TRF5 200681000172052
ADMINISTRATIVO, CONSTITUCIONAL E PROCESSO CIVIL. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO E/OU TRATAMENTO MÉDICO. UNIÃO E ESTADO DO CEARÁ. LEGITIMIDADE PASSIVA. AUSÊNCIA DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO DO MUNICÍPIO DE FORTALEZA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. MINISTÉRIO PÚBLICO. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. NATUREZA INDISPONÍVEL. LEGITIMIDADE ATIVA PARA MANEJO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM FAVOR DE PESSOA DETERMINADA, MESMO QUE DE MAIOR E CAPAZ. DIREITO À SAÚDE. DIREITO FUNDAMENTAL. NATUREZA PRESTACIONAL POSITIVA CONCRETA. NÃO CARACTERIZAÇÃO COMO MERA NORMA PROGRAMÁTICA. LIMITAÇÕES ORÇAMENTÁRIAS E RESERVA DO POSSÍVEL. ALEGAÇÕES GENÉRICAS. INSUFICIÊNCIA COMO ÓBICE À CONCRETIZAÇÃO DO REFERIDO DIREITO FUNDAMENTAL. DOENÇA GRAVE. TRATAMENTO MÉDICO RECONHECIDO PELOS ÓRGÃOS COMPETENTES. ESSENCIALIDADE. DIREITO AO FORNECIMENTO.
1. A jurisprudência do STJ encontra-se pacificada no sentido de que as ações relativas à assistência à saúde pelo SUS (fornecimento de medicamentos ou de tratamento médico, inclusive, no exterior) podem ser propostas em face de qualquer dos entes componentes da Federação Brasileira (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), sendo todos legitimados passivos para responderem a elas, individualmente ou em conjunto.
2. São, portanto, tanto a UNIÃO como o Estado do Ceará legitimados passivos para a causa e não há litisconsórcio passivo necessário do Município de Fortaleza em relação a esta, vez que a solidariedade acima delineada dá ensejo a litisconsórcio, apenas, facultativo.
3. Em face da legitimidade passiva da UNIÃO nesta causa, resta evidenciada a competência da Justiça Federal para seu processamento, afastando-se a preliminar de incompetência deduzida pela UNIÃO.
4. A jurisprudência do STJ encontra-se, também, pacificada quanto à legitimidade do Ministério Público para propor ação civil pública, bem como quanto ao cabimento da utilização desse instrumento processual, na defesa do direito à vida e à saúde de pessoa determinada para fins de fornecimento a ela de tratamento médico, em face da natureza indisponível desses direitos.
5. A indisponibilidade dos direitos em jogo (direito à saúde e direito à vida e/ou integridade físico-psíquica) legitima, pois, a atuação do MPF, inclusive, em relação à defesa de interesses de pessoa maior e capaz.
6. A saúde está expressamente prevista no art.196, cabeça, da CF, como direito de todos e dever do Estado, garantida mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos, bem como através do acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, sendo uma responsabilidade comum da União, dos Estados, do DF e dos Municípios a concretização de tal direito.
7. Enquanto direito essencialmente vinculado à vida e à proteção da integridade físico-psíquica do ser humano, a saúde não pode ser interpretada apenas como um enunciado meramente programático, mas, sim, como um direito fundamental cuja efetivação é dever do Poder Público, pois a sua não concretização consiste em evidente afronta à dignidade da pessoa humana. Ainda que tal direito não estivesse expressamente previsto na CF/88, a sua estreita vinculação com o direito à vida, bem supremo do ser humano, o conduziria à situação de direito fundamental implícito, de modo que a sua efetivação também seria um dever do Estado, vez que a ação deste está vinculada pela imediata aplicabilidade das normas dos direitos fundamentais.
8. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são solidariamente responsáveis pela efetivação do direito à saúde (art. 23, inciso II, da CF), o que implica não apenas na elaboração de políticas públicas e em uma consistente programação orçamentária para tal área, como também em uma atuação integrada entre tais entes, que não se encerra com o mero repasse de verbas. O Poder Público não se exime de tal responsabilidade quando investe ou repassa recursos para serem aplicados na área da saúde. Em sendo investida verba pública para tais fins e não havendo a efetivação do direito que se quer garantir, é notório que a política adotada não se coaduna com a realidade a ser enfrentada ou que tal política não foi concretizada como programada, sendo dever de todos os entes federados atentarem para tal fato e atuarem de modo a cumprir com as suas responsabilidades constitucionais.
9. A jurisprudência nacional possui reiteradas decisões no sentido de que o direito à saúde é líquido e certo, bem como de que a saúde é direito público subjetivo, não podendo ser reduzido a mera promessa constitucional vazia, sendo tal direito exigível em Juízo por não ser um mero enunciado programático. Dessa forma, vigora o entendimento de que é dever do Poder Público disponibilizar tratamento médico-hospitalar à população que dele necessitar, ou seja, oferecer o serviço essencial na esfera médica, o que inclui o fornecimento de medicamentos, sob pena de incidência em grave comportamento inconstitucional, ainda que por omissão, pelo não fornecimento de condições materiais de efetivação de tal direito fundamental.
