TRF5 200605000743761
CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR PARA IMPRIMIR EFEITO SUSPENSIVO A RECURSOS ESPECIAL E EXTRAORDINÁRIO INTERPOSTOS CONTRA ACÓRDÃO DE APELAÇÃO CÍVEL. PROPRIEDADE E COMPETÊNCIA. PRESSUPOSTOS ESPECÍFICOS (FUMAÇA DO BOM DIREITO E PERIGO DE DEMORA). VINCULAÇÃO À POSSIBILIDADE DE ÊXITO RECURSAL. INSERÇÃO NECESSÁRIA NO MÉRITO, A DESPEITO DE SE TRATAR DE EXAME PERFUNCTÓRIO. SÚMULAS 07 DO STJ E 279 DO STF PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. LIMITES DA ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. AUDITOR FISCAL DA RECEITA FEDERAL. APURAÇÃO DE IRREGULARIDADES NO DESEMBARAÇO ADUANEIRO DE MERCADORIAS. REGULARIDADE FORMAL DO PROCEDIMENTO.
1. Ação cautelar proposta com vistas à atribuição de efeito suspensivo aos recursos especial e extraordinário interpostos contra acórdão exarado nos autos de apelação cível, para fins de restabelecimento da eficácia de decisão do Juízo de Primeiro Grau, impedindo-se a realização de qualquer ato capaz de afastar, demitir ou suprimir prerrogativas, direitos ou remuneração do requerente, até o julgamento da ação judicial ajuizada contra processo administrativo disciplinar.
2. É de se salientar a competência desta Presidência para a apreciação da presente medida cautelar, nos termos do Código de Processo Civil (art. 800) e do Regimento Interno desta Corte Regional (art. 266), haja vista que já houve a interposição de recursos especial e extraordinário contra o acórdão exarado pela Primeira Turma - esgotada a esfera de competência desse órgão julgador -, não tendo ocorrido, contudo, de outro lado, o juízo de admissibilidade dos referidos recursos. Preliminar de impropriedade da medida cautelar, argüida pela parte requerida, não acolhida.
3. O deferimento de medida cautelar pressupõe a existência simultânea de dois requisitos: a fumaça do bom direito e o perigo de demora. Especificamente nas medidas cautelares ajuizadas para imprimir efeito suspensivo a recursos especial e extraordinário, "o requisito da aparência do bom direito (fumus boni juris) está diretamente ligado à possibilidade de êxito do recurso especial [e do recurso extraordinário, quando for o caso]". Nesse sentido, confira-se o resultado do julgamento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do AgRgMC 8572 (Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. em 24.05.2005, publ. em DJ de 27.06.2005). Assim, verificando-se a falta de qualquer daquelas condições - fumus boni juris e periculum in mora - ou se mostrando evidente que os recursos especial e extraordinário não têm condições sequer de serem admitidos, não é possível deferir a providência acautelatória. Na perquirição acerca da fumaça do bom direito, não se pode evitar uma deliberação, ainda que mínima, sobre o mérito.
4. Insucesso dos recursos que se vislumbra, inicialmente, em função das Súmulas 07, do STJ, e 279, do STF, acerca da inadmissibilidade de recursos especial e extraordinário para simples reexame de prova.
5. Não cabe ao Poder Judiciário se imiscuir na esfera própria da Administração Pública, a dizer, no campo de formação dos seus juízos de conveniência e oportunidade. Contudo, estão sob o manto de proteção do Estado-Juiz as questões relativas à legalidade e à legitimidade do agir administrativo.
6. As alegações formuladas pelo requerente restringem-se à existência de vícios na composição das várias comissões constituídas durante o procedimento administrativo, à ação pela comissão processante com abuso de poder e desvio de finalidade, à violação da regra de que os atos administrativos devem ser escritos e à ofensa às garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório.
