TRF5 2005.83.08.001247-2 200583080012472
PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO (ART. 149 DO CPB). TRABALHADORES SUBMETIDOS A CONDIÇÕES DEGRADANTES DE TRABALHO. INEXISTÊNCIA DE RESTRIÇÃO À LIBERDADE LOCOMOTIVA. NÃO CARACTERIZAÇÃO DA CONDUTA CRIMINOSA. MERA
ILICITUDE À LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. ATIPICIDADE. ABSOLVIÇÃO DOS RÉUS. PROVIMENTO DAS APELAÇÕES.
- Cuida-se de apelações interpostas pelos réus FRANCISCO LEORNE CALIXTO JÚNIOR e EXPEDITO CARLOS FONSECA DOS SANTOS contra sentença proferida às fls. 547/561, que julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva estatal, para condená-los à prática do
crime capitulado no art. 149 do Código Penal brasileiro, cada qual à pena de 3 (três) anos de reclusão, em regime de cumprimento inicialmente aberto, substituída, cada qual, por duas restritivas de direitos a serem especificadas pelo Juízo da Execução
Penal, e de 100 (cem) dias-multa, com valoração unitária em 1/30 (um trigésimo) e em 1/10 (um décimo), respectivamente, do salário mínimo vigente à época dos fatos, absolvendo os denunciados Elairton Filgueiras de Menezes e Francisco Lázaro Ferreira
Silva.
- Irresignado com a sentença condenatória, o réu FRANCISCO LEORNE CALIXTO JUNIOR interpôs recurso de apelação, invocando as seguintes razões: a) os trabalhadores tinham regime de trabalho por produção e que, por tal circunstância, faziam os próprios
horários e os que laboravam na diária iniciavam a jornada das 6 ou 7 horas da manhã, com intervalo de duas horas para almoçar por volta das 11 ou 12 horas e, em seguida, permaneciam no período da tarde até as 17 horas; b) a prova oral coletada evidencia
que os trabalhadores só laboravam até o meio-dia do sábado e nunca aos domingos, não sendo obrigados a trabalhar; c) a prova dos autos demonstra que os trabalhadores não foram submetidos a trabalhos forçados ou jornadas exaustivas; d) nenhum trabalhador
era proibido de deixar a fazenda, caso contraísse dívidas, tendo total liberdade de ir e vir; e) não houve condições degradantes de trabalho, pois era servida boa alimentação e a água consumida pelos trabalhadores provinha de açude, que servia também
todo o povoado da região, inclusive a Operação Pipa desencadeada pelo Exército Brasileiro; f) não ficou provado que os trabalhadores dormiam em barracos de lona, mas que os que moravam na fazenda dormiam em redes, no galpão feito de tijolo e telha com
essa finalidade. As barracas de lona, na verdade, serviam para guardar ferramentas ou material de trabalho; g) os próprios trabalhadores, ouvidos em juízo como testemunhas, revelaram que não se sentiam humilhados ou envergonhados pelo trabalho que
desenvolviam; h) as remunerações não eram inferiores a um salário mínimo; i) desempenhava o mesmo trabalho exercido pelos demais trabalhadores e que laborou na agricultura durante toda a sua vida dessa mesma forma, em formato de produção, sem carteira
assinada e sem sofrer qualquer sujeição física ou mental; j) encontra-se na mesma situação dos denunciados Francisco Lázaro Ferreira Silva e Elairton Filgueiras de Menezes que foram absolvidos; k) na dosimetria da pena, não há circunstâncias judiciais
desfavoráveis, o que permite a fixação da pena base no mínimo legal de 2 (dois) anos; e l) deve incidir a atenuante de confissão e a redução da multa aplicada.
