TRF5 200383000199115
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI N. 8.429/92. CARACTERIZAÇÃO DE ATO ÍMPROBO. DEVER DE AGIR DE OFÍCIO. OMISSÃO. CONHECIMENTO DE IRREGULARIDADES NA EXECUÇÃO DE CONTRATO ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE APURAÇÃO E RESPONSABILIZAÇÃO. SANÇÃO. REDIMENSIONAMENTO. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO.
1. Apelação interposta contra sentença de procedência do pedido de ação civil pública por improbidade administrativa, por configuração da hipótese do art. 11, II, da Lei n. 8.429/92, com condenação do réu (com base no art. 12, III, da Lei n. 8.429/92) nas penas de: a) ressarcimento integral do dano de R$89.888,75; b) suspensão dos direitos políticos por 3 anos; c) pagamento de multa civil no valor da remuneração percebida no mês anterior ao da sua aposentadoria, quantia monetariamente atualizada; d) proibição de contratar, por 3 anos, com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário.
2. Não há que se falar em inépcia, se os fatos estão coerentemente narrados na petição inicial, permitindo o exercício do direito de defesa do réu. O fato de o Parquet invocar os arts. 10 e 11, da Lei n. 8.429/92, não produz qualquer incerteza quanto ao enquadramento da conduta tida por ímproba, nem vício capaz de macular a exordial, consistindo apenas em fundamentação para postulação de cunho alternativo, plenamente admitido pelo ordenamento jurídico. Ademais, aqui também vale a ideia de que a parte ré deve se defender dos fatos, cabendo ao juiz dizer o direito. Rejeição da preliminar de inépcia.
3. Não se configurou cerceamento de defesa, porquanto o réu foi devidamente intimado a indicar as provas que pretendia produzir, peticionando nos autos a respeito e promovendo ampla juntada de documentação. Posteriormente, é certo, o Juízo a quo entendeu desnecessária a realização de audiência para a produção de prova oral, igualmente tendo sido, o réu, intimado dessa manifestação, mas não tendo interposto qualquer recurso contra ela. Rejeição da preliminar de cerceamento de defesa.
4. Segundo a Lei n. 8.429/92, as ações para a punição de improbidade administrativa prescrevem em 5 anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança (art. 23, I). Como o réu deixou o cargo em 2001 e a ação foi ajuizada em 2003, não há que se falar em prescrição. Rejeição da prejudicial de mérito.
5. O Parquet, no fundamental, acusa o réu de ato ímprobo, consistente em "retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício" (art. 11, II, da Lei n. 8.429/92), tendo em conta que o então agente público, a despeito de informado de várias irregularidades na execução de contrato administrativo de recuperação parcial de infra-estrutura de perímetro irrigado (obra não executada integralmente, a despeito do pagamento do valor total do ajuste), não teria determinado a apuração e a punição dos responsáveis.
6. Fatos comprovados nos autos, por documentação hábil:
a. em 30.12.96, foi celebrado contrato entre a construtora e o DNOCS, para fins de recuperação parcial de infra-estrutura de perímetro irrigado situado no Município de Serra Talhada (f. 130);
b. em 03.01.97, os serviços correspondentes ao contrato foram iniciados (fl. 130);
c. em 23.05.97, cooperativa agrícola denunciou ao DNOCS o abandono da obra pela empreiteira, sem conclusão e sem repasse ao ente cooperativo dos valores alusivos à recuperação das cercas de contorno, serviço que teria sido sub-empreitado à cooperativa (fl. 14) - a denúncia deu ensejo ao Processo nº 02200.001764/97;
d. em 03.06.97, o processo com a denúncia foi encaminhado à Diretoria Regional, "para conhecimento e providências", tendo sido recebido e despachado em 05.06.97, pelo então Diretor Regional, o ora réu, que se limitou, na ocasião, a ordenar a juntada das explicações da empreiteira (fl. 15);
e. em 05.06.97, a empreiteira apresentou explicações sobre as denúncias, recebidas na Diretoria Regional em 06.06.97 (fls. 17/18) - autuadas como Processo nº 02250.000390/97;
f. em 12.06.97, foi encaminhado à Diretoria Regional em questão relatório sobre a execução contratual, com afirmação de discrepâncias (algumas a maior, outras a menor) entre o quantitativo programado e o executado efetivamente, bem como de incompletude dos serviços e de que alguns desses não seriam satisfatórios em termos de qualidade (fls. 49/53);