10. Nesse sentido: STF (AI-AgR n.º 648.971/RS e RE n.º 195.192/RS) e STJ (RMS n.º 11.183/PR).
11. A alegação genérica de limitações orçamentárias vinculadas à reserva do possível, além de não provada concretamente quanto à eventual indisponibilidade de fundos para o atendimento da pretensão inicial, não é suficiente para obstar a concretização do direito constitucional em exame, sobretudo quando notório o fato de que o Poder Público possui verbas de grande vulto destinadas a gastos vinculados a interesses bem menos importantes do que a saúde da população (por exemplo, publicidade, eventos festivos etc), os quais podem e devem ser, se for necessário, redirecionados para a satisfação de direitos essenciais da população.
12. Não se está, ressalte-se, diante de intromissão indevida do Poder Judiciário em esfera de atuação reservada aos demais Poderes, mas, ao contrário, de atuação judicial de natureza prestacional positiva calcada em relevante fundamento constitucional e na omissão ilegal do Poder Público em seu atendimento, sem que este tenha, concretamente, apresentado qualquer fundamento minimamente oponível à sua concretização.
13. No caso presente, a gravidade da condição de saúde da pessoa cujos interesses é defendido pelo MPF nesta ação civil pública (portador de "Miastenia Gravis", moléstia incurável e caráter degenerativo rápido) e a essencialidade do tratamento medicamentoso por ela necessitado (plasmaferese), o qual é regulamentado pela ANVISA e reconhecido pelos órgãos de saúde públicos competentes, servem de base fática suficiente para o direito postulado judicialmente.
14. Não provimento das apelações e da remessa oficial.
(PROCESSO: 200681000172052, APELREEX5753/CE, DESEMBARGADOR FEDERAL EMILIANO ZAPATA LEITÃO (CONVOCADO), Primeira Turma, JULGAMENTO: 14/01/2010, PUBLICAÇÃO: DJE 28/01/2010 - Página 84)
Ementa
ADMINISTRATIVO, CONSTITUCIONAL E PROCESSO CIVIL. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO E/OU TRATAMENTO MÉDICO. UNIÃO E ESTADO DO CEARÁ. LEGITIMIDADE PASSIVA. AUSÊNCIA DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO DO MUNICÍPIO DE FORTALEZA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. MINISTÉRIO PÚBLICO. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. NATUREZA INDISPONÍVEL. LEGITIMIDADE ATIVA PARA MANEJO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM FAVOR DE PESSOA DETERMINADA, MESMO QUE DE MAIOR E CAPAZ. DIREITO À SAÚDE. DIREITO FUNDAMENTAL. NATUREZA PRESTACIONAL POSITIVA CONCRETA. NÃO CARACTERIZAÇÃO COMO MERA NORMA PROGRAMÁTICA. LIMITAÇÕES ORÇAMENTÁRIAS E RESERVA DO POSSÍVEL. ALEGAÇÕES GENÉRICAS. INSUFICIÊNCIA COMO ÓBICE À CONCRETIZAÇÃO DO REFERIDO DIREITO FUNDAMENTAL. DOENÇA GRAVE. TRATAMENTO MÉDICO RECONHECIDO PELOS ÓRGÃOS COMPETENTES. ESSENCIALIDADE. DIREITO AO FORNECIMENTO.
1. A jurisprudência do STJ encontra-se pacificada no sentido de que as ações relativas à assistência à saúde pelo SUS (fornecimento de medicamentos ou de tratamento médico, inclusive, no exterior) podem ser propostas em face de qualquer dos entes componentes da Federação Brasileira (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), sendo todos legitimados passivos para responderem a elas, individualmente ou em conjunto.
2. São, portanto, tanto a UNIÃO como o Estado do Ceará legitimados passivos para a causa e não há litisconsórcio passivo necessário do Município de Fortaleza em relação a esta, vez que a solidariedade acima delineada dá ensejo a litisconsórcio, apenas, facultativo.
3. Em face da legitimidade passiva da UNIÃO nesta causa, resta evidenciada a competência da Justiça Federal para seu processamento, afastando-se a preliminar de incompetência deduzida pela UNIÃO.
4. A jurisprudência do STJ encontra-se, também, pacificada quanto à legitimidade do Ministério Público para propor ação civil pública, bem como quanto ao cabimento da utilização desse instrumento processual, na defesa do direito à vida e à saúde de pessoa determinada para fins de fornecimento a ela de tratamento médico, em face da natureza indisponível desses direitos.
5. A indisponibilidade dos direitos em jogo (direito à saúde e direito à vida e/ou integridade físico-psíquica) legitima, pois, a atuação do MPF, inclusive, em relação à defesa de interesses de pessoa maior e capaz.
6. A saúde está expressamente prevista no art.196, cabeça, da CF, como direito de todos e dever do Estado, garantida mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos, bem como através do acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, sendo uma responsabilidade comum da União, dos Estados, do DF e dos Municípios a concretização de tal direito.
