TRF5 200584000100122
APELAÇÃO CRIMINAL. CONSTITUCIONAL, PROCESSUAL PENAL E PENAL. QUESTÕES DE ORDEM: TEMPO DE SUSTENTAÇÃO ORAL. MULTIPLICIDADE DE RÉUS POR ADVOGADO. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. MEMORIAIS JUNTADOS AOS AUTOS. DOCUMENTOS ANEXOS. VISTA AO MPF NA SESSÃO. QUESTÕES PRELIMINARES: RAZÕES DE APELAÇÃO. INTEMPESTIVIDADE. ART. 601, CABEÇA, DO CPP. IRRELEVÂNCIA. FASE RECURSAL. JUNTADA DE DOCUMENTOS NOVOS. ADMISSIBILIDADE. TESTEMUNHA. DEPOIMENTOS PRESTADOS NO INQUÉRITO POLICIAL. UTILIZAÇÃO NA AÇÃO PENAL DE FORMA NÃO EXCLUSIVA. ADMISSIBILIDADE. EXAME DO CONTEÚDO PROBATÓRIO QUANDO DA ANÁLISE DO MÉRITO. DILIGÊNCIA REQUERIDA PELA DEFESA EM FASE RECURSAL. PRINCÍPIO DA VERDADE REAL. LIMITES. AUSÊNCIA DE DEFICIÊNCIA DEFENSIVA. INÉRCIA ANTERIOR. REJEIÇÃO. MODIFICAÇÃO DE COMPETÊNCIA. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL E LAVAGEM DE DINHEIRO. ESPECIALIZAÇÃO DE VARA FEDERAL. REDISTRIBUIÇÃO. CONSTITUCIONALIDADE E LEGALIDADE. MAGISTRADOS. DECISÕES NO CURSO DO PROCESSO. PRÉ-JULGAMENTO. SUSPEIÇÃO. INOCORRÊNCIA. PROCURADOR DA REPÚBLICA. VINCULAÇÃO A PROCESSO REDISTRIBUÍDO. SUSPEIÇÃO. INOCORRÊNCIA. RÉUS ESTRANGEIROS. DIREITO À TRADUÇÃO DOS DOCUMENTOS DOS AUTOS. INEXISTÊNCIA. TRANSFERÊNCIA PARA PRESÍDIO DE SEGURANÇA MÁXIMA EM OUTRO ESTADO. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. TESTEMUNHA DE DEFESA NÃO LOCALIZADA. AUSÊNCIA DE INSISTÊNCIA DA DEFESA EM SUA OITIVA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES AO COAF E GGI-LD. INDEFERIMENTO. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. ESCUTAS TELEFÔNICAS. DEGRAVAÇÃO INTEGRAL. DIREITO. AUSÊNCIA. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. DECISÃO. MOTIVAÇÃO. INDONEIDADE. AUTO CIRCUNSTANCIADO. JUNTADA POSTERIOR. NECESSIDADE DE PRORROGAÇÃO. AUSÊNCIA DE NULIDADE. PRORROGAÇÕES SUCESSIVAS. NECESSIDADE DEMONSTRADA E DECISÃO FUNDAMENTADA. POSSIBILIDADE. QUESTÕES DE MÉRITO: CRIME DE CASA DE PROSTITUIÇÃO. CARACTERIZAÇÃO DA NATUREZA DO ESTABELECIMENTO. PROVA SUFICIENTE. TOLERÂNCIA DO PODER PÚBLICO. IRRELEVÂNCIA. AUTORIA E PARTICIPAÇÃO DEMONSTRADAS. MANUTENÇÃO CONCOMITANTE DE MAIS DE UM ESTABELECIMENTO. CONCURSO MATERIAL. OCORRÊNCIA. TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS. DELITO TENTADO. PROVA NÃO EXCLUSIVAMENTE INQUISITORIAL. DELITO CONSUMADO. AUSÊNCIA DE PROVA EM RELAÇÃO A ALGUMAS DAS PROSTITUTAS. TRÁFICO INTERNO DE PESSOAS E FAVORECIMENTO À PROSTITUIÇÃO. PROVA SUFICIENTE. ART. 228 E ART. 231-A DO CP, NA REDAÇÃO DADA PELA LEI N.º 11.106/05. "LEX MITIOR". NÃO CARACTERIZAÇÃO. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. ATIVIDADE NÃO EQUIPARADA A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. NÃO CONFIGURAÇÃO. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. ELEMENTOS PARA CARACTERIZAÇÃO. PROVA. EXISTÊNCIA. QUALIFICADORA DE QUADRILHA ARMADA. AFASTAMENTO. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO. NATUREZA AUTÔNOMA. TIPIFICAÇÃO. CRIME ANTECEDENTE. PROVA DA ORIGEM LÍCITA. REQUISITOS. ÔNUS DOS RÉUS. NÃO DESINCUMBÊNCIA. APELAÇÃO DO MPF RELATIVA A LAVAGEM NÃO OCORRIDA. NÃO PROVIMENTO. CRIME DE POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO NÃO REGISTRADA. ART. 31 E ART. 32 DA LEI N.º 10.826/03. DESCRIMINALIZAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. CRIME DE FALSIDADE IDEOLÓGICA. AUSÊNCIA DE CONEXÃO. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. NULIDADE DA SENTENÇA E REMESSA DE CÓPIAS À JUSTIÇA ESTADUAL. CRIME DE FALSA IDENTIDADE. ASSUNÇÃO DA QUALIDADE DE POLICIAL FEDERAL. NÃO ENQUADRAMENTO. CONTRAVENÇÃO PENAL JÁ PRESCRITA. NÃO PROVIMENTO DO RECURSO DO MPF NESSA PARTE. QUESTÕES DE MÉRITO REFERENTES À DOSIMETRIA: INFORMAÇÕES DA INTERPOL. MÁ CONDUTA. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL. INIDONEIDADE PROBATÓRIA. AFASTAMENTO. PREPONDERÂNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. MANUTENÇÃO DA PENA BASE. AGRESSIVIDADE. MÁ ÍNDOLE. PROVA. EXISTÊNCIA. NÃO DESCARACTERIZAÇÃO. HABITUALIDADE CRIMINOSA. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL. APLICAÇÃO ADEQUADA. AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA E CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL REFERENTE A ANTECEDENTES CRIMINAIS. DUPLA UTILIZAÇÃO DAS MESMAS CONDENAÇÕES CRIMINAIS. NÃO OCORRÊNCIA. PENA. EXCESSO. INEXISTÊNCIA.
QUESTÕES DE ORDEM:
1. Nos termos da jurisprudência do STJ e do STF, a multiplicidade de Réus representados por advogados diferentes autoriza a que o prazo para sustentação oral seja fixado em 15 (quinze) minutos para cada um dos Réus e respectivo causídico, ressalvada a hipótese de representação de um mesmo Réu por mais de um advogado.
2. A juntada aos autos de memoriais pela Defesa com documentos anexos impõe, em respeito ao direito ao contraditório e a ampla defesa, a vista desses documentos ao MPF na sessão de julgamento, antes do início deste.
QUESTÕES PRELIMINARES:
3. Em face do disposto no art. 601, cabeça, do CPP, é irrelevante se as razões de apelação foram ou não apresentadas tempestivamente, vez que o recurso subiria à instância superior mesmo sem elas, conforme, inclusive, é o entendimento do STF (STF, HC n.º 72.533/SP, Relator Ministro Sidney Sanches, DJ 22.09.1995).
4. A jurisprudência do STJ (STJ, 5.ª Turma, HC n.º 82.414/RJ, Relator Ministro Félix Fischer, DJe 22.09.2008) tem entendido pela admissibilidade processual da juntada de documentos nos autos a qualquer momento, sendo possível o seu indeferimento na hipótese de evidenciado o caráter protelatório e/ou tulmutuário da atuação processual das partes.
5. O art. 155 do CPP, na redação dada pela Lei n.º 11.690/2008, não impede a utilização da prova produzida na fase inquisitorial (IPL) como fundamento da decisão judicial, sendo obstáculo, apenas, a que esta se baseie, exclusivamente, em prova inquisitorial ("elementos informativos colhidos na investigação"), bem como sequer estava a atual redação desse dispositivo legal vigente à época em que prolatada a sentença recorrida (11.12.2006 - fl. 2.217), devendo-se ressaltar, ainda, que a coleta de depoimentos de testemunhas nessa fase é legal e, portanto, não há que pretender-se aplicar a esse tipo de prova a sanção de inadmissibilidade processual imposta às provas ilícitas prevista no art. 157 do CPP, na redação dada pela Lei n.º 11.690/2008.