g. em 20.06.97, realizou-se reunião na qual se deliberou que os "serviços inconclusos em diversos perímetros [...] serão solucionados através de gestões do diretor da 3ª DR [exatamente o ora réu] junto aos representantes das empresas responsáveis" (fl. 54);
h. em 14.07.97, foi realizada vistoria, tendo sido constatado o pagamento de 100% do contrato, mas com a observação de que apenas 56% teria sido realmente executado, além de se registrar a péssima qualidade dos serviços, especialmente pelo fato de a construtora não ter recuperado "várias trincas", motivando "vazamentos", "pondo em risco os aterros e consequentemente as placas do canal". No mesmo relatório, pediu-se ao Diretor Regional (o ora réu) intervenção junto à empreiteira para que ela completasse o serviço, sublinhando-se, inclusive, a falta de fiscalização da Diretoria como causa da não conclusão dos serviços - autuação como Processo nº 02250.000475/97 (fls. 29 e 31/33);
i. em 22.10.97, foi realizada nova verificação dos serviços executados pela empreiteira e, mais uma vez, foram salientadas inúmeras irregularidades, a exemplo das seguintes: registros e linígrafo constantes da planilha e não colocados; não aplicação do betume ajustado; imprestabilidade do tratamento feito para a recuperação de fissuras; inexecução quanto à rede de drenagem; ausência de desobstrução e limpeza de bueiros; defeitos na recuperação dos pontilhões (fls. 21/23). De se acrescer que tal relatório foi encaminhado ao Diretor Regional, em 13.11.97, com a conclusão de necessidade de convocação da empreiteira a completar a execução dos serviços faltantes, orçados em R$17.461,26 (fl. 56);
j. os processos administrativos antes referenciados apenas foram novamente movimentados em 2003.
7. A despeito de todas as irregularidades dadas a conhecer ao então Diretor Regional do DNOCS, ora réu, não levou ele a efeito quaisquer providências administrativas dirigidas à imposição à empreiteira da obrigação de completar as obras, bem como não levou adiante medidas destinadas à punição dos responsáveis pelo comprovado inadimplemento contratual, no que, a toda evidência, configura a hipótese do art. 11, II, da Lei n. 8429/92: "retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício".
8. Não é correta a tese sustentada pelo apelante, de que não tinha competência para apurar ou responsabilizar, pois tal providência cabia à Direção Geral da autarquia. O Regimento Interno do DNOCS e o decreto de estruturação, vigentes quando da ocorrência dos fatos considerados, caracterizavam a Direção Geral como órgão de planejamento, orientação, coordenação, apoio, direção, definidor de diretrizes e normas, ao passo que atribuíam à Direção Regional a condição de órgão de execução, o que engloba, inequivocamente, as funções de acompanhamento, de fiscalização e de apuração e punição de irregularidades. "Às Diretorias Regionais, órgãos executivos do DNOCS, compete, em articulação com a Diretoria Geral, [...], bem como a implantação, operação e desenvolvimento de serviços e obras, dentro de sua área de atuação" (art. 14, do Decreto nº 73.159/73; art. 89, do RI de 1975). Segundo o RI (art. 172), ainda, compete ao Diretor Regional autorizar o pagamento de despesas (o que pressupõe a verificação das condições que o fazem legítimo) e a propositura ao Diretor Geral de aplicação de penalidades que excedam a sua alçada (sendo certo, pois, que deveria aplicar as que estivessem no seu âmbito de competência, como no caso de contratos administrativos não cumpridos relativos a obras ou serviços desenvolvidos em seu campo territorial de atuação).
9. O então Diretor Regional, ora réu, além de não ter dado andamento à apuração, sequer determinou o encaminhamento dos documentos pertinentes à Direção Geral, omitindo-se efetivamente, no exercício do seu dever funcional, não se podendo olvidar ter ele recebido incumbência, em reunião cuja ata está nos autos, de intervir junto à empreiteira para fins de integralização dos serviços contratados (se não tinha competência, passou a ter por delegação, o que também era permitido pelo art. 9o, j, do Decreto nº 73.159/73). Além de não haver prova de que tenha promovido qualquer cobrança ou contato com a contratada inadimplente, sequer há qualquer demonstração de que tenha relatado aos superiores a persistência do descumprimento. Não é crível a ideia de que o réu teria "suposto" o envio dos autos à Direção Geral, se tal não ordenou.
