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Jurisprudência


TRF5 200483000060269

Ementa
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. PENSIONISTA DE SERVIDOR PÚBLICO MILITAR DA AERONÁUTICA. CIRURGIA CARDÍACA. INTERNAÇÃO EM HOSPITAL PARTICULAR. PÓS-OPERATÓRIO. SOLICITAÇÃO DE HOSPITAL PÚBLICO MILITAR DE TRANSFERÊNCIA DA PACIENTE ÀS SUAS INSTALAÇÕES. GRAVIDADE DO ESTADO DE SAÚDE. TEMERIDADE DA EFETIVAÇÃO DO DESLOCAMENTO. OPOSIÇÃO DA FAMÍLIA. COMUNICAÇÃO DO ENTE PÚBLICO DE NÃO COBERTURA DAS DESPESAS EM FUNÇÃO DA RECUSA. INADMISSIBILIDADE. DIREITO À SAÚDE. DEVER DO ESTADO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. 1. Remessa necessária e apelação interposta contra sentença de procedência do pedido de condenação do ente público ao pagamento de todas as despesas pelo tratamento de saúde da autora, enquanto internada em estabelecimento hospitalar particular, por impossibilidade de sua movimentação a hospital público militar. 2. Nos termos da Norma Constitucional (arts. 5o, 6o e 196), o direito à saúde é marcado por sua "fundamentalidade", considerando-se mesmo que sua garantia é expressão de resguardo da própria vida, maior bem de todos, do qual os demais direitos extraem sentido. Analisando o conceito de "fundamentalidade", J J Gomes Canotilho concebe-o sob duas perspectivas: a "fundamentalidade formal", correspondente à constitucionalização, à localização de direitos reputados fundamentais no ápice da pirâmide normativa, com as conseqüências, desse fato, derivadas - demarcação das possibilidades do ordenamento jurídico e vinculatividade dos poderes públicos -, e a "fundamentalidade material", identificadora dos direitos fundamentais a partir do seu conteúdo "constitutivo das estruturas básicas do Estado e da sociedade", permissiva do reconhecimento de outros direitos não expressamente tipificados no rol constitucional, mas equiparáveis em dignidade e relevância aos direitos formalmente constitucionais ("norma de fattispecie aberta"). Em ambas as visões, exsurge a magnitude da essencialidade, embora seja patente a maior significância compreensiva da segunda. "No qualificativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados" (José Afonso da Silva). Os direitos fundamentais cumprem, nessa contextura, determinadas funções: exigem prestações do Estado, protegem diante do poder público e de terceiros, fomentam a paridade entre os indivíduos, designam os alicerces sobre os quais se constrói e se orienta o ordenamento jurídico ("eficácia irradiante"). Têm força, ao mesmo tempo, por assim dizer, de princípio e de regra. 3. Dos autos se extrai que a autora, inicialmente atendida pelo Hospital da Aeronáutica, na condição de pensionista de militar, foi por ele mesmo encaminhada a hospital particular, para fins de realização de cirurgia cardíaca. Vê-se, ainda, dos autos, que, após a intervenção cirúrgica, o hospital público militar solicitou o retorno da paciente operada às suas instalações, onde deveria ser acompanhada na convalescença, medida que não restou acatada pela família, considerada a delicadeza do estado de saúde da autora. Em função da recusa, a instituição pública comunicou ao hospital particular que as despesas passariam a ser custeadas pela família da paciente, por se considerar uma opção a permanência da autora na entidade privada. 4. Não sendo - como não era - possível o deslocamento da paciente, do hospital privado ao público, tendo em conta a gravidade do seu estado de saúde, não poderia o Estado isentar-se da obrigação de custear a sua (dela) necessária (não opcional) permanência no estabelecimento hospitalar particular, sob pena de descumprimento do seu dever constitucional de garantir o direito à saúde dos administrados. 5. A comprovação, nos autos, da gravidade da situação de saúde da paciente é inequívoca. Primeiro, foi atestada pelo médico coordenador da unidade de recuperação cárdio-torácica do hospital privado (" [...] em face a seu estado de saúde atual, em pós-operatório de cirurgia cardíaca, apresentando oscilação de seu estado hemodinâmico, dependente de assistência ventilatória mecânica e agitação psicomotora, considero no momento temerária a sua transferência deste hospital para qualquer outro [...]"). Depois, o óbito que sobreveio (especialmente considerada a causa da morte constante da certidão cartorária, que incluiu o status pós-operatório) refletiu uma anterior condição exigente de grande cuidado no acompanhamento da paciente, o que não se coadunaria com a remoção exigida pelo ente público, quando seu estado de saúde sequer havia sido estabilizado após a intervenção. 6. Sem qualquer demérito à qualidade dos serviços do hospital público, se o médico responsável da instituição privada atesta, inclusive por dever, o grande risco à saúde da paciente, em caso de deslocamento, não se poderia simplesmente acatar a alegação do ente público de que a remoção seria admissível sem sustos, mormente quando não traz qualquer elemento de prova que infirme o diagnóstico do médico particular. 7. Não se afina com o razoável o argumento da União de que a transferência se daria sob a responsabilidade do ente público, que poderia, inclusive, ser acionado, para fins indenizatórios, em caso de "hipotético infortúnio". Entre assegurar a sobrevida, com a não remoção, e reconhecer direito à indenização pela morte ou danos outros derivados eventualmente do deslocamento, a preferência absoluta é pela primeira providência. 8. Não cria, este julgamento, um "precedente perigoso", no dizer da apelante, porquanto demandas deste jaez exigem análise casuística, o que torna a solução dada apropriada apenas ao caso concreto e dependendo, outros feitos, de exame das especificidades que o tornam único. 9. Pelo não provimento da remessa necessária, tida por interposta, e da apelação. (PROCESSO: 200483000060269, AC417735/PE, DESEMBARGADORA FEDERAL JOANA CAROLINA LINS PEREIRA (CONVOCADA), Primeira Turma, JULGAMENTO: 14/02/2008, PUBLICAÇÃO: DJ 15/04/2008 - Página 508)

Data do Julgamento : 14/02/2008
Classe/Assunto : Apelação Civel - AC417735/PE
Órgão Julgador : Primeira Turma
Relator(a) : Desembargadora Federal Joana Carolina Lins Pereira (Convocada)
Comarca : Tribunal Regional Federal - 5ª Região
Código do documento : 155949
PublicaÇÕes : Diário da Justiça (DJ) - 15/04/2008 - Página 508
DecisÃo : UNÂNIME
Doutrinas : Obra: DIREITO CONSTITUCIONAL E TEORIA DA CONSTITUIÇÃO Autor: J.J. GOMES CANOTILHO
Obraautor: : OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E SEUS MÚLTIPLOS SIFNIFICADOS NA ORDEM CONSTITUCIONAL GILMAR FERREIRA MENDES
ReferÊncias legislativas : CF-88 Constituição Federal de 1988 ART-5 ART-6 ART-196
Votantes : Desembargador Federal Ubaldo Ataíde Cavalcante Desembargador Federal Francisco Cavalcanti
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