6. A questão da higidez da análise dos fatos delituosos e da prova a estes relativa realizada pela sentença recorrida e, portanto, de estar-se ou não diante de decisão judicial maculada pelo caráter inquisitorial absoluto (leia-se "baseada exclusivamente em prova inquisitorial") da prova em que se fundou deve ser examinada, por sua vez, quando da apreciação do mérito das irresignações recursais.
7. O princípio da busca da verdade real deve ser compatibilizado com o devido processo legal, especificamente quanto à igualdade de tratamento processual das partes e à paridade de armas, bem como com o da imparcialidade do juiz, não podendo ele servir de embasamento para que o Juízo se substitua à parte nas iniciativas probatórias que lhe competem, mas, apenas, para que, em situação de dúvida objetiva oriunda da colisão de versões fáticas extraíveis das provas produzidas nos autos, atue o magistrado no sentido de, de forma razoável, buscar dirimir essas dúvidas com a produção de provas a tal aptas.
8. No caso em exame, não se está diante de situação dessa espécie, mas de simples inércia da Defesa dos Réus, a qual pretende, em fase recursal, ressuscitar a instrução probatória já finda, razão pela qual não pode referido pleito ser acolhido por este Órgão Julgador Recursal.
9. Ressalte-se que a Defesa dos Réus tem-se mostrado intensamente aguerrida no objetivo de obter a sua absolvição, como demonstram os inúmeros requerimentos de juntada de documentos realizados nos autos e os incidentes processuais e/ou ações autônomas manejados, razão pela qual não há que se falar em necessidade de atuação judicial supridora de eventual deficiência na defesa técnica.
10. A jurisprudência do STJ (STJ, 3.ª Seção, CC n.º 57.838/MS, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJ 15.05.2006, e 6.ª Turma, HC n.º 48.746/SP, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 29.09.2008) encontra-se pacificada no sentido de que a especialização de vara federal para processamento e julgamento de crimes contra o sistema financeiro nacional e de lavagem de dinheiro determina a remessa a ela de todos os feitos em andamento enquadrados nessa competência, inclusive, as ações conexas, com a ressalva, apenas, dos processos em que já encerrada a instrução criminal antes da especialização.
11. O STF, ademais, tem jurisprudência (STF, 2.ª Turma, HC n.º 94.188/SC, Relator Ministro Eros Grau, DJe 16.10.2008), também, firmada no sentido de que referida especialização não gera ofensa ao princípio do juiz natural.
12. No sistema processual penal brasileiro, no qual não se adotou o modelo do juiz de garantias e/ou de instrução, a simples atuação judicial na decretação da prisão preventiva, na qual necessariamente, em face do exame dos requisitos legais, deve o magistrado apreciar os fatos objeto da lide, mesmo que em cognição sumária, e na solução de incidentes da causa, para os quais tenha que fazer exame de natureza similar, não é suficiente para ensejar-lhe suspeição.
13. A vinculação de Procurador da República que atua em determinado processo penal em relação a este quando de sua redistribuição para outra vara federal, por sua vez, não tem qualquer eiva de ilegalidade, sendo, apenas, a implementação prática do princípio do promotor natural por prevenção, cuidando-se de medida que racionaliza o trabalho de acusação e não traz qualquer ofensa ao princípio da unidade do Ministério Público.
14. O CPP, em seu art. 193, prevê a assistência de intérprete ao Acusado que não falar a língua nacional, apenas, em relação ao seu interrogatório, não havendo previsão legal para a tradução integral dos autos processuais penais, inclusive, quanto ao resultado das interceptações telefônicas, sobretudo quando ele está adequadamente representado por defensor constituído, ao qual incumbe viabilizar o contato profissional com seu constituinte e o auxílio deste à sua defesa técnica.
15. A necessidade e legalidade da transferência dos Réus de nacionalidade italiana para o Presídio Federal de segurança máxima no Mato Grosso do Sul, já foi devidamente examinada por esta Turma Julgadora no HC n.º 2913/RN, cuja ementa se encontra transcrita pelo MPF às fls. 3.345/3.346, razão pela qual não se sustenta a tese de cerceamento de defesa decorrente de sua ilegalidade e de eventual dificuldade de contato com a defesa técnica dela decorrente.
16. Ressalte-se, por fim, que o caráter exaustivo da defesa técnica pré e pós-sentenciamento, do feito em 1.º Grau, tanto em relação a questões preliminares processuais quanto ao próprio mérito das acusações criminais, como bem o demonstram as razões de apelação apresentadas pelos Réus, muitas vezes em centenas de páginas de arrazoados, deixa evidente que, se houve alguma dificuldade lingüística e/ou de contato da defesa com os Réus, não foi ela apta a gerar-lhes qualquer prejuízo à sua defesa técnica.
17. Intimada a Defesa da não localização de testemunha por ela arrolada e não insistindo em sua oitiva, seja por manifestação expressa nesse sentido seja por ter silenciado quanto ao fato, não resta caracterizada a ocorrência de cerceamento de defesa.
18. Não está entre as funções do COAF e do GGI-LD a certificação da legalidade ou não da origem de valores suspeitos de serem objeto de lavagem de dinheiro, não estando eles, sequer, aparelhados para essa finalidade, razão pela qual o indeferimento de requerimento de diligências nesse sentido não gera cerceamento de defesa.
19. O STF (STF, Tribunal Pleno, HC-MC 91.207/RJ, Relatora para o acórdão Ministra Cármen Lúcia, DJe 21.09.2007) já se manifestou no sentido de não ser necessária a degravação integral de todas as conversas telefônicas interceptadas com autorização judicial, sendo suficiente que sejam degravadas aquelas necessárias ao embasamento da acusação deduzida na denúncia, sem que isso represente qualquer ofensa ao devido processo legal.
20. Em realidade, a disponibilização do conteúdo das gravações à Defesa já é suficiente para que restem atendidos os seus interesses quanto ao exame das conversas telefônicas interceptadas, o que, no caso em exame, restou atendido conforme assinalado no despacho de fls. 1.243/1.244 destes autos (vol. 6).
21. O fato de os elementos indiciários de prova nos quais se baseou o deferimento da interceptação telefônica serem ou não infirmados pela investigação criminal é irrelevante para a análise da higidez daquela decisão, que deve ser feita com base no conjunto probatório então existente e da necessidade da diligência, a qual, em situações como a presente, de atuação delituosa complexa por organização criminosa mostra-se presente ante a inexistência de outros meios de prova eficazes.
22. A juntada, posterior à decisão de prorrogação, do auto circunstanciado da interceptação telefônica do período anterior, desde que evidenciado pelo exame respectivo que a prorrogação era medida que se fazia necessária, não é, por si só, fato hábil a levar à nulidade da decisão respectiva.
23. O STF (STF, 2.ª Turma, HC 85.575/SP, Relator Ministro Joaquim Barbosa, DJ 16.03.07) tem entendido possível a prorrogação sucessiva da interceptação telefônica, desde que devidamente fundamentada, quando persistirem os motivos que levaram à sua decretação.
QUESTÕES DE MÉRITO:
24. Demonstrado, pelas interceptações telefônicas, prova oral colhida no IPL e na ação penal, e pelos documentos apreendidos em cumprimento a mandado de busca e apreensão judicial, que as prostitutas não eram meras freqüentadoras habituais dos estabelecimentos "Ilha da Fantasia" e "Forró Café", mas, ao contrário, que tinham suas freqüências e faltas controladas, inclusive, mediante aplicação de multas pelo descumprimento das regras que lhes eram impostas, bem como a exigência pelas casas, dissimulada sob a forma de compra de uma champanhe, de valor extra para que o programa sexual fosse realizado fora do local, no qual disponibilizados quartos a valor inferior, sendo as prostitutas, em realidade, uma das "mercadorias" cuja oferta e disponibilidade era objeto da prestação de serviço ali realizada, resta devidamente caracterizada a manutenção de casa de prostituição.
