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Jurisprudência


TRF5 2005.83.04.000538-9 200583040005389

Ementa
PENAL E PROCESSUAL PENAL. DESVIO DE VERBAS PÚBLICAS. ART. 1º, I, DO DECRETO-LEI Nº 201/67. RESPONSABILIDADE DE PREFEITO. POSSIBILIDADE DE COAUTORIA E PARTICIPAÇÃO DE AGENTES PÚBLICOS E PARTICULARES. INÉPCIA DA DENÚNCIA. VIOLAÇÃO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. INOCORRÊNCIA. ADEQUAÇÃO TÍPICA DOS FATOS AO DELITO OCORRIDO NO ART. 1º, III, DO DECRETO-LEI Nº 201/67. PRELIMINARES REJEITADAS. CONVÊNIO FIRMADO COM O MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL PARA O OFERECIMENTO DE CURSOS DE CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL. FRAUDE AO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. COOPTAÇÃO DE PESSOAS PARA PARTICIPAÇÃO NO CERTAME. CURSO MINISTRADO POR PESSOA DIVERSA DA VENCEDORA DA LICITAÇÃO. VALOR PAGO AOS PROFESSORES MUITO INFERIOR AO PREVISTO NO CONTRATO. DESVIO DE VERBAS PÚBLICAS CONFIGURADO. DOLO DOS AGENTES. AUTORIA E MATERIALIDADE CONFIGURADAS. DOSIMETRIA DA PENA. PEDIDO MINISTERIAL DE REDUÇÃO DA PENA-BASE NO PARECER. PRESENÇA DE SEIS REQUISITOS DO ART. 59 DO CP FAVORÁVEIS AOS RÉUS. FIXAÇÃO DA PENA EM PROXIMIDADE AO MÍNIMO LEGAL. NÃO INCIDÊNCIA DAS AGRAVANTES DO ART. 62, I E II, DO CÓDIGO PENAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. CONSUMAÇÃO DA PRESCRIÇÃO RETROATIVA. PENA EM CONCRETO. 1. Ex-consultora de projetos da Prefeitura de Parnamirim/PE e ex-Secretária de Saúde e Assistência Social do referido Município, condenadas pela prática do crime previsto no art. 1º, I, do Decreto-lei nº 201/67, respectivamente, às penas de 08 (oito) anos e 06 (seis) meses de reclusão e de 09 (nove) anos de reclusão, por terem, juntamente com o ex-Prefeito, à época dos fatos (gestão de 1999), os ex-membros da comissão de licitação e um ex-licitante ganhador, todos com a punibilidade extinta, razão pela qual deixaram de recorrer, que teriam desviado, em proveito próprio ou alheio, rendas públicas federais destinadas à execução do Termo de Responsabilidade n.º 3325/98, firmado entre o Município de Parnamirim/PE e o Ministério da Previdência e Assistência Social, mediante a fraude nas licitações (modalidade convite - Convites nº 003/1999 e nº 004/1999) realizadas para contratação de profissionais técnicos visando à prestação de serviços em 02 (duas) oficinas de capacitação (confecção de fardamento hospitalar e coleta seletiva de lixo, respectivamente), objetivando geração de renda mínima à população do citado Município e que, através da conduta dos réus, eram efetuados pagamentos com valor inferior ao estabelecido no contrato, valor esse percebido por pessoa contratada pela Prefeitura Municipal e, portanto, diversa da licitante vencedora, apropriando-se da diferença do valor constante no contrato e no empenho. 2. Arguição de preliminares de inépcia da denúncia, pela ausência de individualização da conduta das Apelantes; violação ao devido processo legal, em face da ausência de intimação das audiências de oitiva de testemunhas e dos interrogatórios dos Corréus; da suposição de que o édito condenatório foi lastreado apenas em provas pré-processuais; da impossibilidade de coautoria em crime de mão própria, porque apenas o Prefeito poderia cometer o delito previsto no art. 1º, I, do Decreto-Lei nº 201/67, e da desclassificação da conduta para a descrição típica do art. 1º, III, do Decreto-Lei nº 201/67. 3. Ausência de inépcia da denúncia, que, em suas 08 (oito) laudas, narra os fatos que teriam sido praticados pelos Apelantes, bem como as circunstâncias dos mesmos, indicando, expressamente, o dispositivo de lei no qual se subsume a sua conduta. 4. Rés que se defenderam dos fatos a elas imputados, com defensores constituídos, comparecendo a todos os atos processuais, de forma que não há prejuízo ao Princípio do Contraditório e, por consequência, nenhuma nulidade. 