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Jurisprudência


TRF5 200783000202284

Ementa
CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO - SFH. CONTRATO DE MÚTUO HABITACIONAL. REVISÃO. 1. Apelações interpostas pelos mutuários e pela CEF/EMGEA contra sentença de parcial procedência do pedido, proferida nos autos de ação ordinária de revisão de contrato de mútuo habitacional, firmado no âmbito do SFH. 2. Sobre a legitimidade passiva ad causam da CEF/EMGEA: "1. A CEF é instituição financeira que sucedeu o BNH em direitos e obrigações, sendo a administração operacional do SFH atribuída a essa empresa pública, legitimada nos processos em andamento, mesmo com a transferência das operações de crédito imobiliário e seus acessórios à EMGEA./2. A EMGEA deve compor o pólo passivo da demanda, na condição de litisconsorte, em face da cessão dos créditos hipotecários relativos ao contrato sob exame" (TRF5, Primeira Turma, AC 402156/PB, Rel. Des. Federal Francisco Wildo, j. em 01.02.2007). Determinação de reintegração da CEF na lide, na qual deve figurar ao lado da EMGEA. 3. Não merece acolhida a preliminar de cerceamento de defesa por não realização de prova pericial, alegada pelos mutuários, posto que os documentos constantes dos autos (planilha de evolução do financiamento e declaração do sindicato com os percentuais de aumento salarial da categoria profissional dos mutuários), permitem a apuração dos fatos que se buscaria provar através da prova pericial. Os próprios mutuários afirmam em sua apelação: "Foram juntados documentos que por si só comprovariam as ilegalidades do agente financeiro" e "A simples comparação dos índices constantes às fls. 107/108 com a planilha fornecida pelo agente financeiro (fls. 79/106) já é suficiente para provar que não fora seguido o PES/CP no presente contrato". Foi exatamente esse o cotejo levado a efeito pela Julgadora a quo. Não acolhimento da alegação de cerceamento de defesa. 4. Diante da petição inicial, foi promovida a citação da parte ré, que apresentou contestação, acerca da qual os autores foram intimados à apresentação de réplica, o que se verificou. Após, inexistindo qualquer outra petição e entendendo estarem, os autos, maduros para julgamento, o Juízo a quo sentenciou. Portanto, vê-se que inexistiu qualquer cerceamento de defesa fundado na ausência de intimação para apresentação de alegações finais ou de outros elementos probatórios, mormente porque absolutamente desnecessária. Preliminar de nulidade de sentença por ausência de implementação da providência dos arts. 454 e 456, do CPC, que se rejeita. 5. O SFH foi criado com vistas a estimular a construção de habitações de interesse social e a possibilitar a aquisição da casa própria pelas classes da população que percebiam menor renda e que, portanto, não tinham condições de recorrer à iniciativa privada. 6. O SFH foi fundado no direito à moradia, agasalhado esse pela Constituição Federal como direito social, necessidade premente do trabalhador. Trata-se de reconhecer a habitação como direito inerente à condição humana, habitação como refúgio e como permissivo da inserção do indivíduo no convívio social. Consoante se apreende da evolução normativa da matéria, ao SFH se confere conotação nitidamente social (decorrente de sua finalidade), sendo a ele inerente o equilíbrio que deve permear a relação entre a renda do mutuário e as prestações do financiamento. 7. O princípio do pacta sunt servanda deve ser interpretado de forma harmônica com as outras normas jurídicas que integram o ordenamento, impondo-se o seu sopeso, inclusive e especialmente, diante do escopo do negócio jurídico ajustado. 8. "Consoante entendimento jurisprudencial é aplicável o CDC aos contratos de mútuo hipotecário pelo SFH" (STJ, Quarta Turma, RESP 838372/RS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 06.12.2007). 9. Não merece conhecimento, por manifesta ausência de interesse processual, a parte da apelação dos mutuários, na qual postulam providência já deferida na sentença, qual seja a fixação em 2% da multa moratória dos pagamentos em atraso. Apelação dos mutuários não conhecida, nessa parte. 10. A sentença declarou a inexistência de irregularidades nos reajustes operados pela CEF. Insistem os autores que a CEF está descumprindo o PES no reajuste das prestações mensais do contrato. Conforme se depreende dos autos os mutuários se enquadram na categoria profissional de "Servidores Públicos Sociedade de Economia Mista". Confrontando a declaração do sindicato e a planilha de evolução do financiamento, permite-se constatar que a CEF vem cumprindo a política de reajuste adotada no contrato, reajustando as prestações em compasso com o PES. Apelação dos mutuários não provida nesse ponto. 