25. A prova dos autos, ademais, mostrou-se apta à demonstração das condutas de cada um dos Réus condenados por crime de manutenção de casa de prostituição, de forma individualizada, tanto em relação aos cabeças da organização criminosa quanto aos demais Réus a ela vinculados, que não eram mero "serviçais" daqueles, ao contrário do alegado em algumas das defesas.
26. O funcionamento da casa de prostituição em zona de meretrício e com autorização do Poder Público, inclusive, com consentimento das autoridades policiais e tributárias, não afasta a ilicitude da conduta nem dá ensejo à ocorrência de erro de proibição, conforme jurisprudência do STJ (STJ, 5.ª Turma, REsp n.º 870.055/SC, Ministro Gilson Dipp, DJU 30.04.07).
27. As condutas de manutenção de duas casas de prostituição distintas e concomitantemente caracteriza hipótese de concurso material entre esses delitos permanentes, não sendo o caso de continuidade delitiva, e estando, conforme, explicitado no trecho da sentença apelada acima transcrito, devidamente caracterizado o caráter de casa de prostituição, também, do "Forró Café".
28. A tentativa de tráfico internacional de pessoas em relação a prostituta trazida de Goiânia está devidamente comprovada pelo exame conjunto da prova colhida em Juízo e daquela colhida no IPL, não se baseando, exclusivamente, neste.
29. A consumação do crime de tráfico internacional de pessoas só restou, no entanto, demonstrada em relação a uma das prostitutas indicadas na denúncia, vez que, em relação às outras seis, não há prova suficiente de que elas ou tenham ido ao exterior ou que essa ida tenha sido promovida, intermediada ou facilitada por alguns dos Réus condenados por esse crime.
30. A ocorrência dos crimes de tráfico interno de pessoas, com o recrutamento pelos Réus por eles condenados de mulheres em diversos Estados da Federação e no interior do Rio Grande do Norte para exercerem a prostituição dos estabelecimentos "Ilha da Fantasia" e "Forró Café" em Natal/RN, objeto da condenação imposta pela sentença recorrida está devidamente embasada no conteúdo das interceptações telefônicas, da prova documental e oral colhida no IPL e não ação penal, não sendo esse delito absorvido pelo de casa de prostituição por constituir-se em crime autônomo, cujo âmbito de ofensividade penal extrapola o daquele.
31. A tipificação delituosa do art. 231-A do CP (na redação dada pela Lei n.º 11.106/05) não é mais benéfica aos Réus em questão do que a do art. 228 do CP, vez que a pena restritiva de liberdade naquela é superior a esta e contém aquela, ainda, previsão de multa, não sendo o fato do reconhecimento de eventual continuidade delitiva pelo enquadramento naquela tipificação possibilitar a aplicação da continuidade delitiva idôneo a ensejar a aplicação de lei penal posterior menos benéfica, vez que o princípio da "lex mitior" não pode ser invocado com base em combinação de normas (no caso, a norma incriminadora com a da continuidade delitiva).
32. A conduta dos Réus que prestavam serviços à organização criminosa no câmbio de moeda estrangeira, utilizando-se de estabelecimento oficiais de câmbio para essa finalidade, não caracteriza crime contra o sistema financeiro nacional, vez que não atuavam eles como instituições financeiras. Vencido o Relator, que entendia que caracterizada a prática do crime em questão em função da intermediação prevista no art. 1.º, cabeça e inciso II, da Lei n.º 7.492/86.
33. O exame feito pela sentença apelada, sobretudo a descrição do papel de cada um dos Réus dentro da estrutura do grupo criminoso organizado, com base na análise dos demais crimes praticados pelos componentes deste, demonstra, claramente, a presença de uma estrutura organizada criminosa destinada à prática de tráfico internacional e interno de pessoas, de casa de prostituição e lavagem de dinheiro, com, entre outros elementos, divisão de tarefas, hierarquia interna, planejamento empresarial e atuação territorial ampla.
34. A eventual participação menor ou maior de cada Réu nas atividades delituosas da organização criminosa não é suficiente para afastar a associação permanente com finalidade delituosa constatada, quando evidenciada a concatenação de esforços, mesmo que com divisão de tarefas e hierarquização, para as atividades desempenhadas por aquela, devendo, apenas, como de fato o foi, ser levada em consideração por ocasião da dosimetria da pena individual respectiva.
35. A incidência da qualificadora de bando armado (art. 288, parágrafo único, do CP) em relação ao crime de quadrilha ou bando pelo qual foram condenados os réus merece ser afastada, pois o simples fato de ter sido encontrada, na posse de um dos Réus, num quarto da "Ilha da Fantasia", uma arma de fogo e munição respectiva e, também, nas dependências da Pousada Europa, uma outra arma com a respectiva munição, ambas com eficiência balística atestada por laudo pericial, não se mostra suficiente para a caracterização da existência de bando armado, pois não há elementos de prova nos autos que demonstrem o uso desse armamento nas atividades do grupo criminoso, seja de forma efetiva (por exemplo na realização de ameaças ou agressões físicas a pessoas em contato com suas atividades), seja de forma presumida ou potencial, como seria o caso se, necessariamente, as atividades planejadas envolvessem o uso de armamento (por exemplo, roubos a instituições financeiras, seqüestros etc.), ou, ainda, se, ao menos, tivessem as armas em questão sido apreendidas em situação de porte por alguns dos réus durante as atividades que eram de sua atribuição na organização criminosa e não, como foi o caso, em situação de apenas posse de arma de fogo.
36. A aplicação ao caso em exame da figura da organização criminosa prevista na Lei n.º 9.034/95 decorre da sua conjugação com a conceituação dessa entidade constante da Convenção de Palermo sobre o Crime Organizado Transnacional (Decreto n.º 5.015/04) e do enquadramento dos delitos dos arts. 228, 229, 231 e 231-A do CP na categoria de infração grave ali prevista, bem como a incidência no caso do art. 288 do CP como figura incriminadora específica, não havendo que se falar ineficácia da normatização estabelecida pela Lei n.º 9.034/95 e estando, ademais, com base nos fundamentos da sentença apelada, presentes os demais requisitos para caracterização do grupo criminoso objeto deste feito como organização criminosa.
37. O crime antecedente do delito de lavagem de dinheiro restou devidamente esclarecido como sendo aquele indicado no inciso VII do art. 1.º da Lei n.º 9.613/98 (crime praticado por organização criminosa), no caso a prática pela organização criminosa comandada pelos dois primeiros réus referidos e com a participação dos demais de crimes de tráfico internacional e interno de pessoas e casa de prostituição, estando, pelo já examinado, devidamente caracterizada a sua ocorrência.
38. Essa norma penal incriminadora não se mostra vazia de conteúdo, nem ofende os princípios da legalidade e separação dos poderes, pelas razões já acima expostas quanto ao qualificação da quadrilha ou bando objeto deste feito como organização criminosa, sendo, ademais, de ressaltar-se que o próprio STF vem aplicando referida norma penal incriminadora (STF, Tribunal Pleno, Inq n.º 2.245/MG, Relator Ministro Joaquim Barbosa, DJe 08.11.2007).
39. O crime de lavagem de dinheiro é de natureza autônoma em relação aos crimes antecedentes, não representando a punição por aquele "bis in idem" em relação a estes, pois vocacionados à defesa de bens jurídicos distintos, não representando mero exaurimento do delito antecedente, como, aliás, já decidido pelo próprio STF no precedente citado no item anterior.
40. Admitir-se que Réus processados e/ou condenados por lavagem de dinheiro pudessem fazer prova da origem lícita dos valores que seriam objeto da lavagem pela simples apresentação de declarações de terceiros e/ou documentos que indicassem que algum valor monetário lícito passou por suas mãos, sem exigir a efetiva prova de que esses valores foram os utilizados nas atividades que seriam de lavagem de valores ilícitos, ou seja, sem exigir a prova da real existência monetária, circulação e forma de utilização daqueles, seria o mesmo que esvaziar, por completo, qualquer possibilidade de persecução criminal do crime de lavagem de dinheiro e representaria o completo desconhecimento da realidade desse tipo de conduta criminosa, que, por sua própria natureza, busca dar ares de legalidade a valores frutos de atividade ilícita, para tanto mascarando sua origem e/ou misturando-os a valores lícitos, razão pela qual a alegada existência de valores lícitos em poder dos Réus não é, em si, fato idôneo à prova da inocorrência do delito em questão.
