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Jurisprudência


TRF5 200683000019760

Ementa
CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO - SFH. CONTRATO DE MÚTUO HABITACIONAL. EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. EXISTÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL. ART. 515, PARÁGRAFO 3O, DO CPC. REVISÃO CONTRATUAL. 1. Apelação interposta pelo mutuário contra sentença de extinção do feito sem julgamento do mérito, por ausência de interesse processual, proferida nos autos de ação ordinária de revisão de contrato de mútuo habitacional, firmado no âmbito do SFH. 2. Não é possível deferir os benefícios da Justiça Gratuita ao autor, haja vista que, a despeito da declaração de pobreza por ele firmada, não cumpriu o despacho judicial de juntada dos contra-cheques ou declaração da Receita Federal acerca da condição de isento, o que é determinação razoável diante da dúvida sobre a efetiva situação de pobreza do postulante, máxime em se considerando que é servidor público. Indeferido pedido de Justiça Gratuita. No entanto, a apelação por ele manejada deve ser conhecida, tendo em conta que juntou comprovante de recolhimento das custas judiciais. 3. O fato de não ter promovido o recolhimento dos valores atinentes aos honorários do perito judicial, que permitiriam a realização da perícia, não configura falta de interesse processual, se o autor afirma a existência do prejuízo, que apenas poderia ser sanado com a intervenção do Poder Judiciário, deixando de recolher o montante ao fundamento de que não teria recursos para tanto. No caso, o autor, com a não realização da perícia, simplesmente assume o risco de ter a sua pretensão não acolhida, em vista da não realização de prova que venha a ser reputada essencial. Provimento da apelação do autor. 4. Considerando a presença de elementos fáticos e jurídicos suficientes, a autorizarem o julgamento da lide, desnecessária a dilação probatória, devendo ser conhecido o mérito, nos termos do autorizado pelo art. 515, parágrafo 3o, do CPC. 5. Sobre a legitimidade passiva ad causam da CEF/EMGEA: "1. A CEF é instituição financeira que sucedeu o BNH em direitos e obrigações, sendo a administração operacional do SFH atribuída a essa empresa pública, legitimada nos processos em andamento, mesmo com a transferência das operações de crédito imobiliário e seus acessórios à EMGEA./2. A EMGEA deve compor o pólo passivo da demanda, na condição de litisconsorte, em face da cessão dos créditos hipotecários relativos ao contrato sob exame" (TRF5, Primeira Turma, AC 402156/PB, Rel. Des. Federal Francisco Wildo, j. em 01.02.2007). Manutenção da CEF e da EMGEA na lide. 6. Considerando que está em discussão o contrato de mútuo habitacional firmado entre a CEF e o apelante, não se mostra parte legítima a seguradora. 7. O SFH foi criado com vistas a estimular a construção de habitações de interesse social e a possibilitar a aquisição da casa própria pelas classes da população que percebiam menor renda e que, portanto, não tinham condições de recorrer à iniciativa privada. 8. O SFH foi fundado no direito à moradia, agasalhado esse pela Constituição Federal como direito social, necessidade premente do trabalhador. Trata-se de reconhecer a habitação como direito inerente à condição humana, habitação como refúgio e como permissivo da inserção do indivíduo no convívio social. Consoante se apreende da evolução normativa da matéria, ao SFH se confere conotação nitidamente social (decorrente de sua finalidade), sendo a ele inerente o equilíbrio que deve permear a relação entre a renda do mutuário e as prestações do financiamento. 9. O princípio do pacta sunt servanda deve ser interpretado de forma harmônica com as outras normas jurídicas que integram o ordenamento, impondo-se o seu sopeso, inclusive e especialmente, diante do escopo do negócio jurídico ajustado. 10. Requereu o mutuário a revisão das prestações mensais, segundo a evolução salarial (reajustes da categoria profissional). Alega que a CEF está descumprindo o PES/CP. Conforme se depreende dos autos o mutuário se enquadra na categoria profissional de Servidor Público - Sociedade de Economia Mista e, confrontando-se a declaração de reajuste salarial da categoria profissional apresentada e a planilha de evolução do financiamento, constata-se que a CEF vem descumprindo a política de reajuste adotada no contrato, reajustando as prestações em descompasso com o PES/CP. Pedido procedente. 