5. Inocorrência de nulidade do processo por violação ao princípio do contraditório, pela suposta ausência de intimação da audiência de oitiva das testemunhas e do interrogatório dos Corréus, porque a publicação do ato teria sido realizada sem que constassem seu nome e o dos procuradores habilitados, o que impossibilitou o conhecimento do ato na imprensa oficial. 6. Apelantes que foram devidamente intimados das audiências de oitiva das testemunhas e do interrogatório dos Corréus. Presença nos autos de certidões que atestam a intimação das partes e de seus advogados, em face da publicação, no veículo oficial, das decisões que marcaram as datas das audiências de testemunhas, tanto de acusação quanto de defesa, com a intimação da expedição das cartas precatórias, bem como dos interrogatórios dos Réus. 7. Nas publicações, embora não conste o nome das Apelantes, subsumidos na expressão "e Outros", usado de praxe na autuação da Justiça Federal, consta expressamente o nome de seus advogados, que estavam presentes aos atos judiciais, de forma que não houve violação ao devido processo legal ou à ampla defesa, ou sequer a prova do prejuízo, nos termos do art. 563, do CPP. 8. Condenação lastreada em vastas provas documentais, algumas realizadas em âmbito administrativo-policial, como o depoimento de testemunha que veio a falecer antes da audiência em Juízo, devidamente judicializadas, de forma que tanto a acusação como a defesa tiveram livre acesso a elas no curso do processo, e puderam infirmá-las ou contestá-las, havendo o contraditório, com novas provas que foram produzidas na fase judicial, e todas foram consideradas para a prolação da sentença, não havendo violação ao devido processo legal. 9. Embora a autoria dos crimes previstos no Decreto-lei nº 201/67 seja do Prefeito, pois ele, na qualidade de Chefe do Executivo, detém a decisão final no sentido de empenhar ou não a despesa para efetuar o pagamento, devem ser responsabilizados os que concorreram de alguma forma para a prática de ação delitiva, sendo admissível a coautoria e a participação dos não exercentes da chefia do Poder Executivo, que podem ser processados e julgados de acordo com o Decreto-Lei nº 201/67. Precedente do eg. STJ. 10. Houve emprego, ainda que mínimo, das verbas públicas no objetivo a que se destinaram, no caso, o Convite nº 003/1999, que tinha por objeto a contratação de profissional para ministrar aulas em curso de confecção de fardamento hospitalar, foi realizado, porém apenas foi pago à professora que ministrou o curso o valor de R$ 1.500,00, ao contrário do previsto no contrato, que era de R$ 27.600. Por outro lado, o Convite nº 004/1999 tinha por finalidade a contratação de profissional para ministrar curso de capacitação na área de coleta seletiva de lixo, compreendendo, igualmente, o fornecimento de material e equipamentos, previa uma remuneração de R$ 39.045,00 ao licitante vencedor, que, por sua vez, afirmou ter recebido também apenas a quantia de R$ 1.500,00. 11. Ocorrência de desvio de verbas públicas à época dos fatos, no valor de R$ 63.645,00, em valores históricos do ano de 1999, de forma que a conduta das Apelantes se enquadra no disposto no art. 1º, I, do Decreto-Lei nº 201/67 ("apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio"). 12. Materialidade comprovadas. Irregularidades nos Convites nº 003/99 e nº 004/99, sendo frustrado o caráter competitivo dos certames, tendo participado e vencido do primeiro Convite pessoa que não tinha conhecimento sequer da existência do procedimento licitatório, mas que teve em seu favor confeccionado nota de empenho no valor de R$ 27.600,00, malgrado não tenha ministrado nenhuma aula, enquanto no Convite participaram licitantes "fantasmas", sem qualquer vínculo com a proposta apresentada, em verdadeiro engodo, induzindo a existência de concorrência, a qual sabia inexistente. 