TRF5 200783000056279
CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. CONTRATO DE MÚTUO HABITACIONAL. REVISÃO. POSICIONAMENTOS ASSENTADOS PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, INCLUSIVE SOB O REGIME DOS RECURSOS REPETITIVOS.
1. Recurso interposto pelos autores contra sentença de improcedência do pedido, exarada em ação ordinária de revisão de contrato de mútuo habitacional, firmado no âmbito do SFH.
2. O SFH foi criado com vistas a estimular a construção de habitações de interesse social e a possibilitar a aquisição da casa própria pelas classes da população que percebiam menor renda e que, portanto, não tinham condições de recorrer à iniciativa privada. O SFH foi fundado no direito à moradia, agasalhado esse pela Constituição Federal como direito social, necessidade premente do trabalhador. Consoante se apreende da evolução normativa da matéria, ao SFH se confere conotação nitidamente social (decorrente de sua finalidade), sendo a ele inerente o equilíbrio que deve permear a relação entre a renda do mutuário e as prestações do financiamento.
3. O princípio do pacta sunt servanda deve ser interpretado de forma harmônica com as outras normas jurídicas que integram o ordenamento, impondo-se o seu sopeso, inclusive e especialmente, diante do escopo do negócio jurídico ajustado.
4. O CDC é aplicável aos contratos de mútuo celebrados sob o regramento do SFH.
5. É ônus do autor a demonstração de que a CEF estaria descumprindo o contrato pactuado. Entretanto, dele não se desincumbiu, pois não trouxe elementos documentais aptos à demonstração de que os reajustes do financiamento se perfizeram em descompasso com a política de reajuste adotada no contrato (PES), não havendo que se falar, dessa forma, em descumprimento pela instituição financeira. Logo, não há como se acolher pedido de condenação a efetuar correções nesse tocante. Apelo não provido nesse ponto.
6. No respeitante ao seguro, a correção das parcelas a ele referentes, mercê de sua natureza acessória, deve obedecer aos mesmos critérios de reajuste das prestações. In casu, contudo, não se comprovou que as prestações estivessem sendo reajustadas em descompasso com a evolução salarial do mutuário, nem restou demonstrado o descumprimento do ajuste em relação ao seguro, nesse tocante. Desprovimento da apelação nessa parte.
7. A regra contratual inscrita na cláusula décima segunda, livremente ajustada pelas partes, é explícita no sentido de que as prestações e os acessórios serão reajustados no mês subsequente ao de competência do aumento salarial. Assim sendo, não há respaldo contratual para autorizar a aplicação do percentual de aumento salarial no reajuste das prestações apenas dois meses depois de sua concessão. Apelação não provida nesse tocante.
8. O anatocismo é vedado, salvo nas hipóteses expressamente permitidas por lei, o que não é o caso do SFH. Constatado o anatocismo (há prestações em aberto, compostas por parcela de juros, que não deve ser revertida ao saldo devedor para nova incidência de juros),impõe-se sua supressão. "O Sistema Francês de Amortização, Tabela Price, não prevê, a priori, incidência de juros sobre juros. Todavia, na hipótese de o valor da prestação ser insuficiente para cobrir a parcela relativa aos juros, pode ocorrer de o resíduo não pago ser incorporado ao saldo devedor e sobre ele virem a incidir os juros da parcela subseqüente, configurando-se anatocismo, vedado em nosso sistema jurídico./Assim, para evitar a cobrança de juros sobre juros, os Tribunais pátrios passaram a determinar que o quantum devido a título de juros não amortizados fosse lançado em conta separada, sujeita somente à correção monetária. Tal providência não ofende o ordenamento jurídico brasileiro" (STJ, AgRg no REsp 1070224/RS, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/03/2010, DJe 18/03/2010). A sistemática da conta em apartado para os juros não quitados é suficiente para afastar o injurídico anatocismo. Apelação parcialmente provida.
9. "Nos contratos vinculados ao SFH, a atualização do saldo devedor antecede sua amortização pelo pagamento da prestação" (Súmula 450, do STJ). Apelação não provida nesse tópico.
