TRF5 200383000217865
CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. CONTRATO DE MÚTUO HABITACIONAL. REVISÃO.
1. Apelações interpostas pelos mutuários e pela CEF/EMGEA contra sentença de parcial procedência do pedido, proferida nos autos de ação ordinária de revisão de contrato de mútuo habitacional, firmado no âmbito do SFH.
2. O SFH foi criado com vistas a estimular a construção de habitações de interesse social e a possibilitar a aquisição da casa própria pelas classes da população que percebiam menor renda e que, portanto, não tinham condições de recorrer à iniciativa privada. O SFH foi fundado no direito à moradia, agasalhado esse pela Constituição Federal como direito social, necessidade premente do trabalhador. Consoante se apreende da evolução normativa da matéria, ao SFH se confere conotação nitidamente social (decorrente de sua finalidade), sendo a ele inerente o equilíbrio que deve permear a relação entre a renda do mutuário e as prestações do financiamento.
3. O princípio do pacta sunt servanda deve ser interpretado de forma harmônica com as outras normas jurídicas que integram o ordenamento, impondo-se o seu sopeso, inclusive e especialmente, diante do escopo do negócio jurídico ajustado.
4. A jurisprudência se firmou no sentido de que "é aplicável o CDC aos contratos de mútuo hipotecário pelo SFH" (STJ, Quarta Turma, RESP 838372/RS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 06.12.2007).
5. A sentença, calcada nas informações da perícia judicial, entendeu demonstrada a desobediência ao PES/CP pelo agente financeiro. A CEF insiste na tese do cumprimento. Conforme se depreende dos autos, o mutuário paradigma se enquadra na categoria profissional de "bancário - sociedade de economia mista". Confrontando a declaração expedida pelo Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Crédito no Estado de Pernambuco e a planilha de evolução do financiamento, tem-se que, realmente, a CEF descumpriu a política de reajuste adotada no contrato, reajustando as prestações em descompasso com o PES/CP. Não provimento da apelação da CEF/EMGEA nesse ponto.
6. No respeitante ao seguro, as parcelas a ele referentes, mercê de sua natureza acessória, devem obedecer aos mesmos critérios de reajuste das prestações, de sorte que, constatado o descumprimento do PES/CP pela CEF/EMGEA, em relação às prestações, a parcela relativa ao seguro merece revisão, como consignado na sentença. Apelação da CEF/EMGEA não provida nessa parte.
7. A CEF/EMGEA sustenta a legalidade da cobrança do CES, diferentemente do que restou decidido em sentença. O CES - Coeficiente de Equiparação Salarial, instituído pela Resolução nº 36/69, do extinto BNH, e referido no art. 8o, da Lei nº 8.692/93, não deve ter a sua aplicação mantida, in casu, por não estar expressamente previsto no contrato. Nessa direção, ressalte-se precedente do STJ: "Não havendo previsão contratual não há como determinar aplicação do CES - Coeficiente de Equiparação Salarial, presente a circunstância de ser o contrato anterior à lei que o criou" (Terceira Turma, RESP 703907/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. em 15.08.2006). Apelo da CEF/EMGEA não provido nesse tocante.