10. "A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa" (art. 143, da Lei n. 8.112/90, incidente in casu, em se tratando, o réu, de servidor público civil federal).
11. É certo que o processo administrativo com a denúncia permaneceu parado de 1997 a 2003, ao passo que o réu ficou na instituição como Diretor Regional de 93 a 2001, de sorte que, pelo menos, 2 anos se passaram na mesma situação de paralisação, tempo esse (2001-2003) que não pode ser imputado ao ora réu, cabendo às autoridades competentes a responsabilização de terceiros por essa inação. Isso, contudo, não apaga a responsabilidade do réu em relação ao período de 97 a 2001 (cerca de 4 anos).
12. A inexecução do contrato administrativo foi devidamente comprovada. Além dos relatórios ressaltados no item 6 desta ementa, merecem referência dois outros documentos: a) de 21.03.2003 é manifestação de que "podemos afirmar que não houve nos projetos de irrigação, desde aquela época, a conclusão dos serviços que foram identificados [...]" (fls. 26/28); b) perícia realizada no Processo nº 2003.83.00.019910-3 (ação ajuizada pelo Parquet contra a construtora empreiteira pelos mesmos fatos telados), na qual se diz que "a obra atingiu um percentual de execução da ordem de 80%", ou seja, não foi completada, confirmando-se as irregularidades noticiadas desde 1997 (fl. 612).
13. O réu se apega no fato de ter sido constatado, em perícia, que a construtora, a despeito de parcialmente inadimplente, teria, em outra parte, realizado mais do que o contratado, do que resultaria um saldo em favor da construtora de cerca de R$5.000,00, exatamente pelo plus realizado. Ocorre que a irregularidade está exatamente no descumprimento contratual, pouco importando que a empreiteira tenha realizado, por sua conta e risco, sem subscrição de aditivo contratual, nos moldes legais, serviços adicionais. A perícia invocada pelo próprio réu, ao invés de impedir conclusão pela inadimplência, confirma essa e, portanto, ratifica a existência de irregularidade não punida, nem apurada. Mesmo que se fizesse um "encontro de saldos", confrontando-se os R$5.000,00 com os quase R$18.000,00 referidos à época dos fatos como débito da construtora (o mesmo perito que informa saldo, destaca também débito avaliado em R$18.494,00), ter-se-ia evidenciado o prejuízo ao erário (fl. 626). Tempos depois, o perito reduziu o suposto crédito da empreiteira para R$2.885,43 (fl. 796).
14. A perícia chamada pelo próprio réu ainda acrescentou: "alguns meses após a desmobilização da empresa demandada, ocorrida em março de 1997, o DNOCS logo em seguida, em julho de 1997, contratou uma outra empresa para novamente executar serviços de Recuperação da Infra-estrutura de Irrigação do Perímetro Irrigado de Cachoeira II, ou seja, no mesmo local da obra objeto desta perícia" (fl. 602). Ou seja, além da falta de apuração, ainda houve novos gastos públicos com serviços que já deveriam ter sido executados e pelos quais o Estado já havia pago.
15. Mesmo que não tivesse havido dano econômico, "a jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que o ato de improbidade por lesão aos princípios administrativos (art. 11 da Lei 8.249/1992), independe de dano ou lesão material ao erário" (STJ, REsp 1119657/MG, Rel. Min. Eliana Calmon, 2T, j. em 08.09.2009, DJe 30.09.2009).