13. A Apelante ex-consultora de projetos da Prefeitura de Parnamirim/PE em 1999 foi a responsável pela elaboração do Projeto Básico que deu suporte ao Convite nº 003/99 e ao Convite nº 004/99, tendo indicado para ministrar o curso de costura de fardamento, objeto do primeiro convite, uma pessoa que não participou da licitação e diversa da vencedora do certame, e que recebeu apenas R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais) pelas aulas, embora, pelo contrato, deveria receber R$ 27.600,00 (vinte e sete mil e seiscentos reais) e, com relação ao segundo Convite, foi a responsável pelo pagamento da quantia de R$ 1.500,00 ((um mil e quinhentos reais) pelas aulas, embora, pelo contrato, deveria receber R$ 27.600,00 (vinte e sete mil e seiscentos reais), em mãos, ao vencedor do certame, quando o contrato previa o pagamento de R$ 39.045,00 (trinta e nove mil, e quarenta e cinco reais). 14. Mais do que a mera elaboração do projeto, houve participação ativa da ex-consultora de projetos da Prefeitura de Parnamirim/PE no empreendimento criminoso, com a indicação de pessoas que deveriam ministrar os cursos, sendo que tais pessoas receberam sempre pagamento a menor pelos serviços prestados, sendo a atuação destinada a dar aspectos de legalidade aos serviços prestados a conta dos Convites nº 003/1999 e nº 004/1999, agindo de forma dolosa e consciente, com o fim de se não se apropriar, ao menos de desviar recursos públicos. 15. A autoria da ex-Secretária de Saúde e Assistência Social do Município de Parnamirim/PE e irmã do ex-prefeito resta comprovada por ter sido ela a responsável pela elaboração do procedimento licitatório forjado, bem como atuou ativamente na execução do projeto, eis que coordenou os cursos realizados, sabidamente irregulares. 16. Embora os ex-membros da CPL tenham negado participação da ex-Secretária, as provas convergem no sentido de que ela atuava ativamente à frente dos interesses municipais, inclusive, servindo de ponte, na qualidade de responsável pela contratação dos serviços concernentes à elaboração de projetos junto à depoente. 17. Apelantes que participavam ativamente na indicação e captação de pessoal para participação nos processos licitatórios, indicando pessoas para participar dos certames, direcionando a licitação em benefício de alguns, prejudicando o caráter competitivo do certame, atividades que, claramente, fogem às atribuições legais e costumeiras de mera realizadora de projetos para a Prefeitura e de Secretária Municipal e, se não se apropriando, certamente participando do desvio de verbas públicas. Manutenção da condenação das Apelantes nas penas do crime previsto no art. 1º, I, do Decreto-Lei nº 201/67. 18. Dosimetria da pena. Sentença que fixou a pena-base das Apelantes em 08 (oito) anos de reclusão para a ex-realizadora de projetos e de 06 (seis) anos de reclusão para a ex-Secretária Municipal, por considerar desfavoráveis 04 (quatro) dos 08 (oito) requisitos do art. 59, do Código Penal, no caso, a culpabilidade, os motivos, as circunstâncias e as consequências do delito. 19. A culpabilidade das Apelantes foi elevada, tendo em vista elas terem tido atuação determinante na execução de ambos os contratos, desconsiderando o dever legal de proteger e bem aplicar os recursos públicos, tão escassos no sertão pernambucano. 20. Os antecedentes, a conduta social e a personalidade foram valorados positivamente. O comportamento da vítima, no presente caso, em nenhum momento pode ser encarado como provocador da conduta. 21. Os motivos foram a obtenção de lucro fácil. Tal circunstância, todavia, não poderia ser considerada em desfavor das Apelantes, visto que constitui elemento ínsito ao tipo penal porque quem desvia ou se apropria de valores busca obter melhoria de vida através de lucro fácil. 22. As circunstâncias são as normais ao delito em comento, visto que geralmente o desvio/apropriação de verbas públicas é praticado com fraude, a fim de dar aparência de legalidade, sendo geralmente praticada com o ardil de elaboração de procedimentos licitatórios fantasmas. 