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Jurisprudência


TRF5 200385000076174

Ementa
CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO - SFH. CONTRATO DE MÚTUO HABITACIONAL. REVISÃO. 1. Apelações interpostas pela CEF e pela União (na condição de assistente da ré) contra sentença de parcial procedência do pedido, proferida nos autos de ação ordinária de revisão de contrato de mútuo habitacional, firmado no âmbito do SFH. 2. O SFH foi criado com vistas a estimular a construção de habitações de interesse social e a possibilitar a aquisição da casa própria pelas classes da população que percebiam menor renda e que, portanto, não tinham condições de recorrer à iniciativa privada. O SFH foi fundado no direito à moradia, agasalhado esse pela Constituição Federal como direito social, necessidade premente do trabalhador. Consoante se apreende da evolução normativa da matéria, ao SFH se confere conotação nitidamente social (decorrente de sua finalidade), sendo a ele inerente o equilíbrio que deve permear a relação entre a renda do mutuário e as prestações do financiamento. 3. O princípio do pacta sunt servanda deve ser interpretado de forma harmônica com as outras normas jurídicas que integram o ordenamento, impondo-se o seu sopeso, inclusive e especialmente, diante do escopo do negócio jurídico ajustado. 4. "Consoante entendimento jurisprudencial é aplicável o CDC aos contratos de mútuo hipotecário pelo SFH" (STJ, Quarta Turma, RESP 838372/RS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 06.12.2007). 5. A sentença reconheceu a existência de anatocismo pela ocorrência de amortização negativa no contrato em questão, segundo, inclusive, se constata pela leitura das planilhas de evolução do financiamento, o que restou confirmado em perícia judicial. A CEF e a União insistem em alegar a inexistência de anatocismo, bem como a possibilidade jurídica de sua prática. A capitalização de juros é vedada, salvo nos casos expressamente permitidos por lei, o que não é o caso do SFH. Caracterizado o injurídico anatocismo (pela amortização negativa), deve ser suprimido. Precedente do STJ: "1. A utilização do Sistema Francês de Amortização (Tabela Price) pode ensejar a cobrança de juros sobre juros, como, por exemplo, na hipótese de amortização negativa do saldo devedor./2. Tal situação é explicada pelo descompasso existente entre a correção monetária do saldo devedor, normalmente com base nos índices aplicáveis à caderneta de poupança, e a atualização das prestações mensais, nos moldes definidos no Plano de Equivalência Salarial - PES -, ou seja, de acordo com a variação salarial da categoria profissional do mutuário. Nessa sistemática, o valor da prestação, freqüentemente corrigido por índices inferiores aos utilizados para a atualização do saldo devedor, com o passar do tempo, tornava-se insuficiente para amortizar a dívida, já que nem sequer cobria a parcela referente aos juros. Em conseqüência, o residual de juros não-pagos era incorporado ao saldo devedor e, sobre ele, incidia nova parcela de juros na prestação subseqüente, em flagrante anatocismo. A essa situação deu-se o nome de amortização negativa./3. Diante desse contexto, os Tribunais pátrios passaram a determinar que o quantum devido a título de juros não-pagos fosse lançado em uma conta separada, sujeita somente à correção monetária, tal como ocorreu na hipótese dos autos./4. Tal providência é absolutamente legítima, tendo em vista que a cobrança de juros sobre juros é vedada nos contratos de financiamento regulados pelo Sistema Financeiro de Habitação, ainda que livremente pactuada entre as partes contratantes, segundo o disposto na Súmula 121/STF, assim redigida: 'É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada.'/5. 'A capitalização de juros, em qualquer periodicidade, é vedada nos contratos regidos pelo Sistema Financeiro da Habitação, ainda que haja previsão contratual expressa, porquanto inexistente qualquer previsão legal, incidindo, pois, o enunciado 121 da Súmula do Supremo Tribunal Federal' (AgRg no REsp 630.238/RS, 3ª Turma, Rel. Min. Castro Filho, DJ de 12.6.2006)./6. Não há falar, outrossim, em ofensa à norma que prevê a imputação do pagamento dos juros antes do principal, na medida em que os juros não-pagos serão normalmente integrados ao saldo devedor, porém em conta separada, submetida somente à atualização monetária, como meio de se evitar a incidência de juros sobre juros./7. No tocante à conta principal, a sistemática seguirá pela adoção da Tabela Price, conforme decidido pela Corte de origem, abatendo-se, em primeiro lugar, os juros, para, em seguida, amortizar o capital, mesmo porque 'não é ilegal a utilização da tabela Price para o cálculo das prestações da casa própria, pois, por meio desse sistema, o mutuário sabe o número e os valores das parcelas de seu financiamento' (REsp 755.340/MG, 2ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 20.2.2006), ressalvadas as hipóteses em que a sua adoção implica a cobrança de juros sobre juros [...]" (1T, REsp 1090398/RS, Rel. Min. Denise Arruda, j. em 02.12.2008, DJe 11.02.2009). 6. O montante pago a maior pelo mutuário deve ser dirigido à quitação das prestações em atraso, se houver, e, se ainda assim houver sobra, ao pagamento das prestações vincendas e à amortização do saldo devedor, nessa ordem, não havendo que se falar em restituição, exceto se, após a quitação total do débito mutuado, constatar-se a existência de resíduo em favor da mutuária. Esclareça-se que tais devoluções são passíveis de atualização monetária, nos termos, inclusive, da Lei 8.004/90 (art. 23) - não da Lei nº 6.899/81, como pretendido pela União -, e de incidência de juros de mora. Precedente desta Corte Regional: "- A atualização dos encargos mensais deverá respeitar o Plano de Equivalência Salarial fixado no contrato. - Incidência dos juros de mora à base de 1 % ao mês, na forma do art. 406 do Código Civil em vigor, c/c o art. 161, PARÁGRAFO 1º, do CTN, conforme posicionamento desta Primeira Turma (AC Nº 350313-PE, Rel. Desembargador Federal UBALDO ATAÍDE CAVALCANTE, DJ: 20.05.2005, p. 835). - Admitida a repetição do indébito e a compensação dos valores cobrados indevidamente, na forma do art. 23 da Lei nº 8.004/90 - específica para esses contratos. [...]" (1T, AC 396553/PE, Rel. Desembargador Federal José Maria Lucena, j. em 14.12.2006/PE). 7. Sucumbência recíproca que se mantém, nos termos do art. 21, do CPC. De se sublinhar, inclusive, que, caso assim não fosse, a autora não poderia ser condenada no pagamento de honorários advocatícios, considerando que está litigando sob o pálio da Justiça Gratuita. 8. Apelações da CEF e da União desprovidas. (PROCESSO: 200385000076174, AC347225/SE, DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO CAVALCANTI, Primeira Turma, JULGAMENTO: 25/03/2010, PUBLICAÇÃO: DJE 12/04/2010 - Página 206)

