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Jurisprudência


TRF5 2004.80.00.007114-5 200480000071145

Ementa
PENAL E PROCESSUAL PENAL. PECULATO. ART. 312 DO CÓDIGO PENAL. TRANSFERÊNCIAS FRAUDULENTAS DE RECURSOS DO SUS - SECRETARIA DE SAÚDE DO ESTADO DE ALAGOAS (SESAU). LAVAGEM DE DINHEIRO. ART. 1º, PARÁGRAFO 2º, I, DA LEI Nº 9.613/1998. DESVIO DE RECURSOS PÚBLICOS FEDERAIS ORIUNDOS DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. NULIDADES PROCESSUAIS. CERCEAMENTO DE DEFESA PELA AUSÊNCIA DE INTERROGATÓRIO E INDEFERIMENTO DE DILIGÊNCIA REQUERIDA. INOCORRÊNCIA. PRELIMINARES REJEITADAS. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS. FIRMADO O CRIME ANTECEDENTE, DE PECULATO, RESTA CARACTERIZADO O CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO. DOSIMETRIA DAS PENAS. OCORRÊNCIA DE BIS IN IDEM. ELEVAÇÃO DA CULPABILIDADE JÁ CARACTERIZADA NO TIPO DA CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO DO DO ART. 327, PARÁGRAFO 2, DO CÓDIGO PENAL. INSURGÊNCIA DO ÓRGÃO ACUSADOR NA PARTE EM QUE A SENTENÇA ABSOLVEU CORRÉUS. AUSENTE CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE E DE PROVA SUFICIENTE À CONDENAÇÃO. APELAÇÃO DO RÉU EDUARDO MARTINS MENEZES PARCIALMENTE PROVIDA. APELAÇÕES MANEJADAS PELOS DEMAIS CORRÉUS E PELO ÓRGÃO ACUSADOR IMPROVIDAS. I. Noticia a peça acusatória um esquema criminoso em que o acusado Eduardo Martins Menezes, que na Secretaria de Saúde do Estado de Alagoas (SESAU) reunia atribuições de contador e controlador das finanças, com o poder de dirigir o fluxo financeiro e adequar a contabilidade a suas decisões, e assim era o homem-chave e exercia o papel de mentor intelectual no esquema de desvio de dinheiro público da saúde, associou-se aos demais denunciados para auferir e compartir recursos federais repassados, em sua quase totalidade, do Fundo Nacional do Saúde (FNS) ao Fundo Estadual de Saúde (FES), mediante falsificação de assinaturas e outros ardis, de forma a transferir indevidamente aqueles valores recebidos para pessoas físicas e jurídicas inteiramente alheias ao SUS, movimentando contas bancárias mediante meros ofícios, em valores, à época dos fatos, superiores a R$ 1.100.000,00 (um milhão e cem mil reais), restando eles denunciados pelo cometimento do capitulado no art. 312 do Código Penal e no art. 1º da Lei nº 9.613/1998. II. Em seus respectivos apelos, a defesa dos réus, ao final condenados, no caso Eduardo Martins Menezes, Bruno Sobral Menezes e João Amaral Menezes Neto, aduz-se, em preliminar, a incompetência da Justiça Federal, a ilegitimidade do Ministério Público Federal, a nulidade processual por cerceamento de defesa - ausência de interrogatório e indeferimento de diligência requerida tempestivamente. No mérito, não se sustentar a acusação pela prática do crime de peculato e inocorrer o delito de lavagem de dinheiro. Por fim, subsidiariamente, a desproporcionalidade das penas aplicadas e o erro de cálculo quando da majoração pela continuidade delitiva. III. O órgão acusador, em sua insurgência, a necessidade de condenação dos réus ao final absolvidos, no caso Fabrício Barros Limeira, José Arnóbio Limeira Júnior e José Roberto Matos dos Santos, ao fundamento de que as provas carreadas aos autos se mostram bastante e aptas à condenação, com base na Teoria da Cegueira Deliberada, restando demonstrada a potencial consciência da ilicitude. IV. Em se tratando de desvio de recursos, ainda que no âmbito estadual, oriundos de dotações provenientes do orçamento da União destinadas ao Sistema Único de Saúde (SUS), a incidir a hipótese do inciso IV do art. 109 da Constituição da República e, por analogia, a Súmula nº 208 do Superior Tribunal de Justiça, que