23. As consequências são prejudiciais aos Apelantes, porque prejudicou o desenvolvimento educacional de município do semiárido pernambucano, com baixo IDH e com poucas oportunidades para a população local. 24. Presentes 06 (seis) requisitos favoráveis entre os 08 (oito) do art. 59, do CP, fixa-se a pena-base da Apelante realizadora de projetos em 05 (cinco) anos de reclusão, e da ex-Secretária em 04 (quatro) anos de reclusão. 25. Sem atenuantes. Embora a sentença tenha aplicado às Apelantes as agravantes do art. 62, I e II, do CP, pelo fato de elas terem atuado como verdadeira líder da fraude realizada nos processos licitatórios e induzido outros à prática delitiva, não há provas de que elas tenham sido as líderes da fraude, como alegado na sentença, embora dela tenham participado e, no caso do Convite nº 004/1999, apenas deixaram de pagar ao vencedor do certame o valor devido, desviando numerário, não havendo induzimento ao crime de terceiros. 26. Ausentes causas de diminuição ou aumento da pena, as penas da ex-realizadora de projetos e da ex-Secretária Municipal tornam-se definitivas, respectivamente, em 05 (cinco) anos de reclusão, e em 04 (quatro) anos de reclusão, a serem cumpridas, inicialmente, em regime semiaberto e no regime aberto. Apenas a ex-Secretária tem direito à substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, a serem indicadas pelo Juízo das Execuções Penais. 27. Com base na pena aplicada, a prescrição regula-se pela pena em concreto aplicada às Rés, a teor do art. 110, § 1º, do CP (na redação anterior à Lei nº 12.234/2010), com parecer favorável do MPF nesse sentido. 28. Para fins de cálculo da prescrição retroativa, deve-se levar em consideração a pena reduzida no acórdão que, no caso, foi de 05 (cinco) anos de reclusão e de 04 (quatro) anos de reclusão. 29. O lapso temporal a ser considerado, no caso, encontra-se previsto no art. 109, inciso III, do Código Penal, o qual estabelece 12 (doze) anos, para a hipótese de o máximo da pena fixada ser superior a 04 (quatro) anos e não exceder a 08 (oito) anos. 30. Entre a data do fato (26/01/1999) e a do recebimento da denúncia (10/10/2012), transcorreram mais de 13 (treze) anos, estando ultrapassado o prazo prescricional de 12 (doze) anos, "ex vi" do disposto no art. 110, do Código Penal. Extinção da punibilidade das Apelantes, devido à consumação da prescrição retroativa em face da pena em concreto, reduzida no acórdão. Apelação das Rés providas, em parte, para reduzir as penas privativas de liberdade e para declarar a extinção da punibilidade pela ocorrência da prescrição retroativa com base na pena reduzida no acórdão, nos termos do art. 110, §§ 1º e 2º, c/c o art. 109, inciso II, ambos do Código Penal.
Decisão
UNÂNIME

Data do Julgamento : 10/11/2016
Data da Publicação : 17/11/2016
Classe/Assunto : ACR - Apelação Criminal - 13832
Órgão Julgador : Terceira Turma
Relator(a) : Desembargador Federal Cid Marconi
Comarca : TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Tipo : Acórdão
Referência legislativa : LEG-FED LEI-7209 ANO-1984 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED SUM-241 (TFR) - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED LEI-9472 ANO-1997 ART-183 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED LEI-12234 ANO-2010 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ***** CPP-41 Codigo de Processo Penal LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-563 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED DEL-201 ANO-1967 ART-1 INC-1 INC-4 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ***** CP-40 Codigo Penal LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-62 INC-1 INC-2 ART-59 ART-110 PAR-1 PAR-2 ART-109 INC-5 ART-107 INC-4 ART-171 PAR-3 ART-71 INC-2
Fonte da publicação : DJE - Data::17/11/2016 - Página::175
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