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Jurisprudência


TRF5 200583000020161

Ementa
ADMINISTRATIVO, CONSTITUCIONAL E PROCESSO CIVIL. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO E/OU TRATAMENTO MÉDICO. UNIÃ, ESTADO DE PERNAMBUCO E MUNICÍPIO DO RECIFE. LEGITIMIDADE PASSIVA. DIREITO À SAÚDE. DIREITO FUNDAMENTAL. NATUREZA PRESTACIONAL POSITIVA CONCRETA. NÃO CARACTERIZAÇÃO COMO MERA NORMA PROGRAMÁTICA. LIMITAÇÕES ORÇAMENTÁRIAS E RESERVA DO POSSÍVEL. ALEGAÇÕES GENÉRICAS. INSUFICIÊNCIA COMO ÓBICE À CONCRETIZAÇÃO DO REFERIDO DIREITO FUNDAMENTAL. AUTOR. AUSÊNCIA DE PROVA DE FALTA DE CONDIÇÕES DE ARCAR COM O TRATAMENTO. INTERNAÇÃO EM HOSPITAL DE ALTO NÍVEL, COM DESPESAS ALTAS INDEPENDENTEMENTE DO CUSTO DA MEDICAÇÃO OBJETO DA PRETENSÃO INICIAL. SÓCIO-ADMINISTRADOR DE EMPRESA COM ALTA LUCRATIVIDADE. 1. A jurisprudência do STJ encontra-se pacificada no sentido de que as ações relativas à assistência à saúde pelo SUS (fornecimento de medicamentos ou de tratamento médico, inclusive, no exterior) podem ser propostas em face de qualquer dos entes componentes da Federação Brasileira (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), sendo todos legitimados passivos para responderem a elas, individualmente ou em conjunto. 2. São, portanto, tanto a UNIÃO como o Estado de Pernambuco como o Município de Recife legitimados passivos para a causa, não podendo a divisão administrativa de atribuições estabelecida pela legislação decorrente da Lei n.º 8.080/90 restringir essa responsabilidade, servindo ela, apenas, como parâmetro da repartição do ônus financeiro final dessa atuação, o qual, no entanto, deve ser resolvido pelos entes federativos administrativamente ou em ação judicial própria, não podendo ser oposto como óbice à pretensão da população a seus direitos constitucionalmente garantidos como exigíveis deles de forma solidária. 3. A saúde está expressamente prevista no art.196, cabeça, da CF, como direito de todos e dever do Estado, garantida mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos, bem como através do acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, sendo uma responsabilidade comum da União, dos Estados, do DF e dos Municípios a concretização de tal direito. 4. Enquanto direito essencialmente vinculado à vida e à proteção da integridade físico-psíquica do ser humano, a saúde não pode ser interpretada apenas como um enunciado meramente programático, mas, sim, como um direito fundamental cuja efetivação é dever do Poder Público, pois a sua não concretização consiste em evidente afronta à dignidade da pessoa humana. Ainda que tal direito não estivesse expressamente previsto na CF/88, a sua estreita vinculação com o direito à vida, bem supremo do ser humano, o conduziria à situação de direito fundamental implícito, de modo que a sua efetivação também seria um dever do Estado, vez que a ação deste está vinculada pela imediata aplicabilidade das normas dos direitos fundamentais. 5. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são solidariamente responsáveis pela efetivação do direito à saúde (art.23, inciso II, da CF), o que implica não apenas na elaboração de políticas públicas e em uma consistente programação orçamentária para tal área, como também em uma atuação integrada entre tais entes, que não se encerra com o mero repasse de verbas. O Poder Público não se exime de tal responsabilidade quando investe ou repassa recursos para serem aplicados na área da saúde. Em sendo investida verba pública para tais fins e não havendo a efetivação do direito que se quer garantir, é notório que a política adotada não se coaduna com a realidade a ser enfrentada ou que tal política não foi concretizada como programada, sendo dever de todos os entes federados atentarem para tal fato e atuarem de modo a cumprir com as suas responsabilidades constitucionais. 