main-banner

Jurisprudência


TRF5 2007.85.00.002450-7 200785000024507

Ementa
Penal. Processual Penal. Apelação contra sentença que julgou improcedente o pedido formulado pelo Ministério Público Federal e, nos termos do art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal, restou por absolver os acusados da prática do crime tipificado no art. 312, caput, do Código Penal. Acusação de desvio de verbas repassadas pela União por via de diversos programas educacionais (PEJA, PNAE, PNAI e PNAC), à empresa que adjudicara os lotes nºs 17 e 24, do Pregão Eletrônico nº 128, de 2006, realizado pela Secretaria de Estado da Administração de Sergipe, para fornecimento de carne bovina tipo bife e tipo músculo, no âmbito do programa de merenda escolar da Secretaria de Estado da Educação, no exercício de 2006, de modo a favorecer os também acusados João Marcelo Santos Silva e Hunaldo de Sá Farias, sócios-gerentes da empresa adjudicatária dos referidos lotes, MSS - Comércio e Serviços e Representações Ltda. No cotejo entre o lastro probatório e o inconformismo recursal, desanuvia-se o cerne da questão, que se firma pela manutenção da sentença hostilizada, cuja fundamentação é de acolhimento, porquanto se deve a absolvição, exatamente, por não existir prova suficiente para a condenação. Colhem-se dos fundamentos da r. sentença: Logo, nada obstante a presença inicial de indícios mínimos e aptos ao acatamento (juízo de probabilidade) da peça acusatória em desfavor do agora ex-secretário estadual de educação, Lindberg Gondim de Lucena, o desfecho da instrução processual não logrou, minimamente, em obter prova robusta e segura, capaz de tornar indiscutível a prática delitiva por parte do acusado, mormente que tivesse plena ciência da não entrega dos gêneros alimentícios à rede escolar. A acusada Maria Zeneide Aragão, por sua vez, na condição de diretora do departamento de alimentação escolar, sequer dispunha da posse da quantia paga ao também acusado João Marcelo, o que, de imediato, já descaracteriza a conduta prevista no crime de peculato-desvio a ela imposta. Ressalte-se que, na linha das assertivas firmadas pela auditoria da CGU, plasmadas no multicitado Relatório de Demandas Especiais nº 00224.00005/2007-92 (Apenso V), a sistemática adotada pelo Departamento de Alimentação Escolar, sob a direção da acusada Maria Zeneide Santos Aragão, imperava um notório descontrole especialmente quanto aos cronogramas de entrega e guias de recebimentos das carnes bovinas do tipo "bife" e do tipo "músculo" nas escolas da rede de ensino estadual. Para além da ausência de guias e controles individuais relativos às escolas, aqueles existentes não ostentavam, regra geral, as datas em que os produtos foram recepcionados nas unidades escolares, não possuíam assinatura ou não ostentavam carimbo de identificação funcional, além de alguns não indicarem os quantitativos entregues ou não especificarem o tipo de carne então fornecida. [...] O conjunto probatório angariado ao feito, inicialmente supedaneado pelos elementos documentais obtidos na fase pré-processual (sete apensos), e, após, ultimada a instrução processual, revelam que a fraudulenta conduta do réu João Marcelo Santos Silva foi secundada pelos atos perpetrados pela codenunciada Maria Zeneide Santos Aragão. Entretanto, o réu João Marcelo, na condição de sócio-administrador da empresa MSS Comércio e Serviços e Representações Ltda., assim como a acusada Maria Zeneide Aragão, não dispunham do montante que fora desviado. Afasta-se, novamente, a configuração do crime peculato-desvio. Quanto ao réu Hunaldo de Sá Farias, conforme depoimentos prestados pelo acusado João Marcelo Santos Silva, tanto na fase inquisitorial (fls. 190-191, do Inquérito Policial), como em juízo (fls. 2.026-2.027 - depoimento gravado em meio audiovisual), a empresa MSS Comércio e Serviços e Representações Ltda. sempre foi por este administrada e era, efetivamente, segundo suas palavras, o seu "proprietário", esclarecendo que Ingrid Santos Modesto e o aqui réu, Hunaldo de Sá Farias, com quem tem relações de parentesco, apenas compunham formalmente o quadro societário. O réu João Marcelo Santos Silva, em seu interrogatório no curso do processo, foi seguro e coeso em esclarecer que Hunaldo de Sá Farias trabalhava como encarregado das entregas dos gêneros alimentícios nas escolas. Interrogado judicialmente (fls. 2.041 e 2.043 - depoimento gravado em meio audiovisual), o acusado Hunaldo de