16. Demonstrada a existência de ato ímprobo, como constatado na sentença, é de se ponderar sobre a punição aplicada. Corretas, fundamentalmente, as penalidades aplicadas na sentença, salvo no respeitante ao ressarcimento integral do dano de R$89.888,75. Nesse tocante, o réu assevera que, se a empreiteira foi isentada de indenizar, na ação movida pelo Parquet contra ela (Processo nº 2003.83.00.019910-5), pelos mesmos fatos, então, idêntica solução se imporia em relação a ele, sublinhando que, sequer o Ministério Público, teria ventilado a hipótese de indenização no montante fixado na sentença, aludindo apenas a débito de cerca de R$18.000,00 (valor de 1997). De se acatar a segunda parte de tal raciocínio. A sentença prolatada quanto à empreiteira considerou: "não se nega a irregularidade administrativa operada e a inexecução parcial da obra (segundo o perito, apenas 80% da obra foi feita). Entretanto, seria desproporcional concluir que a construtora deva arcar sozinha com a responsabilidade de tal irregularidade. É que a postura do DNOCS, sabedor da continuidade da obra, contribuiu para o equívoco, de molde a que, no mínimo, se conclua pela concorrência de culpas" (fl. 824). Ou seja, na sentença trazida pelo próprio réu, ressalta-se a responsabilidade do DNOCS - leia-se: da autoridade a quem cabia o acompanhamento da execução contratual -, de sorte que se mostra correta a imposição da obrigação de ressarcir ao ora réu pelos prejuízos ocasionados. E o montante a indenizar deve ser o de R$17.461,26, segundo laudo constante dos autos (fl. 56), como o faltante para a completude da obra.
17. Pelo parcial provimento da apelação.
(PROCESSO: 200383000199115, AC418559/PE, DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO CAVALCANTI, Primeira Turma, JULGAMENTO: 19/11/2009, PUBLICAÇÃO: DJE 21/12/2009 - Página 255)
Ementa
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI N. 8.429/92. CARACTERIZAÇÃO DE ATO ÍMPROBO. DEVER DE AGIR DE OFÍCIO. OMISSÃO. CONHECIMENTO DE IRREGULARIDADES NA EXECUÇÃO DE CONTRATO ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE APURAÇÃO E RESPONSABILIZAÇÃO. SANÇÃO. REDIMENSIONAMENTO. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO.
1. Apelação interposta contra sentença de procedência do pedido de ação civil pública por improbidade administrativa, por configuração da hipótese do art. 11, II, da Lei n. 8.429/92, com condenação do réu (com base no art. 12, III, da Lei n. 8.429/92) nas penas de: a) ressarcimento integral do dano de R$89.888,75; b) suspensão dos direitos políticos por 3 anos; c) pagamento de multa civil no valor da remuneração percebida no mês anterior ao da sua aposentadoria, quantia monetariamente atualizada; d) proibição de contratar, por 3 anos, com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário.
2. Não há que se falar em inépcia, se os fatos estão coerentemente narrados na petição inicial, permitindo o exercício do direito de defesa do réu. O fato de o Parquet invocar os arts. 10 e 11, da Lei n. 8.429/92, não produz qualquer incerteza quanto ao enquadramento da conduta tida por ímproba, nem vício capaz de macular a exordial, consistindo apenas em fundamentação para postulação de cunho alternativo, plenamente admitido pelo ordenamento jurídico. Ademais, aqui também vale a ideia de que a parte ré deve se defender dos fatos, cabendo ao juiz dizer o direito. Rejeição da preliminar de inépcia.
3. Não se configurou cerceamento de defesa, porquanto o réu foi devidamente intimado a indicar as provas que pretendia produzir, peticionando nos autos a respeito e promovendo ampla juntada de documentação. Posteriormente, é certo, o Juízo a quo entendeu desnecessária a realização de audiência para a produção de prova oral, igualmente tendo sido, o réu, intimado dessa manifestação, mas não tendo interposto qualquer recurso contra ela. Rejeição da preliminar de cerceamento de defesa.
4. Segundo a Lei n. 8.429/92, as ações para a punição de improbidade administrativa prescrevem em 5 anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança (art. 23, I). Como o réu deixou o cargo em 2001 e a ação foi ajuizada em 2003, não há que se falar em prescrição. Rejeição da prejudicial de mérito.
5. O Parquet, no fundamental, acusa o réu de ato ímprobo, consistente em "retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício" (art. 11, II, da Lei n. 8.429/92), tendo em conta que o então agente público, a despeito de informado de várias irregularidades na execução de contrato administrativo de recuperação parcial de infra-estrutura de perímetro irrigado (obra não executada integralmente, a despeito do pagamento do valor total do ajuste), não teria determinado a apuração e a punição dos responsáveis.
