TRF5 2005.83.02.001393-9 200583020013939
CONSTITUCIONAL. CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AUTORIZAÇÃO DA FUNAI EM 1981 PARA EXPLORAÇÃO DE RECURSOS HÍDRICOS EM TERRAS INDÍGENAS. ANULAÇÃO DA OUTORGA PELA CARTA MAGNA DE 1988. AUSÊNCIA DE CONSENTIMENTO PARLAMENTAR. COMPENSAÇÃO AOS ÍNDIOS EM CARÁTER
INDENIZATÓRIO. NECESSIDADE DE ELABORAÇÃO DE PROJETO E EXECUÇÃO PARA OUTRO SISTEMA DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA DESTINADO À POPULAÇÃO DE ÁGUAS BELAS/PE. INEXISTÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL.
I. Apelações de sentença que, em ação civil pública, julgou parcialmente procedente o pedido, para determinar que a COMPESA, sem prejuízo à população não indígena, programe e execute, no prazo máximo de 1 (um) ano, outro sistema de abastecimento de água
destinado à população de Águas Belas/PE, abstendo-se do uso de recursos hídricos de usufruto exclusivo dos índios, sob pena de multa de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) por dia. Condenou a COMPENSA a pagar mensalmente, por meio da FUNAI, o percentual
de 20% da arrecadação mensal da cidade de Águas Belas/PE com a prestação dos serviços de água e saneamento, observados a prescrição quinquenal e cumprimento integral do item acima, bem como a dispensa da comunidade indígena do pagamento da tarifa pelo
uso da água captada na respectiva reserva.
II. A COMPESA recorre alegando que a sentença é nula por cerceamento de defesa, em face do indeferimento do pedido de esclarecimentos ao perito. Defende que há mais de 30 anos possui um termo de ajuste com a FUNAI para utilização do manancial, arcando
com várias indenizações em favor dos índios. Diz que a participação dos índios no resultado das lavras previstas no parágrafo 3º, do art. 231, da CF está condicionada à edição de uma lei específica, pois se trata de norma de eficácia limitada e que o
próprio Juiz monocrático utilizou, por analogia, a Lei nº 7.990/89 que fixa o percentual de 6% para compensação financeira da União em favor de entes federados, o que evidencia o excesso na determinação de pagamento do percentual de 20% da arrecadação
mensal da cidade de Águas Belas/PE com a prestação dos serviços de água e saneamento, aos índios. Aduz que é impossível a cumulação de indenização com obrigação de fazer em ação civil pública e que o prazo de um ano não se mostra razoável para programar
e executar o projeto de implantação de um sistema alternativo para abastecimento de água no município em questão, diante da necessidade de reservar a despesa na lei orçamentária. Afirma que a imposição pelo Poder Judiciário a construção do sistema de
abastecimento de água, não se harmoniza como princípio da separação dos Poderes (art. 2º da CF).
III. A FUNAI apela requerendo que seja reconhecida a imprescritibilidade do direito dos índios à compensação pelo uso de suas terras, bem como que o valor da indenização alcance todo o período de retirada das águas.
IV. O MPF recorre afirmando que não é possível falar em prescrição quinquenal ou de qualquer outro prazo prescricional para o caso, uma vez que a hipótese é de imprescritibilidade da pretensão deduzida na inicial, requerendo a condenação ao pagamento da
indenização aos indígenas por todo o período de captação das águas, retroativa ao ano de 1981, data em que se iniciou a "usurpação" dos recursos.
V. O inquérito civil não é imprescindível para o ajuizamento da ação civil pública, sendo facultativo ao MPF, nos termos do art. 8º, parágrafo 1º, da Lei nº 7.347/85.
VI. Inexistindo omissão no laudo técnico, não há que se falar em necessidade de intimação do expert para prestar esclarecimentos, quando dada oportunidade às partes, no curso do processo, para trazer novos documentos, sem sucesso.
VII. Fica afastada a alegação de cumulação indevida de pedidos, pois inexiste óbice ao conhecimento das pretensões de condenação da obrigação de fazer, concernente na elaboração de projeto para o abastecimento de água do Município de Águas Belas/PE,
juntamente com obrigação com indenização pelos prejuízos causados.
VIII. O contexto revelado pelos autos é o de que a COMPESA extrai das terras tradicionalmente ocupadas pela tribo FULNI-Ô os recursos hídricos de que se vale para garantir o fornecimento de água à população Águas Belas/PE apesar de a Constituição
Federal, em seu art. 231, parágrafo 2º, dispor claramente que aos índios cabe o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
IX. Em decorrência da usurpação do direito dos índios de usufruto exclusivo dos recursos hídricos que brotam da área que ocupam, cabível uma compensação correspondente ao percentual de 20% (vinte por cento) da receita total auferida mensalmente pela
concessionária de serviço público no Município de Águas Belas/PE, impulsionando a COMPESA a viabilizar o mais rápido possível, a exploração de uma nova fonte aquosa, sendo certo que a alegação de prejuízo não pode servir de óbice ao parâmetro ora
fixado, cabendo à Administração da empresa adotar as medidas necessárias.