7. O processo administrativo em comento decorreu de relatório de auditoria expedido pela Corregedoria-Geral da Secretaria da Receita Federal, tendo, tal documento, resultado de procedimentos de apuração disparados especialmente em face da divulgação, na imprensa, da apreensão pela Polícia Federal, de contêiner contendo "suprimento de informática subfaturado avaliado em cerca de US$ 600 mil" e de que a empresa envolvida "estaria importando mercadorias de forma fraudulenta, em vasta quantidade , principalmente, computadores de fabricações chinesa e americana". No mencionado relatório de auditoria, está dito que as informações apuradas "devem ser investigadas, tendo em vista que pode ela refletir em uso irregular da aduana em Fortaleza para ingresso de mercadorias de origem estrangeira sem o pagamento dos tributos devidos, podendo existir irregularidades funcionais em decorrência desse fato, passível de apuração em competente procedimento disciplinar". Destarte, foi sugerida a apuração das "irregularidades no desembaraço de Declarações Simplificadas de Importação [DSI]". Dentre as mencionadas irregularidades estão: DSI desembaraçadas com CPF cuja titularidade pertence a terceiras pessoas; DSI desembaraçadas com um número de CPF e o recolhimento do imposto por intermédio de DARF com outro número; titulares de CPF válidos não possuem veículos importados, conforme pesquisas no sistema RENAVAM; indícios de falsificação das assinaturas dos contribuintes apostas nas DSI, tendo em vista evidências de terem partido de um mesmo punho; indícios das DSI serem preenchidas pela mesma pessoa, considerando as semelhanças de grafia, salientado observar que os desembaraços ocorreram sem a constituição de procurador; recolhimento de imposto, por meio de DARF, com CPF cujo titular é responsável por empresa importadora de peças de veículos, denotando, com isso, a existência da prática de comércio; DSI com indícios de subfaturamento no valor da mercadoria importada.
8. "Não ficou caracterizado, em momento algum, que a apuração realizada pela Comissão Inquiritória se deu sem amparo legal, nem que houvesse contradição na apuração dos fatos a ensejar o acatamento da tese esposada na inicial. Antes, pelo contrário, a conclusão da Comissão encontra-se devidamente fundamentada, baseada nas provas carreadas aos autos, nos quais foi assegurado o exercício do contraditório e da ampla defesa à parte" (trecho da ementa do acórdão contra o qual foram interpostos os recursos especial e extraordinário). Não vislumbradas irregularidades viciadoras do processo administrativo disciplinar.
9. A formação do convencimento e o indiciamento se deram por comissão constituída por servidores estáveis, respeitadas as exigências do art. 149, da Lei nº 8.112/90. Todos os membros da comissão que assinam o relatório final ocupam o mesmo cargo do ora requerente (são todos AFRF/AFTN), de modo que têm compreensão dos assuntos ventilados no processo administrativo, podendo-se dizer que possuem conhecimentos específicos. Note-se que não há exigência legal de que os membros da comissão processante sejam, necessariamente, bacharéis em direito, mesmo porque estão atuando na esfera administrativa e não na judicial. As substituições mencionadas pelo requerente, ao longo do procedimento, de servidores de nível superior por servidores de nível médio, não alcançaram o presidente da comissão, não havendo que se falar em ilegalidade, pois apenas para essa figura se exige que ocupe cargo efetivo superior ou de mesmo nível ao do indiciado. De igual forma, não há que se falar em impossibilidade de atuação em comissão processante de servidor que tinha vínculo hierárquico com o Corregedor-Geral da Receita Federal, seja porque o ordenamento jurídico não impede que a autoridade responsável pela apuração institua comissão composta por servidores de sua confiança (ao contrário, isso está implicitamente autorizado), seja porque a Autoridade Correcional não buscava a acusação, pura e simplesmente, do ora requerente, mas unicamente a investigação dos fatos noticiados, com a identificação dos responsáveis pelo que tivesse sido constatado e provado, seja, finalmente, porque não se demonstrou qualquer conduta do integrante da comissão que pudesse apontar para a sua falta de independência ou para a atuação em desprestígio do princípio da impessoalidade.
