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Jurisprudência


TRF5 2004.81.00.023511-9 200481000235119

Ementa
Penal e Processual Penal. Apelação criminal de sentença, f. 787-797, que julgou procedente a pretensão da denúncia, para condenar o acusado, ora apelante, pela prática do crime previsto no art. 1º, inc. I, da Lei 8.137, de 1990, às penas de quatro anos e dezesseis dias de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime semiaberto, e duzentos e quarenta e oito dias-multa. Há uma sentença condenatória, contra a qual se volta o inconformismo da defesa do ora apelante, que esquadrinha questões de ordem prefacial e meritória, esta a fustigar a própria ocorrência do fato, quanto ao elemento subjetivo do crime, e as reprimendas concretizadas no édito condenatório. A pretensão recursal assenta-se em cinco argumentos: o primeiro, de ordem prefacial, na arguição de ofensa ao primado da ampla defesa, contra o indeferimento de prova técnica, f. 813; o segundo, de mérito, ao largo do discurso da materialidade ou da autoria, diretamente sustenta a negativa do dolo, f. 814; o terceiro, na mesma toada do anterior, pleiteia novo enquadramento para a conduta imputada, f. 816, na perspectiva da suspensão condicional do processo; o quarto pauta-se na revisão das sanções impostas na r. sentença, f. 818, e, afinal, converge na substituição da pena privativa de liberdade, f. 820. A narrativa dos fatos se apresenta bastante clara, já na Denúncia, recebida em 9 de julho de 2010, f. 431-432. A acusação formaliza-se, sobretudo, das peças contidas na Representação Fiscal para Fins Penais Representação [Processo nº, 13312.000246/2002-80], da Secretaria da Receita Federal do Brasil, em Sobral, no bojo da qual se constata que os denunciados Francisco Herlânio Pereira Feijão e o ora apelante, Francisco Sérgio Carneiro Liberato, enquanto administradores da empresa Santa Helena Comercial de Alimentos Ltda., prestaram informações falsas ao fisco federal, com desiderato de auferir os benefícios do regime de tributação do SIMPLES, na condição de microempresa, nos exercícios de 1997 a 2001. Do agir escuso dos acusados, segundo a fiscalização, resultou uma apuração de tributos não recolhidos no montante de três milhões, cinquenta e seis mil, noventa e três reais e treze centavos, correspondente a valores de IRPJ e demais contribuições - CSLL, PIS e COFINS, além dos reflexos dos tributos apurados. Consigna-se da sentença, por necessário, ter sido o crédito definitivamente inscrito em dívida ativa em agosto de 2004, que se alinha a informação da Receita Federal, de abril de 2010, no sentido de que não há registro de parcelamento ou quitação do referido débito, f. 421, do Inquérito Policial, em apenso. Quanto ao postulado preliminar, pela realização de perícia contábil, a alegação de cerceamento de defesa não procede. Como bem colocado na sentença, inexiste fundamento jurídico a sustentar a nulidade processual suscitada. O magistrado firma seu convencimento, de forma livre e motivamente, na lei, quando da apreciação do lastro probatório dos autos, por completo, sem estar vinculado à determinada prova específica. No aspecto, há que se destacar que a petição de f. 730-731, cujo objeto de discussão é a diligência administrativa fiscalizatória requerida, foi apresentada intempestivamente, em nome do outro acusado (Francisco Herlânio Pereira Feijão), em relação ao qual o processo e o prazo se encontram suspensos, nos termos do art. 366, do Código de Processo Penal, conforme explicitado na sentença, f. 788. A questão foi dirimida, por força da decisão proferida, à f. 732/733, assaz fundamentada, no respeito à ampla defesa, ao refutar o petitório, inclusive, ao apontar para a inadequação da via escolhida, posto que os referidos questionamentos deveriam ser veiculados em ação ou defesa civil/fiscal própria, não sendo uma petição em processo penal a via adequada para tal pleito, e, com precisão, porque os fatos em apuração não se referem apenas à supressão do IRPJ, mas também à supressão de outros tributos, quais sejam: CSSL, PIS e COFINS. A tanto, soma-se o arremate, posto na r. sentença, de pretender a defesa tão somente procrastinar o julgamento da demanda, criando embaraços desnecessários para o deslinde da quaestio, f. 789. Na busca da verdade