TRF5 2004.83.02.005957-1 200483020059571
PROCESSUAL PENAL E PENAL. APELAÇÃO DA ACUSAÇÃO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO EM PERSPECTIVA. INADMISSIBILIDADE. JULGAMENTO DIRETO DA CAUSA MADURA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO EM PARTE PARA O DESMEMBRAMENTO E
RETORNO DOS AUTOS AO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. APELAÇÃO DA DEFESA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. INEXISTÊNCIA. SAQUE INDEVIDO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. TIPIFICAÇÃO DO CRIME DE ESTELIONATO QUALIFICADO. ERRO DE TIPO. INEXISTÊNCIA. ATENUANTE DA
CONFISSÃO. DESCABIMENTO. RECONHECIMENTO DO CRIME CONTINUADO. REVISÃO DA PENA APLICADA. RECURSOS DA ACUSAÇÃO E DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDOS.
1. Apelação do Ministério Público Federal contra sentença que extinguiu a punibilidade em relação a alguns réus, promulgando a prescrição virtual ou em perspectiva. Aplicação da Súmula STJ n.º 438. "É inadmissível a extinção da punibilidade pela
prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal".
2. O julgamento imediato da causa madura consubstancia supressão de instância, mitigando o princípio do duplo grau de jurisdição, que tem especial importância no processo penal por ser considerado direito fundamental, amparado pelo Pacto de São José da
Costa Rica. Impossibilidade de aplicação subsidiária da lei processual civil, vez que para introduzir essa sistemática no julgamento das lides penais seria imprescindível a edição de uma lei, instrumento legítimo para delimitar o âmbito de eficácia dos
direitos fundamentais do réu no processo penal.
3. Hipótese em que é necessário separar os processos para permitir que o julgamento em primeiro grau prossiga sem interferir no julgamento do apelo do corréu remanescente. Medida que atende à conveniência do processo e não traz prejuízo aos direitos dos
envolvidos, pois a instrução foi concluída e não se altera a competência fixada. Aplicação da regra do art. 80 do Código de Processo Penal determinando o desmembramento e retorno dos autos originais ao juízo de primeiro grau.
4. Apelação da defesa que alega prescrição, atipicidade, insuficiência de provas, erro de tipo e aplicação da atenuante da confissão.
5. Inexistência da prescrição da pretensão punitiva. O crime de estelionato qualificado contra a Previdência Social tem pena máxima cominada de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses, sujeitando-se à prescrição em 12 (doze) anos, nos termos dos art. 171,
parágrafo 3º, e 109, inciso III, do Código Penal. O intervalo de tempo de quase 8 (oito) anos entre os fatos imputados ao apelante, ocorridos em 8 de março e 2 de junho de 2005, e o recebimento da denúncia, que se deu em 21 de novembro de 2012, é
insuficiente para implementar a perda da pretensão punitiva estatal. Por outro lado, não é possível extinguir a punibilidade a partir de juízo de prognóstico da pena em perspectiva, na forma pretendida pela defesa, por ausência de previsão legal.
Aplicação da Súmula STJ n.º 438.
6. O saque indevido de dinheiro atinente a benefício previdenciário obtido mediante fraude, com o uso de documentos falsos, em prejuízo do INSS, tipifica o crime de estelionato qualificado contra a Previdência Social, na forma do art. 171, parágrafo 3º,
do Código Penal. Caso em que a acusação comprovou a fraude praticada com o uso de documentos falsos, que ensejou a concessão de benefício previdenciário a pessoa fictícia, bem como os saques que causaram prejuízo ao INSS.
7. Infundadas as alegações de atipicidade por ausência de dolo, de insuficiência de provas e erro de tipo. A autoria dos saques foi provada por meio de fotografias do réu, fato reconhecido pelo próprio apelante, não merecendo crédito a versão da defesa
de que ele desconhecia a fraude ao INSS e acreditava estar auxiliando agiota - já falecido, vítima de homicídio -, a quem supunha que o titular houvesse cedido o cartão do benefício. É inegável que o réu, professor da rede pública municipal,
locupletou-se do dinheiro com plena consciência de que não fazia jus ao benefício, sendo que o saque utilizando cartão obtido de forma fraudulenta já seria bastante para caracterizar o crime a ele imputado. Não colhe a alegação de que a conduta se deu
em prejuízo de particular, pois a atuação da organização criminosa baseava-se na criação de identidades falsas para a obtenção fraudulenta de benefícios, de maneira que o particular simplesmente não existe e o prejuízo se deu em desfavor do INSS.
