TRF5 200581020000989
CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO - SFH. CONTRATO DE MÚTUO HABITACIONAL. REVISÃO.
1. Apelações interpostas pela CEF e pela mutuária contra sentença de parcial procedência do pedido, proferida nos autos de ação ordinária de revisão de contrato de mútuo habitacional, firmado no âmbito do SFH.
2. O SFH foi criado com vistas a estimular a construção de habitações de interesse social e a possibilitar a aquisição da casa própria pelas classes da população que percebiam menor renda e que, portanto, não tinham condições de recorrer à iniciativa privada.
3. O SFH foi fundado no direito à moradia, agasalhado esse pela Constituição Federal como direito social, necessidade premente do trabalhador. Trata-se de reconhecer a habitação como direito inerente à condição humana, habitação como refúgio e como permissivo da inserção do indivíduo no convívio social. Consoante se apreende da evolução normativa da matéria, ao SFH se confere conotação nitidamente social (decorrente de sua finalidade), sendo a ele inerente o equilíbrio que deve permear a relação entre a renda do mutuário e as prestações do financiamento.
4. O princípio do pacta sunt servanda deve ser interpretado de forma harmônica com as outras normas jurídicas que integram o ordenamento, impondo-se o seu sopeso, inclusive e especialmente, diante do escopo do negócio jurídico ajustado.
5. "Consoante entendimento jurisprudencial é aplicável o CDC aos contratos de mútuo hipotecário pelo SFH" (STJ, Quarta Turma, RESP 838372/RS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 06.12.2007).
6. Na sentença, o Julgador a quo determinou a apropriação dos juros não pagos no período contratual, em conta apartada, vedando sua incorporação ao saldo devedor, com novo cômputo de juros, sob pena de configuração do inadmissível anatocismo. A mutuária insurge-se, pugnando pelo afastamento do próprio método de amortização francês (Tabela Price). A CEF também apela, asseverando a possibilidade de incorporação dos juros ao saldo devedor após o transcurso de um ano.
7. Conforme já consolidado nesta Corte, não há previsão legal - nem contratual - autorizadora da substituição de uma sistemática de amortização por outra, como pretende a mutuária. Na verdade, mostra-se correto apenas afastar, do sistema de amortização adotado, a capitalização de juros compostos. Essa capitalização dos juros é proibida (Súmula 121/STJ), somente sendo aceitável quando expressamente permitida em lei (Súmula 93/STJ), o que não acontece no SFH.
8. Embora não esteja presente, no caso concreto, a amortização negativa, materializar-se-á, in casu, a injurídica incidência de juros sobre juros, pelo fato de que as prestações vencidas, não pagas, serão incorporadas ao saldo devedor, para nova incidência de juros, quando já são constituídas de uma parte de juros e outra de amortização. "A jurisprudência dos tribunais pátrios vem firmando o entendimento de que há capitalização dos juros na forma utilizada pela Tabela Price para amortização das prestações. 'A capitalização dos juros é proibida (Súmula 121/STJ), somente aceitável quando expressamente permitida em lei (Súmula 93/STJ), o que não acontece no SFH'. Precedente do STJ" (TRF5, Primeira Turma, AC nº 400982/CE, Rel. Des. Federal Francisco Wildo, j. em 14.12.2006). A sistemática adotada na sentença já permite afastar a prática injurídica. Nesse ponto, é de se negar provimento à apelação da mutuária.
9. A vedação à capitalização de juros no âmbito do SFH alcança a anual, salvo se houver expressa previsão contratual, o que não é o caso. "Nos contratos firmados por instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional anteriormente à edição da MP nº 1.963-17/00 (reeditada sob o nº 2.170-36/01), é permitida a capitalização anual dos juros, desde que expressamente pactuada" (STJ, 3T, EDRESP 436842/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 23.08.2007). Apelação da CEF não provida nesse ponto.