41. No crime de lavagem de dinheiro, o ônus da prova da acusação é o de que o acusado praticou um crime antecedente e que possui bens sem origem lícita comprovada, cabendo ao acusado a demonstração de eventual origem lícita desses bens para afastar a caracterização da lavagem de dinheiro em relação a eles.
42. Não provimento da apelação do MPF na parte em que postulada a condenação de um dos réus pelo delito de lavagem de dinheiro, como os empreendimentos que ele estava ajudando a organização criminosa a montar em Recife/PE não chegaram a se consumar e funcionar, não se concretizou qualquer conduta de lavagem de dinheiro com sua participação em função do empréstimo de seu nome para figurar como laranja em um desses negócios.
43. O laudo pericial referido no trecho acima transcrito da sentença apelada deixa evidente que a arma na posse de um dos réus não era um item de colecionador ("uma garrucha", como pretende a defesa), mas uma arma de fogo eficaz, sendo, ademais, em face de a ausência de seu regular registro, ilícita a conduta de sua posse e não, apenas, de seu porte, razão pela qual não há qualquer equívoco na condenação a ele imposta, nos termos do art. 12 da Lei n.º 10.826/03.
44. Não obstante a existência de jurisprudência do STJ em sentido contrário, mas não estando, ainda, consolidada esta, e melhor examinando posição anterior deste Magistrado, em face de argumentos apresentados em outro julgado pelo Exm.º Sr. Desembargador Federal Francisco Cavalcanti, passei a entender que a interpretação conjunta do art. 31 com o art. 32 da Lei n.º 10.826/03, em face do prazo para regularização da posse irregular de arma de fogo, não descriminalizou a conduta de posse irregular, vez que a apresentação da arma ali prevista deve ser espontânea, no que não se enquadra a situação de apreensão durante o cumprimento a mandado de busca e apreensão judicial.
45. Quanto aos delitos de falsidade ideológica objeto de condenação pela sentença apelada, verifica-se não haver um liame de conexão entre as condutas respectivas e as demais ações objeto de persecução criminal nestes autos, razão pela qual não se justifica, com base no art. 76 e seus incisos do CPP, o seu processamento conjunto, por não serem, por si só, da competência da Justiça Federal, devendo ser declarada a nulidade da sentença recorrida nessa parte e a incompetência da Justiça Federal para processamento e julgamento da causa em relação a essa parte da denúncia, com a remessa de cópia desta, dos documentos nela referidos e dos interrogatórios dos réus ali indicados para a Justiça Estadual na Comarca de Natal/RN.
46. Em face do caráter estrito da interpretação do tipo penal imposto pelo princípio da legalidade, que impede a analogia em desfavor do réu, quanto à interpretação do art. 307 do CP é a de que o delito de falsa identidade ali previsto pressupõe que o agente delituoso assuma a identidade de outra pessoa e não, a simples qualidade de funcionário público, de forma genérica e inexata, o que caracterizaria, quando muito, a contravenção penal do art. 45 do Decreto-Lei n.º 3.688/41 (TRF 4.ª Região, 7.ª Turma, ACR n.º 200672020076237/SC, Relator Desembargador Federal Amaury Chaves de Athayde, DJe 07.01.2009), o qual, no entanto, em face da pena máxima que lhe é atribuída, já teria sido atingido pela prescrição em abstrato no presente caso, razão pela qual entendo que a simples assunção de qualidade de "policial federal" pelos Réus absolvidos na sentença quanto a esse crime não lhes fez incidir na figura delituosa do art. 307 do CP, não merecendo, portanto, provimento a apelação do MPF nessa parte.
QUESTÕES DE MÉRITO REFERENTES À DOSIMETRIA:
47. Em face da inidoneidade das informações da INTERPOL, não corroboradas pelas certidões criminais da Justiça Italiana e sem explicitação das situações de fato referentes às informações nelas contidas, não serem idôneas para embasar a aplicação pela sentença apelada da circunstância judicial desfavorável da má conduta social na dosimetria da pena do crime de tentativa de tráfico internacional de pessoa a que condenados dois dos réus, impõe-se o afastamento dessa circunstância judicial desfavorável, no entanto, em face da preponderância, ainda, assim, das circunstâncias judiciais desfavoráveis em relação a esses Réus e ao crime questão, a pena base fixada na sentença apelada, por ter, apenas, alcançado o termo médio entre a pena máxima e a mínima prevista para o referido delito, encontra-se adequadamente fixada, não merecendo redução.
48. A agressividade e a má índole de um dos réus estão devidamente demonstradas pelos elementos examinados na sentença apelada, não sendo os argumentos deduzidos na apelação suficiente para afastar essa circunstância judicial desfavorável, como não é, também, eventual composição posterior entre este e pessoa por ele agredida suficiente para afastar essa conclusão em função do problema entre eles ocorrido.
49. Em relação a alguns dos réus, verifica-se que a habitualidade utilizada como circunstância a eles desfavorável em relação aos crimes pelos quais condenados está devidamente demonstrada pelas próprias circunstâncias da atuação da organização criminosa e seu caráter de atividade profissional.
50. Em relação a um dos réus, não houve dupla utilização de mesmas condenações anteriores como circunstâncias judiciais desfavoráveis e agravante de reincidência, pois a sentença apelada é bem clara no sentido de utilizar para primeira finalidade apenas as condenações judiciais anteriores não mais aptas à gerar reincidência, sendo apenas uma utilizada para este fim, por não se enquadrar em referido critério.
51. Em relação a um dos réus que recorreu da sentença apelada alegando excesso na pena que lhe foi aplicada, o exame da dosimetria das penas a eles impostas pela sentença apelada indica que a fixação delas foi feita de forma bastante razoável, sem excessos, aproximando-se as penas-base estabelecidas do mínimo legal.
52. Não provimento da apelação do Ministério Público Federal.
53. Provimento, em parte, das apelações dos réus, apenas para:
I - reformar as condenações dos Réus GIUSEPPE AMMIRABILLE e SALVATORE BORRELLI pelos crimes de tráfico internacional de mulheres fixadas na sentença apelada para que sejam, apenas, por um crime tentado (Lucélia Borges Garcia), qualificado pela grave ameaça e pela finalidade de lucro (art. 231, cabeça e parágrafos 2.º e 3.º, do CP, na redação anterior à Lei n.º 11.106/2005), e um crime consumado (Mônica Heliodoro - Cacau) de tráfico internacional de mulheres, qualificado pela finalidade de lucro (art. 231, cabeça e parágrafo 3.º, do CP, na redação anterior à Lei n.º 11.106/2005), mantendo-se a dosimetria já realizada pela sentença recorrida, inclusive, quanto à multa, exceto em relação à majoração da continuidade delitiva, que resta reduzida para 1/3 (um terço), em face do número de delitos ora considerado; com suas absolvições, nos termos do art. 386, inciso VII, do CPP, em relação às condutas a eles imputadas nesse aspecto quanto às prostitutas Samile, Letícia Cararmato, Mari, Mércia, Patrícia e Mila);
(b) afastar a incidência da qualificadora de quadrilha ou bando armado prevista no parágrafo único do art. 288 do CP, com a devida redução das penas impostas aos réus em função dessa exclusão;
(c) absolver os Réus EDMILSON UMBELINO DE SOUZA e PAULO ROBERTO CORREIA DE MELO da acusação de crime contra o sistema financeiro nacional previsto no art. 16 da Lei n.º 7.492/86, em face da atipicidade de suas condutas, nos termos do art. 386, inciso I, do CPP;
(d) e declarar a nulidade da sentença recorrida na parte relativa ao crime de falsidade ideológica e a incompetência da Justiça Federal para processamento e julgamento da causa em relação a essa parte da denúncia, com a remessa de cópia desta, dos originais documentos nela referidos e de cópia dos interrogatórios dos réus ali indicados para a Justiça Estadual na Comarca de Natal/RN.