real dos fatos, para o julgamento, a perícia técnica apenas se somaria às provas já colhidas, tanto no curso da investigação, quanto em juízo. A diligência requestada, sobretudo, se revela desnecessária para a demonstração da materialidade delitiva, em nada a infirmar os elementos lançados aos autos com a representação fiscal da Receita Federal do Brasil. Passando à discussão do mérito, o debate acerca do dolo não contempla acolhimento, mas, ao contrário da tese defensiva, o reconhecimento da responsabilidade penal do acusado. No caso, houve um procedimento regularmente instaurado por autoridade administrativa, no exercício de suas funções, a investigar um fato que apontava para a ocorrência de prática do suposto ilícito tributário, do que resultou, na denúncia ofertada, a identificação dos contribuintes responsáveis. Na conduta descrita, já se desanuviava presente o elemento subjetivo do tipo penal, o dolo, em discussão. Depois, na instrução, um caderno processual de provas contundentes, documentais e testemunhais, a demonstrar a materialidade do crime Contra a Ordem Tributária (a sonegação fiscal), desenvolvendo-se, no pleno exercício dos princípios constitucionais do contraditório, a acusação e ampla defesa. Não há qualquer vício processual a desmerecer o desfecho do édito condenatório, no que, de pronto, afasto a pretendida desclassificação da conduta e, por conseguinte, a suspensão condicional do processo. Têm os fatos perfeito encaixe no tipo previsto no art. 1º, inc. I, da Lei 8.137, de 1990, in verbis: Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; (...) Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.(...) O dolo deste tipo penal é genérico, que, mediante a omissão de receita, consiste na intenção de concretizar a evasão tributária. O apelante agiu conscientemente, enquanto responsável pela empresa Santa Helena Comercial de Alimentos Ltda., com vontade de suprimir os rendimentos tributáveis, no objetivo de auferir vantagem patrimonial ao burlar o Fisco, com a redução de pagamentos dos tributos federais devidos. A propósito, em resposta ao pleito recursal, transcreve-se parte do decisum esgrimido, nesse ponto específico do exame do acervo probatório: Observa-se, pois, que a Fazenda Federal, durante o procedimento fiscalizatório, já opôs unilateralmente as suas pretensões ao contribuinte, através dos diversos termos e autos apresentados. Caberia, então, ao interessado demonstrar a erronia do lançamento executado pela Administração para que se desobrigasse, o que não logrou fazer. Cumpre esclarecer, por fim, que o lançamento foi efetuado na devida forma da lei, inclusive no que se refere à capitulação legal, apuração da base tributável, cálculo da Contribuição devida, além da descrição dos fatos, como se infere do teor do respectivo auto de infração e que todo o trabalho de auditoria realizado foi efetuado com base nos documentos escriturados pela própria contribuinte (fl. 261v). Importa destacar que se não houve a apresentação de outros documentos e/ou livros fiscais e contábeis da pessoa jurídica ao tempo da fiscalização, ocorrida no exercício de 2002, havendo inclusive informação de que eles teriam sido extraviados, certamente agora, após o transcurso de 12 (doze) anos, não haverá a apresentação deles, o que reforça o posicionamento pela desnecessidade da perícia contábil pretendida pela defesa. Desse modo, afigura-se hígida a fiscalização e a constatação de informações falsas pela empresa Santa Helena Comercial de Alimentos Ltda. com o escopo de auferir os benefícios fiscais do sistema tributário SIMPLES, deixando de recolher o montante de tributos devidos. Resta comprovada, assim, a materialidade do delito previsto no art. 1º, inciso I, da Lei n. 8.1.37/1990, consubstanciada, segundo a exegese do Supremo Tribunal Federal, na existência de créditos tributários constituídos em definitivo, em face de lançamentos procedidos pela autoridade fiscal. Vale referir que o tipo objetivo do art. 