8. A sentença reconheceu a existência de indevida capitalização de juros no contrato em questão. A CEF/EMGEA insiste na tese da inexistência de anatocismo. Caracterizada, in casu, a injurídica incidência de juros sobre juros, tanto em função da amortização negativa, como pelo fato de que as prestações vencidas, não pagas, serão incorporadas ao saldo devedor, para nova incidência de juros, quando já são constituídas de uma parte de juros e outra de amortização. Reitere-se que a capitalização de juros é vedada, salvo nas situações expressamente permitidas por lei, o que não é o caso do SFH. Caracterizado o injurídico anatocismo, deve ser suprimido, com o cômputo de juros não pagos em separado, sobre os quais não devem incidir novos juros. A sistemática adotada na sentença é suficiente ao afastamento do anatocismo. Precedente do STJ: "1. A utilização do Sistema Francês de Amortização (Tabela Price) pode ensejar a cobrança de juros sobre juros, como, por exemplo, na hipótese de amortização negativa do saldo devedor./2. Tal situação é explicada pelo descompasso existente entre a correção monetária do saldo devedor, normalmente com base nos índices aplicáveis à caderneta de poupança, e a atualização das prestações mensais, nos moldes definidos no Plano de Equivalência Salarial - PES -, ou seja, de acordo com a variação salarial da categoria profissional do mutuário. Nessa sistemática, o valor da prestação, freqüentemente corrigido por índices inferiores aos utilizados para a atualização do saldo devedor, com o passar do tempo, tornava-se insuficiente para amortizar a dívida, já que nem sequer cobria a parcela referente aos juros. Em conseqüência, o residual de juros não-pagos era incorporado ao saldo devedor e, sobre ele, incidia nova parcela de juros na prestação subseqüente, em flagrante anatocismo. A essa situação deu-se o nome de amortização negativa./3. Diante desse contexto, os Tribunais pátrios passaram a determinar que o quantum devido a título de juros não-pagos fosse lançado em uma conta separada, sujeita somente à correção monetária, tal como ocorreu na hipótese dos autos./4. Tal providência é absolutamente legítima, tendo em vista que a cobrança de juros sobre juros é vedada nos contratos de financiamento regulados pelo Sistema Financeiro de Habitação, ainda que livremente pactuada entre as partes contratantes, segundo o disposto na Súmula 121/STF, assim redigida: 'É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada.'/5. 'A capitalização de juros, em qualquer periodicidade, é vedada nos contratos regidos pelo Sistema Financeiro da Habitação, ainda que haja previsão contratual expressa, porquanto inexistente qualquer previsão legal, incidindo, pois, o enunciado 121 da Súmula do Supremo Tribunal Federal' (AgRg no REsp 630.238/RS, 3ª Turma, Rel. Min. Castro Filho, DJ de 12.6.2006)./6. Não há falar, outrossim, em ofensa à norma que prevê a imputação do pagamento dos juros antes do principal, na medida em que os juros não-pagos serão normalmente integrados ao saldo devedor, porém em conta separada, submetida somente à atualização monetária, como meio de se evitar a incidência de juros sobre juros./7. No tocante à conta principal, a sistemática seguirá pela adoção da Tabela Price, conforme decidido pela Corte de origem, abatendo-se, em primeiro lugar, os juros, para, em seguida, amortizar o capital, mesmo porque 'não é ilegal a utilização da tabela Price para o cálculo das prestações da casa própria, pois, por meio desse sistema, o mutuário sabe o número e os valores das parcelas de seu financiamento' (REsp 755.340/MG, 2ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 20.2.2006), ressalvadas as hipóteses em que a sua adoção implica a cobrança de juros sobre juros [...]" (1T, REsp 1090398/RS, Rel. Min. Denise Arruda, j. em 02.12.2008, DJe 11.02.2009). Não provimento da apelação da CEF/EMGEA nesse ponto.
9. Requerem os mutuários que se proceda à amortização da prestação paga antes da correção do saldo devedor, o que não foi autorizado na sentença. "A fórmula, segundo a qual corrige-se o saldo devedor majorando-o, para, após avultá-lo, deduzir a prestação devidamente quitada pelo mutuário, apresenta-se imprópria por não permitir zerar o saldo devedor e por transgredir ao escopo perseguido pelo Sistema Financeiro de Habitação, sob cuja égide se acha o contrato em tela. A operação razoável deve ser expressa inicialmente abatendo-se a prestação quitada, para depois corrigir o saldo devedor, conforme art. 6º, c, da lei 4380/64" (TRF5, Primeira Turma, AC 402054/PE, Rel. Des. Federal Francisco Wildo, j. em 01.03.2007, por maioria). Provimento da apelação dos mutuários nesse tocante.