10. Requer a mutuária a substituição da TR pelo PES, como critério de reajuste do saldo devedor. Tem-se verificado os efeitos resultantes da previsão de distintas formas de correção das prestações mensais e do saldo devedor, de modo que, enquanto a evolução das prestações é contida, em muitos contratos, pela regra da equivalência salarial, o saldo devedor alcança patamares acerbos por ser guiado pelos índices de reajustamento das cadernetas de poupança. É patente que a garantia contratual da equivalência salarial não se realiza - restando a correspondente previsão normativa esvaziada - quando, a despeito de a correção das prestações se verificar pela variação salarial, o saldo devedor avança por critérios financeiros díspares e de acentuada oscilação, sobretudo em condições inflacionárias. É público e notório que há grande diferença em relação aos percentuais de reajuste dos saldos devedores de empréstimos pelos índices das cadernetas de poupança e os reajustes de remuneração dos mutuários empregados. Cotejando-se qualquer índice financeiro com os reajustes salariais (quando ocorrentes) nos últimos anos, ver-se-á gritante disparidade. Até mesmo o modesto índice da caderneta de poupança torna-se elevado quando comparado com os reajustes salariais. A unificação dos indexadores que corrigem as prestações e o saldo devedor permitiria uma evolução do débito de forma mais consentânea com a situação fática vivenciada pelos mutuários, fazendo desaparecer ou amenizar a figura do resíduo. Essa uniformização apenas pode se verificar com a prevalência da equivalência salarial, por ser o critério mais conforme com o escopo desse verdadeiro programa social. (Vencido neste ponto o Relator).
11. Busca, a mutuária, a repetição do que teria pago a maior à instituição financeira, com dobre, de acordo com a regra encartada no parágrafo único, do art. 42, do CDC (Lei nº 8.078/90). Se é certo que aos contratos de financiamento firmados no âmbito do SFH se aplicam as regras do Código de Defesa do Consumidor (no STJ, ver o RESP 591110/BA, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, j. em 04.05.2004; e o RESP 756973/RS, Rel. Min. Castro Filho, j. em 27.03.2007), por outro lado, no caso em apreciação não estão configurados motivos suficientes à imposição do dobre, porquanto os procedimentos aplicados pela CEF são controversos na esfera judicial, não estando demonstradas má-fé ou intenção de fraude. O montante pago a maior deve ser dirigido à quitação das prestações em atraso, se houver, e, se ainda assim houver sobra, ao pagamento das prestações vincendas e à amortização do saldo devedor, nessa ordem, não havendo que se falar em restituição. Não provimento da apelação nesse aspecto.
12. Pedidos como "verificação e apuração minuciosa dos excessos contratuais" e "declaração de nulidade das cláusulas abusivas e excessivamente onerosas", sem qualquer outro elemento identificador na petição inicial, têm natureza vaga, que impede a apreciação de sua procedência ou improcedência pelo Poder Judiciário.
13. Não há impedimento à inclusão do nome de mutuários devedores em cadastros de inadimplentes, mormente inexistindo decisão judicial impediente do registro.
14. Não provimento da apelação da CEF.
15. Apelação da mutuária desprovida.
(PROCESSO: 200581020000989, AC426833/CE, DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO CAVALCANTI, Primeira Turma, JULGAMENTO: 26/03/2009, PUBLICAÇÃO: DJ 16/06/2009 - Página 366)
Ementa
CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO - SFH. CONTRATO DE MÚTUO HABITACIONAL. REVISÃO.
1. Apelações interpostas pela CEF e pela mutuária contra sentença de parcial procedência do pedido, proferida nos autos de ação ordinária de revisão de contrato de mútuo habitacional, firmado no âmbito do SFH.
2. O SFH foi criado com vistas a estimular a construção de habitações de interesse social e a possibilitar a aquisição da casa própria pelas classes da população que percebiam menor renda e que, portanto, não tinham condições de recorrer à iniciativa privada.