confere à Justiça Federal a competência para processar e julgar prefeito municipal por desvio de verbas sujeitas à prestação de contas perante órgão federal. Precedentes: STF, Pl., RE-196982/PR, rel. Min. Néri da Silveira, j. 20.02.1997; STJ, 3ªS., CC-122376/RJ, rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe 22.08.2012. V. Firmada a competência da Justiça Federal, de igual sorte a legitimidade ativa do Ministério Público Federal. VI. Não há que se falar em nulidade processual por cerceamento de defesa, pela ausência de interrogatório dos réus, tendo em vista que em um primeiro momento, foi deferido o adiamento perseguido, não logrando a defesa, quanto à segunda audiência aprazada, justificar a contendo o novo pedido, seja por formalizado o pedido pouco antes do horário designado, ou seja, às 12h30 da mesma data, quando pautada para às 14h, fundado em coincidência de datas com julgamento de processos eleitorais, nos quais o defensor igualmente atuaria, contudo sem trazer aos autos, como firmado na decisão, qualquer comprovação de neles atuar; o não comparecimento dos réus Eduardo Martins Menezes e Bruno Sobral Menezes, representados por defensores distintos, quando o desse último se fez presente à audiência, com uma mera justificativa de incompatibilidade entre as defesas, o que realmente não constitui motivo para o não comparecimento desse último réu. VII. Inexiste nulidade processual quando a própria parte tiver dado causa, no caso haver sido, quando do adiamento da primeira audiência aprazada, advertida a defesa de que o não comparecimento acarretaria o prosseguimento do feito sem a realização do ato processual em apreço. VIII. Não logrou a defesa fundamentar, a contento, a diligência pretendida, de se exigir a apresentação de diploma de curso superior relacionado à natureza dos exames realizados, além do que, possuem os peritos oficiais fé pública, pelo que seria desnecessária a pretendida comprovação e, ainda, a apontada exigência apenas se verifica quando, na ausência de perito oficial, será substituído por duas pessoas às quais se exige idoneidade e possuir diploma de curso superior, preferencialmente na área específica, nos termos do art. 159, parágrafo 1º, do Código de Processo Penal. Precedentes: STJ, 5ª T., RESP-1102307, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 15.03.2010; RESP-856225, rel. Min. Laurita Vaz, DJe 28.10.2008). IX. O conjunto probatório coligido aos autos é suficiente a comprovar materialidade e autoria delitivas, em especial, quanto ao corréu Eduardo Martins Menezes, por haver ele se dirigido pessoalmente às agências para fazer a entrega dos ofícios destinados às transferências dos recursos da SESAU, por fundada em testemunho do "inimigo", no caso os servidores daquelas agências, quando se mostra uníssona tal voz, contrária aos seus argumentos, inclusive noticiando que para ali, com idêntico intuito, teria se apresentado a senhora Maria Lúcia de Siqueira e Silva, de posse dos malsinados ofícios, para efetuar uma transferência, inclusive para aquisição de imóvel, se fazendo apresentar como esposa do corréu. X. Consoante apurado junto à SESAU, eventuais dúvidas surgidas quanto à autenticidade dos ofícios determinando as aludidas transferências deveriam ser dirimidas com Eduardo Martins Menezes, ou seja, foi alçado ele à condição de gozar inteira confiança dos empregados das instituições financeiras, situação essa, inclusive, que os fez serem levados a erro no desempenho das suas atribuições. XI. O corréu João Amaral Menezes Neto, em seu interrogatório demonstra-se contraditório ao dizer que a propriedade rural foi registrada em seu nome por ser intuito do seu pai "proteger