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90 tanto se consuma com a omissão de informação (primeira parte do preceito) quanto com a prestação de declaração falsa às autoridades fazendárias (segunda parte do preceito). Quanto à autoria do ilícito, também a r. sentença se nutre de elementos coesos acerca do dolo no agir do apelante, cuja defesa, firmada em alegações, não logra se desincumbir do ônus de demonstrar a veracidade do quanto apregoa. Colhe-se da sentença, nesse sentido: Na hipótese dos autos, consoante cláusula sexta do Contrato Social adunado às fls. 242/243, a gerência da empresa Santa Helena Comercial de Alimentos Ltda. competia ao acusado Francisco Sérgio Carneiro Liberato, embora possuísse o mesmo capital social do outro sócio e réu Francisco Herlânio Pereira Feijão. Demais disso, todos os documentos relativos às intimações acerca do procedimento administrativo fiscal instaurado em face da pessoa jurídica, bem como dos Autos de Infração lavrados, foram assinados pelo acusado Francisco Sérgio Carneiro Liberato, em datas diversas, conforme se depreende às fls. 09 e 16 (em 18/02/2002) e 19, 37, 52, 54, 69, 71 e 85 (em 12/04/2002). As Declarações de Renda da Pessoa Jurídica apontam unicamente o acusado Francisco Sérgio Carneiro Liberato como o responsável pela empresa perante a Secretaria da Receita Federal do Brasil, a teor das cópias anexadas às fls. 87 (IRPJ/98 - SIMPLES), 89 (IRPJ/99 - SIMPLES), 91 (IRPJ/2000 - SIMPLES) e 92 (IRPJ/2001 - SIMPLES). Por sua vez, os Termos de Abertura e Encerramento dos "Livros de Registro de Saídas" da pessoa jurídica também são subscritos exclusivamente pelo acusado Francisco Sérgio Carneiro Liberato, nas diversas datas, conforme se vê às fls. 104 (em 01/01/97), 129 (em 31/12/97), 130 (em 01/01/98), 154 (em 31/12/1998), 155 (em 01/01/1999), 178 (em 31/12/1999), 179 (em 01/01/2000) e 201 (em 31/12/2000). Ainda, a testemunha Kerginaldo Linhares Lima, arrolada tanto pela acusação quanto pela defesa, embora tenha informado que os acusados Francisco Sérgio e Francisco Herlânio gerenciavam a empresa, salientou que o primeiro (Francisco Sérgio) possuía um domínio maior sobre a empresa, o que reforça o convencimento quanto à autoria delitiva em relação a este. Por oportuno, urge consignar que o acusado Francisco Sérgio, em seu interrogatório judicial, atribuiu a responsabilidade pela administração da empresa e pelos recolhimentos/declarações ao Fisco ao outro sócio Francisco Herlânio Pereira Feijão (atualmente em local incerto e não sabido), aduzindo que sua atribuição era restrita ao "corpo de vendas". Todavia, não se vislumbra nos autos qualquer elemento de prova que infirme a conclusão no sentido de que a gerência da pessoa jurídica competia, de fato, ao acusado Francisco Sérgio Carneiro Liberato. Registre-se que não é possível contraditar o interrogatório policial com o judicial, tendo em vista que o acusado, em sede policial, reservou-se ao direito de falar só em juízo (fl. 299). Digno de nota, ainda, a ausência de interesse do advogado de defesa em formular perguntas ao seu cliente por ocasião do interrogatório judicial, e bem assim a ausência de interesse do próprio acusado em acrescentar algo em prol de sua defesa, também em sede de seu interrogatório judicial. Logo, em conformidade com a prova documental colacionada aos autos, não há dúvidas de que o acusado Francisco Sérgio Carneiro Liberato exercia a gerência da pessoa jurídica Santa Helena Comercial de Alimentos Ltda. Assim, o argumento do Réu de que não sabia das divergências entre a escrituração do livro de registro de saída de mercadorias e as informações constantes nas declarações de renda da pessoa jurídica apresenta-se insustentável, pois não pode simplesmente transferir a sua responsabilidade ao outro sócio. Aliás, a mera atribuição de responsabilidade ao outro sócio não exclui a responsabilidade do acusado Francisco Sérgio pela prática criminosa em apreço, ainda mais quando o acusado não apresenta qualquer elemento de prova que demonstre sua total ausência de conhecimento acerca das informações falsas ao Fisco, que culminaram em sonegação de vultosa quantia. Meras alegações não se mostram suficientes para afastar a autoria delitiva. Frise-se que o Diploma Processual Penal, nos termos de seu artigo 156, é categórico quando determina que "a prova da alegação incumbirá a quem a fizer" e, in casu, o Réu nada trouxe aos autos, além de meras alegações, não havendo qualquer prova a confirmá-las. Da conjugação das provas coletadas, emerge a conclusão no sentido de estarem cabalmente comprovadas a materialidade e a autoria da