10. Todos os atos do procedimento administrativo mostram-se claros e documentados, tendo o ora requerente participado, inclusive com a presença de advogado, da quase totalidade dos eventos do referido processado. Se não participou de alguns, tal não se deveu à falta de comunicação pelas autoridades responsáveis, pois essas notificações estão demonstradas. Ressalte-se, nesse contexto, que não deve ser agasalhada a alegação de que teria sido violado o princípio segundo o qual os atos administrativos devem ser escritos, na medida em que algumas diligências teriam sido efetivadas por telefone, segundo argumenta o requerente. Não é verdade, pelo que se extrai dos documentos. De fato, a comissão processante, em alguns momentos, entrou em contato com pessoas - a exemplo dos supostos importadores -, via telefone, para fins de estabelecer um canal inicial para as diligências que seriam realizadas. Contudo, todas as referidas diligências foram lançadas a termo nos autos, bem como coligidos todos documentos correspondentes, sendo que os autos ficaram à disposição do ora requerente, de conformidade com o que constou em notificações por ele recebidas e emanadas da comissão. Se ele não quis ou não achou conveniente acompanhar ou participar mais ativamente, essa omissão não pode ser imputada à comissão processante. Destaque-se, outrossim, ainda nesse ponto, que a comissão não desprezou o pedido de produção probatória por ele realizado, mas simplesmente não concordou com a exigência de que o requerente fosse informado do fim das diligências de iniciativa da comissão, para apresentar o rol de suas testemunhas. A comissão agiu corretamente, também em relação a essa questão, na medida em que acertadamente observou que poderia vir a entender necessárias outras providências após a ouvida das testemunhas do requerente. Responde ele, diga-se, pela inércia na apresentação de elementos probatórios. Inexistência, em exame perfunctório, de desvio de finalidade ou abuso de poder.
11. Comunicações realizadas regularmente, em relação à pessoa do processado, que se fez presente, inclusive por meio de advogado, durante todo o desenrolar do processo administrativo disciplinar, peticionando e obtendo resposta da comissão aos seus questionamentos. Concluída a fase de instrução, o ora requerente foi devidamente citado e apresentou defesa escrita. No Relatório Final da comissão processante, as questões suscitadas na defesa foram devidamente consideradas. Não se vislumbra qualquer cerceamento de defesa ou violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa.
12. A comissão processante concluiu - ao que consta, de forma coerente com todos os elementos apurados - que o requerente: a) não teria observado dever funcional, na medida em que não teria procedido ao exame documental necessário à constatação da integridade dos documentos apresentados (as assinaturas apostas nas DSI, nos campos "solicitação do desembaraço aduaneiro" e "recibo", seriam essenciais à confirmação dessa integridade documental), o que teria sido demonstrado pelo fato de que três DSI seqüenciais teriam apresentado, para a mesma pessoa, assinaturas diferentes, aspecto simplesmente desconsiderado pelo ora requerente. Dentre outras irregularidades associadas à tipificação estaria: "O servidor não constatou as seguintes irregularidades na análise documental de DSIs, sendo que as irregularidades eram suficientes para impedir o prosseguimento dos respectivos despachos de importação: [pedido de desembaraço não assinado, procuração sem outorgante identificado e procuração sem assinatura do outorgante]"; b) não teria observado o dever de zelo e dedicação em relação às atribuições do cargo, ao deixar passar tantas irregularidades identificadas; c) teria cometido a outros servidores atribuições estranhas a seu cargo, em situações que não teriam sido nem de emergência, nem transitórias, haja vista que teria alegado que as atribuições de conferência documental seriam unicamente dos TTN/TRF e não dos AFTN/AFRF, imputando aos primeiros a responsabilidade pelos descompassos, quando, em verdade, segundo o regramento próprio, a obrigação de verificação da integridade dos documentos seria dos auditores fiscais da Receita Federal e não dos técnicos da Receita Federal; d) "permitiu que o Sr. [...] acompanhasse-o na conferência física de três DSIs, liberando para esse Senhor as mercadorias, sendo que, nessas três DSIs, o Sr. [...] não é nem o importador, nem o representante legal do importador. Tendo assim agido, o servidor valeu-se de seu cargo para, em detrimento da dignidade da função pública, gerar benefício indevido ao Sr. [...], pois o mesmo logrou a liberação de mercadorias em despachos de importação em que não poderia legalmente fazê-lo"; e) teria cedido a senha do SISCOMEX para uso por pessoa estranha ao serviço público, que teria se beneficiado "indevidamente ao realizar exportação fora dos controles aduaneiros".