8. A atenuante da confissão espontânea, prevista no art. 65, III, "d" do Código Penal, só tem aplicação quando serve para fundamentar a sentença. Hipótese em que o réu somente reconheceu fatos que não podia negar, pois que comprovados por provas
documentais (fotografias), ao tempo em que negou a consciência da ilicitude de sua conduta, de modo que o reconhecimento de ter sacado valores do benefício previdenciário em nada contribuiu o decreto condenatório.
9. Caso em que a dosimetria da pena que se mostrou justa e adequada ao caso concreto em que, havendo verificado a elevada culpabilidade e maus antecedentes, o juiz fixou a pena-base em 2 (dois) anos de reclusão e 97 (noventa e sete) dias multa, majorada
em um terço, por força do 3º, do art. 171 do Código Penal, restando a pena definitiva fixada em 2 (dois anos) e 8 (oito) meses de reclusão e 129 (cento e vinte e nove) dias-multa, para cada delito. Todavia, impende afastar o concurso material, pois o
réu, através de mais de uma conduta, praticou dois crimes da mesma espécie (idênticos), com o mesmo modo de execução e em circunstâncias semelhantes de tempo, sendo descabida a soma das penas, aplicando-se ao revés a regra do crime continuado,
estabelecida no art. 71 do Código Penal, ficando o réu condenado a 3 (três) anos e 1 (um) mês de reclusão e 300 (trezentos) dias-multa.
10. Mantido o regime inicial semi-aberto para o início do cumprimento da pena privativa de liberdade tendo em vista as circunstâncias judiciais observadas e por ser o condenado reincidente, nos termos do art. 33, parágrafo 2º, Código Penal. O réu não
satisfaz os requisitos do art. 44, I a III, do Código Penal, uma vez que é reincidente em crime doloso, não sendo cabível nem a substituição nem a suspensão condicional da pena.
11. Recursos da acusação e da defesa providos em parte.
Ementa
PROCESSUAL PENAL E PENAL. APELAÇÃO DA ACUSAÇÃO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO EM PERSPECTIVA. INADMISSIBILIDADE. JULGAMENTO DIRETO DA CAUSA MADURA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO EM PARTE PARA O DESMEMBRAMENTO E
RETORNO DOS AUTOS AO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. APELAÇÃO DA DEFESA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. INEXISTÊNCIA. SAQUE INDEVIDO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. TIPIFICAÇÃO DO CRIME DE ESTELIONATO QUALIFICADO. ERRO DE TIPO. INEXISTÊNCIA. ATENUANTE DA
CONFISSÃO. DESCABIMENTO. RECONHECIMENTO DO CRIME CONTINUADO. REVISÃO DA PENA APLICADA. RECURSOS DA ACUSAÇÃO E DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDOS.
1. Apelação do Ministério Público Federal contra sentença que extinguiu a punibilidade em relação a alguns réus, promulgando a prescrição virtual ou em perspectiva. Aplicação da Súmula STJ n.º 438. "É inadmissível a extinção da punibilidade pela
prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal".
2. O julgamento imediato da causa madura consubstancia supressão de instância, mitigando o princípio do duplo grau de jurisdição, que tem especial importância no processo penal por ser considerado direito fundamental, amparado pelo Pacto de São José da
Costa Rica. Impossibilidade de aplicação subsidiária da lei processual civil, vez que para introduzir essa sistemática no julgamento das lides penais seria imprescindível a edição de uma lei, instrumento legítimo para delimitar o âmbito de eficácia dos
direitos fundamentais do réu no processo penal.
3. Hipótese em que é necessário separar os processos para permitir que o julgamento em primeiro grau prossiga sem interferir no julgamento do apelo do corréu remanescente. Medida que atende à conveniência do processo e não traz prejuízo aos direitos dos
envolvidos, pois a instrução foi concluída e não se altera a competência fixada. Aplicação da regra do art. 80 do Código de Processo Penal determinando o desmembramento e retorno dos autos originais ao juízo de primeiro grau.
4. Apelação da defesa que alega prescrição, atipicidade, insuficiência de provas, erro de tipo e aplicação da atenuante da confissão.
5. Inexistência da prescrição da pretensão punitiva. O crime de estelionato qualificado contra a Previdência Social tem pena máxima cominada de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses, sujeitando-se à prescrição em 12 (doze) anos, nos termos dos art. 171,
parágrafo 3º, e 109, inciso III, do Código Penal. O intervalo de tempo de quase 8 (oito) anos entre os fatos imputados ao apelante, ocorridos em 8 de março e 2 de junho de 2005, e o recebimento da denúncia, que se deu em 21 de novembro de 2012, é
insuficiente para implementar a perda da pretensão punitiva estatal. Por outro lado, não é possível extinguir a punibilidade a partir de juízo de prognóstico da pena em perspectiva, na forma pretendida pela defesa, por ausência de previsão legal.