10. Os juros contratuais (taxas nominal e efetiva) foram definidos com razoabilidade (a análise nesse tocante deve ser casuística), em 9,0000% e 9,3806%, não havendo dispositivo legal limitador desse percentual. "Para efeito do art. 543-C: [...] 1.2. O art. 6º, alínea 'e', da Lei nº 4.380/64, não estabelece limitação dos juros remuneratórios" (STJ, REsp 1070297/PR, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/09/2009, DJe 18/09/2009). "O art. 6º, alínea 'e', da Lei 4.380/64 não estabelece limite de juros aos contratos imobiliários firmados sob sua égide. Constitui tão-somente uma das condições para aplicação da correção monetária prevista no art. 5º do referido diploma legal. Precedente da Corte Especial" (STJ, EREsp 954.628/SC, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, CORTE ESPECIAL, julgado em 28/05/2009, DJe 25/06/2009). Súmula 422, do STJ. Desprovimento da apelação nesse tópico.
11. Não se pode condenar a instituição financeira à devolução dobrada, se não agiu com má-fé. "A aplicação da sanção prevista no art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor pressupõe a existência de pagamento indevido e má-fé do credor, o que, na hipótese, não está evidenciado" (STJ, AgRg no REsp 1107478/SC, Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 17/09/2009, DJe 05/10/2009). Os valores depositados em Juízo, bem como os eventualmente pagos a maior, devem ser dirigidos à quitação das prestações em atraso, das vincendas e à amortização do saldo devedor, nessa ordem, não havendo que se falar em restituição. Desprovimento da apelação nessa parte.
12. A hipótese é de sucumbência recíproca, nos termos do art. 21, do CPC.
13. Apelação parcialmente provida.
(PROCESSO: 200783000056279, AC500638/PE, DESEMBARGADOR FEDERAL FREDERICO PINTO DE AZEVEDO (CONVOCADO), Primeira Turma, JULGAMENTO: 07/10/2010, PUBLICAÇÃO: DJE 15/10/2010 - Página 135)
Ementa
CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. CONTRATO DE MÚTUO HABITACIONAL. REVISÃO. POSICIONAMENTOS ASSENTADOS PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, INCLUSIVE SOB O REGIME DOS RECURSOS REPETITIVOS.
1. Recurso interposto pelos autores contra sentença de improcedência do pedido, exarada em ação ordinária de revisão de contrato de mútuo habitacional, firmado no âmbito do SFH.
2. O SFH foi criado com vistas a estimular a construção de habitações de interesse social e a possibilitar a aquisição da casa própria pelas classes da população que percebiam menor renda e que, portanto, não tinham condições de recorrer à iniciativa privada. O SFH foi fundado no direito à moradia, agasalhado esse pela Constituição Federal como direito social, necessidade premente do trabalhador. Consoante se apreende da evolução normativa da matéria, ao SFH se confere conotação nitidamente social (decorrente de sua finalidade), sendo a ele inerente o equilíbrio que deve permear a relação entre a renda do mutuário e as prestações do financiamento.
3. O princípio do pacta sunt servanda deve ser interpretado de forma harmônica com as outras normas jurídicas que integram o ordenamento, impondo-se o seu sopeso, inclusive e especialmente, diante do escopo do negócio jurídico ajustado.
4. O CDC é aplicável aos contratos de mútuo celebrados sob o regramento do SFH.
5. É ônus do autor a demonstração de que a CEF estaria descumprindo o contrato pactuado. Entretanto, dele não se desincumbiu, pois não trouxe elementos documentais aptos à demonstração de que os reajustes do financiamento se perfizeram em descompasso com a política de reajuste adotada no contrato (PES), não havendo que se falar, dessa forma, em descumprimento pela instituição financeira. Logo, não há como se acolher pedido de condenação a efetuar correções nesse tocante. Apelo não provido nesse ponto.
6. No respeitante ao seguro, a correção das parcelas a ele referentes, mercê de sua natureza acessória, deve obedecer aos mesmos critérios de reajuste das prestações. In casu, contudo, não se comprovou que as prestações estivessem sendo reajustadas em descompasso com a evolução salarial do mutuário, nem restou demonstrado o descumprimento do ajuste em relação ao seguro, nesse tocante. Desprovimento da apelação nessa parte.
7. A regra contratual inscrita na cláusula décima segunda, livremente ajustada pelas partes, é explícita no sentido de que as prestações e os acessórios serão reajustados no mês subsequente ao de competência do aumento salarial. Assim sendo, não há respaldo contratual para autorizar a aplicação do percentual de aumento salarial no reajuste das prestações apenas dois meses depois de sua concessão. Apelação não provida nesse tocante.
