TRF5 20068100003148101
PROCESSUAL CIVIL, CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. DEFERIMENTO DE TUTELA ANTECIPADA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PRESSUPOSTOS. ART. 535, DO CPC. OMISSÃO. EXISTÊNCIA QUANTO À QUESTÃO DA COMINAÇÃO DE MULTA DIÁRIA POR DESCUMPRIMENTO DE PROVIMENTO JUDICIAL ANTECIPATÓRIO. COLMATAÇÃO DA LACUNA.
1. Embargos de declaração opostos pelo Município de Fortaleza e pela União, contra acórdão, nos termos do qual se reconheceu a legitimidade ativa do Ministério Público para a propositura da ação civil pública em questão, tendo sido deferida, outrossim, tutela antecipada, no sentido de que União/Estado do Ceará/Município de Fortaleza forneçam medicação específica (Zavesca - miglustat), à jovem acometida de doença neurodegenerativa progressiva (Niemann-Pick Tipo C).
2. Cabem embargos de declaração quando houver, na sentença ou no acórdão, obscuridade ou contradição, ou quando for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou tribunal (art. 535, do CPC).
3. Por obscuridade, entenda-se a ausência de clareza com prejuízo para a certeza jurídica. De sua vez, há omissão quando deixam de ser apreciadas questões relevantes ao julgamento ou trazidas à deliberação judicial. Finalmente, a contradição se manifesta quando, na sentença ou no acórdão, são inseridas proposições incompossíveis.
4. O acórdão embargado reformou sentença que extinguiu prematuramente o feito. Por precocidade da extinção, entenda-se, em vista dos autos, a cessação do processo, quando ainda não haviam sido sequer apresentadas as contestações pelos réus. Não estando os autos em condições de imediato julgamento, é certo que não há como se aplicar o art. 515, § 3o, do CPC, admitindo-se, todavia, a partir do reconhecimento da legitimação do MPF para o ajuizamento da ação civil pública, o deferimento de tutela antecipada, quando perfeitos os pressupostos específicos (art. 273, do CPC), especialmente diante da premência do atendimento antecipado.
5. O julgado vergastado explicitamente afirmou a responsabilidade solidária da União, do Estado do Ceará e do Município de Fortaleza, em relação à obrigação de fornecer o medicamento, e o fez seguindo as pegadas do STJ: "É obrigação do Estado (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação ou congênere necessário à cura, controle ou abrandamento de suas enfermidades, sobretudo as mais graves. Sendo o SUS composto pela União, Estados-membros e Municípios, é de reconhecer-se, em função da solidariedade, a legitimidade passiva de qualquer deles no pólo passivo da demanda" (RESP 719716/SC, Rel. Ministro Castro Meira e RESP 516359/RS, Rel. Ministro Francisco Peçanha Martins)./"[...] é obrigação do Estado, no sentido genérico (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação necessária para a cura de suas mazelas, em especial, as mais graves. Sendo o SUS composto pela União, Estados e Municípios, impõe-se a solidariedade dos três entes federativos no pólo passivo da demanda" (AgRg no RESP 763167/SC, Rel. Ministro José Delgado)./"A CF, no art. 196, e a Lei 8.080/90 estabelecem um sistema integrado entre todas as pessoas jurídicas de Direito Público Interno, União, Estados e Municípios, responsabilizando-os em solidariedade pelos serviços de saúde, o chamado SUS. A divisão de atribuições não pode ser argüida em desfavor do cidadão, pois só tem validade internamente entre eles" (RESP 661821/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon).
6. O provimento judicial fustigado também foi explícito em relação à legitimidade ativa do Ministério Público Federal: "O STJ pacificou o entendimento no sentido de que 'o Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil púbica em defesa de interesse individual de menor' (ERESP nº 712395/RS). Essa posição foi estendida para alcançar os idosos: 'Essa orientação estende-se às hipóteses de aplicação do Estatuto do Idoso (artigos 74, 15 e 79 da Lei 10.741/03)' (RESP nº 911930/RS). Em outros precedentes, mostra-se a tendência à admissão mais alargada dessa legitimação: 'Constitui função institucional e nobre do Ministério Público buscar a entrega da prestação jurisdicional para obrigar o Estado a fornecer medicamento essencial à saúde de pessoa pobre especialmente quando sofre de doença grave que se não for tratada poderá causar, prematuramente, a sua morte. Legitimidade ativa do Ministério Público para propor ação civil pública em defesa de direito indisponível, como é o direito à saúde, em benefício do hipossuficiente' (RESP nº 819010/SP). Ainda que a pessoa a ser beneficiada com a medida de proteção de direito individual indisponível, seja maior de idade, embora não seja idosa, sua carência de recursos, que coloca em risco sua saúde e sua vida, confere legitimidade ao Ministério Público para o manejo de ação civil pública".
7. O Juiz não está obrigado a se manifestar sobre todos argumentos ou preceitos legais invocados pelas partes, podendo ficar adstrito àqueles elementos que, frente à sua livre convicção, sejam suficientes para formar o seu entendimento sobre a matéria.