13. São representativos da gravidade dos fatos, afastando definitivamente a fumaça do bom direito alegada: documentos em que pessoas que seriam as importadoras declaram que não teriam efetuado a importação, bem como que as assinaturas constantes nas guias de importação não seriam suas; resumo em que se acentuou que foram identificadas, de cento e setenta e nove, quarenta e oito declarações simplificadas de importação com falsificações; novo resumo em que consta exame de mais sessenta e seis declarações simplificadas de importação, além das anteriormente verificadas, das quais (do somatório) se concluiu que "o AFRF [processado] liberou 72 (setenta e duas) DSIs com assinaturas dos importadores falsificadas"; as confissões do terceiro estranho ao serviço público, para quem - segundo apuração - teria sido cedida a senha do SISCOMEX e contra quem pesam as seguintes acusações: realizou registro de DSI quando ainda não tinha credenciamento para funcionar como ajudante de despachante aduaneiro, perdeu o credenciamento porque o seu comprovante de conclusão do segundo grau era falso, falsificou a assinatura de supostos importadores com retirada de mercadorias e, em outra oportunidade, falsificou a assinatura do Superintendente Estadual do IBAMA/CE em guia de trânsito de peixes ornamentais vivos de espécie permitida.
14. Pela improcedência do pedido da medida cautelar. Prejudicado o agravo regimental.
(PROCESSO: 200605000743761, MC2289/CE, DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO CAVALCANTI, Pleno, JULGAMENTO: 07/03/2007, PUBLICAÇÃO: DJ 16/03/2007 - Página 630)
Ementa
CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR PARA IMPRIMIR EFEITO SUSPENSIVO A RECURSOS ESPECIAL E EXTRAORDINÁRIO INTERPOSTOS CONTRA ACÓRDÃO DE APELAÇÃO CÍVEL. PROPRIEDADE E COMPETÊNCIA. PRESSUPOSTOS ESPECÍFICOS (FUMAÇA DO BOM DIREITO E PERIGO DE DEMORA). VINCULAÇÃO À POSSIBILIDADE DE ÊXITO RECURSAL. INSERÇÃO NECESSÁRIA NO MÉRITO, A DESPEITO DE SE TRATAR DE EXAME PERFUNCTÓRIO. SÚMULAS 07 DO STJ E 279 DO STF PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. LIMITES DA ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. AUDITOR FISCAL DA RECEITA FEDERAL. APURAÇÃO DE IRREGULARIDADES NO DESEMBARAÇO ADUANEIRO DE MERCADORIAS. REGULARIDADE FORMAL DO PROCEDIMENTO.
1. Ação cautelar proposta com vistas à atribuição de efeito suspensivo aos recursos especial e extraordinário interpostos contra acórdão exarado nos autos de apelação cível, para fins de restabelecimento da eficácia de decisão do Juízo de Primeiro Grau, impedindo-se a realização de qualquer ato capaz de afastar, demitir ou suprimir prerrogativas, direitos ou remuneração do requerente, até o julgamento da ação judicial ajuizada contra processo administrativo disciplinar.
2. É de se salientar a competência desta Presidência para a apreciação da presente medida cautelar, nos termos do Código de Processo Civil (art. 800) e do Regimento Interno desta Corte Regional (art. 266), haja vista que já houve a interposição de recursos especial e extraordinário contra o acórdão exarado pela Primeira Turma - esgotada a esfera de competência desse órgão julgador -, não tendo ocorrido, contudo, de outro lado, o juízo de admissibilidade dos referidos recursos. Preliminar de impropriedade da medida cautelar, argüida pela parte requerida, não acolhida.
3. O deferimento de medida cautelar pressupõe a existência simultânea de dois requisitos: a fumaça do bom direito e o perigo de demora. Especificamente nas medidas cautelares ajuizadas para imprimir efeito suspensivo a recursos especial e extraordinário, "o requisito da aparência do bom direito (fumus boni juris) está diretamente ligado à possibilidade de êxito do recurso especial [e do recurso extraordinário, quando for o caso]". Nesse sentido, confira-se o resultado do julgamento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do AgRgMC 8572 (Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. em 24.05.2005, publ. em DJ de 27.06.2005). Assim, verificando-se a falta de qualquer daquelas condições - fumus boni juris e periculum in mora - ou se mostrando evidente que os recursos especial e extraordinário não têm condições sequer de serem admitidos, não é possível deferir a providência acautelatória. Na perquirição acerca da fumaça do bom direito, não se pode evitar uma deliberação, ainda que mínima, sobre o mérito.
4. Insucesso dos recursos que se vislumbra, inicialmente, em função das Súmulas 07, do STJ, e 279, do STF, acerca da inadmissibilidade de recursos especial e extraordinário para simples reexame de prova.