Aplicação da Súmula STJ n.º 438.
6. O saque indevido de dinheiro atinente a benefício previdenciário obtido mediante fraude, com o uso de documentos falsos, em prejuízo do INSS, tipifica o crime de estelionato qualificado contra a Previdência Social, na forma do art. 171, parágrafo 3º,
do Código Penal. Caso em que a acusação comprovou a fraude praticada com o uso de documentos falsos, que ensejou a concessão de benefício previdenciário a pessoa fictícia, bem como os saques que causaram prejuízo ao INSS.
7. Infundadas as alegações de atipicidade por ausência de dolo, de insuficiência de provas e erro de tipo. A autoria dos saques foi provada por meio de fotografias do réu, fato reconhecido pelo próprio apelante, não merecendo crédito a versão da defesa
de que ele desconhecia a fraude ao INSS e acreditava estar auxiliando agiota - já falecido, vítima de homicídio -, a quem supunha que o titular houvesse cedido o cartão do benefício. É inegável que o réu, professor da rede pública municipal,
locupletou-se do dinheiro com plena consciência de que não fazia jus ao benefício, sendo que o saque utilizando cartão obtido de forma fraudulenta já seria bastante para caracterizar o crime a ele imputado. Não colhe a alegação de que a conduta se deu
em prejuízo de particular, pois a atuação da organização criminosa baseava-se na criação de identidades falsas para a obtenção fraudulenta de benefícios, de maneira que o particular simplesmente não existe e o prejuízo se deu em desfavor do INSS.
8. A atenuante da confissão espontânea, prevista no art. 65, III, "d" do Código Penal, só tem aplicação quando serve para fundamentar a sentença. Hipótese em que o réu somente reconheceu fatos que não podia negar, pois que comprovados por provas
documentais (fotografias), ao tempo em que negou a consciência da ilicitude de sua conduta, de modo que o reconhecimento de ter sacado valores do benefício previdenciário em nada contribuiu o decreto condenatório.
9. Caso em que a dosimetria da pena que se mostrou justa e adequada ao caso concreto em que, havendo verificado a elevada culpabilidade e maus antecedentes, o juiz fixou a pena-base em 2 (dois) anos de reclusão e 97 (noventa e sete) dias multa, majorada
em um terço, por força do 3º, do art. 171 do Código Penal, restando a pena definitiva fixada em 2 (dois anos) e 8 (oito) meses de reclusão e 129 (cento e vinte e nove) dias-multa, para cada delito. Todavia, impende afastar o concurso material, pois o
réu, através de mais de uma conduta, praticou dois crimes da mesma espécie (idênticos), com o mesmo modo de execução e em circunstâncias semelhantes de tempo, sendo descabida a soma das penas, aplicando-se ao revés a regra do crime continuado,
estabelecida no art. 71 do Código Penal, ficando o réu condenado a 3 (três) anos e 1 (um) mês de reclusão e 300 (trezentos) dias-multa.
10. Mantido o regime inicial semi-aberto para o início do cumprimento da pena privativa de liberdade tendo em vista as circunstâncias judiciais observadas e por ser o condenado reincidente, nos termos do art. 33, parágrafo 2º, Código Penal. O réu não
satisfaz os requisitos do art. 44, I a III, do Código Penal, uma vez que é reincidente em crime doloso, não sendo cabível nem a substituição nem a suspensão condicional da pena.
11. Recursos da acusação e da defesa providos em parte.Decisão
UNÂNIME
Data do Julgamento
:
20/06/2017
Data da Publicação
:
27/06/2017
Classe/Assunto
:
ACR - Apelação Criminal - 14204
Órgão Julgador
:
Segunda Turma
Relator(a)
:
Desembargador Federal Frederico Dantas
Comarca
:
TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
LEG-FED RGI-000000 ART-333 INC-1 (STF)
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***** CPC-15 Código de Processo Civil
LEG-FED LEI-13105 ANO-2015 ART-1013 PAR-4 ART-644
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***** CP-40 Codigo Penal
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-109 INC-3 ART-171 PAR-3 ART-71 ART-33 PAR-2 ART-44 INC-1 INC-2 INC-3 ART-20 PAR-1 ART-65 INC-3 LET-D
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LEG-FED SUM-438 (STJ)
Fonte da publicação
:
DJE - Data::27/06/2017 - Página::37