- Também inconformado com a condenação sentencial, o réu EXPEDITO CARLOS FONSECA DOS SANTOS manejou recurso de apelação, sustentando, em suas razões recursais: a) não há restrição à liberdade de locomoção dos trabalhadores; b) a sua função era apenas,
na condição de engenheiro florestal, responsável pelo plano de manejo florestal e o encarregado a levar dinheiro a Leorne, que efetuava o pagamento aos trabalhadores; c) os trabalhadores preferiam usar o "mato" ao banheiro para fazer as necessidades
fisiológicas, em razão da cultura da região; d) o consumo de água pelos trabalhadores diretamente do açude era o que faziam em suas casas; e) o trabalho era desempenhado por produção e sem horário fixo; f) os valores pagos aos trabalhadores eram justos;
g) inexiste qualquer relato de repreensão física, coação, cerceamento de locomoção ou impedimento de deixar o trabalho; h) a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta entre a empresa e o Ministério Público do Trabalho regularizou a observância
das normas trabalhistas; i) Os trabalhadores, ouvidos em juízo como testemunhas, afirmaram que detinham plena liberdade de locomoção e que havia fornecimento de alimentação, banheiros e água filtrada; j) uma das testemunhas indicadas pela acusação, que
era auditor fiscal do trabalho, chegou a declarar que nenhuma das testemunhas ouvidas em juízo o conhecia; k) a maioria dos trabalhadores morava nas redondezas e, por isso mesmo, dormiam em suas respectivas casas; l) um das testemunhas arroladas pela
acusação, que era policial rodoviário federal, asseverou que não recebeu denúncia de impedimento de ir e vir; m) uma das testemunhas apontadas pela defesa explicitou que ele era o responsável pelo plano de manejo florestal e foi contratado Leorne para
lidar diretamente com os trabalhadores; e n) por fim, que é pessoa bastante simples e que se submeteu às mesmas condições dos trabalhadores.
- O crime de redução à condição análoga à de escravo caracteriza-se pela prática de uma das quatro modalidades descritas no tipo penal desenhado no art. 149 do Código Penal brasileiro, com a dicção dada pela Lei 10.803/2003: a) submissão a trabalhos
forçados; b) submissão à jornada exaustiva; c) sujeição a condições degradantes de trabalho; e d) restrição da liberdade de locomoção, em razão de dívida contraída com o empregador. O tipo é misto alternativo ou de ação múltipla, configurando-se o crime
mediante qualquer dessas modalidades, não se exigindo, necessariamente, a violência física (STF, Inq. 3564, 2ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 19/08/2014) ou a privação de liberdade (STF, Inq. 3412, Pleno, Rel. Min. Rosa Weber, j. 29/03/2012;
STJ, HC 239.850, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, n. 14/08/2012). O parágrafo 1º do art. 149 do CPB ainda traz à colação as formas derivadas consistentes no cerceamento do acesso ao transporte, vigilância ostensiva e retenção de documentos. O
consentimento da vítima é, a rigor, irrelevante, seja porque está em jogo a dignidade da pessoa humana, que é indisponível, seja porque tal beneplácito será, o mais das vezes, obtido de forma viciada, mediante fraude, coação ou erro.
- Narra a peça acusatória que, entre 13 a 17 de outubro de 2008, um Grupo Móvel de Fiscalização, composto pelo Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público do Trabalho e Polícia Federal, encontrou, em área de responsabilidade da empresa LIBRA
LIGAS DO BRASIL S/A, localizada na FAZENDA TABULEIRO, em Parambu/CE, 52 (cinquenta e duas) pessoas trabalhando sem o devido registro, submetidas a condições de trabalho e de vida em flagrante desrespeito às normas de segurança e saúde na Fazenda,
situação que se iniciara em 2006, persistindo até a deflagração da operação. A sentença proferida pelo juízo a quo reconheceu a prática criminosa dos réus por entender ter havido sujeição dos trabalhadores a condições degradantes de trabalho, afastando,
por conseguinte, a perpetração dos tipos de submissão a trabalho forçado, à jornada exaustiva, e à restrição à liberdade de locomoção.
- Em princípio, será degradante a condição laboral a falta de instalações sanitárias adequadas e de água potável e alimentação suficiente e adequada. Não se considera, porém, condição degradante de trabalho a mera precariedade das acomodações dos
trabalhadores.
- Na hipótese dos autos, ficou provado, pela farta prova oral colhida na instrução processual, apenas a existência de condições degradantes de trabalho. No alojamento destinado a mais de 40 (quarenta) trabalhadores, existiam apenas redes para dormir,
sem banheiros, nem lixeiras ou mesmo armários, para guardar pertences. Além disso, a água consumida pelos trabalhadores, armazenada em tanques e sem utilização de filtros, provinha de açude próximo, servindo para beber e tomar banho. Sem falar que os
trabalhadores faziam as suas necessidades fisiológicas e tomavam banho em locais abertos, mais especificamente no "mato", não sendo, ainda, fornecido papel higiênico ou qualquer material de higiene, nem equipamentos de proteção.
- Meras irregularidades ou ilicitudes à legislação trabalhista, tais como essas apresentadas neste caso, não configuram, necessariamente, perpetração de crime de redução à condição análoga à de escravo descrita no art. 149 do Código Penal brasileiro.
