessenta ao todo (somente no prédio de que trata este feito), por envolver elementos de áreas comuns, tais como, casa de máquinas dos elevadores, caixa d'água, sistema elétrico e hidráulico, sendo imensuráveis os prejuízos e transtornos para os adquirentes dos apartamentos que, de boa-fé, ali investiram suas economias; (d) o mapeamento da frequência de pousos e decolagens no Aeroclube da Paraíba realizado pela perícia (fls. 370), demonstra que o referido aeródromo comporta pouco ou insignificante movimento. 20. Não se pode deixar de considerar o risco à segurança das operações aéreas indicado no laudo pericial (fls.326/341). Todavia, não é a demolição dos dois andares (tema que se discute nestes autos) que irá resolver o problema do aeroclube, incrustado em área urbana e densamente povoada. Não é razoável, nem proporcional que se destrua parcialmente um dos mais importantes bairros da capital paraibana, em razão do aeródromo, cuja finalidade educativa e de lazer não se discute, mas cujas atividades podem sofrer restrições, a cargo da autoridade aeronáutica (órgão da estrutura da autora), de modo a que seja assegurada a segurança dos usuários da entidade associativa e dos moradores dos bairros circunvizinhos. 21. Não cabe ao Judiciário, neste feito, substituir-se ao administrador, indicando quais seriam essas medidas protetivas: a sinalização do prédio como "obstáculo" (como aviltrado pelos apelantes); a redução física da pista para 800 metros (como estaria averbado na prefeitura); a autorização para operar nos parâmetros de uma pista de "categoria 1"; ou mesmo a elaboração de um plano específico, levando em conta as conveniências e peculiaridades da proteção ao voo, em área verticalmente habitada. Ou seja, compete ao Comando Aéreo Regional a adoção da providência que melhor assegurar a segurança dos pousos e decolagens, dentro de seu juízo de conveniência e oportunidade, atendo-se à situação fática existente na localidade. 22. Malfere a razoabilidade e a proporcionalidade a medida extrema da demolição, sobretudo considerando que o Plano Diretor de João Pessoa já sinaliza a mudança de local do Aeroclube. 23. Diante das peculiaridades e graves circunstâncias do caso concreto sob o ponto de vista social (envolvendo a coletividade vizinha do aeródromo em questão) e das graves e desproporcionais consequências sociais da solução almejada na inicial, o juízo de ponderação ora realizado, em atenção ao princípio da racionalidade na atuação judicial, imprescindível no exame dos chamados "hard cases", é a solução que, de forma mínima, compatibiliza os interesses jurídicos em jogo sem o sacrifício indevido do bem social comum para atendimento de interesses (dos usuários do aeródromo de instrução e lazer), de menor importância social. 24. Apelações providas para julgar improcedente a demanda, invertendo-se a sucumbência. (PROCESSO: 200282000045890, AC423441/PB, DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA, Primeira Turma, JULGAMENTO: 07/10/2010, PUBLICAÇÃO: DJE 14/10/2010 - Página 160)

Data do Julgamento : 07/10/2010
Classe/Assunto : Apelação Civel - AC423441/PB
Órgão Julgador : Primeira Turma
Relator(a) : Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira
Comarca : Tribunal Regional Federal - 5ª Região
Código do documento : 242706
PublicaÇÕes : Diário da Justiça Eletrônico TRF5 (DJE) - 14/10/2010 - Página 160
DecisÃo : UNÂNIME
Veja tambÉm : AC 439086/PE (TRF5)HC 73662/MG (STF)AC 383334MS 81357
Doutrinas : Obra: Alguns parâmetros normativos para a ponderação constitucional Autor: BARCELLOS, Ana Paula de
Obraautor: : A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas, 3ª ed. revista, Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 59/60 e 92 BARROSO, Luís Roberto (organizador)
ReferÊncias legislativas : CPC-73 Código de Processo Civil LEG-FED LEI-5869 ANO-1973 ART-20 PAR-3 LEG-MUN LEM-11854 ANO-2010 (JOÃO PESSOA/PB) LEG-FED LEI-7565 ANO-1986 ART-43 ART-44 PAR-1 PAR-4 LEG-FED PRT-1441 ANO-1987 ART-79 (GM5) LICC-42 Lei de Introdução ao Codigo Civil LEG-FED DEL-4657 ANO-1942 ART-4 ART-5 CF-88 Constituição Federal de 1988 ART-182 PAR-1 PAR-2 ART-183 LEG-FED LEI-10257 ANO-2001 ART-2 INC-4 LEG-MUN LCP-54 ANO-2008 ART-13 INC-4 (JOÃO PESSOA/PB) LEG-MUN LCP-3 ANO-1992 ART-23 INC-1 INC-2 INC-3 INC-4 (JOÃO PESSOA/PB)
Votantes : Desembargador Federal José Maria Lucena Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira
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