(PROCESSO: 200584000100122, ACR5179/RN, DESEMBARGADOR FEDERAL EMILIANO ZAPATA LEITÃO (CONVOCADO), Primeira Turma, JULGAMENTO: 26/03/2009, PUBLICAÇÃO: DJ 04/05/2009 - Página 201)
Ementa
APELAÇÃO CRIMINAL. CONSTITUCIONAL, PROCESSUAL PENAL E PENAL. QUESTÕES DE ORDEM: TEMPO DE SUSTENTAÇÃO ORAL. MULTIPLICIDADE DE RÉUS POR ADVOGADO. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. MEMORIAIS JUNTADOS AOS AUTOS. DOCUMENTOS ANEXOS. VISTA AO MPF NA SESSÃO. QUESTÕES PRELIMINARES: RAZÕES DE APELAÇÃO. INTEMPESTIVIDADE. ART. 601, CABEÇA, DO CPP. IRRELEVÂNCIA. FASE RECURSAL. JUNTADA DE DOCUMENTOS NOVOS. ADMISSIBILIDADE. TESTEMUNHA. DEPOIMENTOS PRESTADOS NO INQUÉRITO POLICIAL. UTILIZAÇÃO NA AÇÃO PENAL DE FORMA NÃO EXCLUSIVA. ADMISSIBILIDADE. EXAME DO CONTEÚDO PROBATÓRIO QUANDO DA ANÁLISE DO MÉRITO. DILIGÊNCIA REQUERIDA PELA DEFESA EM FASE RECURSAL. PRINCÍPIO DA VERDADE REAL. LIMITES. AUSÊNCIA DE DEFICIÊNCIA DEFENSIVA. INÉRCIA ANTERIOR. REJEIÇÃO. MODIFICAÇÃO DE COMPETÊNCIA. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL E LAVAGEM DE DINHEIRO. ESPECIALIZAÇÃO DE VARA FEDERAL. REDISTRIBUIÇÃO. CONSTITUCIONALIDADE E LEGALIDADE. MAGISTRADOS. DECISÕES NO CURSO DO PROCESSO. PRÉ-JULGAMENTO. SUSPEIÇÃO. INOCORRÊNCIA. PROCURADOR DA REPÚBLICA. VINCULAÇÃO A PROCESSO REDISTRIBUÍDO. SUSPEIÇÃO. INOCORRÊNCIA. RÉUS ESTRANGEIROS. DIREITO À TRADUÇÃO DOS DOCUMENTOS DOS AUTOS. INEXISTÊNCIA. TRANSFERÊNCIA PARA PRESÍDIO DE SEGURANÇA MÁXIMA EM OUTRO ESTADO. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. TESTEMUNHA DE DEFESA NÃO LOCALIZADA. AUSÊNCIA DE INSISTÊNCIA DA DEFESA EM SUA OITIVA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES AO COAF E GGI-LD. INDEFERIMENTO. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. ESCUTAS TELEFÔNICAS. DEGRAVAÇÃO INTEGRAL. DIREITO. AUSÊNCIA. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. DECISÃO. MOTIVAÇÃO. INDONEIDADE. AUTO CIRCUNSTANCIADO. JUNTADA POSTERIOR. NECESSIDADE DE PRORROGAÇÃO. AUSÊNCIA DE NULIDADE. PRORROGAÇÕES SUCESSIVAS. NECESSIDADE DEMONSTRADA E DECISÃO FUNDAMENTADA. POSSIBILIDADE. QUESTÕES DE MÉRITO: CRIME DE CASA DE PROSTITUIÇÃO. CARACTERIZAÇÃO DA NATUREZA DO ESTABELECIMENTO. PROVA SUFICIENTE. TOLERÂNCIA DO PODER PÚBLICO. IRRELEVÂNCIA. AUTORIA E PARTICIPAÇÃO DEMONSTRADAS. MANUTENÇÃO CONCOMITANTE DE MAIS DE UM ESTABELECIMENTO. CONCURSO MATERIAL. OCORRÊNCIA. TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS. DELITO TENTADO. PROVA NÃO EXCLUSIVAMENTE INQUISITORIAL. DELITO CONSUMADO. AUSÊNCIA DE PROVA EM RELAÇÃO A ALGUMAS DAS PROSTITUTAS. TRÁFICO INTERNO DE PESSOAS E FAVORECIMENTO À PROSTITUIÇÃO. PROVA SUFICIENTE. ART. 228 E ART. 231-A DO CP, NA REDAÇÃO DADA PELA LEI N.º 11.106/05. "LEX MITIOR". NÃO CARACTERIZAÇÃO. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. ATIVIDADE NÃO EQUIPARADA A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. NÃO CONFIGURAÇÃO. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. ELEMENTOS PARA CARACTERIZAÇÃO. PROVA. EXISTÊNCIA. QUALIFICADORA DE QUADRILHA ARMADA. AFASTAMENTO. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO. NATUREZA AUTÔNOMA. TIPIFICAÇÃO. CRIME ANTECEDENTE. PROVA DA ORIGEM LÍCITA. REQUISITOS. ÔNUS DOS RÉUS. NÃO DESINCUMBÊNCIA. APELAÇÃO DO MPF RELATIVA A LAVAGEM NÃO OCORRIDA. NÃO PROVIMENTO. CRIME DE POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO NÃO REGISTRADA. ART. 31 E ART. 32 DA LEI N.º 10.826/03. DESCRIMINALIZAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. CRIME DE FALSIDADE IDEOLÓGICA. AUSÊNCIA DE CONEXÃO. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. NULIDADE DA SENTENÇA E REMESSA DE CÓPIAS À JUSTIÇA ESTADUAL. CRIME DE FALSA IDENTIDADE. ASSUNÇÃO DA QUALIDADE DE POLICIAL FEDERAL. NÃO ENQUADRAMENTO. CONTRAVENÇÃO PENAL JÁ PRESCRITA. NÃO PROVIMENTO DO RECURSO DO MPF NESSA PARTE. QUESTÕES DE MÉRITO REFERENTES À DOSIMETRIA: INFORMAÇÕES DA INTERPOL. MÁ CONDUTA. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL. INIDONEIDADE PROBATÓRIA. AFASTAMENTO. PREPONDERÂNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. MANUTENÇÃO DA PENA BASE. AGRESSIVIDADE. MÁ ÍNDOLE. PROVA. EXISTÊNCIA. NÃO DESCARACTERIZAÇÃO. HABITUALIDADE CRIMINOSA. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL. APLICAÇÃO ADEQUADA. AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA E CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL REFERENTE A ANTECEDENTES CRIMINAIS. DUPLA UTILIZAÇÃO DAS MESMAS CONDENAÇÕES CRIMINAIS. NÃO OCORRÊNCIA. PENA. EXCESSO. INEXISTÊNCIA.
QUESTÕES DE ORDEM:
1. Nos termos da jurisprudência do STJ e do STF, a multiplicidade de Réus representados por advogados diferentes autoriza a que o prazo para sustentação oral seja fixado em 15 (quinze) minutos para cada um dos Réus e respectivo causídico, ressalvada a hipótese de representação de um mesmo Réu por mais de um advogado.
2. A juntada aos autos de memoriais pela Defesa com documentos anexos impõe, em respeito ao direito ao contraditório e a ampla defesa, a vista desses documentos ao MPF na sessão de julgamento, antes do início deste.
QUESTÕES PRELIMINARES:
3. Em face do disposto no art. 601, cabeça, do CPP, é irrelevante se as razões de apelação foram ou não apresentadas tempestivamente, vez que o recurso subiria à instância superior mesmo sem elas, conforme, inclusive, é o entendimento do STF (STF, HC n.º 72.533/SP, Relator Ministro Sidney Sanches, DJ 22.09.1995).
4. A jurisprudência do STJ (STJ, 5.ª Turma, HC n.º 82.414/RJ, Relator Ministro Félix Fischer, DJe 22.09.2008) tem entendido pela admissibilidade processual da juntada de documentos nos autos a qualquer momento, sendo possível o seu indeferimento na hipótese de evidenciado o caráter protelatório e/ou tulmutuário da atuação processual das partes.
5. O art. 155 do CPP, na redação dada pela Lei n.º 11.690/2008, não impede a utilização da prova produzida na fase inquisitorial (IPL) como fundamento da decisão judicial, sendo obstáculo, apenas, a que esta se baseie, exclusivamente, em prova inquisitorial ("elementos informativos colhidos na investigação"), bem como sequer estava a atual redação desse dispositivo legal vigente à época em que prolatada a sentença recorrida (11.12.2006 - fl. 2.217), devendo-se ressaltar, ainda, que a coleta de depoimentos de testemunhas nessa fase é legal e, portanto, não há que pretender-se aplicar a esse tipo de prova a sanção de inadmissibilidade processual imposta às provas ilícitas prevista no art. 157 do CPP, na redação dada pela Lei n.º 11.690/2008.