3. O SFH foi fundado no direito à moradia, agasalhado esse pela Constituição Federal como direito social, necessidade premente do trabalhador. Trata-se de reconhecer a habitação como direito inerente à condição humana, habitação como refúgio e como permissivo da inserção do indivíduo no convívio social. Consoante se apreende da evolução normativa da matéria, ao SFH se confere conotação nitidamente social (decorrente de sua finalidade), sendo a ele inerente o equilíbrio que deve permear a relação entre a renda do mutuário e as prestações do financiamento.
4. O princípio do pacta sunt servanda deve ser interpretado de forma harmônica com as outras normas jurídicas que integram o ordenamento, impondo-se o seu sopeso, inclusive e especialmente, diante do escopo do negócio jurídico ajustado.
5. "Consoante entendimento jurisprudencial é aplicável o CDC aos contratos de mútuo hipotecário pelo SFH" (STJ, Quarta Turma, RESP 838372/RS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 06.12.2007).
6. Na sentença, o Julgador a quo determinou a apropriação dos juros não pagos no período contratual, em conta apartada, vedando sua incorporação ao saldo devedor, com novo cômputo de juros, sob pena de configuração do inadmissível anatocismo. A mutuária insurge-se, pugnando pelo afastamento do próprio método de amortização francês (Tabela Price). A CEF também apela, asseverando a possibilidade de incorporação dos juros ao saldo devedor após o transcurso de um ano.
7. Conforme já consolidado nesta Corte, não há previsão legal - nem contratual - autorizadora da substituição de uma sistemática de amortização por outra, como pretende a mutuária. Na verdade, mostra-se correto apenas afastar, do sistema de amortização adotado, a capitalização de juros compostos. Essa capitalização dos juros é proibida (Súmula 121/STJ), somente sendo aceitável quando expressamente permitida em lei (Súmula 93/STJ), o que não acontece no SFH.
8. Embora não esteja presente, no caso concreto, a amortização negativa, materializar-se-á, in casu, a injurídica incidência de juros sobre juros, pelo fato de que as prestações vencidas, não pagas, serão incorporadas ao saldo devedor, para nova incidência de juros, quando já são constituídas de uma parte de juros e outra de amortização. "A jurisprudência dos tribunais pátrios vem firmando o entendimento de que há capitalização dos juros na forma utilizada pela Tabela Price para amortização das prestações. 'A capitalização dos juros é proibida (Súmula 121/STJ), somente aceitável quando expressamente permitida em lei (Súmula 93/STJ), o que não acontece no SFH'. Precedente do STJ" (TRF5, Primeira Turma, AC nº 400982/CE, Rel. Des. Federal Francisco Wildo, j. em 14.12.2006). A sistemática adotada na sentença já permite afastar a prática injurídica. Nesse ponto, é de se negar provimento à apelação da mutuária.
9. A vedação à capitalização de juros no âmbito do SFH alcança a anual, salvo se houver expressa previsão contratual, o que não é o caso. "Nos contratos firmados por instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional anteriormente à edição da MP nº 1.963-17/00 (reeditada sob o nº 2.170-36/01), é permitida a capitalização anual dos juros, desde que expressamente pactuada" (STJ, 3T, EDRESP 436842/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 23.08.2007). Apelação da CEF não provida nesse ponto.
