TRF5 200783000132245
PENAL. PROCESSUAL PENAL. ENVIO DE MENOR AO EXTERIOR SEM REALIZAÇÃO DAS FORMALIDADES LEGAIS. ART. 239, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N.º 8.069/90. PRESENÇA DAS CIRCUNSTÂNCIAS QUALIFICADORAS DO TIPO PENAL. PRÁTICA ANTERIOR DE FRAUDES. CONSUMAÇÃO DO ILÍCITO. CRIME FORMAL. ALEGAÇÃO DE ERRO DE TIPO E ERRO DE PROIBIÇÃO. INSUBSISTÊNCIA DA TESE. FIXAÇÃO DO REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA E DETRAÇÃO PENAL. ARGUMENTO PREJUDICADO. CRIMES ANTERIORES. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. DOSIMETRIA. PENA-BASE FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. CULPABILIDADE E CONSEQUÊNCIAS DO CRIME NEGATIVAS. MAJORAÇÃO DA PENA. AGRAVANTE. MOTIVO FÚTIL. CONCORRÊNCIA ENTRE ATENUANTE E AGRAVANTE. PREVALÊNCIA DA CIRCUNSTÂNCIA PREPONDERANTE. MANUTENÇÃO DA PENA FIXADA NA SENTENÇA, POR OUTROS FUNDAMENTOS.
1. Os elementos colhidos na instrução processual são fartos a indicar a presença dos pressupostos necessários à qualificação do ilícito descrito no art. 239, parágrafo único, da Lei n.º 8.069/90, especificamente quando ao núcleo do tipo "emprego de fraude", fatos esses amplamente confessados, espontaneamente, pela própria ré, quando indicou a falsificação ideológica da Declaração de Nascido Vivo - DNV, atribuindo a si falsamente a maternidade da infante, bem assim, utilizou-se de dados falsos com o objetivo de obter passaporte da criança.
2. O crime em exame é de natureza formal, não exigindo, pois, resultado naturalístico. Desta feita, a configuração típica encontra-se satisfeita quando da consecução de atos no desiderato de enviar criança ou adolescente ao exterior, destituída das formalidades legais, tout court, sendo a realização da viagem irrelevante para o tipo. Precedentes citados: STJ, HC 39332/RJ, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, decisão por maioria, DJ 20.2.2006, pág. 368; TRF 5.ª Região, ACR 3406, Desembargador Federal Cesar Carvalho (convocado), Primeira Turma, decisão unânime, DJ 22.3.2006.
3. A alegação de erro quanto ao tipo não se encontra consubstanciada em fatos aptos a caracterizar, ao menos em tese, a existência de erro no conhecimento dos elementos do tipo em questão. Ao contrário, conforme se verificou de seu interrogatório, a ré tinha plena ciência da direção de sua conduta motivada em transportar, valendo-se de meios escusos, criança recém nascida para o exterior.
4. Não há guarida na tese de erro de proibição, pois a ré é servidora pública do município Senador Rui Palmeiras/AL (agente comunitária de saúde), universitária, já que ao tempo da prática das condutas cursava o 4.º Período no curso superior de zootecnia, bem como já possuía curso técnico de enfermagem. E mais: a denunciada, não obstante os avisos dos funcionários do Cartório de Senador Rui Palmeiras/AL, os quais a alertaram da ilicitude da conduta de registrar filho de outrem como próprio, resolveu prosseguir com a empreitada criminosa, certamente confiante na sua impunidade. Não bastasse, a percepção do Juízo a quo, por ocasião da colheita do interrogatório, é conclusiva sobre a compreensão do caráter ilícito da conduta
5. O inconformismo quanto à fixação do regime inicial de cumprimento da pena encontra-se destituído de objeto, visto que a mencionada eiva já fora sanada, quando do julgamento dos embargos declaratórios manejados - ainda em primeiro grau de jurisdição - pelo Parquet Federal.
6. A detração da pena cumprida, em vista da prisão provisória, é direito que deverá ser observado no juízo da execução da pena.