6. A questão da higidez da análise dos fatos delituosos e da prova a estes relativa realizada pela sentença recorrida e, portanto, de estar-se ou não diante de decisão judicial maculada pelo caráter inquisitorial absoluto (leia-se "baseada exclusivamente em prova inquisitorial") da prova em que se fundou deve ser examinada, por sua vez, quando da apreciação do mérito das irresignações recursais.
7. O princípio da busca da verdade real deve ser compatibilizado com o devido processo legal, especificamente quanto à igualdade de tratamento processual das partes e à paridade de armas, bem como com o da imparcialidade do juiz, não podendo ele servir de embasamento para que o Juízo se substitua à parte nas iniciativas probatórias que lhe competem, mas, apenas, para que, em situação de dúvida objetiva oriunda da colisão de versões fáticas extraíveis das provas produzidas nos autos, atue o magistrado no sentido de, de forma razoável, buscar dirimir essas dúvidas com a produção de provas a tal aptas.
8. No caso em exame, não se está diante de situação dessa espécie, mas de simples inércia da Defesa dos Réus, a qual pretende, em fase recursal, ressuscitar a instrução probatória já finda, razão pela qual não pode referido pleito ser acolhido por este Órgão Julgador Recursal.
9. Ressalte-se que a Defesa dos Réus tem-se mostrado intensamente aguerrida no objetivo de obter a sua absolvição, como demonstram os inúmeros requerimentos de juntada de documentos realizados nos autos e os incidentes processuais e/ou ações autônomas manejados, razão pela qual não há que se falar em necessidade de atuação judicial supridora de eventual deficiência na defesa técnica.
10. A jurisprudência do STJ (STJ, 3.ª Seção, CC n.º 57.838/MS, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJ 15.05.2006, e 6.ª Turma, HC n.º 48.746/SP, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 29.09.2008) encontra-se pacificada no sentido de que a especialização de vara federal para processamento e julgamento de crimes contra o sistema financeiro nacional e de lavagem de dinheiro determina a remessa a ela de todos os feitos em andamento enquadrados nessa competência, inclusive, as ações conexas, com a ressalva, apenas, dos processos em que já encerrada a instrução criminal antes da especialização.
11. O STF, ademais, tem jurisprudência (STF, 2.ª Turma, HC n.º 94.188/SC, Relator Ministro Eros Grau, DJe 16.10.2008), também, firmada no sentido de que referida especialização não gera ofensa ao princípio do juiz natural.
12. No sistema processual penal brasileiro, no qual não se adotou o modelo do juiz de garantias e/ou de instrução, a simples atuação judicial na decretação da prisão preventiva, na qual necessariamente, em face do exame dos requisitos legais, deve o magistrado apreciar os fatos objeto da lide, mesmo que em cognição sumária, e na solução de incidentes da causa, para os quais tenha que fazer exame de natureza similar, não é suficiente para ensejar-lhe suspeição.
13. A vinculação de Procurador da República que atua em determinado processo penal em relação a este quando de sua redistribuição para outra vara federal, por sua vez, não tem qualquer eiva de ilegalidade, sendo, apenas, a implementação prática do princípio do promotor natural por prevenção, cuidando-se de medida que racionaliza o trabalho de acusação e não traz qualquer ofensa ao princípio da unidade do Ministério Público.
14. O CPP, em seu art. 193, prevê a assistência de intérprete ao Acusado que não falar a língua nacional, apenas, em relação ao seu interrogatório, não havendo previsão legal para a tradução integral dos autos processuais penais, inclusive, quanto ao resultado das interceptações telefônicas, sobretudo quando ele está adequadamente representado por defensor constituído, ao qual incumbe viabilizar o contato profissional com seu constituinte e o auxílio deste à sua defesa técnica.
15. A necessidade e legalidade da transferência dos Réus de nacionalidade italiana para o Presídio Federal de segurança máxima no Mato Grosso do Sul, já foi devidamente examinada por esta Turma Julgadora no HC n.º 2913/RN, cuja ementa se encontra transcrita pelo MPF às fls. 3.345/3.346, razão pela qual não se sustenta a tese de cerceamento de defesa decorrente de sua ilegalidade e de eventual dificuldade de contato com a defesa técnica dela decorrente.
16. Ressalte-se, por fim, que o caráter exaustivo da defesa técnica pré e pós-sentenciamento, do feito em 1.º Grau, tanto em relação a questões preliminares processuais quanto ao próprio mérito das acusações criminais, como bem o demonstram as razões de apelação apresentadas pelos Réus, muitas vezes em centenas de páginas de arrazoados, deixa evidente que, se houve alguma dificuldade lingüística e/ou de contato da defesa com os Réus, não foi ela apta a gerar-lhes qualquer prejuízo à sua defesa técnica.
17. Intimada a Defesa da não localização de testemunha por ela arrolada e não insistindo em sua oitiva, seja por manifestação expressa nesse sentido seja por ter silenciado quanto ao fato, não resta caracterizada a ocorrência de cerceamento de defesa.
18. Não está entre as funções do COAF e do GGI-LD a certificação da legalidade ou não da origem de valores suspeitos de serem objeto de lavagem de dinheiro, não estando eles, sequer, aparelhados para essa finalidade, razão pela qual o indeferimento de requerimento de diligências nesse sentido não gera cerceamento de defesa.
19. O STF (STF, Tribunal Pleno, HC-MC 91.207/RJ, Relatora para o acórdão Ministra Cármen Lúcia, DJe 21.09.2007) já se manifestou no sentido de não ser necessária a degravação integral de todas as conversas telefônicas interceptadas com autorização judicial, sendo suficiente que sejam degravadas aquelas necessárias ao embasamento da acusação deduzida na denúncia, sem que isso represente qualquer ofensa ao devido processo legal.
20. Em realidade, a disponibilização do conteúdo das gravações à Defesa já é suficiente para que restem atendidos os seus interesses quanto ao exame das conversas telefônicas interceptadas, o que, no caso em exame, restou atendido conforme assinalado no despacho de fls. 1.243/1.244 destes autos (vol. 6).
21. O fato de os elementos indiciários de prova nos quais se baseou o deferimento da interceptação telefônica serem ou não infirmados pela investigação criminal é irrelevante para a análise da higidez daquela decisão, que deve ser feita com base no conjunto probatório então existente e da necessidade da diligência, a qual, em situações como a presente, de atuação delituosa complexa por organização criminosa mostra-se presente ante a inexistência de outros meios de prova eficazes.
22. A juntada, posterior à decisão de prorrogação, do auto circunstanciado da interceptação telefônica do período anterior, desde que evidenciado pelo exame respectivo que a prorrogação era medida que se fazia necessária, não é, por si só, fato hábil a levar à nulidade da decisão respectiva.
23. O STF (STF, 2.ª Turma, HC 85.575/SP, Relator Ministro Joaquim Barbosa, DJ 16.03.07) tem entendido possível a prorrogação sucessiva da interceptação telefônica, desde que devidamente fundamentada, quando persistirem os motivos que levaram à sua decretação.
QUESTÕES DE MÉRITO:
24. Demonstrado, pelas interceptações telefônicas, prova oral colhida no IPL e na ação penal, e pelos documentos apreendidos em cumprimento a mandado de busca e apreensão judicial, que as prostitutas não eram meras freqüentadoras habituais dos estabelecimentos "Ilha da Fantasia" e "Forró Café", mas, ao contrário, que tinham suas freqüências e faltas controladas, inclusive, mediante aplicação de multas pelo descumprimento das regras que lhes eram impostas, bem como a exigência pelas casas, dissimulada sob a forma de compra de uma champanhe, de valor extra para que o programa sexual fosse realizado fora do local, no qual disponibilizados quartos a valor inferior, sendo as prostitutas, em realidade, uma das "mercadorias" cuja oferta e disponibilidade era objeto da prestação de serviço ali realizada, resta devidamente caracterizada a manutenção de casa de prostituição.
25. A prova dos autos, ademais, mostrou-se apta à demonstração das condutas de cada um dos Réus condenados por crime de manutenção de casa de prostituição, de forma individualizada, tanto em relação aos cabeças da organização criminosa quanto aos demais Réus a ela vinculados, que não eram mero "serviçais" daqueles, ao contrário do alegado em algumas das defesas.