- É entendimento pacífico do Tribunal Regional Federal da 5ª Região que a simples submissão a condições degradantes de trabalho não se afigura suficiente para caracterizar o delito de redução à condição análoga à de escravo, sendo necessária a
comprovação da restrição à liberdade locomotiva do trabalhador por seu empregador. (ACR 12874, 4ª Turma, Rel. Des. Élio Siqueira, j. 15/03/2016, DJE 31/03/2016; ACR 9449, 2ª Turma, Rel. Des. (conv.) Ivan Lira de Carvalho, j. 16/06/2015, DJE 26/06/2015;
ACR 11503, 2ª Turma, Rel. Des. Vladimir Carvalho, j. 21/10/2014, DJE 24/10/2014). Uma das situações em que isso pode ocorrer é com a servidão por dívida. A servidão por dívida consiste na restrição da liberdade do trabalhador em razão de dívida
contraída com o empregador. Neste caso em particular, normalmente, o trabalhador depende do empregador para obter comida, roupas, remédios e até mesmo ferramentas necessárias ao desempenho da atividade laborativa.
- Na espécie em cotejo, como se evidenciaram nos elementos de prova produzidos em juízo, não houve qualquer cerceamento ou embaraço à liberdade de locomoção dos 52 (cinquenta e dois) trabalhadores que laboravam na propriedade rural fiscalizada. Daí
inexistir a necessária tipicidade da conduta praticada pelos réus, impondo-se, por via de consequência, as suas respectivas absolvições.
- Nesta linha de pensar, impende reconhecer a absolvição dos réus FRANCISCO LEORNE CALIXTO JÚNIOR e EXPEDITO CARLOS FONSECA DOS SANTOS, por não constituir as condutas imputadas de mera submissão a condições degradantes de trabalho, sem que tenha havido
qualquer restrição à liberdade locomotiva, crime de redução à condição análoga à de escravo (art. 149 do CPB), de acordo com o disposto no art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal.
- Provimento das apelações dos réus.
Ementa
PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO (ART. 149 DO CPB). TRABALHADORES SUBMETIDOS A CONDIÇÕES DEGRADANTES DE TRABALHO. INEXISTÊNCIA DE RESTRIÇÃO À LIBERDADE LOCOMOTIVA. NÃO CARACTERIZAÇÃO DA CONDUTA CRIMINOSA. MERA
ILICITUDE À LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. ATIPICIDADE. ABSOLVIÇÃO DOS RÉUS. PROVIMENTO DAS APELAÇÕES.
- Cuida-se de apelações interpostas pelos réus FRANCISCO LEORNE CALIXTO JÚNIOR e EXPEDITO CARLOS FONSECA DOS SANTOS contra sentença proferida às fls. 547/561, que julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva estatal, para condená-los à prática do
crime capitulado no art. 149 do Código Penal brasileiro, cada qual à pena de 3 (três) anos de reclusão, em regime de cumprimento inicialmente aberto, substituída, cada qual, por duas restritivas de direitos a serem especificadas pelo Juízo da Execução
Penal, e de 100 (cem) dias-multa, com valoração unitária em 1/30 (um trigésimo) e em 1/10 (um décimo), respectivamente, do salário mínimo vigente à época dos fatos, absolvendo os denunciados Elairton Filgueiras de Menezes e Francisco Lázaro Ferreira
Silva.
- Irresignado com a sentença condenatória, o réu FRANCISCO LEORNE CALIXTO JUNIOR interpôs recurso de apelação, invocando as seguintes razões: a) os trabalhadores tinham regime de trabalho por produção e que, por tal circunstância, faziam os próprios
horários e os que laboravam na diária iniciavam a jornada das 6 ou 7 horas da manhã, com intervalo de duas horas para almoçar por volta das 11 ou 12 horas e, em seguida, permaneciam no período da tarde até as 17 horas; b) a prova oral coletada evidencia
que os trabalhadores só laboravam até o meio-dia do sábado e nunca aos domingos, não sendo obrigados a trabalhar; c) a prova dos autos demonstra que os trabalhadores não foram submetidos a trabalhos forçados ou jornadas exaustivas; d) nenhum trabalhador
era proibido de deixar a fazenda, caso contraísse dívidas, tendo total liberdade de ir e vir; e) não houve condições degradantes de trabalho, pois era servida boa alimentação e a água consumida pelos trabalhadores provinha de açude, que servia também
todo o povoado da região, inclusive a Operação Pipa desencadeada pelo Exército Brasileiro; f) não ficou provado que os trabalhadores dormiam em barracos de lona, mas que os que moravam na fazenda dormiam em redes, no galpão feito de tijolo e telha com
essa finalidade. As barracas de lona, na verdade, serviam para guardar ferramentas ou material de trabalho; g) os próprios trabalhadores, ouvidos em juízo como testemunhas, revelaram que não se sentiam humilhados ou envergonhados pelo trabalho que
desenvolviam; h) as remunerações não eram inferiores a um salário mínimo; i) desempenhava o mesmo trabalho exercido pelos demais trabalhadores e que laborou na agricultura durante toda a sua vida dessa mesma forma, em formato de produção, sem carteira
assinada e sem sofrer qualquer sujeição física ou mental; j) encontra-se na mesma situação dos denunciados Francisco Lázaro Ferreira Silva e Elairton Filgueiras de Menezes que foram absolvidos; k) na dosimetria da pena, não há circunstâncias judiciais
desfavoráveis, o que permite a fixação da pena base no mínimo legal de 2 (dois) anos; e l) deve incidir a atenuante de confissão e a redução da multa aplicada.