7. A cadeia lógica delineada na prática dos crimes ditos "meios", todos conduzindo para uma única finalidade: o envio da recém-nascida para o exterior, sem observância das formalidades exigidas para tanto, valendo-se do elemento fraude. Pelo que, as falsidades ideológicas, ocorridas quando do preenchimento da DNV, do registro da criança, bem assim da obtenção do passaporte, e por fim o uso dos documentos falsos, não passaram de meios (ou delitos de passagem) para a prática do crime qualificado previsto no art. 239, parágrafo único, da Lei n.º 8.069/90. Aplicação ao caso do princípio da consunção. Precedente citado: TRF 5.ª Região, ACR 4661, Desembargador Federal Paulo Gadelha, Terceira Turma, decisão unânime, DJ 25.9.2006.
8. Em havendo mais de uma circunstância a qualificar o ilícito, é de rigor utilizar a qualificadora excedente na composição da pena-base. Tão só uma das fraudes é necessária para caracterização da qualificadora capitulada no art. 239, parágrafo único, da Lei n.º 8.069/90, de sorte que, pela configuração do ilícito, se faz devido, a bem da justiça, afastar a pena-base do mínimo legal, isso a conta da culpabilidade da ré, a qual ostenta alto grau de reprovabilidade da sua conduta.
9. As consequências do ilícito devem ser valorados negativamente, pois os laudos coligidos aos autos indicam que a criança encontrava-se em precário estado de saúde, com infecção (diarréia), necessitando de antibiótico (cefalexina), bem assim medicamentos outros que indicam o despreparo da denunciada na higiene e trato da criança, eis que a menor estava desnutrida, com problemas de pele e bucal.
10. Haja vista a presença de duas circunstâncias negativas, a culpabilidade e as consequências do crime, como, outrossim, a pena do ilícito em análise variar de 6 a 8 anos de reclusão, deve, portanto, a pena-base afastar-se do mínimo legal, razão pela qual restou fixada em 6 anos e 6 meses de reclusão.
11. Motivo fútil é aquele insignificante, manifestamente desproporcional em relação ao bem de vida protegido pela norma penal. No caso em apreço, a denunciada, em troca de uma viagem para o exterior, aceitou transportar criança recém nascida, para entregá-la a casal de estrangeiros. Dos autos, é possível concluir que a ré mal conhecia os pretensos "adotantes", e mesmo assim, munida da vontade de viajar a país europeu, colocou em risco a vida de uma criança, a qual poderia ser entregue a qualquer sorte (inclusive o insidioso tráfico de órgãos), a conta de mero deleite turístico. Nessa senda, o reconhecimento da citada agravante é medida de rigor.
12. A seu turno, a agravante de ter a ré cometido o ilícito mediante o acerto financeiro (pagamento de viagem) não pode ser considerada sob pena de bis in idem, pois a recompensa que levou a agente à prática do delito - a viagem internacional - já foi reconhecida como agravante do motivo fútil.
13. Em caso de concorrência entre atenuante da confissão espontânea e agravante do motivo fútil, impõe-se aplicar a regra inscrita no art. 67, caput, do CP, pelo que deve a primeira delas preponderar. Precedente citado: STJ, HC 67292, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJ 8.9.2009.
14. Apelação da denunciada improvida e apelação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL parcial provida, mantida, no entanto, a pena fixada na sentença, mas por razões diversas.