11. O mutuário considerou ilegal a amortização em série gradiente. O Pleno desta Corte Regional já se posicionou no sentido de que é leonina a cláusula "onde a CEF, já sabendo que o mutuário não tem condições de pagar a primeira prestação do financiamento, procede à sua redução e repassa a diferença às demais parcelas, em total descompasso com a evolução salarial do mutuário" (EINFAC 209546/SE, j. em 06.11.2002, Rel. Desembargador Federal Luiz Alberto Gurgel de Faria). "Havendo, às expressas, previsto o ajuste que o valor das prestações deverá observar a variação da categoria salarial do mutuário, descabida a adoção de critério diverso, ainda que para fazer valer a cláusula de amortização em série gradiente. Prevendo o contrato estipulações contraditórias, opta-se pela que melhor assegurar os direitos do consumidor (art. 47, CDC)" (TRF5, Quarta Turma, AC 302684/PE, Rel. Des. Federal Edílson Nobre, j. em 05.11.2002). Pedido procedente. 12. O mutuário postulou a declaração do caráter abusivo do seguro, porque em desconformidade com o mercado. Segundo a jurisprudência que tem se firmado sobre o assunto, "o valor cobrado a título de seguro habitacional não pode ser comparado com valores cobrados com outros seguros oferecidos pelo mercado, já que o seguro que integra o presente contrato é previsto em Lei e obrigatório, além de possuir coberturas específicas para os contratos de SFH" (TRF5, Quarta Turma, AC nº 376133/PE, Rel. Desembargador Federal Marcelo Navarro, j. em 27.02.2007), bem como "as regras que disciplinam o Sistema Financeiro da Habitação exigem o pagamento de seguro sob determinadas condições, adotando-se um contrato-padrão. Não fica ao livre critério do Agente Financeiro exigir ou não o aludido pagamento. A parte firmou, livremente, o mútuo, não demonstrando que tenha havido qualquer vício de vontade" (TRF5, Primeira Turma, AC 403692/PE, Rel. Des. Federal Francisco Wildo, j. em 22.03.2007). No respeitante ao seguro, as parcelas a ele referentes, mercê de sua natureza acessória, devem obedecer aos mesmos critérios de reajuste das prestações. Pedido improcedente. 13. O mutuário pediu a modificação da sistemática de amortização/reajuste do saldo devedor. "A fórmula, segundo a qual corrige-se o saldo devedor majorando-o, para, após avultá-lo, deduzir a prestação devidamente quitada pelo mutuário, apresenta-se imprópria por não permitir zerar o saldo devedor e por transgredir ao escopo perseguido pelo Sistema Financeiro de Habitação, sob cuja égide se acha o contrato em tela. A operação razoável deve ser expressa inicialmente abatendo-se a prestação quitada, para depois corrigir o saldo devedor, conforme art. 6º, c, da lei 4380/64" (TRF5, Primeira Turma, AC 402054/PE, Rel. Des. Federal Francisco Wildo, j. em 01.03.2007, por maioria). Pedido procedente. 14. O mutuário alegou a ocorrência de anatocismo. Caracterizada, in casu, a injurídica incidência de juros sobre juros, em razão da amortização negativa. "A jurisprudência dos tribunais pátrios vem firmando o entendimento de que há capitalização dos juros na forma utilizada pela Tabela Price para amortização das prestações. 'A capitalização dos juros é proibida (Súmula 121/STJ), somente aceitável quando expressamente permitida em lei (Súmula 93/STJ), o que não acontece no SFH'. Precedente do STJ" (TRF5, Primeira Turma, AC nº 400982/CE, Rel. Des. Federal Francisco Wildo, j. em 14.12.2006). Pedido procedente. 15. Buscou, o mutuário, a repetição do que teria pago a maior à instituição financeira, com dobre, de acordo com a regra encartada no parágrafo único, do art. 42, do CDC (Lei nº 8.078/90). Se é certo que aos contratos de financiamento firmados no âmbito do SFH se aplicam as regras do Código de Defesa do Consumidor (no STJ, ver o RESP 591110/BA, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, j. em 04.05.2004; e o RESP 756973/RS, Rel. Min. Castro Filho, j. em 27.03.2007), por outro lado, no caso em apreciação não estão configurados motivos suficientes à imposição do dobre, porquanto os procedimentos aplicados pela CEF são controversos na esfera judicial, não estando demonstradas má-fé ou intenção de fraude. Pedido improcedente. O montante pago a maior deve ser dirigido à quitação das prestações em atraso, se houver, e, se ainda assim houver sobra, ao pagamento das prestações vincendas e à amortização do saldo devedor, nessa ordem, não havendo que se falar em restituição. 16. O mutuário postulou a limitação dos juros contratuais. As duas espécies de juros restaram expressamente consignadas no instrumento contratual, sendo definidas em 8,3% (nominal) e 8,6231% (efetiva), abaixo, portanto, do limite de 10% estabelecido pela Lei nº 4.380/64, vigorante, quanto a esse limite, até o advento da Lei nº 8.692/93, que, em seu art. 25, estabeleceu o teto de 12% (o contrato é de 14.10.91). Pedido improcedente. 