- Também inconformado com a condenação sentencial, o réu EXPEDITO CARLOS FONSECA DOS SANTOS manejou recurso de apelação, sustentando, em suas razões recursais: a) não há restrição à liberdade de locomoção dos trabalhadores; b) a sua função era apenas,
na condição de engenheiro florestal, responsável pelo plano de manejo florestal e o encarregado a levar dinheiro a Leorne, que efetuava o pagamento aos trabalhadores; c) os trabalhadores preferiam usar o "mato" ao banheiro para fazer as necessidades
fisiológicas, em razão da cultura da região; d) o consumo de água pelos trabalhadores diretamente do açude era o que faziam em suas casas; e) o trabalho era desempenhado por produção e sem horário fixo; f) os valores pagos aos trabalhadores eram justos;
g) inexiste qualquer relato de repreensão física, coação, cerceamento de locomoção ou impedimento de deixar o trabalho; h) a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta entre a empresa e o Ministério Público do Trabalho regularizou a observância
das normas trabalhistas; i) Os trabalhadores, ouvidos em juízo como testemunhas, afirmaram que detinham plena liberdade de locomoção e que havia fornecimento de alimentação, banheiros e água filtrada; j) uma das testemunhas indicadas pela acusação, que
era auditor fiscal do trabalho, chegou a declarar que nenhuma das testemunhas ouvidas em juízo o conhecia; k) a maioria dos trabalhadores morava nas redondezas e, por isso mesmo, dormiam em suas respectivas casas; l) um das testemunhas arroladas pela
acusação, que era policial rodoviário federal, asseverou que não recebeu denúncia de impedimento de ir e vir; m) uma das testemunhas apontadas pela defesa explicitou que ele era o responsável pelo plano de manejo florestal e foi contratado Leorne para
lidar diretamente com os trabalhadores; e n) por fim, que é pessoa bastante simples e que se submeteu às mesmas condições dos trabalhadores.
- O crime de redução à condição análoga à de escravo caracteriza-se pela prática de uma das quatro modalidades descritas no tipo penal desenhado no art. 149 do Código Penal brasileiro, com a dicção dada pela Lei 10.803/2003: a) submissão a trabalhos
forçados; b) submissão à jornada exaustiva; c) sujeição a condições degradantes de trabalho; e d) restrição da liberdade de locomoção, em razão de dívida contraída com o empregador. O tipo é misto alternativo ou de ação múltipla, configurando-se o crime
mediante qualquer dessas modalidades, não se exigindo, necessariamente, a violência física (STF, Inq. 3564, 2ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 19/08/2014) ou a privação de liberdade (STF, Inq. 3412, Pleno, Rel. Min. Rosa Weber, j. 29/03/2012;
STJ, HC 239.850, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, n. 14/08/2012). O parágrafo 1º do art. 149 do CPB ainda traz à colação as formas derivadas consistentes no cerceamento do acesso ao transporte, vigilância ostensiva e retenção de documentos. O
consentimento da vítima é, a rigor, irrelevante, seja porque está em jogo a dignidade da pessoa humana, que é indisponível, seja porque tal beneplácito será, o mais das vezes, obtido de forma viciada, mediante fraude, coação ou erro.
- Narra a peça acusatória que, entre 13 a 17 de outubro de 2008, um Grupo Móvel de Fiscalização, composto pelo Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público do Trabalho e Polícia Federal, encontrou, em área de responsabilidade da empresa LIBRA
LIGAS DO BRASIL S/A, localizada na FAZENDA TABULEIRO, em Parambu/CE, 52 (cinquenta e duas) pessoas trabalhando sem o devido registro, submetidas a condições de trabalho e de vida em flagrante desrespeito às normas de segurança e saúde na Fazenda,
situação que se iniciara em 2006, persistindo até a deflagração da operação. A sentença proferida pelo juízo a quo reconheceu a prática criminosa dos réus por entender ter havido sujeição dos trabalhadores a condições degradantes de trabalho, afastando,
por conseguinte, a perpetração dos tipos de submissão a trabalho forçado, à jornada exaustiva, e à restrição à liberdade de locomoção.