10. Sustentam os mutuários a inaplicabilidade da URV como indexador das prestações. O STJ firmou seu entendimento de acordo com os seguintes trechos de ementas: "Sobre a utilização da URV, o certo é que o sistema foi introduzido com o objetivo de fazer o trânsito para o Real, ou seja, na verdade, o que houve foi a conversão do valor das prestações utilizando-se a URV como passagem para o Real. Não se pode falar, então, que houve reajuste com base na URV" (AgRg no REsp 940.036/SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, 3T, j. em 26.08.2008, DJe 11.09.2008); "A aplicação da URV, como posto no acórdão, não significou reajuste de prestação, mas critério de transição para que fosse efetuada a conversão para o real" (REsp 645.126/PE, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 3T, j. em 03.04.2007, DJ 30.04.2007); "A incidência da URV nas prestações do contrato não rendem ensejo a ilegalidade, porquanto, na época em que vigente, era quase que uma moeda de curso forçado, funcionando como indexador geral da economia, inclusive dos salários, sendo certo, nesse contexto, que a sua aplicação, antes de causar prejuízos, mantém, na verdade, o equilíbrio entre as parcelas do mútuo e a renda, escopo maior do PES" (REsp 576.638/RS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 4T, j. em 03.05.2005, DJ 23.05.2005). Não provimento do apelo dos mutuários nesse ponto.
11. Os mutuários pugnam pelo afastamento do IPC de março/90, diversamente do determinado na sentença. "Está pacificado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, em definitivo, por maioria absoluta, o entendimento de que o índice aplicável ao reajuste do saldo devedor dos contratos de financiamento habitacional, relativamente ao mês de março de 1990, é de 84,32%, consoante variação do IPC" (STJ, Corte Especial, AgRg nos EREsp 684466/DF, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 15.08.2007). Apelação dos mutuários a que também se nega provimento nesse tocante.
12. Os mutuários se insurgiram contra a correção do saldo devedor pela TR, pedindo a substituição da TR pelo INPC. A questão relativa à incidência da TR para fins de correção do saldo devedor dos contratos de mútuo habitacional encontra-se já, de certo modo - pelo menos no respeitante aos contratos celebrados anteriormente à Lei nº 8.177, de 01.03.1991, ou, a dizer, anteriores à Medida Provisória nº 294, de 31.01.1991, e sem cláusula de correção pelos índices praticados quanto à poupança -, pacificada, em face da decisão do Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADIN 493-0/DF (j. em 25.06.1992, p. em DJ de 04.09.1992, Rel. Min. Moreira Alves). O STJ tem entendido que, para os contratos posteriores à lei mencionada ou com cláusula de correção pelos índices da poupança, a TR é aplicável (Terceira Turma, AgReg no AgReg no RESP 937435/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 21.02.2008). Cuida-se, contudo, a TR, de índice de remuneração de capital e não de fator de correção monetária, não refletindo a variação do poder aquisitivo da moeda. Não se olvide, ademais, que a TR não se mostra compatível com a sistemática dos contratos de mútuo habitacional inseridos no contexto do SFH, a teor da regra mater representada pela Lei nº 4.380/64. A despeito disso, é menos prejudicial aos mutuários, consideradas as variações acumuladas da TR e do INPC, a persistência da TR. Apelação dos mutuários não provida nessa parte.
13. O Juiz sentenciante autorizou a compensação e a restituição, caso apurado crédito a favor dos mutuários. A CEF/EMGEA se insurge contra a dicção da sentença. Insistem os mutuários na repetição do que teriam pago a maior à instituição financeira, com dobre, de acordo com a regra encartada no parágrafo único, do art. 42, do CDC (Lei nº 8.078/90). Se é certo que aos contratos de financiamento firmados no âmbito do SFH se aplicam as regras do Código de Defesa do Consumidor (no STJ, ver o RESP 591110/BA, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, j. em 04.05.2004; e o RESP 756973/RS, Rel. Min. Castro Filho, j. em 27.03.2007), por outro lado, no caso em apreciação não estão configurados motivos suficientes à imposição do dobre, porquanto os procedimentos aplicados pela CEF são controversos na esfera judicial, não estando demonstradas má-fé ou intenção de fraude. O montante pago a maior pelos mutuários deve ser dirigido à quitação das prestações em atraso, se houver, e, se ainda assim houver sobra, ao pagamento das prestações vincendas e à amortização do saldo devedor, nessa ordem, não havendo que se falar em restituição, exceto se, após a quitação total do débito mutuado, constatar-se a existência de resíduo em favor do mutuário. Apelações da CEF/EMGEA e dos mutuários não providas em relação a esse pedido.