26. O funcionamento da casa de prostituição em zona de meretrício e com autorização do Poder Público, inclusive, com consentimento das autoridades policiais e tributárias, não afasta a ilicitude da conduta nem dá ensejo à ocorrência de erro de proibição, conforme jurisprudência do STJ (STJ, 5.ª Turma, REsp n.º 870.055/SC, Ministro Gilson Dipp, DJU 30.04.07).
27. As condutas de manutenção de duas casas de prostituição distintas e concomitantemente caracteriza hipótese de concurso material entre esses delitos permanentes, não sendo o caso de continuidade delitiva, e estando, conforme, explicitado no trecho da sentença apelada acima transcrito, devidamente caracterizado o caráter de casa de prostituição, também, do "Forró Café".
28. A tentativa de tráfico internacional de pessoas em relação a prostituta trazida de Goiânia está devidamente comprovada pelo exame conjunto da prova colhida em Juízo e daquela colhida no IPL, não se baseando, exclusivamente, neste.
29. A consumação do crime de tráfico internacional de pessoas só restou, no entanto, demonstrada em relação a uma das prostitutas indicadas na denúncia, vez que, em relação às outras seis, não há prova suficiente de que elas ou tenham ido ao exterior ou que essa ida tenha sido promovida, intermediada ou facilitada por alguns dos Réus condenados por esse crime.
30. A ocorrência dos crimes de tráfico interno de pessoas, com o recrutamento pelos Réus por eles condenados de mulheres em diversos Estados da Federação e no interior do Rio Grande do Norte para exercerem a prostituição dos estabelecimentos "Ilha da Fantasia" e "Forró Café" em Natal/RN, objeto da condenação imposta pela sentença recorrida está devidamente embasada no conteúdo das interceptações telefônicas, da prova documental e oral colhida no IPL e não ação penal, não sendo esse delito absorvido pelo de casa de prostituição por constituir-se em crime autônomo, cujo âmbito de ofensividade penal extrapola o daquele.
31. A tipificação delituosa do art. 231-A do CP (na redação dada pela Lei n.º 11.106/05) não é mais benéfica aos Réus em questão do que a do art. 228 do CP, vez que a pena restritiva de liberdade naquela é superior a esta e contém aquela, ainda, previsão de multa, não sendo o fato do reconhecimento de eventual continuidade delitiva pelo enquadramento naquela tipificação possibilitar a aplicação da continuidade delitiva idôneo a ensejar a aplicação de lei penal posterior menos benéfica, vez que o princípio da "lex mitior" não pode ser invocado com base em combinação de normas (no caso, a norma incriminadora com a da continuidade delitiva).
32. A conduta dos Réus que prestavam serviços à organização criminosa no câmbio de moeda estrangeira, utilizando-se de estabelecimento oficiais de câmbio para essa finalidade, não caracteriza crime contra o sistema financeiro nacional, vez que não atuavam eles como instituições financeiras. Vencido o Relator, que entendia que caracterizada a prática do crime em questão em função da intermediação prevista no art. 1.º, cabeça e inciso II, da Lei n.º 7.492/86.
33. O exame feito pela sentença apelada, sobretudo a descrição do papel de cada um dos Réus dentro da estrutura do grupo criminoso organizado, com base na análise dos demais crimes praticados pelos componentes deste, demonstra, claramente, a presença de uma estrutura organizada criminosa destinada à prática de tráfico internacional e interno de pessoas, de casa de prostituição e lavagem de dinheiro, com, entre outros elementos, divisão de tarefas, hierarquia interna, planejamento empresarial e atuação territorial ampla.
34. A eventual participação menor ou maior de cada Réu nas atividades delituosas da organização criminosa não é suficiente para afastar a associação permanente com finalidade delituosa constatada, quando evidenciada a concatenação de esforços, mesmo que com divisão de tarefas e hierarquização, para as atividades desempenhadas por aquela, devendo, apenas, como de fato o foi, ser levada em consideração por ocasião da dosimetria da pena individual respectiva.
35. A incidência da qualificadora de bando armado (art. 288, parágrafo único, do CP) em relação ao crime de quadrilha ou bando pelo qual foram condenados os réus merece ser afastada, pois o simples fato de ter sido encontrada, na posse de um dos Réus, num quarto da "Ilha da Fantasia", uma arma de fogo e munição respectiva e, também, nas dependências da Pousada Europa, uma outra arma com a respectiva munição, ambas com eficiência balística atestada por laudo pericial, não se mostra suficiente para a caracterização da existência de bando armado, pois não há elementos de prova nos autos que demonstrem o uso desse armamento nas atividades do grupo criminoso, seja de forma efetiva (por exemplo na realização de ameaças ou agressões físicas a pessoas em contato com suas atividades), seja de forma presumida ou potencial, como seria o caso se, necessariamente, as atividades planejadas envolvessem o uso de armamento (por exemplo, roubos a instituições financeiras, seqüestros etc.), ou, ainda, se, ao menos, tivessem as armas em questão sido apreendidas em situação de porte por alguns dos réus durante as atividades que eram de sua atribuição na organização criminosa e não, como foi o caso, em situação de apenas posse de arma de fogo.
36. A aplicação ao caso em exame da figura da organização criminosa prevista na Lei n.º 9.034/95 decorre da sua conjugação com a conceituação dessa entidade constante da Convenção de Palermo sobre o Crime Organizado Transnacional (Decreto n.º 5.015/04) e do enquadramento dos delitos dos arts. 228, 229, 231 e 231-A do CP na categoria de infração grave ali prevista, bem como a incidência no caso do art. 288 do CP como figura incriminadora específica, não havendo que se falar ineficácia da normatização estabelecida pela Lei n.º 9.034/95 e estando, ademais, com base nos fundamentos da sentença apelada, presentes os demais requisitos para caracterização do grupo criminoso objeto deste feito como organização criminosa.
37. O crime antecedente do delito de lavagem de dinheiro restou devidamente esclarecido como sendo aquele indicado no inciso VII do art. 1.º da Lei n.º 9.613/98 (crime praticado por organização criminosa), no caso a prática pela organização criminosa comandada pelos dois primeiros réus referidos e com a participação dos demais de crimes de tráfico internacional e interno de pessoas e casa de prostituição, estando, pelo já examinado, devidamente caracterizada a sua ocorrência.
38. Essa norma penal incriminadora não se mostra vazia de conteúdo, nem ofende os princípios da legalidade e separação dos poderes, pelas razões já acima expostas quanto ao qualificação da quadrilha ou bando objeto deste feito como organização criminosa, sendo, ademais, de ressaltar-se que o próprio STF vem aplicando referida norma penal incriminadora (STF, Tribunal Pleno, Inq n.º 2.245/MG, Relator Ministro Joaquim Barbosa, DJe 08.11.2007).
39. O crime de lavagem de dinheiro é de natureza autônoma em relação aos crimes antecedentes, não representando a punição por aquele "bis in idem" em relação a estes, pois vocacionados à defesa de bens jurídicos distintos, não representando mero exaurimento do delito antecedente, como, aliás, já decidido pelo próprio STF no precedente citado no item anterior.
40. Admitir-se que Réus processados e/ou condenados por lavagem de dinheiro pudessem fazer prova da origem lícita dos valores que seriam objeto da lavagem pela simples apresentação de declarações de terceiros e/ou documentos que indicassem que algum valor monetário lícito passou por suas mãos, sem exigir a efetiva prova de que esses valores foram os utilizados nas atividades que seriam de lavagem de valores ilícitos, ou seja, sem exigir a prova da real existência monetária, circulação e forma de utilização daqueles, seria o mesmo que esvaziar, por completo, qualquer possibilidade de persecução criminal do crime de lavagem de dinheiro e representaria o completo desconhecimento da realidade desse tipo de conduta criminosa, que, por sua própria natureza, busca dar ares de legalidade a valores frutos de atividade ilícita, para tanto mascarando sua origem e/ou misturando-os a valores lícitos, razão pela qual a alegada existência de valores lícitos em poder dos Réus não é, em si, fato idôneo à prova da inocorrência do delito em questão.
41. No crime de lavagem de dinheiro, o ônus da prova da acusação é o de que o acusado praticou um crime antecedente e que possui bens sem origem lícita comprovada, cabendo ao acusado a demonstração de eventual origem lícita desses bens para afastar a caracterização da lavagem de dinheiro em relação a eles.