(PROCESSO: 200783000132245, ACR5894/PE, DESEMBARGADOR FEDERAL MAXIMILIANO CAVALCANTI (CONVOCADO), Primeira Turma, JULGAMENTO: 22/10/2009, PUBLICAÇÃO: DJE 10/11/2009 - Página 255)
Ementa
PENAL. PROCESSUAL PENAL. ENVIO DE MENOR AO EXTERIOR SEM REALIZAÇÃO DAS FORMALIDADES LEGAIS. ART. 239, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N.º 8.069/90. PRESENÇA DAS CIRCUNSTÂNCIAS QUALIFICADORAS DO TIPO PENAL. PRÁTICA ANTERIOR DE FRAUDES. CONSUMAÇÃO DO ILÍCITO. CRIME FORMAL. ALEGAÇÃO DE ERRO DE TIPO E ERRO DE PROIBIÇÃO. INSUBSISTÊNCIA DA TESE. FIXAÇÃO DO REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA E DETRAÇÃO PENAL. ARGUMENTO PREJUDICADO. CRIMES ANTERIORES. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. DOSIMETRIA. PENA-BASE FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. CULPABILIDADE E CONSEQUÊNCIAS DO CRIME NEGATIVAS. MAJORAÇÃO DA PENA. AGRAVANTE. MOTIVO FÚTIL. CONCORRÊNCIA ENTRE ATENUANTE E AGRAVANTE. PREVALÊNCIA DA CIRCUNSTÂNCIA PREPONDERANTE. MANUTENÇÃO DA PENA FIXADA NA SENTENÇA, POR OUTROS FUNDAMENTOS.
1. Os elementos colhidos na instrução processual são fartos a indicar a presença dos pressupostos necessários à qualificação do ilícito descrito no art. 239, parágrafo único, da Lei n.º 8.069/90, especificamente quando ao núcleo do tipo "emprego de fraude", fatos esses amplamente confessados, espontaneamente, pela própria ré, quando indicou a falsificação ideológica da Declaração de Nascido Vivo - DNV, atribuindo a si falsamente a maternidade da infante, bem assim, utilizou-se de dados falsos com o objetivo de obter passaporte da criança.
2. O crime em exame é de natureza formal, não exigindo, pois, resultado naturalístico. Desta feita, a configuração típica encontra-se satisfeita quando da consecução de atos no desiderato de enviar criança ou adolescente ao exterior, destituída das formalidades legais, tout court, sendo a realização da viagem irrelevante para o tipo. Precedentes citados: STJ, HC 39332/RJ, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, decisão por maioria, DJ 20.2.2006, pág. 368; TRF 5.ª Região, ACR 3406, Desembargador Federal Cesar Carvalho (convocado), Primeira Turma, decisão unânime, DJ 22.3.2006.
3. A alegação de erro quanto ao tipo não se encontra consubstanciada em fatos aptos a caracterizar, ao menos em tese, a existência de erro no conhecimento dos elementos do tipo em questão. Ao contrário, conforme se verificou de seu interrogatório, a ré tinha plena ciência da direção de sua conduta motivada em transportar, valendo-se de meios escusos, criança recém nascida para o exterior.
4. Não há guarida na tese de erro de proibição, pois a ré é servidora pública do município Senador Rui Palmeiras/AL (agente comunitária de saúde), universitária, já que ao tempo da prática das condutas cursava o 4.º Período no curso superior de zootecnia, bem como já possuía curso técnico de enfermagem. E mais: a denunciada, não obstante os avisos dos funcionários do Cartório de Senador Rui Palmeiras/AL, os quais a alertaram da ilicitude da conduta de registrar filho de outrem como próprio, resolveu prosseguir com a empreitada criminosa, certamente confiante na sua impunidade. Não bastasse, a percepção do Juízo a quo, por ocasião da colheita do interrogatório, é conclusiva sobre a compreensão do caráter ilícito da conduta
5. O inconformismo quanto à fixação do regime inicial de cumprimento da pena encontra-se destituído de objeto, visto que a mencionada eiva já fora sanada, quando do julgamento dos embargos declaratórios manejados - ainda em primeiro grau de jurisdição - pelo Parquet Federal.
6. A detração da pena cumprida, em vista da prisão provisória, é direito que deverá ser observado no juízo da execução da pena.
7. A cadeia lógica delineada na prática dos crimes ditos "meios", todos conduzindo para uma única finalidade: o envio da recém-nascida para o exterior, sem observância das formalidades exigidas para tanto, valendo-se do elemento fraude. Pelo que, as falsidades ideológicas, ocorridas quando do preenchimento da DNV, do registro da criança, bem assim da obtenção do passaporte, e por fim o uso dos documentos falsos, não passaram de meios (ou delitos de passagem) para a prática do crime qualificado previsto no art. 239, parágrafo único, da Lei n.º 8.069/90. Aplicação ao caso do princípio da consunção. Precedente citado: TRF 5.ª Região, ACR 4661, Desembargador Federal Paulo Gadelha, Terceira Turma, decisão unânime, DJ 25.9.2006.