prática delitiva descrita na denúncia. Assim sendo, a condenação do acusado Francisco Sérgio Carneiro Liberato é medida que se impõe. Por outro lado, impende a necessidade de se proceder à revisão da dosimetria das penas. É de se reconhecer a regra da continuidade delitiva, prevista no art. 71, caput, do Código Penal, porquanto há homogeneidade nas ações e desígnios do agente, com o preenchimento dos fatores de ordem objetiva e subjetiva (unidade de desígnios ou vínculo subjetivo entre os eventos). Numa palavra, os crimes cometidos são de mesma espécie, praticados nas mesmas circunstâncias de tempo, lugar e forma de execução, e unidade de desígnios ou vínculos subjetivos entre um evento e outro, portanto considerados único crime. Decerto, as condutas praticadas pelo réu-apelante visavam à redução da carga tributária com a omissão de receitas, constituindo-se a segunda infração continuidade da primeira, tendo periodicidade diante da apuração anual dos tributos, na obrigação, enquanto contribuinte, de apresentar as declarações à Receita Federal. Na perspectiva, particularmente, a pena-base aplicada apresenta-se adequada aos parâmetros da razoabilidade e da proporcionalidade. Quando da análise das circunstâncias judiciais (artigo 59, do Código Penal), o magistrado valorou negativamente as consequências do crime, uma vez que grande foi o montante de tributo sonegado, alcançando o importe de R$ 3.056.093,13, em valores de abril de 2002, para fixar a pena-base em dois anos, cinco meses e quatro dias de reclusão, não vislumbrando circunstância agravante ou atenuante. Tendo em vista a continuidade, considerando que a conduta se repetiu por cinco anos seguidos, majorou a pena provisória em dois terços, tornando-a definitiva, com este aumento, em quatro anos e dezesseis dias de reclusão. A fração do aumento da pena decorrente da aplicação da continuidade delitiva, consoante o entendimento sufragado pelo Superior Tribunal de Justiça, reiteradamente - v. g.: HC 396692, min. Maria Thereza de Assis Moura, Dje de 31 de agosto de 2017; e HC 356275, min. Ribeiro Dantas, Dje de 19 de dezembro de 2016 -, guarda estrita relação com o número de condutas ilícitas praticadas. Pela adoção desse critério, aplica-se: a fração de aumento de 1/6 pela prática de 2 infrações; 1/5, para 3 infrações; 1/4, para 4 infrações; 1/3, para 5 infrações; 1/2, para 6 infrações; e 2/3, para 7 ou mais infrações. Assim definido, passa-se à dosimetria das penas, impondo-se a aplicação do princípio da non reformatio in pejus. Manutenção da pena-base, não se verificando qualquer circunstância agravante ou atenuante. Na terceira fase, em razão da continuidade delitiva, majora-se a pena provisória, em um terço, para, à míngua de causa de aumento ou de diminuição, fixá-la, definitivamente, em três anos, dois meses e vinte dias de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime aberto. Na mesma proporção da pena corporal, fixa-se a pena pecuniária em cento e oitenta dias-multa. Sob o mesmo fundamento da r. sentença - considerando que o acusado era o sócio administrador da pessoa jurídica, com receita bruta superior a R$ 5.000.000,00 no exercício de 2001, pena esta que julgo adequada às circunstâncias do caso e à capacidade financeira do condenado -, mantém-se o valor unitário correspondente a dois salários mínimos, monetariamente corrigidos, na forma legal, desde a época dos fatos. Substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, a serem definidas e aplicadas pelo juízo da execução penal, pois atendidos os termos do artigo 59, inc. IV, do Código Penal, e presentes os requisitos do artigo 44 do mesmo diploma legal. Provimento parcial à apelação.
Decisão
UNÂNIME

Data do Julgamento : 09/01/2018
Data da Publicação : 19/01/2018
Classe/Assunto : ACR - Apelação Criminal - 12820
Órgão Julgador : Segunda Turma
Relator(a) : Desembargador Federal Vladimir Carvalho
Comarca : TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Tipo : Acórdão
Referência legislativa : ***** CP-40 Codigo Penal LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-71 (CAPUT) ART-59 INC-4 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED LEI-8137 ANO-1990 ART-1 INC-1
Fonte da publicação : DJE - Data::19/01/2018 - Página::203
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