X. Não se faz razoável o prazo fixado na sentença de 1 (um) ano para que seja programado e executado outro sistema de abastecimento de água destinado à população de Águas Belas/PE, pelo que deve ser ampliado para 5 (cinco) anos.
XI. Nos termos do art. 231, parágrafo 4º, da CF, as terras ocupadas pelos índios são inalienáveis, indisponíveis, e os direitos sobre elas imprescritíveis. Contudo, o caso dos autos não se trata de prescrição aquisitiva, mas de indenização, na forma de
compensação, pelo uso de recursos hídricos, para fornecimento de água à população, inclusive a indígena da região.
XII. Trata-se de prescrição de trato sucessivo, na medida que o pagamento se divide em meses e anos, em parcelas pelo uso de recurso hídricos, estando prescritas as parcelas vencidas que antecederam ao cinco anos do ajuizamento da ação.
XIII. Descabida à cominação de multa por descumprimento de decisão judicial, efetuada pelo Juízo de origem, mercê do entendimento consagrado na egrégia Segunda Turma deste Regional quanto à inoportunidade das astreintes contra a Fazenda Pública.
Precedente: TRF 5ª Região, proc. 08026663720154050000, rel. Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, julg. 25.11.2015.
XIV. Apelações da FUNAI e do MPF improvidas.
XV. Apelação da COMPESA parcialmente provida, para retirar da condenação a multa (astreintes) aplicada, bem como para reconhecer que o prazo fixado na sentença de 1 (um) ano para que seja programado e executado outro sistema de abastecimento de água
destinado à população de Águas Belas/PE, deve ser ampliado para 5 (cinco) anos.
Ementa
CONSTITUCIONAL. CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AUTORIZAÇÃO DA FUNAI EM 1981 PARA EXPLORAÇÃO DE RECURSOS HÍDRICOS EM TERRAS INDÍGENAS. ANULAÇÃO DA OUTORGA PELA CARTA MAGNA DE 1988. AUSÊNCIA DE CONSENTIMENTO PARLAMENTAR. COMPENSAÇÃO AOS ÍNDIOS EM CARÁTER
INDENIZATÓRIO. NECESSIDADE DE ELABORAÇÃO DE PROJETO E EXECUÇÃO PARA OUTRO SISTEMA DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA DESTINADO À POPULAÇÃO DE ÁGUAS BELAS/PE. INEXISTÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL.
I. Apelações de sentença que, em ação civil pública, julgou parcialmente procedente o pedido, para determinar que a COMPESA, sem prejuízo à população não indígena, programe e execute, no prazo máximo de 1 (um) ano, outro sistema de abastecimento de água
destinado à população de Águas Belas/PE, abstendo-se do uso de recursos hídricos de usufruto exclusivo dos índios, sob pena de multa de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) por dia. Condenou a COMPENSA a pagar mensalmente, por meio da FUNAI, o percentual
de 20% da arrecadação mensal da cidade de Águas Belas/PE com a prestação dos serviços de água e saneamento, observados a prescrição quinquenal e cumprimento integral do item acima, bem como a dispensa da comunidade indígena do pagamento da tarifa pelo
uso da água captada na respectiva reserva.
II. A COMPESA recorre alegando que a sentença é nula por cerceamento de defesa, em face do indeferimento do pedido de esclarecimentos ao perito. Defende que há mais de 30 anos possui um termo de ajuste com a FUNAI para utilização do manancial, arcando
com várias indenizações em favor dos índios. Diz que a participação dos índios no resultado das lavras previstas no parágrafo 3º, do art. 231, da CF está condicionada à edição de uma lei específica, pois se trata de norma de eficácia limitada e que o
próprio Juiz monocrático utilizou, por analogia, a Lei nº 7.990/89 que fixa o percentual de 6% para compensação financeira da União em favor de entes federados, o que evidencia o excesso na determinação de pagamento do percentual de 20% da arrecadação
mensal da cidade de Águas Belas/PE com a prestação dos serviços de água e saneamento, aos índios. Aduz que é impossível a cumulação de indenização com obrigação de fazer em ação civil pública e que o prazo de um ano não se mostra razoável para programar
e executar o projeto de implantação de um sistema alternativo para abastecimento de água no município em questão, diante da necessidade de reservar a despesa na lei orçamentária. Afirma que a imposição pelo Poder Judiciário a construção do sistema de
abastecimento de água, não se harmoniza como princípio da separação dos Poderes (art. 2º da CF).
III. A FUNAI apela requerendo que seja reconhecida a imprescritibilidade do direito dos índios à compensação pelo uso de suas terras, bem como que o valor da indenização alcance todo o período de retirada das águas.