Sá Farias também mostrou segurança ao esclarecer que, apesar de figurar como sócio da MSS Ltda. (fls. 905-907 do Volume IV do Apenso I), trabalhava como empregado, na função de entregador. Pontuou o mencionado réu que apenas atendeu a um pedido de João Marcelo Santos Silva para integrar o quadro societário devido aos vínculos de parentesco e confiança para com ele, ignorando qualquer tipo de repercussão. Deveras. Como é de praxe na cultura brasileira, diversas empresas, de cunho eminentemente familiar quanto à sua formação e administração, são constituídas pelos parentes com maiores afinidades entre si, muitos deles emprestando tão somente o nome para composição da sociedade. Tais membros, de fato, jamais exercem qualquer função de gestão na empresa, a qual resta atribuída àquele que realmente atua como único administrador, com concentração de poderes societários. É a hipótese vertente, em que o réu Hunaldo de Sá Farias jamais atuou frente aos negócios da sociedade MSS Comércio e Serviços e Representações Ltda., e cuja verdadeira administração cabia, exclusivamente, ao corréu João Marcelo Santos Silva, conforme se depreende dos documentos de fls. 896-900 do Volume IV do Apenso I, das fls. 844-846 do Volume IV do Apenso III, e das fls. 02-33 do Apenso IV, em que subscreve todas as manifestações da MSS Ltda., desde a formulação das propostas de cotação de preços até a solicitação de pagamentos, já no curso da execução do objeto licitado. A própria acusada Maria Zeneide Santos Aragão, em juízo (fls. 2.042-2.043 - interrogatório gravado em meio audiovisual), esclareceu que, na condição de Diretora do Departamento de Alimentação Escolar (DAE), manteve tratativas apenas com a pessoa de João Marcelo Santos Silva, por sua vez, representante da MSS Ltda. Destarte, a narração contida na denúncia atribui aos acusados a conduta descrita no caput do art. 312 do Código Penal, segunda figura. Entretanto, conforme fundamentação supra, as provas acostadas aos autos não demonstram a prática do crime de peculato-desvio, em relação ao qual este juízo é jungido a analisar a demanda penal, por determinação do e. TRF5. Afasta-se, também, a imputação de concurso de crimes, seja o concurso material (Código Penal, art. 69), seja pela continuidade delitiva (Código Penal, art. 71), eis que não há provas suficientes de que os acusados incidiram nas condutas que lhes foram imputadas. O expressivo aparelhamento do caderno processual, - totalizando onze volumes principais e cinquenta e um apensos -, estampa a fragilidade do acervo probatório, que trilha no terreno da dúvida e da incerteza, bem como se ressente da demonstração do elemento subjetivo, o dolo, que para a configuração do crime peculato-desvio é exigível. Para a configuração do peculato, na figura do desvio, é necessário provar que o funcionário público tenha agido com dolo específico, consistente na vontade consciente e do fim específico de desviar indevidamente o bem de que tem a posse em razão do cargo, em proveito próprio ou alheio. Ônus do qual não se desonerou a acusação, não se verifica relação de causa e efeito entre a alegação de desvio da merenda escolar e a conduta descrita na denúncia. Inexiste, nos autos, prova contunde para a assertiva de terem os acusados Maria Zeneide Santos Aragão e Lindbergh Gondim de Lucena induzido a erro diretores e coordenadores das escolas públicas, como sustentada no apelo, a permitir o suposto desvio. Ora, como se destaca na r. sentença, ao corréu então Secretário Estadual de Educação, o desfecho da instrução processual não logrou, minimamente, em obter prova robusta e segura, capaz de tornar indiscutível a prática delitiva por parte do acusado, com o adendo fundamental e assaz esclarecedor da conduta que a ele imputada, mormente que tivesse plena ciência da não entrega dos gêneros alimentícios à rede escolar. Da sentença hostilizada, a mesma análise no que respeita aos demais corréus: Maria Zeneide Aragão, por sua vez, na condição de diretora do departamento de alimentação escolar, sequer dispunha da posse da quantia paga ao também acusado João Marcelo, o que, de imediato, já descaracteriza a conduta prevista no crime de peculato-desvio a ela imposta. E, ainda, quanto aos dois últimos acusados - João Marcelo Santos Silva, representante legal da empresa MSS - Comércio e Serviços e Representações Ltda., e Hunaldo de Sá Farias -, que não dispunham do montante que fora desviado. A dúvida se alia à conjectura, norteada