5. Não cabe ao Poder Judiciário se imiscuir na esfera própria da Administração Pública, a dizer, no campo de formação dos seus juízos de conveniência e oportunidade. Contudo, estão sob o manto de proteção do Estado-Juiz as questões relativas à legalidade e à legitimidade do agir administrativo.
6. As alegações formuladas pelo requerente restringem-se à existência de vícios na composição das várias comissões constituídas durante o procedimento administrativo, à ação pela comissão processante com abuso de poder e desvio de finalidade, à violação da regra de que os atos administrativos devem ser escritos e à ofensa às garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório.
7. O processo administrativo em comento decorreu de relatório de auditoria expedido pela Corregedoria-Geral da Secretaria da Receita Federal, tendo, tal documento, resultado de procedimentos de apuração disparados especialmente em face da divulgação, na imprensa, da apreensão pela Polícia Federal, de contêiner contendo "suprimento de informática subfaturado avaliado em cerca de US$ 600 mil" e de que a empresa envolvida "estaria importando mercadorias de forma fraudulenta, em vasta quantidade , principalmente, computadores de fabricações chinesa e americana". No mencionado relatório de auditoria, está dito que as informações apuradas "devem ser investigadas, tendo em vista que pode ela refletir em uso irregular da aduana em Fortaleza para ingresso de mercadorias de origem estrangeira sem o pagamento dos tributos devidos, podendo existir irregularidades funcionais em decorrência desse fato, passível de apuração em competente procedimento disciplinar". Destarte, foi sugerida a apuração das "irregularidades no desembaraço de Declarações Simplificadas de Importação [DSI]". Dentre as mencionadas irregularidades estão: DSI desembaraçadas com CPF cuja titularidade pertence a terceiras pessoas; DSI desembaraçadas com um número de CPF e o recolhimento do imposto por intermédio de DARF com outro número; titulares de CPF válidos não possuem veículos importados, conforme pesquisas no sistema RENAVAM; indícios de falsificação das assinaturas dos contribuintes apostas nas DSI, tendo em vista evidências de terem partido de um mesmo punho; indícios das DSI serem preenchidas pela mesma pessoa, considerando as semelhanças de grafia, salientado observar que os desembaraços ocorreram sem a constituição de procurador; recolhimento de imposto, por meio de DARF, com CPF cujo titular é responsável por empresa importadora de peças de veículos, denotando, com isso, a existência da prática de comércio; DSI com indícios de subfaturamento no valor da mercadoria importada.
8. "Não ficou caracterizado, em momento algum, que a apuração realizada pela Comissão Inquiritória se deu sem amparo legal, nem que houvesse contradição na apuração dos fatos a ensejar o acatamento da tese esposada na inicial. Antes, pelo contrário, a conclusão da Comissão encontra-se devidamente fundamentada, baseada nas provas carreadas aos autos, nos quais foi assegurado o exercício do contraditório e da ampla defesa à parte" (trecho da ementa do acórdão contra o qual foram interpostos os recursos especial e extraordinário). Não vislumbradas irregularidades viciadoras do processo administrativo disciplinar.
9. A formação do convencimento e o indiciamento se deram por comissão constituída por servidores estáveis, respeitadas as exigências do art. 149, da Lei nº 8.112/90. Todos os membros da comissão que assinam o relatório final ocupam o mesmo cargo do ora requerente (são todos AFRF/AFTN), de modo que têm compreensão dos assuntos ventilados no processo administrativo, podendo-se dizer que possuem conhecimentos específicos. Note-se que não há exigência legal de que os membros da comissão processante sejam, necessariamente, bacharéis em direito, mesmo porque estão atuando na esfera administrativa e não na judicial. As substituições mencionadas pelo requerente, ao longo do procedimento, de servidores de nível superior por servidores de nível médio, não alcançaram o presidente da comissão, não havendo que se falar em ilegalidade, pois apenas para essa figura se exige que ocupe cargo efetivo superior ou de mesmo nível ao do indiciado. De igual forma, não há que se falar em impossibilidade de atuação em comissão processante de servidor que tinha vínculo hierárquico com o Corregedor-Geral da Receita Federal, seja porque o ordenamento jurídico não impede que a autoridade responsável pela apuração institua comissão composta por servidores de sua confiança (ao contrário, isso está implicitamente autorizado), seja porque a Autoridade Correcional não buscava a acusação, pura e simplesmente, do ora requerente, mas unicamente a investigação dos fatos noticiados, com a identificação dos responsáveis pelo que tivesse sido constatado e provado, seja, finalmente, porque não se demonstrou qualquer conduta do integrante da comissão que pudesse apontar para a sua falta de independência ou para a atuação em desprestígio do princípio da impessoalidade.