11. Alegam, os mutuários, que o seguro teria sido reajustado erroneamente, porque incorreta a correção procedida em relação às prestações mensais, bem como requereram o direito de trocar a apólice por uma outra que preveja a cobertura pelo MIP, contrariamente do que entendeu a sentença. No respeitante ao seguro, as parcelas a ele referentes, mercê de sua natureza acessória, devem obedecer aos mesmos critérios de reajuste das prestações, de sorte que, não se constatando descumprimento do PES pela CEF, em relação às prestações, a parcela relativa ao seguro não merece revisão. Quanto ao alegado direito de trocar a apólice, não tem sustentação jurídica. É que, segundo a jurisprudência que tem se firmado sobre o assunto, "o valor cobrado a título de seguro habitacional não pode ser comparado com valores cobrados com outros seguros oferecidos pelo mercado, já que o seguro que integra o presente contrato é previsto em Lei e obrigatório, além de possuir coberturas específicas para os contratos de SFH" (TRF5, Quarta Turma, AC nº 376133/PE, Rel. Desembargador Federal Marcelo Navarro, j. em 27.02.2007), bem como "as regras que disciplinam o Sistema Financeiro da Habitação exigem o pagamento de seguro sob determinadas condições, adotando-se um contrato-padrão. Não fica ao livre critério do Agente Financeiro exigir ou não o aludido pagamento. A parte firmou, livremente, o mútuo, não demonstrando que tenha havido qualquer vício de vontade" (TRF5, Primeira Turma, AC 403692/PE, Rel. Des. Federal Francisco Wildo, j. em 22.03.2007). Não provimento da apelação dos mutuários nesse tocante. 12. A sentença entendeu pela legitimidade da cobrança do CES. Os autores pugnam pela ilegalidade de sua cobrança. O CES - Coeficiente de Equiparação Salarial, instituído pela Resolução nº 36/69, do extinto BNH, e referido no art. 8o, da Lei nº 8.692/93, não deve ter a sua aplicação mantida, in casu, por não estar expressamente previsto no contrato. Precedente do STJ: "Não havendo previsão contratual não há como determinar aplicação do CES - Coeficiente de Equiparação Salarial, presente a circunstância de ser o contrato anterior à lei que o criou" (Terceira Turma, RESP 703907/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. em 15.08.2006). Apelação dos mutuários a que se dá provimento, nesse tocante. 13. A sentença determinou a exclusão do anatocismo, uma vez verificada a amortização negativa. A CEF alega a inocorrência de juros capitalizados nesse sistema. Caracterizada, in casu, a injurídica incidência de juros sobre juros, tanto em razão da amortização negativa, quanto pelo fato de que as prestações vencidas, não pagas, serão incorporadas ao saldo devedor, para nova incidência de juros, quando já são constituídas de uma parte de juros e outra de amortização. "A jurisprudência dos tribunais pátrios vem firmando o entendimento de que há capitalização dos juros na forma utilizada pela Tabela Price para amortização das prestações. 'A capitalização dos juros é proibida (Súmula 121/STJ), somente aceitável quando expressamente permitida em lei (Súmula 93/STJ), o que não acontece no SFH'. Precedente do STJ" (TRF5, Primeira Turma, AC nº 400982/CE, Rel. Des. Federal Francisco Wildo, j. em 14.12.2006). Apelação da CEF/EMGEA não provida. 14. Os mutuários postularam a limitação dos juros contratuais aos nominais. Juros nominais correspondem à taxa de juros contratada numa determinada operação financeira (encontrada, a sua expressão mensal, a partir da divisão do percentual por 12, ou seja, pelo número de meses do ano), e juros efetivos, à taxa de rendimento que a operação financeira proporciona efetivamente (já que a incidência de juros em cada mês acarreta percentual, no final do ano, não coincidente com a taxa nominal). A existência das taxas nominal e efetiva deriva da própria mecânica da matemática financeira. De se observar que a taxa nominal é fixada para um período de um ano, ao passo que a freqüência da amortização é mensal (períodos diferentes, portanto). A ré estaria a agir ilegitimamente se omitisse o percentual da taxa de juros efetiva, o que não ocorreu. As duas espécies restaram expressamente consignadas no instrumento contratual, sendo definidas em 10,0% (nominal) e 10,472% (efetiva), estando, a última, acima do limite de 10% estabelecido pela Lei nº 4.380/64, vigorante, quanto a esse limite, até o advento da Lei nº 8.692/93, que, em seu art. 25, estabeleceu o teto de 12%. (o contrato é de 25.05.1988). Logo, o percentual deverá ser reduzido para 10%. Apelação dos mutuários a que se dá parcial provimento nesse aspecto. 