Data do Julgamento : 25/03/2010
Classe/Assunto : Apelação Civel - AC347225/SE
Órgão Julgador : Primeira Turma
Relator(a) : Desembargador Federal Francisco Cavalcanti
Comarca : Tribunal Regional Federal - 5ª Região
Código do documento : 220906
PublicaÇÕes : Diário da Justiça Eletrônico TRF5 (DJE) - 12/04/2010 - Página 206
DecisÃo : UNÂNIME
Veja tambÉm : RESP 838372/RS (STJ)AgRg no RESP 630238/RS (STJ)RESP 755340/MG (STJ)RESP 1090398/RS (STJ)AC 350313/PE (TRF5)AC 396553/PE (TRF5)
ReferÊncias legislativas : LEG-FED LEI-6899 ANO-1981 LEG-FED SUM-121 (STF) LEG-FED LEI-8004 ANO-1990 ART-23 CC-02 Código Civil LEG-FED LEI-10406 ANO-2002 ART-406 CTN-66 Codigo Tributario Nacional LEG-FED LEI-5172 ANO-1966 ART-161 PAR-1 CPC-73 Código de Processo Civil LEG-FED LEI-5869 ANO-1973 ART-21 ART-535 LEG-FED DEL-2164 ANO-1984 ART-9 PAR-4 LEG-FED LEI-8177 ANO-1991 LEG-FED SUM-295 (STJ) LEG-FED SUM-93 (STJ) LEG-FED SUM-207 (STJ) LEG-FED LEI-8692 ANO-1993 CDC-90 Código de Defesa do Consumidor LEG-FED LEI-8078 ANO-1990 ART-42 PAR-UNICO
Votantes : Desembargador Federal José Maria Lucena Desembargador Federal Francisco Cavalcanti Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira
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