6. Fatos comprovados nos autos, por documentação hábil:
a. em 30.12.96, foi celebrado contrato entre a construtora e o DNOCS, para fins de recuperação parcial de infra-estrutura de perímetro irrigado situado no Município de Serra Talhada (f. 130);
b. em 03.01.97, os serviços correspondentes ao contrato foram iniciados (fl. 130);
c. em 23.05.97, cooperativa agrícola denunciou ao DNOCS o abandono da obra pela empreiteira, sem conclusão e sem repasse ao ente cooperativo dos valores alusivos à recuperação das cercas de contorno, serviço que teria sido sub-empreitado à cooperativa (fl. 14) - a denúncia deu ensejo ao Processo nº 02200.001764/97;
d. em 03.06.97, o processo com a denúncia foi encaminhado à Diretoria Regional, "para conhecimento e providências", tendo sido recebido e despachado em 05.06.97, pelo então Diretor Regional, o ora réu, que se limitou, na ocasião, a ordenar a juntada das explicações da empreiteira (fl. 15);
e. em 05.06.97, a empreiteira apresentou explicações sobre as denúncias, recebidas na Diretoria Regional em 06.06.97 (fls. 17/18) - autuadas como Processo nº 02250.000390/97;
f. em 12.06.97, foi encaminhado à Diretoria Regional em questão relatório sobre a execução contratual, com afirmação de discrepâncias (algumas a maior, outras a menor) entre o quantitativo programado e o executado efetivamente, bem como de incompletude dos serviços e de que alguns desses não seriam satisfatórios em termos de qualidade (fls. 49/53);
g. em 20.06.97, realizou-se reunião na qual se deliberou que os "serviços inconclusos em diversos perímetros [...] serão solucionados através de gestões do diretor da 3ª DR [exatamente o ora réu] junto aos representantes das empresas responsáveis" (fl. 54);
h. em 14.07.97, foi realizada vistoria, tendo sido constatado o pagamento de 100% do contrato, mas com a observação de que apenas 56% teria sido realmente executado, além de se registrar a péssima qualidade dos serviços, especialmente pelo fato de a construtora não ter recuperado "várias trincas", motivando "vazamentos", "pondo em risco os aterros e consequentemente as placas do canal". No mesmo relatório, pediu-se ao Diretor Regional (o ora réu) intervenção junto à empreiteira para que ela completasse o serviço, sublinhando-se, inclusive, a falta de fiscalização da Diretoria como causa da não conclusão dos serviços - autuação como Processo nº 02250.000475/97 (fls. 29 e 31/33);
i. em 22.10.97, foi realizada nova verificação dos serviços executados pela empreiteira e, mais uma vez, foram salientadas inúmeras irregularidades, a exemplo das seguintes: registros e linígrafo constantes da planilha e não colocados; não aplicação do betume ajustado; imprestabilidade do tratamento feito para a recuperação de fissuras; inexecução quanto à rede de drenagem; ausência de desobstrução e limpeza de bueiros; defeitos na recuperação dos pontilhões (fls. 21/23). De se acrescer que tal relatório foi encaminhado ao Diretor Regional, em 13.11.97, com a conclusão de necessidade de convocação da empreiteira a completar a execução dos serviços faltantes, orçados em R$17.461,26 (fl. 56);
j. os processos administrativos antes referenciados apenas foram novamente movimentados em 2003.
7. A despeito de todas as irregularidades dadas a conhecer ao então Diretor Regional do DNOCS, ora réu, não levou ele a efeito quaisquer providências administrativas dirigidas à imposição à empreiteira da obrigação de completar as obras, bem como não levou adiante medidas destinadas à punição dos responsáveis pelo comprovado inadimplemento contratual, no que, a toda evidência, configura a hipótese do art. 11, II, da Lei n. 8429/92: "retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício".