- Em princípio, será degradante a condição laboral a falta de instalações sanitárias adequadas e de água potável e alimentação suficiente e adequada. Não se considera, porém, condição degradante de trabalho a mera precariedade das acomodações dos
trabalhadores.
- Na hipótese dos autos, ficou provado, pela farta prova oral colhida na instrução processual, apenas a existência de condições degradantes de trabalho. No alojamento destinado a mais de 40 (quarenta) trabalhadores, existiam apenas redes para dormir,
sem banheiros, nem lixeiras ou mesmo armários, para guardar pertences. Além disso, a água consumida pelos trabalhadores, armazenada em tanques e sem utilização de filtros, provinha de açude próximo, servindo para beber e tomar banho. Sem falar que os
trabalhadores faziam as suas necessidades fisiológicas e tomavam banho em locais abertos, mais especificamente no "mato", não sendo, ainda, fornecido papel higiênico ou qualquer material de higiene, nem equipamentos de proteção.
- Meras irregularidades ou ilicitudes à legislação trabalhista, tais como essas apresentadas neste caso, não configuram, necessariamente, perpetração de crime de redução à condição análoga à de escravo descrita no art. 149 do Código Penal brasileiro.
- É entendimento pacífico do Tribunal Regional Federal da 5ª Região que a simples submissão a condições degradantes de trabalho não se afigura suficiente para caracterizar o delito de redução à condição análoga à de escravo, sendo necessária a
comprovação da restrição à liberdade locomotiva do trabalhador por seu empregador. (ACR 12874, 4ª Turma, Rel. Des. Élio Siqueira, j. 15/03/2016, DJE 31/03/2016; ACR 9449, 2ª Turma, Rel. Des. (conv.) Ivan Lira de Carvalho, j. 16/06/2015, DJE 26/06/2015;
ACR 11503, 2ª Turma, Rel. Des. Vladimir Carvalho, j. 21/10/2014, DJE 24/10/2014). Uma das situações em que isso pode ocorrer é com a servidão por dívida. A servidão por dívida consiste na restrição da liberdade do trabalhador em razão de dívida
contraída com o empregador. Neste caso em particular, normalmente, o trabalhador depende do empregador para obter comida, roupas, remédios e até mesmo ferramentas necessárias ao desempenho da atividade laborativa.
- Na espécie em cotejo, como se evidenciaram nos elementos de prova produzidos em juízo, não houve qualquer cerceamento ou embaraço à liberdade de locomoção dos 52 (cinquenta e dois) trabalhadores que laboravam na propriedade rural fiscalizada. Daí
inexistir a necessária tipicidade da conduta praticada pelos réus, impondo-se, por via de consequência, as suas respectivas absolvições.
- Nesta linha de pensar, impende reconhecer a absolvição dos réus FRANCISCO LEORNE CALIXTO JÚNIOR e EXPEDITO CARLOS FONSECA DOS SANTOS, por não constituir as condutas imputadas de mera submissão a condições degradantes de trabalho, sem que tenha havido
qualquer restrição à liberdade locomotiva, crime de redução à condição análoga à de escravo (art. 149 do CPB), de acordo com o disposto no art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal.
- Provimento das apelações dos réus.Decisão
UNÂNIME
Data do Julgamento
:
14/11/2017
Data da Publicação
:
20/11/2017
Classe/Assunto
:
ACR - Apelação Criminal - 13953
Órgão Julgador
:
Segunda Turma
Relator(a)
:
Desembargador Federal Carlos Wagner Dias Ferreira
Comarca
:
TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Tipo
:
Acórdão
Doutrina
:
AUTOR:José Paulo Baltazar Junior.
OBRA:Crimes Federais. 10ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 102.
Referência
legislativa
:
LEG-FED LEI-10803 ANO-2003
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
***** CPP-41 Codigo de Processo Penal
LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-286 INC-3 ART-86 INC-3
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
***** CP-40 Codigo Penal
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-149 (CAPUT) PAR-1 PAR-2 INC-1 ART-297 PAR-4
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
***** CF-88 Constituição Federal de 1988
ART-109 INC-4
Fonte da publicação
:
DJE - Data::20/11/2017 - Página::31
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