14. Sucumbência recíproca mantida, como determinado na sentença, por estar configurada a hipótese do art. 21, do CPC. Apelações de ambas as partes desprovidas.
15. Apelação da CEF/EMGEA não provida.
16. Apelação dos mutuários parcialmente provida.
(PROCESSO: 200383000217865, AC487374/PE, DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO CAVALCANTI, Primeira Turma, JULGAMENTO: 25/03/2010, PUBLICAÇÃO: DJE 12/04/2010 - Página 197)
Ementa
CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. CONTRATO DE MÚTUO HABITACIONAL. REVISÃO.
1. Apelações interpostas pelos mutuários e pela CEF/EMGEA contra sentença de parcial procedência do pedido, proferida nos autos de ação ordinária de revisão de contrato de mútuo habitacional, firmado no âmbito do SFH.
2. O SFH foi criado com vistas a estimular a construção de habitações de interesse social e a possibilitar a aquisição da casa própria pelas classes da população que percebiam menor renda e que, portanto, não tinham condições de recorrer à iniciativa privada. O SFH foi fundado no direito à moradia, agasalhado esse pela Constituição Federal como direito social, necessidade premente do trabalhador. Consoante se apreende da evolução normativa da matéria, ao SFH se confere conotação nitidamente social (decorrente de sua finalidade), sendo a ele inerente o equilíbrio que deve permear a relação entre a renda do mutuário e as prestações do financiamento.
3. O princípio do pacta sunt servanda deve ser interpretado de forma harmônica com as outras normas jurídicas que integram o ordenamento, impondo-se o seu sopeso, inclusive e especialmente, diante do escopo do negócio jurídico ajustado.
4. A jurisprudência se firmou no sentido de que "é aplicável o CDC aos contratos de mútuo hipotecário pelo SFH" (STJ, Quarta Turma, RESP 838372/RS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 06.12.2007).
5. A sentença, calcada nas informações da perícia judicial, entendeu demonstrada a desobediência ao PES/CP pelo agente financeiro. A CEF insiste na tese do cumprimento. Conforme se depreende dos autos, o mutuário paradigma se enquadra na categoria profissional de "bancário - sociedade de economia mista". Confrontando a declaração expedida pelo Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Crédito no Estado de Pernambuco e a planilha de evolução do financiamento, tem-se que, realmente, a CEF descumpriu a política de reajuste adotada no contrato, reajustando as prestações em descompasso com o PES/CP. Não provimento da apelação da CEF/EMGEA nesse ponto.
6. No respeitante ao seguro, as parcelas a ele referentes, mercê de sua natureza acessória, devem obedecer aos mesmos critérios de reajuste das prestações, de sorte que, constatado o descumprimento do PES/CP pela CEF/EMGEA, em relação às prestações, a parcela relativa ao seguro merece revisão, como consignado na sentença. Apelação da CEF/EMGEA não provida nessa parte.
7. A CEF/EMGEA sustenta a legalidade da cobrança do CES, diferentemente do que restou decidido em sentença. O CES - Coeficiente de Equiparação Salarial, instituído pela Resolução nº 36/69, do extinto BNH, e referido no art. 8o, da Lei nº 8.692/93, não deve ter a sua aplicação mantida, in casu, por não estar expressamente previsto no contrato. Nessa direção, ressalte-se precedente do STJ: "Não havendo previsão contratual não há como determinar aplicação do CES - Coeficiente de Equiparação Salarial, presente a circunstância de ser o contrato anterior à lei que o criou" (Terceira Turma, RESP 703907/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. em 15.08.2006). Apelo da CEF/EMGEA não provido nesse tocante.