IV. O MPF recorre afirmando que não é possível falar em prescrição quinquenal ou de qualquer outro prazo prescricional para o caso, uma vez que a hipótese é de imprescritibilidade da pretensão deduzida na inicial, requerendo a condenação ao pagamento da
indenização aos indígenas por todo o período de captação das águas, retroativa ao ano de 1981, data em que se iniciou a "usurpação" dos recursos.
V. O inquérito civil não é imprescindível para o ajuizamento da ação civil pública, sendo facultativo ao MPF, nos termos do art. 8º, parágrafo 1º, da Lei nº 7.347/85.
VI. Inexistindo omissão no laudo técnico, não há que se falar em necessidade de intimação do expert para prestar esclarecimentos, quando dada oportunidade às partes, no curso do processo, para trazer novos documentos, sem sucesso.
VII. Fica afastada a alegação de cumulação indevida de pedidos, pois inexiste óbice ao conhecimento das pretensões de condenação da obrigação de fazer, concernente na elaboração de projeto para o abastecimento de água do Município de Águas Belas/PE,
juntamente com obrigação com indenização pelos prejuízos causados.
VIII. O contexto revelado pelos autos é o de que a COMPESA extrai das terras tradicionalmente ocupadas pela tribo FULNI-Ô os recursos hídricos de que se vale para garantir o fornecimento de água à população Águas Belas/PE apesar de a Constituição
Federal, em seu art. 231, parágrafo 2º, dispor claramente que aos índios cabe o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
IX. Em decorrência da usurpação do direito dos índios de usufruto exclusivo dos recursos hídricos que brotam da área que ocupam, cabível uma compensação correspondente ao percentual de 20% (vinte por cento) da receita total auferida mensalmente pela
concessionária de serviço público no Município de Águas Belas/PE, impulsionando a COMPESA a viabilizar o mais rápido possível, a exploração de uma nova fonte aquosa, sendo certo que a alegação de prejuízo não pode servir de óbice ao parâmetro ora
fixado, cabendo à Administração da empresa adotar as medidas necessárias.
X. Não se faz razoável o prazo fixado na sentença de 1 (um) ano para que seja programado e executado outro sistema de abastecimento de água destinado à população de Águas Belas/PE, pelo que deve ser ampliado para 5 (cinco) anos.
XI. Nos termos do art. 231, parágrafo 4º, da CF, as terras ocupadas pelos índios são inalienáveis, indisponíveis, e os direitos sobre elas imprescritíveis. Contudo, o caso dos autos não se trata de prescrição aquisitiva, mas de indenização, na forma de
compensação, pelo uso de recursos hídricos, para fornecimento de água à população, inclusive a indígena da região.
XII. Trata-se de prescrição de trato sucessivo, na medida que o pagamento se divide em meses e anos, em parcelas pelo uso de recurso hídricos, estando prescritas as parcelas vencidas que antecederam ao cinco anos do ajuizamento da ação.
XIII. Descabida à cominação de multa por descumprimento de decisão judicial, efetuada pelo Juízo de origem, mercê do entendimento consagrado na egrégia Segunda Turma deste Regional quanto à inoportunidade das astreintes contra a Fazenda Pública.
Precedente: TRF 5ª Região, proc. 08026663720154050000, rel. Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, julg. 25.11.2015.
XIV. Apelações da FUNAI e do MPF improvidas.
XV. Apelação da COMPESA parcialmente provida, para retirar da condenação a multa (astreintes) aplicada, bem como para reconhecer que o prazo fixado na sentença de 1 (um) ano para que seja programado e executado outro sistema de abastecimento de água
destinado à população de Águas Belas/PE, deve ser ampliado para 5 (cinco) anos.Decisão
UNÂNIME
Data do Julgamento
:
29/11/2016
Data da Publicação
:
16/12/2016
Classe/Assunto
:
AC - Apelação Civel - 533865
Órgão Julgador
:
Segunda Turma
Relator(a)
:
Desembargador Federal Ivan Lira de Carvalho
Comarca
:
TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** CPC-73 Código de Processo Civil
LEG-FED LEI-5869 ANO-1973 ART-20 PAR-3 PAR-4
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***** CPC-15 Código de Processo Civil
LEG-FED LEI-13105 ANO-2015 ART-85 PAR-3 PAR-11 ART-14
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LEG-FED DEC-20910 ANO-1932 ART-3
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***** CPC-73 Código de Processo Civil
LEG-FED LEI-5869 ANO-1973 ART-267 INC-4
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LEG-FED LEI-6001 ANO-1973 ART-22 ART-24 PAR-1
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LEG-FED LEI-7347 ANO-1985 ART-8 PAR-1 ART-3
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LEG-FED LEI-7990 ANO-1989
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***** CF-88 Constituição Federal de 1988
ART-231 PAR-2 PAR-3 ART-2 ART-129 INC-5 ART-109 INC-11 PAR-4
Fonte da publicação
:
DJE - Data::16/12/2016 - Página::118
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