6. A jurisprudência nacional possui reiteradas decisões no sentido de que o direito à saúde é líquido e certo, bem como de que a saúde é direito público subjetivo, não podendo ser reduzido a mera promessa constitucional vazia, sendo tal direito exigível em Juízo por não ser um mero enunciado programático. Dessa forma, vigora o entendimento de que é dever do Poder Público disponibilizar tratamento médico-hospitalar à população que dele necessitar, ou seja, oferecer o serviço essencial na esfera médica, o que inclui o fornecimento de medicamentos, sob pena de incidência em grave comportamento inconstitucional, ainda que por omissão, pelo não fornecimento de condições materiais de efetivação de tal direito fundamental. 7. Nesse sentido: STF (AI-AgR n.º 648.971/RS e RE n.º 195.192/RS) e STJ (RMS n.º 11.183/PR). 8. A alegação genérica de limitações orçamentárias vinculadas à reserva do possível, além de não provada concretamente quanto à eventual indisponibilidade de fundos para o atendimento da pretensão inicial, não é suficiente para obstar a concretização do direito constitucional em exame, sobretudo quando notório o fato de que o Poder Público possui verbas de grande vulto destinadas a gastos vinculados a interesses bem menos importantes do que a saúde da população (por exemplo, publicidade, eventos festivos etc), os quais podem e devem ser, se for necessário, redirecionados para a satisfação de direitos essenciais da população. 9. Não se está, ressalte-se, diante de intromissão indevida do Poder Judiciário em esfera de atuação reservada aos demais Poderes, mas, ao contrário, de atuação judicial de natureza prestacional positiva calcada em relevante fundamento constitucional e na omissão ilegal do Poder Público em seu atendimento, sem que este tenha, concretamente, apresentado qualquer fundamento minimamente oponível à sua concretização. 10. No caso presente, contudo, o exame dos autos permite verificar que: (a) o falecido Autor desta ação estava internado no Hospital Santa Joana, instituição particular de alto nível desta cidade do Recife, quando da postulação da medida judicial objeto deste feito; (b) referida internação era particular e teve o custo total, até seu óbito, de R$ 69.824,00 (sessenta e nove mil, oitocentos e vinte e quatro reais) (fl. 227), sendo menos da metade desse valor relativo à medicação objeto da condenação em 1.º Grau; (c) o Autor era sócio administrador de empresa que, segundo a alteração contratual de fls. 257/260, havia tido lucros acumulados no período de 1996 a 2002 de mais de um milhão e duzentos mil reais. 11. Não há, assim, prova nos autos de que o Autor falecido e/ou sua família não teriam condições de arcar com o custo da medicação objeto deste feito, sendo, ademais, contraditórios com a afirmação em sentido contrário constante da petição inicial os fatos relativos à internação acima indicada em hospital particular tido como dos melhores da cidade do Recife/PE, com alto custo independentemente da medicação referida, e à lucratividade da sociedade comercial da qual ele participava e era administrador. 12. Na hipótese, não se mostra proporcional e razoável impor à sociedade o custo de tratamento medicamentoso altamente específico e sofisticado ministrado a pessoa que, pelas próprias circunstâncias do caso, teria aparente condições, mesmo que com algum esforço financeiro, de fazer frente aos gastos respectivos. 13. Provimento das apelações e da remessa oficial, para reformar a sentença apelada, julgando improcedente o pedido inicial, com a inversão dos ônus da sucumbência. (PROCESSO: 200583000020161, AC406860/PE, DESEMBARGADOR FEDERAL EMILIANO ZAPATA LEITÃO (CONVOCADO), Primeira Turma, JULGAMENTO: 14/01/2010, PUBLICAÇÃO: DJE 28/01/2010 - Página 93)

Data do Julgamento : 14/01/2010
Classe/Assunto : Apelação Civel - AC406860/PE
Órgão Julgador : Primeira Turma
Relator(a) : Desembargador Federal Emiliano Zapata Leitão (Convocado)
Comarca : Tribunal Regional Federal - 5ª Região
Código do documento : 212402
PublicaÇÕes : Diário da Justiça Eletrônico TRF5 (DJE) - 28/01/2010 - Página 93
DecisÃo : UNÂNIME
Veja tambÉm : RESP 878080/SC (STJ)RESP 772264/RJ (STJ)RESP 656979/RS (STJ)AgRg no RESP 1028835/DF (STJ)AI-AgR 648971/RS (STF)RE 195192/RS (STF)
ReferÊncias legislativas : CF-88 Constituição Federal de 1988 ART-196 ART-23 INC-2 LEG-FED LEI-8080 ANO-1990
Votantes : Desembargador Federal Francisco Cavalcanti Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira
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