42. Não provimento da apelação do MPF na parte em que postulada a condenação de um dos réus pelo delito de lavagem de dinheiro, como os empreendimentos que ele estava ajudando a organização criminosa a montar em Recife/PE não chegaram a se consumar e funcionar, não se concretizou qualquer conduta de lavagem de dinheiro com sua participação em função do empréstimo de seu nome para figurar como laranja em um desses negócios.
43. O laudo pericial referido no trecho acima transcrito da sentença apelada deixa evidente que a arma na posse de um dos réus não era um item de colecionador ("uma garrucha", como pretende a defesa), mas uma arma de fogo eficaz, sendo, ademais, em face de a ausência de seu regular registro, ilícita a conduta de sua posse e não, apenas, de seu porte, razão pela qual não há qualquer equívoco na condenação a ele imposta, nos termos do art. 12 da Lei n.º 10.826/03.
44. Não obstante a existência de jurisprudência do STJ em sentido contrário, mas não estando, ainda, consolidada esta, e melhor examinando posição anterior deste Magistrado, em face de argumentos apresentados em outro julgado pelo Exm.º Sr. Desembargador Federal Francisco Cavalcanti, passei a entender que a interpretação conjunta do art. 31 com o art. 32 da Lei n.º 10.826/03, em face do prazo para regularização da posse irregular de arma de fogo, não descriminalizou a conduta de posse irregular, vez que a apresentação da arma ali prevista deve ser espontânea, no que não se enquadra a situação de apreensão durante o cumprimento a mandado de busca e apreensão judicial.
45. Quanto aos delitos de falsidade ideológica objeto de condenação pela sentença apelada, verifica-se não haver um liame de conexão entre as condutas respectivas e as demais ações objeto de persecução criminal nestes autos, razão pela qual não se justifica, com base no art. 76 e seus incisos do CPP, o seu processamento conjunto, por não serem, por si só, da competência da Justiça Federal, devendo ser declarada a nulidade da sentença recorrida nessa parte e a incompetência da Justiça Federal para processamento e julgamento da causa em relação a essa parte da denúncia, com a remessa de cópia desta, dos documentos nela referidos e dos interrogatórios dos réus ali indicados para a Justiça Estadual na Comarca de Natal/RN.
46. Em face do caráter estrito da interpretação do tipo penal imposto pelo princípio da legalidade, que impede a analogia em desfavor do réu, quanto à interpretação do art. 307 do CP é a de que o delito de falsa identidade ali previsto pressupõe que o agente delituoso assuma a identidade de outra pessoa e não, a simples qualidade de funcionário público, de forma genérica e inexata, o que caracterizaria, quando muito, a contravenção penal do art. 45 do Decreto-Lei n.º 3.688/41 (TRF 4.ª Região, 7.ª Turma, ACR n.º 200672020076237/SC, Relator Desembargador Federal Amaury Chaves de Athayde, DJe 07.01.2009), o qual, no entanto, em face da pena máxima que lhe é atribuída, já teria sido atingido pela prescrição em abstrato no presente caso, razão pela qual entendo que a simples assunção de qualidade de "policial federal" pelos Réus absolvidos na sentença quanto a esse crime não lhes fez incidir na figura delituosa do art. 307 do CP, não merecendo, portanto, provimento a apelação do MPF nessa parte.
QUESTÕES DE MÉRITO REFERENTES À DOSIMETRIA:
47. Em face da inidoneidade das informações da INTERPOL, não corroboradas pelas certidões criminais da Justiça Italiana e sem explicitação das situações de fato referentes às informações nelas contidas, não serem idôneas para embasar a aplicação pela sentença apelada da circunstância judicial desfavorável da má conduta social na dosimetria da pena do crime de tentativa de tráfico internacional de pessoa a que condenados dois dos réus, impõe-se o afastamento dessa circunstância judicial desfavorável, no entanto, em face da preponderância, ainda, assim, das circunstâncias judiciais desfavoráveis em relação a esses Réus e ao crime questão, a pena base fixada na sentença apelada, por ter, apenas, alcançado o termo médio entre a pena máxima e a mínima prevista para o referido delito, encontra-se adequadamente fixada, não merecendo redução.
48. A agressividade e a má índole de um dos réus estão devidamente demonstradas pelos elementos examinados na sentença apelada, não sendo os argumentos deduzidos na apelação suficiente para afastar essa circunstância judicial desfavorável, como não é, também, eventual composição posterior entre este e pessoa por ele agredida suficiente para afastar essa conclusão em função do problema entre eles ocorrido.
49. Em relação a alguns dos réus, verifica-se que a habitualidade utilizada como circunstância a eles desfavorável em relação aos crimes pelos quais condenados está devidamente demonstrada pelas próprias circunstâncias da atuação da organização criminosa e seu caráter de atividade profissional.
50. Em relação a um dos réus, não houve dupla utilização de mesmas condenações anteriores como circunstâncias judiciais desfavoráveis e agravante de reincidência, pois a sentença apelada é bem clara no sentido de utilizar para primeira finalidade apenas as condenações judiciais anteriores não mais aptas à gerar reincidência, sendo apenas uma utilizada para este fim, por não se enquadrar em referido critério.
51. Em relação a um dos réus que recorreu da sentença apelada alegando excesso na pena que lhe foi aplicada, o exame da dosimetria das penas a eles impostas pela sentença apelada indica que a fixação delas foi feita de forma bastante razoável, sem excessos, aproximando-se as penas-base estabelecidas do mínimo legal.
52. Não provimento da apelação do Ministério Público Federal.
53. Provimento, em parte, das apelações dos réus, apenas para:
I - reformar as condenações dos Réus GIUSEPPE AMMIRABILLE e SALVATORE BORRELLI pelos crimes de tráfico internacional de mulheres fixadas na sentença apelada para que sejam, apenas, por um crime tentado (Lucélia Borges Garcia), qualificado pela grave ameaça e pela finalidade de lucro (art. 231, cabeça e parágrafos 2.º e 3.º, do CP, na redação anterior à Lei n.º 11.106/2005), e um crime consumado (Mônica Heliodoro - Cacau) de tráfico internacional de mulheres, qualificado pela finalidade de lucro (art. 231, cabeça e parágrafo 3.º, do CP, na redação anterior à Lei n.º 11.106/2005), mantendo-se a dosimetria já realizada pela sentença recorrida, inclusive, quanto à multa, exceto em relação à majoração da continuidade delitiva, que resta reduzida para 1/3 (um terço), em face do número de delitos ora considerado; com suas absolvições, nos termos do art. 386, inciso VII, do CPP, em relação às condutas a eles imputadas nesse aspecto quanto às prostitutas Samile, Letícia Cararmato, Mari, Mércia, Patrícia e Mila);
(b) afastar a incidência da qualificadora de quadrilha ou bando armado prevista no parágrafo único do art. 288 do CP, com a devida redução das penas impostas aos réus em função dessa exclusão;
(c) absolver os Réus EDMILSON UMBELINO DE SOUZA e PAULO ROBERTO CORREIA DE MELO da acusação de crime contra o sistema financeiro nacional previsto no art. 16 da Lei n.º 7.492/86, em face da atipicidade de suas condutas, nos termos do art. 386, inciso I, do CPP;
(d) e declarar a nulidade da sentença recorrida na parte relativa ao crime de falsidade ideológica e a incompetência da Justiça Federal para processamento e julgamento da causa em relação a essa parte da denúncia, com a remessa de cópia desta, dos originais documentos nela referidos e de cópia dos interrogatórios dos réus ali indicados para a Justiça Estadual na Comarca de Natal/RN.
(PROCESSO: 200584000100122, ACR5179/RN, DESEMBARGADOR FEDERAL EMILIANO ZAPATA LEITÃO (CONVOCADO), Primeira Turma, JULGAMENTO: 26/03/2009, PUBLICAÇÃO: DJ 04/05/2009 - Página 201)
Data do Julgamento
:
26/03/2009
Classe/Assunto
:
Apelação Criminal - ACR5179/RN
Órgão Julgador
:
Primeira Turma
Relator(a)
:
Desembargador Federal Emiliano Zapata Leitão (Convocado)
Comarca
:
Tribunal Regional Federal - 5ª Região
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