10. Todos os atos do procedimento administrativo mostram-se claros e documentados, tendo o ora requerente participado, inclusive com a presença de advogado, da quase totalidade dos eventos do referido processado. Se não participou de alguns, tal não se deveu à falta de comunicação pelas autoridades responsáveis, pois essas notificações estão demonstradas. Ressalte-se, nesse contexto, que não deve ser agasalhada a alegação de que teria sido violado o princípio segundo o qual os atos administrativos devem ser escritos, na medida em que algumas diligências teriam sido efetivadas por telefone, segundo argumenta o requerente. Não é verdade, pelo que se extrai dos documentos. De fato, a comissão processante, em alguns momentos, entrou em contato com pessoas - a exemplo dos supostos importadores -, via telefone, para fins de estabelecer um canal inicial para as diligências que seriam realizadas. Contudo, todas as referidas diligências foram lançadas a termo nos autos, bem como coligidos todos documentos correspondentes, sendo que os autos ficaram à disposição do ora requerente, de conformidade com o que constou em notificações por ele recebidas e emanadas da comissão. Se ele não quis ou não achou conveniente acompanhar ou participar mais ativamente, essa omissão não pode ser imputada à comissão processante. Destaque-se, outrossim, ainda nesse ponto, que a comissão não desprezou o pedido de produção probatória por ele realizado, mas simplesmente não concordou com a exigência de que o requerente fosse informado do fim das diligências de iniciativa da comissão, para apresentar o rol de suas testemunhas. A comissão agiu corretamente, também em relação a essa questão, na medida em que acertadamente observou que poderia vir a entender necessárias outras providências após a ouvida das testemunhas do requerente. Responde ele, diga-se, pela inércia na apresentação de elementos probatórios. Inexistência, em exame perfunctório, de desvio de finalidade ou abuso de poder.
11. Comunicações realizadas regularmente, em relação à pessoa do processado, que se fez presente, inclusive por meio de advogado, durante todo o desenrolar do processo administrativo disciplinar, peticionando e obtendo resposta da comissão aos seus questionamentos. Concluída a fase de instrução, o ora requerente foi devidamente citado e apresentou defesa escrita. No Relatório Final da comissão processante, as questões suscitadas na defesa foram devidamente consideradas. Não se vislumbra qualquer cerceamento de defesa ou violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa.
12. A comissão processante concluiu - ao que consta, de forma coerente com todos os elementos apurados - que o requerente: a) não teria observado dever funcional, na medida em que não teria procedido ao exame documental necessário à constatação da integridade dos documentos apresentados (as assinaturas apostas nas DSI, nos campos "solicitação do desembaraço aduaneiro" e "recibo", seriam essenciais à confirmação dessa integridade documental), o que teria sido demonstrado pelo fato de que três DSI seqüenciais teriam apresentado, para a mesma pessoa, assinaturas diferentes, aspecto simplesmente desconsiderado pelo ora requerente. Dentre outras irregularidades associadas à tipificação estaria: "O servidor não constatou as seguintes irregularidades na análise documental de DSIs, sendo que as irregularidades eram suficientes para impedir o prosseguimento dos respectivos despachos de importação: [pedido de desembaraço não assinado, procuração sem outorgante identificado e procuração sem assinatura do outorgante]"; b) não teria observado o dever de zelo e dedicação em relação às atribuições do cargo, ao deixar passar tantas irregularidades identificadas; c) teria cometido a outros servidores atribuições estranhas a seu cargo, em situações que não teriam sido nem de emergência, nem transitórias, haja vista que teria alegado que as atribuições de conferência documental seriam unicamente dos TTN/TRF e não dos AFTN/AFRF, imputando aos primeiros a responsabilidade pelos descompassos, quando, em verdade, segundo o regramento próprio, a obrigação de verificação da integridade dos documentos seria dos auditores fiscais da Receita Federal e não dos técnicos da Receita Federal; d) "permitiu que o Sr. [...] acompanhasse-o na conferência física de três DSIs, liberando para esse Senhor as mercadorias, sendo que, nessas três DSIs, o Sr. [...] não é nem o importador, nem o representante legal do importador. Tendo assim agido, o servidor valeu-se de seu cargo para, em detrimento da dignidade da função pública, gerar benefício indevido ao Sr. [...], pois o mesmo logrou a liberação de mercadorias em despachos de importação em que não poderia legalmente fazê-lo"; e) teria cedido a senha do SISCOMEX para uso por pessoa estranha ao serviço público, que teria se beneficiado "indevidamente ao realizar exportação fora dos controles aduaneiros".