8. Não é correta a tese sustentada pelo apelante, de que não tinha competência para apurar ou responsabilizar, pois tal providência cabia à Direção Geral da autarquia. O Regimento Interno do DNOCS e o decreto de estruturação, vigentes quando da ocorrência dos fatos considerados, caracterizavam a Direção Geral como órgão de planejamento, orientação, coordenação, apoio, direção, definidor de diretrizes e normas, ao passo que atribuíam à Direção Regional a condição de órgão de execução, o que engloba, inequivocamente, as funções de acompanhamento, de fiscalização e de apuração e punição de irregularidades. "Às Diretorias Regionais, órgãos executivos do DNOCS, compete, em articulação com a Diretoria Geral, [...], bem como a implantação, operação e desenvolvimento de serviços e obras, dentro de sua área de atuação" (art. 14, do Decreto nº 73.159/73; art. 89, do RI de 1975). Segundo o RI (art. 172), ainda, compete ao Diretor Regional autorizar o pagamento de despesas (o que pressupõe a verificação das condições que o fazem legítimo) e a propositura ao Diretor Geral de aplicação de penalidades que excedam a sua alçada (sendo certo, pois, que deveria aplicar as que estivessem no seu âmbito de competência, como no caso de contratos administrativos não cumpridos relativos a obras ou serviços desenvolvidos em seu campo territorial de atuação).
9. O então Diretor Regional, ora réu, além de não ter dado andamento à apuração, sequer determinou o encaminhamento dos documentos pertinentes à Direção Geral, omitindo-se efetivamente, no exercício do seu dever funcional, não se podendo olvidar ter ele recebido incumbência, em reunião cuja ata está nos autos, de intervir junto à empreiteira para fins de integralização dos serviços contratados (se não tinha competência, passou a ter por delegação, o que também era permitido pelo art. 9o, j, do Decreto nº 73.159/73). Além de não haver prova de que tenha promovido qualquer cobrança ou contato com a contratada inadimplente, sequer há qualquer demonstração de que tenha relatado aos superiores a persistência do descumprimento. Não é crível a ideia de que o réu teria "suposto" o envio dos autos à Direção Geral, se tal não ordenou.
10. "A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa" (art. 143, da Lei n. 8.112/90, incidente in casu, em se tratando, o réu, de servidor público civil federal).
11. É certo que o processo administrativo com a denúncia permaneceu parado de 1997 a 2003, ao passo que o réu ficou na instituição como Diretor Regional de 93 a 2001, de sorte que, pelo menos, 2 anos se passaram na mesma situação de paralisação, tempo esse (2001-2003) que não pode ser imputado ao ora réu, cabendo às autoridades competentes a responsabilização de terceiros por essa inação. Isso, contudo, não apaga a responsabilidade do réu em relação ao período de 97 a 2001 (cerca de 4 anos).
12. A inexecução do contrato administrativo foi devidamente comprovada. Além dos relatórios ressaltados no item 6 desta ementa, merecem referência dois outros documentos: a) de 21.03.2003 é manifestação de que "podemos afirmar que não houve nos projetos de irrigação, desde aquela época, a conclusão dos serviços que foram identificados [...]" (fls. 26/28); b) perícia realizada no Processo nº 2003.83.00.019910-3 (ação ajuizada pelo Parquet contra a construtora empreiteira pelos mesmos fatos telados), na qual se diz que "a obra atingiu um percentual de execução da ordem de 80%", ou seja, não foi completada, confirmando-se as irregularidades noticiadas desde 1997 (fl. 612).
13. O réu se apega no fato de ter sido constatado, em perícia, que a construtora, a despeito de parcialmente inadimplente, teria, em outra parte, realizado mais do que o contratado, do que resultaria um saldo em favor da construtora de cerca de R$5.000,00, exatamente pelo plus realizado. Ocorre que a irregularidade está exatamente no descumprimento contratual, pouco importando que a empreiteira tenha realizado, por sua conta e risco, sem subscrição de aditivo contratual, nos moldes legais, serviços adicionais. A perícia invocada pelo próprio réu, ao invés de impedir conclusão pela inadimplência, confirma essa e, portanto, ratifica a existência de irregularidade não punida, nem apurada. Mesmo que se fizesse um "encontro de saldos", confrontando-se os R$5.000,00 com os quase R$18.000,00 referidos à época dos fatos como débito da construtora (o mesmo perito que informa saldo, destaca também débito avaliado em R$18.494,00), ter-se-ia evidenciado o prejuízo ao erário (fl. 626). Tempos depois, o perito reduziu o suposto crédito da empreiteira para R$2.885,43 (fl. 796).