7. Enquanto direito essencialmente vinculado à vida e à proteção da integridade físico-psíquica do ser humano, a saúde não pode ser interpretada apenas como um enunciado meramente programático, mas, sim, como um direito fundamental cuja efetivação é dever do Poder Público, pois a sua não concretização consiste em evidente afronta à dignidade da pessoa humana. Ainda que tal direito não estivesse expressamente previsto na CF/88, a sua estreita vinculação com o direito à vida, bem supremo do ser humano, o conduziria à situação de direito fundamental implícito, de modo que a sua efetivação também seria um dever do Estado, vez que a ação deste está vinculada pela imediata aplicabilidade das normas dos direitos fundamentais.
8. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são solidariamente responsáveis pela efetivação do direito à saúde (art. 23, inciso II, da CF), o que implica não apenas na elaboração de políticas públicas e em uma consistente programação orçamentária para tal área, como também em uma atuação integrada entre tais entes, que não se encerra com o mero repasse de verbas. O Poder Público não se exime de tal responsabilidade quando investe ou repassa recursos para serem aplicados na área da saúde. Em sendo investida verba pública para tais fins e não havendo a efetivação do direito que se quer garantir, é notório que a política adotada não se coaduna com a realidade a ser enfrentada ou que tal política não foi concretizada como programada, sendo dever de todos os entes federados atentarem para tal fato e atuarem de modo a cumprir com as suas responsabilidades constitucionais.
9. A jurisprudência nacional possui reiteradas decisões no sentido de que o direito à saúde é líquido e certo, bem como de que a saúde é direito público subjetivo, não podendo ser reduzido a mera promessa constitucional vazia, sendo tal direito exigível em Juízo por não ser um mero enunciado programático. Dessa forma, vigora o entendimento de que é dever do Poder Público disponibilizar tratamento médico-hospitalar à população que dele necessitar, ou seja, oferecer o serviço essencial na esfera médica, o que inclui o fornecimento de medicamentos, sob pena de incidência em grave comportamento inconstitucional, ainda que por omissão, pelo não fornecimento de condições materiais de efetivação de tal direito fundamental.
10. Nesse sentido: STF (AI-AgR n.º 648.971/RS e RE n.º 195.192/RS) e STJ (RMS n.º 11.183/PR).
11. A alegação genérica de limitações orçamentárias vinculadas à reserva do possível, além de não provada concretamente quanto à eventual indisponibilidade de fundos para o atendimento da pretensão inicial, não é suficiente para obstar a concretização do direito constitucional em exame, sobretudo quando notório o fato de que o Poder Público possui verbas de grande vulto destinadas a gastos vinculados a interesses bem menos importantes do que a saúde da população (por exemplo, publicidade, eventos festivos etc), os quais podem e devem ser, se for necessário, redirecionados para a satisfação de direitos essenciais da população.
12. Não se está, ressalte-se, diante de intromissão indevida do Poder Judiciário em esfera de atuação reservada aos demais Poderes, mas, ao contrário, de atuação judicial de natureza prestacional positiva calcada em relevante fundamento constitucional e na omissão ilegal do Poder Público em seu atendimento, sem que este tenha, concretamente, apresentado qualquer fundamento minimamente oponível à sua concretização.
13. No caso presente, a gravidade da condição de saúde da pessoa cujos interesses é defendido pelo MPF nesta ação civil pública (portador de "Miastenia Gravis", moléstia incurável e caráter degenerativo rápido) e a essencialidade do tratamento medicamentoso por ela necessitado (plasmaferese), o qual é regulamentado pela ANVISA e reconhecido pelos órgãos de saúde públicos competentes, servem de base fática suficiente para o direito postulado judicialmente.
14. Não provimento das apelações e da remessa oficial.
(PROCESSO: 200681000172052, APELREEX5753/CE, DESEMBARGADOR FEDERAL EMILIANO ZAPATA LEITÃO (CONVOCADO), Primeira Turma, JULGAMENTO: 14/01/2010, PUBLICAÇÃO: DJE 28/01/2010 - Página 84)
Data do Julgamento
:
14/01/2010
Classe/Assunto
:
Apelação / Reexame Necessário - APELREEX5753/CE
Órgão Julgador
:
Primeira Turma
Relator(a)
:
Desembargador Federal Emiliano Zapata Leitão (Convocado)
Comarca
:
Tribunal Regional Federal - 5ª Região
Código do documento
:
212411
PublicaÇÕes
:
Diário da Justiça Eletrônico TRF5 (DJE) - 28/01/2010 - Página 84
DecisÃo
:
UNÂNIME
Veja tambÉm
:
REsp 878080/SC (STJ)REsp 772264/RJ (STJ)REsp 656979/RS (STJ)AgRg no REsp 1028835/DF (STJ)REsp 899820/RS (STJ)AI-AgR 648971/RS (STF)
ReferÊncias legislativas
:
CF-88 Constituição Federal de 1988 ART-196 ART-127 ART-5 (CAPUT) ART-23 INC-2
Votantes
:
Desembargador Federal Francisco Cavalcanti
Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira
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