8. A sentença reconheceu a existência de indevida capitalização de juros no contrato em questão. A CEF/EMGEA insiste na tese da inexistência de anatocismo. Caracterizada, in casu, a injurídica incidência de juros sobre juros, tanto em função da amortização negativa, como pelo fato de que as prestações vencidas, não pagas, serão incorporadas ao saldo devedor, para nova incidência de juros, quando já são constituídas de uma parte de juros e outra de amortização. Reitere-se que a capitalização de juros é vedada, salvo nas situações expressamente permitidas por lei, o que não é o caso do SFH. Caracterizado o injurídico anatocismo, deve ser suprimido, com o cômputo de juros não pagos em separado, sobre os quais não devem incidir novos juros. A sistemática adotada na sentença é suficiente ao afastamento do anatocismo. Precedente do STJ: "1. A utilização do Sistema Francês de Amortização (Tabela Price) pode ensejar a cobrança de juros sobre juros, como, por exemplo, na hipótese de amortização negativa do saldo devedor./2. Tal situação é explicada pelo descompasso existente entre a correção monetária do saldo devedor, normalmente com base nos índices aplicáveis à caderneta de poupança, e a atualização das prestações mensais, nos moldes definidos no Plano de Equivalência Salarial - PES -, ou seja, de acordo com a variação salarial da categoria profissional do mutuário. Nessa sistemática, o valor da prestação, freqüentemente corrigido por índices inferiores aos utilizados para a atualização do saldo devedor, com o passar do tempo, tornava-se insuficiente para amortizar a dívida, já que nem sequer cobria a parcela referente aos juros. Em conseqüência, o residual de juros não-pagos era incorporado ao saldo devedor e, sobre ele, incidia nova parcela de juros na prestação subseqüente, em flagrante anatocismo. A essa situação deu-se o nome de amortização negativa./3. Diante desse contexto, os Tribunais pátrios passaram a determinar que o quantum devido a título de juros não-pagos fosse lançado em uma conta separada, sujeita somente à correção monetária, tal como ocorreu na hipótese dos autos./4. Tal providência é absolutamente legítima, tendo em vista que a cobrança de juros sobre juros é vedada nos contratos de financiamento regulados pelo Sistema Financeiro de Habitação, ainda que livremente pactuada entre as partes contratantes, segundo o disposto na Súmula 121/STF, assim redigida: 'É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada.'/5. 'A capitalização de juros, em qualquer periodicidade, é vedada nos contratos regidos pelo Sistema Financeiro da Habitação, ainda que haja previsão contratual expressa, porquanto inexistente qualquer previsão legal, incidindo, pois, o enunciado 121 da Súmula do Supremo Tribunal Federal' (AgRg no REsp 630.238/RS, 3ª Turma, Rel. Min. Castro Filho, DJ de 12.6.2006)./6. Não há falar, outrossim, em ofensa à norma que prevê a imputação do pagamento dos juros antes do principal, na medida em que os juros não-pagos serão normalmente integrados ao saldo devedor, porém em conta separada, submetida somente à atualização monetária, como meio de se evitar a incidência de juros sobre juros./7. No tocante à conta principal, a sistemática seguirá pela adoção da Tabela Price, conforme decidido pela Corte de origem, abatendo-se, em primeiro lugar, os juros, para, em seguida, amortizar o capital, mesmo porque 'não é ilegal a utilização da tabela Price para o cálculo das prestações da casa própria, pois, por meio desse sistema, o mutuário sabe o número e os valores das parcelas de seu financiamento' (REsp 755.340/MG, 2ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 20.2.2006), ressalvadas as hipóteses em que a sua adoção implica a cobrança de juros sobre juros [...]" (1T, REsp 1090398/RS, Rel. Min. Denise Arruda, j. em 02.12.2008, DJe 11.02.2009). Não provimento da apelação da CEF/EMGEA nesse ponto.
9. Requerem os mutuários que se proceda à amortização da prestação paga antes da correção do saldo devedor, o que não foi autorizado na sentença. "A fórmula, segundo a qual corrige-se o saldo devedor majorando-o, para, após avultá-lo, deduzir a prestação devidamente quitada pelo mutuário, apresenta-se imprópria por não permitir zerar o saldo devedor e por transgredir ao escopo perseguido pelo Sistema Financeiro de Habitação, sob cuja égide se acha o contrato em tela. A operação razoável deve ser expressa inicialmente abatendo-se a prestação quitada, para depois corrigir o saldo devedor, conforme art. 6º, c, da lei 4380/64" (TRF5, Primeira Turma, AC 402054/PE, Rel. Des. Federal Francisco Wildo, j. em 01.03.2007, por maioria). Provimento da apelação dos mutuários nesse tocante.