8. O anatocismo é vedado, salvo nas hipóteses expressamente permitidas por lei, o que não é o caso do SFH. Constatado o anatocismo (há prestações em aberto, compostas por parcela de juros, que não deve ser revertida ao saldo devedor para nova incidência de juros),impõe-se sua supressão. "O Sistema Francês de Amortização, Tabela Price, não prevê, a priori, incidência de juros sobre juros. Todavia, na hipótese de o valor da prestação ser insuficiente para cobrir a parcela relativa aos juros, pode ocorrer de o resíduo não pago ser incorporado ao saldo devedor e sobre ele virem a incidir os juros da parcela subseqüente, configurando-se anatocismo, vedado em nosso sistema jurídico./Assim, para evitar a cobrança de juros sobre juros, os Tribunais pátrios passaram a determinar que o quantum devido a título de juros não amortizados fosse lançado em conta separada, sujeita somente à correção monetária. Tal providência não ofende o ordenamento jurídico brasileiro" (STJ, AgRg no REsp 1070224/RS, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/03/2010, DJe 18/03/2010). A sistemática da conta em apartado para os juros não quitados é suficiente para afastar o injurídico anatocismo. Apelação parcialmente provida.
9. "Nos contratos vinculados ao SFH, a atualização do saldo devedor antecede sua amortização pelo pagamento da prestação" (Súmula 450, do STJ). Apelação não provida nesse tópico.
10. Os juros contratuais (taxas nominal e efetiva) foram definidos com razoabilidade (a análise nesse tocante deve ser casuística), em 9,0000% e 9,3806%, não havendo dispositivo legal limitador desse percentual. "Para efeito do art. 543-C: [...] 1.2. O art. 6º, alínea 'e', da Lei nº 4.380/64, não estabelece limitação dos juros remuneratórios" (STJ, REsp 1070297/PR, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/09/2009, DJe 18/09/2009). "O art. 6º, alínea 'e', da Lei 4.380/64 não estabelece limite de juros aos contratos imobiliários firmados sob sua égide. Constitui tão-somente uma das condições para aplicação da correção monetária prevista no art. 5º do referido diploma legal. Precedente da Corte Especial" (STJ, EREsp 954.628/SC, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, CORTE ESPECIAL, julgado em 28/05/2009, DJe 25/06/2009). Súmula 422, do STJ. Desprovimento da apelação nesse tópico.
11. Não se pode condenar a instituição financeira à devolução dobrada, se não agiu com má-fé. "A aplicação da sanção prevista no art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor pressupõe a existência de pagamento indevido e má-fé do credor, o que, na hipótese, não está evidenciado" (STJ, AgRg no REsp 1107478/SC, Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 17/09/2009, DJe 05/10/2009). Os valores depositados em Juízo, bem como os eventualmente pagos a maior, devem ser dirigidos à quitação das prestações em atraso, das vincendas e à amortização do saldo devedor, nessa ordem, não havendo que se falar em restituição. Desprovimento da apelação nessa parte.
12. A hipótese é de sucumbência recíproca, nos termos do art. 21, do CPC.
13. Apelação parcialmente provida.
(PROCESSO: 200783000056279, AC500638/PE, DESEMBARGADOR FEDERAL FREDERICO PINTO DE AZEVEDO (CONVOCADO), Primeira Turma, JULGAMENTO: 07/10/2010, PUBLICAÇÃO: DJE 15/10/2010 - Página 135)
Data do Julgamento
:
07/10/2010
Classe/Assunto
:
Apelação Civel - AC500638/PE
Órgão Julgador
:
Primeira Turma
Relator(a)
:
Desembargador Federal Frederico Pinto de Azevedo (Convocado)
Comarca
:
Tribunal Regional Federal - 5ª Região
Código do documento
:
242973
PublicaÇÕes
:
Diário da Justiça Eletrônico TRF5 (DJE) - 15/10/2010 - Página 135
DecisÃo
:
UNÂNIME
Veja tambÉm
:
AgRg no REsp 1070224/RS (STJ)EREsp 954628/SC (STJ)AgRg no REsp 1107478/SC (STJ)RESP 838372/RS (STJ)AgRg no REsp 1070224/RS (STJ)REsp 1070297/PR (STJ)
ReferÊncias legislativas
:
LEG-FED LEI-4380 ANO-1964 ART-5 PAR-3 ART-6 LET-E
LEG-FED SUM-450 (STJ)
CPC-73 Código de Processo Civil LEG-FED LEI-5869 ANO-1973 ART-21 ART-543-C
LEG-FED SUM-422 (STJ)
CDC-90 Código de Defesa do Consumidor LEG-FED LEI-8078 ANO-1990 ART-42 PAR-ÚNICO
LEG-FED SUM-5 (STJ)
LEG-FED SUM-7 (STJ)
Votantes
:
Desembargador Federal José Maria Lucena
Desembargador Federal Francisco Cavalcanti
Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira
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