14. A perícia chamada pelo próprio réu ainda acrescentou: "alguns meses após a desmobilização da empresa demandada, ocorrida em março de 1997, o DNOCS logo em seguida, em julho de 1997, contratou uma outra empresa para novamente executar serviços de Recuperação da Infra-estrutura de Irrigação do Perímetro Irrigado de Cachoeira II, ou seja, no mesmo local da obra objeto desta perícia" (fl. 602). Ou seja, além da falta de apuração, ainda houve novos gastos públicos com serviços que já deveriam ter sido executados e pelos quais o Estado já havia pago.
15. Mesmo que não tivesse havido dano econômico, "a jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que o ato de improbidade por lesão aos princípios administrativos (art. 11 da Lei 8.249/1992), independe de dano ou lesão material ao erário" (STJ, REsp 1119657/MG, Rel. Min. Eliana Calmon, 2T, j. em 08.09.2009, DJe 30.09.2009).
16. Demonstrada a existência de ato ímprobo, como constatado na sentença, é de se ponderar sobre a punição aplicada. Corretas, fundamentalmente, as penalidades aplicadas na sentença, salvo no respeitante ao ressarcimento integral do dano de R$89.888,75. Nesse tocante, o réu assevera que, se a empreiteira foi isentada de indenizar, na ação movida pelo Parquet contra ela (Processo nº 2003.83.00.019910-5), pelos mesmos fatos, então, idêntica solução se imporia em relação a ele, sublinhando que, sequer o Ministério Público, teria ventilado a hipótese de indenização no montante fixado na sentença, aludindo apenas a débito de cerca de R$18.000,00 (valor de 1997). De se acatar a segunda parte de tal raciocínio. A sentença prolatada quanto à empreiteira considerou: "não se nega a irregularidade administrativa operada e a inexecução parcial da obra (segundo o perito, apenas 80% da obra foi feita). Entretanto, seria desproporcional concluir que a construtora deva arcar sozinha com a responsabilidade de tal irregularidade. É que a postura do DNOCS, sabedor da continuidade da obra, contribuiu para o equívoco, de molde a que, no mínimo, se conclua pela concorrência de culpas" (fl. 824). Ou seja, na sentença trazida pelo próprio réu, ressalta-se a responsabilidade do DNOCS - leia-se: da autoridade a quem cabia o acompanhamento da execução contratual -, de sorte que se mostra correta a imposição da obrigação de ressarcir ao ora réu pelos prejuízos ocasionados. E o montante a indenizar deve ser o de R$17.461,26, segundo laudo constante dos autos (fl. 56), como o faltante para a completude da obra.
17. Pelo parcial provimento da apelação.
(PROCESSO: 200383000199115, AC418559/PE, DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO CAVALCANTI, Primeira Turma, JULGAMENTO: 19/11/2009, PUBLICAÇÃO: DJE 21/12/2009 - Página 255)
Data do Julgamento
:
19/11/2009
Classe/Assunto
:
Apelação Civel - AC418559/PE
Órgão Julgador
:
Primeira Turma
Relator(a)
:
Desembargador Federal Francisco Cavalcanti
Comarca
:
Tribunal Regional Federal - 5ª Região
Código do documento
:
210991
PublicaÇÕes
:
Diário da Justiça Eletrônico TRF5 (DJE) - 21/12/2009 - Página 255
DecisÃo
:
POR MAIORIA
Veja tambÉm
:
RESP 1119657/MG (STJ)
ReferÊncias legislativas
:
LEG-FED LEI-8429 ANO-1992 ART-10 ART-11 INC-2 ART-12 INC-3 ART-23 INC-1
LEG-FED RES-2 ANO-2002 (DNOCS)
LEG-FED RGI-000000 ANO-1975 ART-89 ART-172 (DNOCS)
LEG-FED DEC-73159 ANO-1973 ART-9 LET-J ART-14
LEG-FED LEI-8112 ANO-1990 ART-143
Votantes
:
Desembargador Federal José Maria Lucena
Desembargador Federal Francisco Cavalcanti
Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira
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