10. Sustentam os mutuários a inaplicabilidade da URV como indexador das prestações. O STJ firmou seu entendimento de acordo com os seguintes trechos de ementas: "Sobre a utilização da URV, o certo é que o sistema foi introduzido com o objetivo de fazer o trânsito para o Real, ou seja, na verdade, o que houve foi a conversão do valor das prestações utilizando-se a URV como passagem para o Real. Não se pode falar, então, que houve reajuste com base na URV" (AgRg no REsp 940.036/SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, 3T, j. em 26.08.2008, DJe 11.09.2008); "A aplicação da URV, como posto no acórdão, não significou reajuste de prestação, mas critério de transição para que fosse efetuada a conversão para o real" (REsp 645.126/PE, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 3T, j. em 03.04.2007, DJ 30.04.2007); "A incidência da URV nas prestações do contrato não rendem ensejo a ilegalidade, porquanto, na época em que vigente, era quase que uma moeda de curso forçado, funcionando como indexador geral da economia, inclusive dos salários, sendo certo, nesse contexto, que a sua aplicação, antes de causar prejuízos, mantém, na verdade, o equilíbrio entre as parcelas do mútuo e a renda, escopo maior do PES" (REsp 576.638/RS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 4T, j. em 03.05.2005, DJ 23.05.2005). Não provimento do apelo dos mutuários nesse ponto.
11. Os mutuários pugnam pelo afastamento do IPC de março/90, diversamente do determinado na sentença. "Está pacificado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, em definitivo, por maioria absoluta, o entendimento de que o índice aplicável ao reajuste do saldo devedor dos contratos de financiamento habitacional, relativamente ao mês de março de 1990, é de 84,32%, consoante variação do IPC" (STJ, Corte Especial, AgRg nos EREsp 684466/DF, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 15.08.2007). Apelação dos mutuários a que também se nega provimento nesse tocante.
12. Os mutuários se insurgiram contra a correção do saldo devedor pela TR, pedindo a substituição da TR pelo INPC. A questão relativa à incidência da TR para fins de correção do saldo devedor dos contratos de mútuo habitacional encontra-se já, de certo modo - pelo menos no respeitante aos contratos celebrados anteriormente à Lei nº 8.177, de 01.03.1991, ou, a dizer, anteriores à Medida Provisória nº 294, de 31.01.1991, e sem cláusula de correção pelos índices praticados quanto à poupança -, pacificada, em face da decisão do Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADIN 493-0/DF (j. em 25.06.1992, p. em DJ de 04.09.1992, Rel. Min. Moreira Alves). O STJ tem entendido que, para os contratos posteriores à lei mencionada ou com cláusula de correção pelos índices da poupança, a TR é aplicável (Terceira Turma, AgReg no AgReg no RESP 937435/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 21.02.2008). Cuida-se, contudo, a TR, de índice de remuneração de capital e não de fator de correção monetária, não refletindo a variação do poder aquisitivo da moeda. Não se olvide, ademais, que a TR não se mostra compatível com a sistemática dos contratos de mútuo habitacional inseridos no contexto do SFH, a teor da regra mater representada pela Lei nº 4.380/64. A despeito disso, é menos prejudicial aos mutuários, consideradas as variações acumuladas da TR e do INPC, a persistência da TR. Apelação dos mutuários não provida nessa parte.
13. O Juiz sentenciante autorizou a compensação e a restituição, caso apurado crédito a favor dos mutuários. A CEF/EMGEA se insurge contra a dicção da sentença. Insistem os mutuários na repetição do que teriam pago a maior à instituição financeira, com dobre, de acordo com a regra encartada no parágrafo único, do art. 42, do CDC (Lei nº 8.078/90). Se é certo que aos contratos de financiamento firmados no âmbito do SFH se aplicam as regras do Código de Defesa do Consumidor (no STJ, ver o RESP 591110/BA, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, j. em 04.05.2004; e o RESP 756973/RS, Rel. Min. Castro Filho, j. em 27.03.2007), por outro lado, no caso em apreciação não estão configurados motivos suficientes à imposição do dobre, porquanto os procedimentos aplicados pela CEF são controversos na esfera judicial, não estando demonstradas má-fé ou intenção de fraude. O montante pago a maior pelos mutuários deve ser dirigido à quitação das prestações em atraso, se houver, e, se ainda assim houver sobra, ao pagamento das prestações vincendas e à amortização do saldo devedor, nessa ordem, não havendo que se falar em restituição, exceto se, após a quitação total do débito mutuado, constatar-se a existência de resíduo em favor do mutuário. Apelações da CEF/EMGEA e dos mutuários não providas em relação a esse pedido.