8. Em havendo mais de uma circunstância a qualificar o ilícito, é de rigor utilizar a qualificadora excedente na composição da pena-base. Tão só uma das fraudes é necessária para caracterização da qualificadora capitulada no art. 239, parágrafo único, da Lei n.º 8.069/90, de sorte que, pela configuração do ilícito, se faz devido, a bem da justiça, afastar a pena-base do mínimo legal, isso a conta da culpabilidade da ré, a qual ostenta alto grau de reprovabilidade da sua conduta.
9. As consequências do ilícito devem ser valorados negativamente, pois os laudos coligidos aos autos indicam que a criança encontrava-se em precário estado de saúde, com infecção (diarréia), necessitando de antibiótico (cefalexina), bem assim medicamentos outros que indicam o despreparo da denunciada na higiene e trato da criança, eis que a menor estava desnutrida, com problemas de pele e bucal.
10. Haja vista a presença de duas circunstâncias negativas, a culpabilidade e as consequências do crime, como, outrossim, a pena do ilícito em análise variar de 6 a 8 anos de reclusão, deve, portanto, a pena-base afastar-se do mínimo legal, razão pela qual restou fixada em 6 anos e 6 meses de reclusão.
11. Motivo fútil é aquele insignificante, manifestamente desproporcional em relação ao bem de vida protegido pela norma penal. No caso em apreço, a denunciada, em troca de uma viagem para o exterior, aceitou transportar criança recém nascida, para entregá-la a casal de estrangeiros. Dos autos, é possível concluir que a ré mal conhecia os pretensos "adotantes", e mesmo assim, munida da vontade de viajar a país europeu, colocou em risco a vida de uma criança, a qual poderia ser entregue a qualquer sorte (inclusive o insidioso tráfico de órgãos), a conta de mero deleite turístico. Nessa senda, o reconhecimento da citada agravante é medida de rigor.
12. A seu turno, a agravante de ter a ré cometido o ilícito mediante o acerto financeiro (pagamento de viagem) não pode ser considerada sob pena de bis in idem, pois a recompensa que levou a agente à prática do delito - a viagem internacional - já foi reconhecida como agravante do motivo fútil.
13. Em caso de concorrência entre atenuante da confissão espontânea e agravante do motivo fútil, impõe-se aplicar a regra inscrita no art. 67, caput, do CP, pelo que deve a primeira delas preponderar. Precedente citado: STJ, HC 67292, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJ 8.9.2009.
14. Apelação da denunciada improvida e apelação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL parcial provida, mantida, no entanto, a pena fixada na sentença, mas por razões diversas.
(PROCESSO: 200783000132245, ACR5894/PE, DESEMBARGADOR FEDERAL MAXIMILIANO CAVALCANTI (CONVOCADO), Primeira Turma, JULGAMENTO: 22/10/2009, PUBLICAÇÃO: DJE 10/11/2009 - Página 255)
Data do Julgamento
:
22/10/2009
Classe/Assunto
:
Apelação Criminal - ACR5894/PE
Órgão Julgador
:
Primeira Turma
Relator(a)
:
Desembargador Federal Maximiliano Cavalcanti (Convocado)
Comarca
:
Tribunal Regional Federal - 5ª Região
Código do documento
:
205864
PublicaÇÕes
:
Diário da Justiça Eletrônico TRF5 (DJE) - 10/11/2009 - Página 255
DecisÃo
:
UNÂNIME
Veja tambÉm
:
HC 39332/RJ (STJ)ACR 3406 (TRF5)ACR 4661 (TRF5)HC 67292 (STJ)
ReferÊncias legislativas
:
LEG-FED LEI-8069 ANO-1990 ART-239 PAR-ÚNICO
CP-40 Codigo Penal LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-67 (CAPUT)
Votantes
:
Desembargador Federal Francisco Cavalcanti
Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira
Desembargador Federal Maximiliano Cavalcanti
Mostrar discussão