10. Requer a mutuária a substituição da TR pelo PES, como critério de reajuste do saldo devedor. Tem-se verificado os efeitos resultantes da previsão de distintas formas de correção das prestações mensais e do saldo devedor, de modo que, enquanto a evolução das prestações é contida, em muitos contratos, pela regra da equivalência salarial, o saldo devedor alcança patamares acerbos por ser guiado pelos índices de reajustamento das cadernetas de poupança. É patente que a garantia contratual da equivalência salarial não se realiza - restando a correspondente previsão normativa esvaziada - quando, a despeito de a correção das prestações se verificar pela variação salarial, o saldo devedor avança por critérios financeiros díspares e de acentuada oscilação, sobretudo em condições inflacionárias. É público e notório que há grande diferença em relação aos percentuais de reajuste dos saldos devedores de empréstimos pelos índices das cadernetas de poupança e os reajustes de remuneração dos mutuários empregados. Cotejando-se qualquer índice financeiro com os reajustes salariais (quando ocorrentes) nos últimos anos, ver-se-á gritante disparidade. Até mesmo o modesto índice da caderneta de poupança torna-se elevado quando comparado com os reajustes salariais. A unificação dos indexadores que corrigem as prestações e o saldo devedor permitiria uma evolução do débito de forma mais consentânea com a situação fática vivenciada pelos mutuários, fazendo desaparecer ou amenizar a figura do resíduo. Essa uniformização apenas pode se verificar com a prevalência da equivalência salarial, por ser o critério mais conforme com o escopo desse verdadeiro programa social. (Vencido neste ponto o Relator).
11. Busca, a mutuária, a repetição do que teria pago a maior à instituição financeira, com dobre, de acordo com a regra encartada no parágrafo único, do art. 42, do CDC (Lei nº 8.078/90). Se é certo que aos contratos de financiamento firmados no âmbito do SFH se aplicam as regras do Código de Defesa do Consumidor (no STJ, ver o RESP 591110/BA, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, j. em 04.05.2004; e o RESP 756973/RS, Rel. Min. Castro Filho, j. em 27.03.2007), por outro lado, no caso em apreciação não estão configurados motivos suficientes à imposição do dobre, porquanto os procedimentos aplicados pela CEF são controversos na esfera judicial, não estando demonstradas má-fé ou intenção de fraude. O montante pago a maior deve ser dirigido à quitação das prestações em atraso, se houver, e, se ainda assim houver sobra, ao pagamento das prestações vincendas e à amortização do saldo devedor, nessa ordem, não havendo que se falar em restituição. Não provimento da apelação nesse aspecto.
12. Pedidos como "verificação e apuração minuciosa dos excessos contratuais" e "declaração de nulidade das cláusulas abusivas e excessivamente onerosas", sem qualquer outro elemento identificador na petição inicial, têm natureza vaga, que impede a apreciação de sua procedência ou improcedência pelo Poder Judiciário.
13. Não há impedimento à inclusão do nome de mutuários devedores em cadastros de inadimplentes, mormente inexistindo decisão judicial impediente do registro.
14. Não provimento da apelação da CEF.
15. Apelação da mutuária desprovida.
(PROCESSO: 200581020000989, AC426833/CE, DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO CAVALCANTI, Primeira Turma, JULGAMENTO: 26/03/2009, PUBLICAÇÃO: DJ 16/06/2009 - Página 366)
Data do Julgamento
:
26/03/2009
Classe/Assunto
:
Apelação Civel - AC426833/CE
Órgão Julgador
:
Primeira Turma
Relator(a)
:
Desembargador Federal Francisco Cavalcanti
Comarca
:
Tribunal Regional Federal - 5ª Região
Código do documento
:
189903
PublicaÇÕes
:
Diário da Justiça (DJ) - 16/06/2009 - Página 366
DecisÃo
:
UNÂNIME
ReferÊncias legislativas
:
LEG-FED LEI-8177 ANO-1991
LEG-FED SUM-121 (STJ)
LEG-FED SUM-93 (STJ)
LEG-FED MPR-1963 ANO-2000 (17)
LEG-FED MPR-2170 ANO-2001 (36)
CDC-90 Código de Defesa do Consumidor LEG-FED LEI-8078 ANO-1990 ART-42
LEG-FED DEL-2164 ANO-1984
LEG-FED SUM-295 (STJ)
LEG-FED LEI-8692 ANO-1993
CPC-73 Código de Processo Civil LEG-FED LEI-5869 ANO-1973 ART-21
LEG-FED LEI-4595 ANO-1964
Votantes
:
Desembargador Federal Francisco Cavalcanti
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