14. Sucumbência recíproca mantida, como determinado na sentença, por estar configurada a hipótese do art. 21, do CPC. Apelações de ambas as partes desprovidas.
15. Apelação da CEF/EMGEA não provida.
16. Apelação dos mutuários parcialmente provida.
(PROCESSO: 200383000217865, AC487374/PE, DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO CAVALCANTI, Primeira Turma, JULGAMENTO: 25/03/2010, PUBLICAÇÃO: DJE 12/04/2010 - Página 197)
Data do Julgamento
:
25/03/2010
Classe/Assunto
:
Apelação Civel - AC487374/PE
Órgão Julgador
:
Primeira Turma
Relator(a)
:
Desembargador Federal Francisco Cavalcanti
Comarca
:
Tribunal Regional Federal - 5ª Região
Código do documento
:
220932
PublicaÇÕes
:
Diário da Justiça Eletrônico TRF5 (DJE) - 12/04/2010 - Página 197
DecisÃo
:
POR MAIORIA
Veja tambÉm
:
RESP 838372/RS (STJ)RESP 703907/SP (STJ)AgRg no RESP 630238/RS (STJ)RESP 755340/MG (STJ)RESP 1090398/RS (STJ)AC 402054/PE (TRF5)
Doutrinas
:
Obra: Juros no Direito Brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, pp. 306/308
Autor: Luiz Antônio Scavone Júnior
ReferÊncias legislativas
:
CPC-73 Código de Processo Civil LEG-FED LEI-5869 ANO-1973 ART-21 ART-535
LEG-FED LEI-8692 ANO-1993 ART-8
LEG-FED RES-36 ANO-1969 (BNH)
LEG-FED SUM-121 (STF)
LEG-FED LEI-8177 ANO-1991 ART-18 (CAPUT) PAR-1 PAR-2 PAR-3 PAR-4 ART-20 ART-24 PAR-1 PAR-2 PAR-3 ART-1 PAR-1 PAR-2 PAR-3 ART-21 PAR-ÚNICO INC-1 INC-2 ART-22 ART-23 INC-1 LET-A LET-B INC-2 PAR-1 PAR-2 PAR-3 ART-12 INC-1 INC-2 ART-17 PAR-ÚNICO ART-39 (CAPUT) PAR-1
LEG-FED MPR-294 ANO-1991
LEG-FED LEI-4380 ANO-1964 ART-5 PAR-4 ART-6 LET-C
CDC-90 Código de Defesa do Consumidor LEG-FED LEI-8078 ANO-1990 ART-42 PAR-ÚNICO
LEG-FED DEL-2164 ANO-1984 ART-9 PAR-4
LEG-FED SUM-295 (STJ)
LEG-FED SUM-93 (STJ)
LEG-FED SUM-207 (STJ)
LEG-FED SUM-5 (STJ)
LEG-FED LEI-8004 ANO-1990
LEG-FED SUM-7 (STJ)
LEG-FED DEL-19 ANO-1966 ART-1
LEG-FED SUM-168 (STJ)
CF-88 Constituição Federal de 1988 ART-5 INC-36
LEG-FED LEI-4595 ANO-1964 ART-44
LEG-FED RES-1805 ANO-1991 ART-3 (CMN)
LEG-FED CIR-1948 ANO-1991 (BACEN)
LEG-FED RES-1980 ANO-1993 ART-19 (CMN)
Votantes
:
Desembargador Federal José Maria Lucena
Desembargador Federal Francisco Cavalcanti
Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira
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