15. A sentença entendeu correto o procedimento da CEF na aplicação do IPC, do mês de março/90, nos reajustes do saldo devedor dos contratos de financiamento da casa própria. Os mutuários pugnam pelo afastamento do IPC. "Está pacificado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, em definitivo, por maioria absoluta, o entendimento de que o índice aplicável ao reajuste do saldo devedor dos contratos de financiamento habitacional, relativamente ao mês de março de 1990, é de 84,32%, consoante variação do IPC" (STJ, Corte Especial, AgRg nos EREsp 684466/DF, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 15.08.2007). Apelação dos mutuários não provida nesse tocante. 16. Os mutuários pediram fosse invalidada a cláusula que determina a perda do imóvel, caso terminado o prazo do contrato, havendo saldo residual, ainda que regularmente quitadas todas as prestações, a chamada "cláusula de resíduo". O pedido merece acolhimento. Considerada a natureza jurídica do contrato de mútuo, os mutuários possuem o direito subjetivo de ver extinta a sua dívida, uma vez adimplidas as prestações periódicas e contínuas ajustadas. O próprio sistema price caracteriza-se como mecanismo de cálculo que permite ao calculante estabelecer o número de prestações, nas quais poder-se-ia dividir o débito, para que seja alcançado, ao final do parcelamento ajustado, o integral pagamento da dívida, com a conseqüente desobrigação do mutuário. A lógica da regra, assim, envolve amortizações constantes pelo pagamento das prestações mensais, que se dirigem a saldar os juros e a dívida principal, com liquidação do empréstimo ao fim de um período pré-definido. Se distorções existem em relação à realização da sistemática da tabela price, elas não podem ser imputadas aos mutuários, que simplesmente assinam um contrato de adesão. Considerando que os mutuários têm sua capacidade de pagar definida pelo valor dos salários que percebem, salários que não progridem mensalmente segundo índices financeiros, não há como se exigir dos mutuários capacidade de solver um montante que, seguindo as cadernetas de poupança, se expande em maior velocidade e proporção que os salários. A cláusula de resíduo não evita a exacerbação das prestações, mas apenas transfere a exacerbação - não autorizada pela regra da equivalência salarial - ao saldo devedor, sem que os mutuários tenham compreensão desse deslocamento. A cláusula de resíduo, da forma como atualmente evolui o saldo devedor, transforma mesmo o contrato de mútuo/compra e venda em contrato de aluguel perpétuo, haja vista que, não tendo os mutuários como saldar o débito residual, perderão o imóvel que acreditavam estar adquirindo a cada prestação adimplida. Considerando a finalidade do contrato de mútuo, que consiste na transferência da propriedade do bem imóvel aos mutuários, restaria, o referido tipo contratual, descaracterizado diante da insolvabilidade crescente imputada ao prestamista, insolvência que implicará na não transferência da propriedade da coisa fungível. Precedentes desta Corte Regional. Pelo provimento da apelação dos mutuários, nessa parte, para invalidar a cláusula 18a e determinar que, uma vez pagas as prestações mensais regulares, seja considerado quitado o financiamento. 17. A sentença não acatou o pedido de devolução de valores que teriam sido pagos a maior à instituição financeira. Os mutuários insistem, requerendo a repetição de indébito. Não há como se autorizar a devolução de valores, estando o contrato em curso e com várias prestações em aberto. O montante pago a maior deve ser dirigido à quitação das prestações em atraso, se houver, e, se ainda assim houver sobra, ao pagamento das prestações vincendas e à amortização do saldo devedor, nessa ordem, não havendo que se falar em restituição. Não provimento da apelação dos mutuários, nesse tocante. 18. Apelação da CEF/EMGEA não provida. 19. Apelação dos mutuários parcialmente provida, na parte conhecida. (PROCESSO: 200783000202284, AC452579/PE, DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO CAVALCANTI, Primeira Turma, JULGAMENTO: 30/10/2008, PUBLICAÇÃO: DJ 18/12/2008 - Página 481)

Data do Julgamento : 30/10/2008
Classe/Assunto : Apelação Civel - AC452579/PE
Órgão Julgador : Primeira Turma
Relator(a) : Desembargador Federal Francisco Cavalcanti
Comarca : Tribunal Regional Federal - 5ª Região
Código do documento : 175888
PublicaÇÕes : Diário da Justiça (DJ) - 18/12/2008 - Página 481
DecisÃo : UNÂNIME
Veja tambÉm : AC 402156/PB (TRF5)RESP 838372/RS (STJ)AC 376133/PE (TRF5)AC 403692/PE (TRF5)RESP 703907/SP (STJ)AC 400982/CE (TRF5)
ReferÊncias legislativas : CPC-73 Código de Processo Civil LEG-FED LEI-5869 ANO-1973 ART-21 ART-454 ART-456 LEG-FED LEI-8692 ANO-1993 ART-8 ART-25 LEG-FED SUM-121 (STJ) LEG-FED SUM-93 (STJ) LEG-FED LEI-4380 ANO-1964 LEG-FED RES-36 ANO-1969 (BNH) LEG-FED LEI-8177 ANO-1991 LEG-FED DEL-2164 ANO-1984 LEG-FED SUM-295 (STJ) LEG-FED SUM-168 (STJ) LEG-FED SUM-514 (STF)
Votantes : Desembargador Federal José Maria Lucena Desembargador Federal Francisco Cavalcanti Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira
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