8. Inadmissível o manejo de embargos de declaração com propósito de rediscussão dos aspectos fático-jurídicos anteriormente debatidos.
9. Correta a alegação da União (!), com a qual anuiu o Ministério Público, face à preocupação do ente público com a saúde da cidadã brasileira, de que o acórdão foi omisso ao não esclarecer sobre a multa para a hipótese de descumprimento pelos entes públicos da tutela antecipada deferida. Suprindo-se a lacuna, determina-se que a União, o Estado do Ceará e o Município de Fortaleza forneçam, individualmente ou em conjunto, a medicação em questão, no prazo máximo de 10 (dez) dias (fica indeferido pedido de substituição da entrega da medicação por depósito em dinheiro), sob pena de multa diária, no importe de R$500,00, para cada ente público, nos trinta primeiros dias de descumprimento, findos os quais o valor em questão será acrescido de R$500,00 (total de R$1.000,00), também diários, a serem adimplidos, por cada um dos entes públicos em solidariedade com os seus agentes que derem causa ao não cumprimento.
10. Embargos de declaração do Município de Fortaleza não providos.
11. Embargos de declaração da União providos em parte.
(PROCESSO: 20068100003148101, EDAC408729/01/CE, DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO CAVALCANTI, Primeira Turma, JULGAMENTO: 30/08/2007, PUBLICAÇÃO: DJ 16/10/2007 - Página 909)
Ementa
PROCESSUAL CIVIL, CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. DEFERIMENTO DE TUTELA ANTECIPADA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PRESSUPOSTOS. ART. 535, DO CPC. OMISSÃO. EXISTÊNCIA QUANTO À QUESTÃO DA COMINAÇÃO DE MULTA DIÁRIA POR DESCUMPRIMENTO DE PROVIMENTO JUDICIAL ANTECIPATÓRIO. COLMATAÇÃO DA LACUNA.
1. Embargos de declaração opostos pelo Município de Fortaleza e pela União, contra acórdão, nos termos do qual se reconheceu a legitimidade ativa do Ministério Público para a propositura da ação civil pública em questão, tendo sido deferida, outrossim, tutela antecipada, no sentido de que União/Estado do Ceará/Município de Fortaleza forneçam medicação específica (Zavesca - miglustat), à jovem acometida de doença neurodegenerativa progressiva (Niemann-Pick Tipo C).
2. Cabem embargos de declaração quando houver, na sentença ou no acórdão, obscuridade ou contradição, ou quando for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou tribunal (art. 535, do CPC).
3. Por obscuridade, entenda-se a ausência de clareza com prejuízo para a certeza jurídica. De sua vez, há omissão quando deixam de ser apreciadas questões relevantes ao julgamento ou trazidas à deliberação judicial. Finalmente, a contradição se manifesta quando, na sentença ou no acórdão, são inseridas proposições incompossíveis.
4. O acórdão embargado reformou sentença que extinguiu prematuramente o feito. Por precocidade da extinção, entenda-se, em vista dos autos, a cessação do processo, quando ainda não haviam sido sequer apresentadas as contestações pelos réus. Não estando os autos em condições de imediato julgamento, é certo que não há como se aplicar o art. 515, § 3o, do CPC, admitindo-se, todavia, a partir do reconhecimento da legitimação do MPF para o ajuizamento da ação civil pública, o deferimento de tutela antecipada, quando perfeitos os pressupostos específicos (art. 273, do CPC), especialmente diante da premência do atendimento antecipado.
5. O julgado vergastado explicitamente afirmou a responsabilidade solidária da União, do Estado do Ceará e do Município de Fortaleza, em relação à obrigação de fornecer o medicamento, e o fez seguindo as pegadas do STJ: "É obrigação do Estado (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação ou congênere necessário à cura, controle ou abrandamento de suas enfermidades, sobretudo as mais graves. Sendo o SUS composto pela União, Estados-membros e Municípios, é de reconhecer-se, em função da solidariedade, a legitimidade passiva de qualquer deles no pólo passivo da demanda" (RESP 719716/SC, Rel. Ministro Castro Meira e RESP 516359/RS, Rel. Ministro Francisco Peçanha Martins)./"[...] é obrigação do Estado, no sentido genérico (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação necessária para a cura de suas mazelas, em especial, as mais graves. Sendo o SUS composto pela União, Estados e Municípios, impõe-se a solidariedade dos três entes federativos no pólo passivo da demanda" (AgRg no RESP 763167/SC, Rel. Ministro José Delgado)./"A CF, no art. 196, e a Lei 8.080/90 estabelecem um sistema integrado entre todas as pessoas jurídicas de Direito Público Interno, União, Estados e Municípios, responsabilizando-os em solidariedade pelos serviços de saúde, o chamado SUS. A divisão de atribuições não pode ser argüida em desfavor do cidadão, pois só tem validade internamente entre eles" (RESP 661821/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon).