nos rumores do desvio dos recursos federais, consubstanciado na ausência de comprovação da carne - tipo bife, em duas escolas públicas, e tipo músculo, em cinco unidades. A conjectura traduz, na verdade, uma completa falta de visão administrativa no procedimento adotado para a execução do objeto dos lotes nºs 17 e 24, do Pregão Eletrônico nº 128. Nesse passo, a defesa da acusada Maria Zeneide Santos Aragão escancara a sistemática para a distribuição da merenda escolar no âmbito da Secretaria de Educação, na esteira da documentação juntada aos autos principais, que comprovaria a entrega da carne da merenda escolar. O procedimento abreviado, ao seu dizer, por não ter havido tempo hábil para se esperar a tramitação regular da documentação, o que motivou toda confusão criada - f. 2.140, nas alegações finais - é censurável e mostra que não havia o necessário controle administrativo. A esse ponto, pertinente à entrega, ou não, da carne, o argumento principal da aludida acusada, nas contrarrazões, f. 2.516, busca respaldar-se nas guias de entrega dos produtos, colacionadas às f. 711-1.325 e 1.443 e 1.809. A discussão acerca do elemento da dúvida, ainda, se arvora na defesa dos outros apelados, arrematada nas respectivas contrarrazões ao recurso. Na defesa dos acusados João Marcelo Santos Silva, a refutar os argumentos (genéricos) da acusação, f. 2.565v., e Hunaldo de Sá Farias, que pontua não ter havido irresignação em relação à sua absolvição, no primeiro julgamento, por concordar o Ministério Público Federal que ele não contribuíra para a prática do suposto ilícito, f. 2.547. Depois, na defesa de Lindbergh Gondim de Lucena, a ponderar a imprecisão do relatório da Controladoria-Geral da União, pois incompleto, resultante de dados obtidos em parte das escolas públicas, tendo a fiscalização desse órgão se dirigido a apenas noventa e duas, de um total de mais trezentas escolas em todo Estado, f. 2493, para constatar, ou não, a entrega da merenda em julho de 2006, somente o fazendo, quase um ano após, nos meses de abril e maio de 2007, f. 2.494. A dúvida persiste. Por outro lado, não tem pertinência, nessa ótica, o inconformismo recursal ao amparar-se na condenação dos acusados, na aludida ação civil pública por ato de improbidade administrativa - Processo nº 0006350-92.2007.4.05.8500 -, cujo dispositivo da sentença é transcrito no apelo. Trata-se de decisão tomada em processo civil, sem exercer nenhuma repercussão nesta ação penal. A despeito da independência das instâncias, acusação de peculato-desvio, no caso presente, somente é punível a título de dolo. Com efeito, no gerenciamento da sistemática para a distribuição da merenda escolar, de tal fato, sobrou o exemplo de irregularidades administrativas, seja, como reconhecido pela defesa, no abreviamento do procedimento, seja na dita convocação de diretores para assinar documentos, para fechamento da prestação de contas no mesmo exercício. Toda confusão foi instalada, sob a ótica e contornos da seara administrativa. Lançada a dúvida aos elementos da prova da materialidade, ausente o dolo no agir imputado, não há admitir a acusação. No processo penal, o ordenamento jurídico rechaça a responsabilidade objetiva, de levar o agente a ser responsabilizado por presunção. Nesse sentido, perfilha a orientação do Supremo Tribunal Federal. (V.g.: HC 84.580, min. Celso de Mello, DJe de 17 de novembro de 2009). Por fim, revelando-se insuficiente o lastro probatório para a condenação, milita em favor dos acusados o princípio in dubio pro reo, garantia consagrada no primado constitucional da presunção de inocência, pois inexiste elemento de convicção para a formação de um juízo de certeza a respeito da responsabilização criminal. Improvimento da apelação, para manter a sentença absolutória.
Decisão
UNÂNIME

Data do Julgamento : 25/10/2016
Data da Publicação : 28/10/2016
Classe/Assunto : ACR - Apelação Criminal - 9190
Órgão Julgador : Segunda Turma
Relator(a) : Desembargador Federal Vladimir Carvalho
Comarca : TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Tipo : Acórdão
Referência legislativa : ***** CP-40 Codigo Penal LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-312 (CAPUT) ART-327 PAR-2 ART-71 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ***** CPP-41 Codigo de Processo Penal LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-386 INC-7
Fonte da publicação : DJE - Data::28/10/2016 - Página::56
Mostrar discussão