o patrimônio de Maria Lúcia, amante do seu pai à época", havendo tal titularidade, após, sido transferida a Marilene Rodrigues Teles, empregada doméstica de sua genitora, situação essa que trai a antes alegada proteção patrimonial, sendo se de acrescentar, por oportuno, não caber o alegado erro de tipo pois, ainda do seu interrogatório, "mencionou que seu pai, dizendo que tinha problemas em sua conta e que estava sem receber um dinheiro, lhe perguntou se ele conhecia alguma empresa jurídica", ou seja, uma situação extraordinária, mas que se tornou contumaz, como asseverado no interrogatório do corréu, ora apelado, José Roberto Matos dos Santos ao noticiar que "durante 3 ou 4 meses os saques eram quase quinzenais, que tinha dias que eram dois cheques, sendo um da Caixa e outro do Banco do Brasil", o que demonstra não uma busca de solução a eventual impedimento de movimentar conta, mas uma habitualidade própria do esquema criminoso narrado na peça acusatória, destinado a apropriar-se e desviar recursos públicos oriundos do Sistema Único de Saúde (SUS), repassados à contas específicas da Secretaria de Saúde do Estado de Alagoas, tais como "Teto Financeiro de Média e Alta Complexidade", "Unidade de Emergência", "Ações Estratégicas", dentre outras, valendo-se o corréu Eduardo Matias Menezes, seu mentor intelectual, da sua condição de servidor público que detinha o poder de dirigir o fluxo financeiro e adequar a contabilidade as suas decisões e, assim, movimentá-las com inteira liberdade e sem controle. XII. A culpabilidade, por baseada na "condição de Chefe do Setor de Contabilidade da SESAU" do réu, não se dissocia do tipo penal, eis que já presente nas elementares da causa de aumento do art. 327, parágrafo 2º, do Código Penal, aplicada à pena na terceira fase da dosimetria, pelo que não é de se considerar, nesse fundamento, maior intensidade. XIII. A ponderação quanto à conduta social se mostra contraditória ao reconhecer um "bom conceito social no local onde vive e convive", a induzir circunstância favorável mas, ao final, adota tal fundamento para exasperar a pena. XIV. Adotando-se um critério objetivo diretamente proporcional ao total de circunstâncias favoráveis, desfavoráveis e neutras ao acusado Eduardo Martins Menezes, verifica-se excessivo o quantum apontado na sentença, tendo-se por pertinente um reescalonamento da exasperação da pena base, dentro das respectivas cominações legais, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, para o de peculato, e de 3 (três) a 10 (dez) anos, para o de lavagem de dinheiro, conduzindo-se as penas bases, respectivamente, aos patamares de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 80 (oitenta) dias-multa, para o primeiro crime, e de 4 (quatro) anos de reclusão e 20 dias-multa, para o segundo. XV. Ausente qualquer mácula quanto às demais fases da dosimetria, é de se fixar, após a incidência da causa de aumento do art. 327, parágrafo 2º, do Código Penal, e da continuidade delitiva (art. 71 do Código Penal), em desfavor do corréu Eduardo Martins Menezes as penas em 9 (nove) anos e 3 (três) meses de reclusão e 160 (cento e sessenta) dias-multa, para o crime de peculato, mantida a valoração firmada na sentença em 1/2 (meio) salário mínimo. XVI. As insurgências manejadas por Bruno Sobral Menezes e João Amaral Menezes Neto não merecem prosperar, eis que devidamente aquilatadas as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, sendo, assim, de se manter as reprimendas como firmadas na sentença recorrida. XVII. No que diz respeito aos corréus José Roberto Matos dos Santos, José Arnóbio Limeira Júnior e Fabrício Barros Limeira, absolvidos na instância a quo e objeto da