6. O provimento judicial fustigado também foi explícito em relação à legitimidade ativa do Ministério Público Federal: "O STJ pacificou o entendimento no sentido de que 'o Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil púbica em defesa de interesse individual de menor' (ERESP nº 712395/RS). Essa posição foi estendida para alcançar os idosos: 'Essa orientação estende-se às hipóteses de aplicação do Estatuto do Idoso (artigos 74, 15 e 79 da Lei 10.741/03)' (RESP nº 911930/RS). Em outros precedentes, mostra-se a tendência à admissão mais alargada dessa legitimação: 'Constitui função institucional e nobre do Ministério Público buscar a entrega da prestação jurisdicional para obrigar o Estado a fornecer medicamento essencial à saúde de pessoa pobre especialmente quando sofre de doença grave que se não for tratada poderá causar, prematuramente, a sua morte. Legitimidade ativa do Ministério Público para propor ação civil pública em defesa de direito indisponível, como é o direito à saúde, em benefício do hipossuficiente' (RESP nº 819010/SP). Ainda que a pessoa a ser beneficiada com a medida de proteção de direito individual indisponível, seja maior de idade, embora não seja idosa, sua carência de recursos, que coloca em risco sua saúde e sua vida, confere legitimidade ao Ministério Público para o manejo de ação civil pública".
7. O Juiz não está obrigado a se manifestar sobre todos argumentos ou preceitos legais invocados pelas partes, podendo ficar adstrito àqueles elementos que, frente à sua livre convicção, sejam suficientes para formar o seu entendimento sobre a matéria.
8. Inadmissível o manejo de embargos de declaração com propósito de rediscussão dos aspectos fático-jurídicos anteriormente debatidos.
9. Correta a alegação da União (!), com a qual anuiu o Ministério Público, face à preocupação do ente público com a saúde da cidadã brasileira, de que o acórdão foi omisso ao não esclarecer sobre a multa para a hipótese de descumprimento pelos entes públicos da tutela antecipada deferida. Suprindo-se a lacuna, determina-se que a União, o Estado do Ceará e o Município de Fortaleza forneçam, individualmente ou em conjunto, a medicação em questão, no prazo máximo de 10 (dez) dias (fica indeferido pedido de substituição da entrega da medicação por depósito em dinheiro), sob pena de multa diária, no importe de R$500,00, para cada ente público, nos trinta primeiros dias de descumprimento, findos os quais o valor em questão será acrescido de R$500,00 (total de R$1.000,00), também diários, a serem adimplidos, por cada um dos entes públicos em solidariedade com os seus agentes que derem causa ao não cumprimento.
10. Embargos de declaração do Município de Fortaleza não providos.
11. Embargos de declaração da União providos em parte.
(PROCESSO: 20068100003148101, EDAC408729/01/CE, DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO CAVALCANTI, Primeira Turma, JULGAMENTO: 30/08/2007, PUBLICAÇÃO: DJ 16/10/2007 - Página 909)
Data do Julgamento
:
30/08/2007
Classe/Assunto
:
Embargos de Declaração na Apelação Civel - EDAC408729/01/CE
Órgão Julgador
:
Primeira Turma
Relator(a)
:
Desembargador Federal Francisco Cavalcanti
Comarca
:
Tribunal Regional Federal - 5ª Região
Código do documento
:
145200
PublicaÇÕes
:
Diário da Justiça (DJ) - 16/10/2007 - Página 909
DecisÃo
:
UNÂNIME
Veja tambÉm
:
RESP 819010/SP (STJ)RESP 719716/SC (STJ)RESP 516359/RS (STJ)AGRRESP 763167/SC (STJ)ERESP 712395/RS (STJ)RESP 911930/RS (STJ)
Doutrinas
:
Obra: COMENTÁRIOS AO CPC
Autor: JOSÉ CARLOS B. MOREIRA
Obraautor:
:
CPC INTERPRETADO
ANTÔNIO CARLOS MARCATO
ReferÊncias legislativas
:
CPC-73 Código de Processo Civil LEG-FED LEI-5869 ANO-1973 ART-535 ART-515 PAR-3 ART-273 ART-458
CF-88 Constituição Federal de 1988 ART-196 ART-127 ART-129 INC-3 INC-9 ART-5 INC-54 INC-55 ART-93 INC-9 ART-128 PAR-5 INC-2 LET-B ART-133 ART-134 (ART. 127, CAPUT)
LEG-FED LEI-10741 ANO-2003 ART-74 ART-15 ART-79
LEG-FED LEI-8625 ANO-1993 ART-25 INC-4
LEG-FED LCP-75 ANO-1993
LEG-FED LEI-7347 ANO-1985 ART-1 INC-4
CDC-90 Código de Defesa do Consumidor LEG-FED LEI-8078 ANO-1990 ART-110
LEG-FED LEI-8080 ANO-1990
CTN-66 Codigo Tributario Nacional LEG-FED LEI-5172 ANO-1966 ART-174
Votantes
:
Desembargador Federal Ubaldo Ataíde Cavalcante
Desembargador Federal Francisco Cavalcanti
Mostrar discussão