17. O mutuário se insurgiu contra a correção do saldo devedor pela TR, pedido o reajustamento pela variação salarial. "Tem-se verificado os efeitos resultantes da previsão de distintas formas de correção das prestações mensais e do saldo devedor, de modo que, enquanto a evolução das prestações é contida, em muitos contratos, pela regra da equivalência salarial, o saldo devedor alcança patamares acerbos por ser guiado pelos índices de reajustamento das cadernetas de poupança. É patente que a garantia contratual da equivalência salarial não se realiza - restando a correspondente previsão normativa esvaziada - quando, a despeito de a correção das prestações se verificar pela variação salarial, o saldo devedor avança por critérios financeiros díspares e de acentuada oscilação, sobretudo em condições inflacionárias. É público e notório que há grande diferença em relação aos percentuais de reajuste dos saldos devedores de empréstimos pelos índices das cadernetas de poupança e os reajustes de remuneração dos mutuários empregados. Cotejando-se qualquer índice financeiro com os reajustes salariais (quando ocorrentes) nos últimos anos, ver-se-á gritante disparidade. Até mesmo o modesto índice da caderneta de poupança torna-se elevado quando comparado com os reajustes salariais. A unificação dos indexadores que corrigem as prestações e o saldo devedor permitiria uma evolução do débito de forma mais consentânea com a situação fática vivenciada pelos mutuários, fazendo desaparecer ou amenizar a figura do resíduo. Essa uniformização apenas pode se verificar com a prevalência da equivalência salarial, por ser o critério mais conforme com o escopo desse verdadeiro programa social" (entendimento vencido do Relator). Manutenção da TR (entendimento majoritário da Turma). 18. "É nula a obrigação cambial assumida por procurador do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste" (Súmula nº 60 do STJ). Nula, portanto, a cláusula trigésima quinta do contrato. Precedente (TRF5, Terceira Turma, AC 402541/PE, Rel. Des. Federal Ridalvo Costa, j. em 12.04.2007). Pedido procedente. 19. Não há que se falar em inconstitucionalidade do Decreto-Lei nº 70/66. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou, por diversas vezes, no sentido de que o Decreto-lei 70/66 é compatível com a atual Constituição. 20. Custas e honorários advocatícios (esses fixados em R$ 1.000,00) pela CEF. 21. Apelação provida, reformando-se a sentença de extinção sem apreciação de mérito, para, analisando-o, por força do art. 515, parágrafo 3o, do CPC, julgar parcialmente procedentes os pedidos. (PROCESSO: 200683000019760, AC438523/PE, DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO CAVALCANTI, Primeira Turma, JULGAMENTO: 24/04/2008, PUBLICAÇÃO: DJ 29/05/2008 - Página 357)

Data do Julgamento : 24/04/2008
Classe/Assunto : Apelação Civel - AC438523/PE
Órgão Julgador : Primeira Turma
Relator(a) : Desembargador Federal Francisco Cavalcanti
Comarca : Tribunal Regional Federal - 5ª Região
Código do documento : 159685
PublicaÇÕes : Diário da Justiça (DJ) - 29/05/2008 - Página 357
DecisÃo : UNÂNIME
Veja tambÉm : AC 402156 / PB (TRF5)AIAC 209546 / SE 9TRF5)AC 302684 / PE (TRF5)AC 376133 / PE (TRF5)AC 403692 / PE (TRF5)AC 402054 / PE (TRF5)
ReferÊncias legislativas : CPC-73 Código de Processo Civil LEG-FED LEI-5869 ANO-1973 ART-267 INC-6 ART-515 PAR-3 ART-21 ART-557 CDC-90 Código de Defesa do Consumidor LEG-FED LEI-8078 ANO-1990 ART-47 ART-42 PAR-ÚNICO LEG-FED LEI-4380 ANO-1964 ART-6 LET-C ART-5 PAR-3 PAR-4 LEG-FED SUM-121 (STJ) LEG-FED SUM-93 (STJ) LEG-FED LEI-8692 ANO-1993 ART-25 LEG-FED SUM-60 (STJ) LEG-FED DEL-70 ANO-1966 LEG-FED LEI-7764 ANO-1989 ART-1 PAR-ÚNICO ART-2 ART-3 ART-4 ART-5 LEG-FED DEC-97840 ANO-1989 ART-1 ART-2 ART-3 ART-4 PAR-1 LET-A LET-B PAR-2 PAR-3 PAR-4 ART-5 ART-6 ART-7 LEG-FED LEI-7730 ANO-1989 ART-15 PAR-1 ART-8 ART-11 LEG-FED MPR-44 ANO-1989 CF-88 Constituição Federal de 1988 ART-62 ART-84 INC-4 ART-102 INC-3 LET-B ART-5 INC-55 LEG-FED LEI-7747 ANO-1989 ART-1 ART-3 PAR-1 PAR-2 LET-A LET-B PAR-3 PAR-4 LET-A LET-B (ART. 3º, CAPUT) LEG-FED LEI-4595 ANO-1964 LEG-FED LEI-7738 ANO-1989 ART-10 INC-1 INC-2 LEG-FED DEL-2281 ANO-1986 ART-7 CC-02 Código Civil LEG-FED LEI-10406 ANO-2002 ART-423 LEG-FED LEI-8177 ANO-1991 ART-18 PAR-1 PAR-2 PAR-3 PAR-4 LEG-FED DEL-19 ANO-1966 ART-1 LEG-FED DEL-2164 ANO-1984 LEG-FED SUM-295 (STJ) LEG-FED SUM-297 9STJ) LEG-FED RGI-000000 ART-21 PAR-1 (STF) LEG-FED LEI-8038 ANO-1990 ART-38 LEG-FED LEI-9756 ANO-1998
Votantes : Desembargador Federal José Maria Lucena Desembargador Federal Ubaldo Ataíde Cavalcante Desembargador Federal Francisco Cavalcanti
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