insurgência pelo órgão acusador, o carreado aos autos mostra não terem agido nos exatos termos da peça acusatória, ou seja, com consciência da ilicitude cometida pelo mentor e executores das ações delituosas, no caso o desvio dos recursos públicos destinados ao SUS, inocorrendo a conduta dolosa, além do que não logrou o órgão acusador, em qualquer momento processual, carrear prova suficiente à condenação dos aludidos réus. XVIII. Apelação manejada por Eduardo Martins Menezes parcialmente provida para reformar a sentença e o absolver quanto ao crime de lavagem de dinheiro e, mantida a condenação quanto ao crime de peculato, ajustar a dosimetria da pena e, assim, fixar-lhe, pelas condutas delitivas em que foi condenado, às penas de 9 (nove) anos e 3 (seis) meses de reclusão e 160 (cento e sessenta) dias-multa, mantida a valoração firmada na sentença em 1/2 (meio) salário mínimo e os demais termos da sentença. XIX. Apelações formuladas pelo órgão acusador e pelos réus Bruno Sobral Menezes e João Amaral Menezes Neto improvidas.
Decisão
Unanimidade, em rejeitar as preliminares arguidas pela defesa e, no mérito, à unanimidade, negar provimento às apelações formuladas pelo Ministério Público Federal e pelos réus Bruno Sobral Menezes e José Amaral Menezes Neto e, por maioria de votos, absolver o réu Eduardo Martins Menezes quanto ao crime do art. 1º, parágrafo 2º, I, da Lei nº 9.613/1998, vencido o relator, e, à unanimidade, dar parcial provimento tão somente para ajustar a dosimetria da pena imposta quanto ao crime do art. 312 do Código Penal, nos termos do voto do Relator e das notas taquigráficas que estão nos autos e que fazem parte deste julgado.

Data do Julgamento : 09/08/2016
Data da Publicação : 26/08/2016
Classe/Assunto : ACR - Apelação Criminal - 11476
Órgão Julgador : Segunda Turma
Relator(a) : Desembargador Federal Ivan Lira de Carvalho
Comarca : TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Tipo : Acórdão
Revisor : Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima
Doutrina : AUTOR:Guilherme de Souza Nucci OBRA:Código Penal comentado, 11.ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 438/440 AUTOR:JUNIOR, José Paulo Baltazar e MORO, Sério Fernando OBRA:Lavagem de Dinheiro - comentários à lei pelos juízes das varas especializadas em homenagem ao Ministro Gilson Dipp, Livraria do Advogado, Porto Alegre/RS, 2007, p. 392 e seguintes AUTOR:Guilherme de Souza Nucci OBRA:Código Penal Comentado, 9. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 1056
Referência legislativa : LEG-FED LEI-8080 ANO-1990 ART-4 ART-31 ART-32 PAR-2 ART-33 PAR-4 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED LEI-9613 ANO-1998 ART-1 PAR-1 PAR-2 INC-1 INC-5 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED LEI-11690 ANO-2008 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ***** CPP-41 Codigo de Processo Penal LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-159 PAR-1 ART-286 INC-7 ART-402 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED SUM-208 (STJ) - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED EMC-19 ANO-1998 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ***** CP-40 Codigo Penal LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-327 PAR-2 ART-71 ART-62 INC-5 ART-288 ART-304 ART-61 INC-1 ART-59 ART-65 ART-67 ART-68 ART-155 PAR-4 INC-1 ART-14 INC-2 ART-30 ART-312 (CAPUT) ART-49 PAR-2 ART-20 ART-18 INC-1 INC-2 LET-G - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ***** CF-88 Constituição Federal de 1988 ART-109 INC-4 ART-37 INC-2 ART-198 PAR-ÚNICO ART-71
Fonte da publicação : DJE - Data::26/08/2016 - Página::13
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