13. São representativos da gravidade dos fatos, afastando definitivamente a fumaça do bom direito alegada: documentos em que pessoas que seriam as importadoras declaram que não teriam efetuado a importação, bem como que as assinaturas constantes nas guias de importação não seriam suas; resumo em que se acentuou que foram identificadas, de cento e setenta e nove, quarenta e oito declarações simplificadas de importação com falsificações; novo resumo em que consta exame de mais sessenta e seis declarações simplificadas de importação, além das anteriormente verificadas, das quais (do somatório) se concluiu que "o AFRF [processado] liberou 72 (setenta e duas) DSIs com assinaturas dos importadores falsificadas"; as confissões do terceiro estranho ao serviço público, para quem - segundo apuração - teria sido cedida a senha do SISCOMEX e contra quem pesam as seguintes acusações: realizou registro de DSI quando ainda não tinha credenciamento para funcionar como ajudante de despachante aduaneiro, perdeu o credenciamento porque o seu comprovante de conclusão do segundo grau era falso, falsificou a assinatura de supostos importadores com retirada de mercadorias e, em outra oportunidade, falsificou a assinatura do Superintendente Estadual do IBAMA/CE em guia de trânsito de peixes ornamentais vivos de espécie permitida.
14. Pela improcedência do pedido da medida cautelar. Prejudicado o agravo regimental.
(PROCESSO: 200605000743761, MC2289/CE, DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO CAVALCANTI, Pleno, JULGAMENTO: 07/03/2007, PUBLICAÇÃO: DJ 16/03/2007 - Página 630)
Data do Julgamento
:
07/03/2007
Classe/Assunto
:
Medida Cautelar - MC2289/CE
Órgão Julgador
:
Pleno
Relator(a)
:
Desembargador Federal Francisco Cavalcanti
Comarca
:
Tribunal Regional Federal - 5ª Região
Código do documento
:
186503
PublicaÇÕes
:
Diário da Justiça (DJ) - 16/03/2007 - Página 630
DecisÃo
:
UNÂNIME
Veja tambÉm
:
AC 382320/CE (TRF5)AgRgMC 8572 (STJ)AC 95182 (TRF5)AC 122249 (TRF5)
ReferÊncias legislativas
:
LEG-FED DEL-4014 ANO-1942
LEG-FED INT-69 ANO-1996
LEG-FED PRT-21 ANO-1998
LEG-FED PRT-6 ANO-1999
LEG-FED DEC-83936 ANO-1979
LEG-FED LEI-9784 ANO-1999 ART-26 ART-41 ART-29
LEG-FED LEI-8112 ANO-1990 ART-116 INC-1 INC-3 ART-117 INC-9 INC-17 ART-149 PAR-1 PAR-2 ART-148 ART-143 PAR-3 ART-150 PAR-ÚNICO ART-151 INC-1 INC-2 INC-3 ART-152 PAR-1 PAR-2 ART-153 ART-154 PAR-ÚNICO ART-155 ART-156 PAR-1 PAR-2 ART-157 PAR-ÚNICO ART-158 PAR-1 PAR-2 ART-159 PAR-1 PAR-2 ART-160 PAR-ÚNICO ART-161 PAR-1 PAR-2 PAR-3 PAR-4 ART-162 ART-163 PAR-ÚNICO ART-164 PAR-1 PAR-2 ART-165 PAR-1 PAR-2 ART-166
LEG-FED PRT-128 ANO-1994
LEG-FED SUM-7 (STJ)
LEG-FED SUM-279 (STF)
CPC-73 Código de Processo Civil LEG-FED LEI-5869 ANO-1973 ART-800
LEG-FED RGI-000000 ART-266 (TRF5)
LEG-FED LEI-9527 ANO-1997
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