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Jurisprudência


TRF5 2008.83.00.005691-0 200883000056910

Ementa
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DA COROA GRANDE/PE. CONVÊNIO COM O MINISTÉRIO DA CULTURA. RECURSOS PARA AQUISIÇÃO DE LIVROS, MOBILIÁRIOS E EQUIPAMENTOS PARA BIBLIOTECA MUNICIPAL. ATRASO NA PRESTAÇÃO DE CONTAS. INEXECUÇÃO DO OBJETO LICITADO. LIBERAÇÃO DE VERBA SEM OBSERVÂNCIA DAS REGRAS LICITATÓRIAS. EXCLUSÃO DAS SANÇÕES DE SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS E DE PROIBIÇÃO DE CONTRATAR COM O PODER PÚBLICO. REDUÇÃO DA MULTA CIVIL. PROVIMENTO PARCIAL DA REMESSA OFICIAL E DA APELAÇÃO DO RÉU. - Cuida-se de apelação interposta por QUIRINO FÁBIO DE CARVALHO contra sentença parcialmente procedente que o condenou, em sede de ação civil pública de improbidade administrativa promovida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, às sanções de ressarcimento integral do valor do Convênio nº 61/99-SLL, de suspensão dos direitos políticos e de proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios pelo prazo de 6 (seis) anos e multa civil no montante de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), em decorrência da prática de ato ímprobo descrito no art. 11, caput e VI, da Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa). - Assevera o réu condenado, em seu apelo hospedado às fls. 1288/1292, que prestou, ainda que extemporaneamente, as contas do convênio em tela, não podendo, neste sentido, ser responsabilidade pela prática dolosa de ato ímprobo. Sustenta, outrossim, que inexiste prova de que as verbas foram aplicadas de forma irregular, na medida em que não houve auditoria a aquilatar a escrituração e as demonstrações contábeis do período e o registro patrimonial. Complementa, ainda, que não houve superfaturamento, falta de prestação dos serviços, fraude no certame licitatório, desvio de recursos, omissão de caixa, ausência de escrituração contábil e de registro patrimonial e falta de emissão do empenho prévio em conformidade com a Lei 4.320/1964. - A questão devolvida a esta Corte diz respeito à possibilidade de reconhecimento de atos ímprobos relacionados a atraso na prestação de contas, à inexecução do objeto do convênio e à realização de licitação sem observância dos ditames legais, por parte do ex-prefeito do Município de São José da Coroa Grande/PE, de recursos federais no montante de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) recebidos do Ministério da Cultura, em relação ao Convênio nº 61/99-SLL, então celebrado em 11 de agosto de 1999, visando à aquisição de acervo bibliográfico, de mobiliário, de equipamentos destinados à implantação da biblioteca pública na sede da municipalidade. - Narra o Ministério Público Federal, na peça inaugural, que, para a efetivação do convênio em tela, foi realizada licitação na modalidade convite, tendo se sagrado como vencedora a empresa Edson Bezerra da Silva Representações Caruaru - ME. - Na espécie em apreço, o juízo sentenciante, em princípio, equiparou o atraso por um ano da entrega da prestação de contas com elementos insuficientes para a análise da regularidade de utilização de recursos à ausência dela, condenando o recorrente pela prática de improbidade administrativa capitulada no art. 11, inciso VI, da Lei 8.429/1992. - No mérito, é de bom alvitre realçar que, a despeito da dicção delineada no art. 11 da Lei nº 8.429/92, não há margem para imputar ao agente público a prática de ato acoimado de improbidade administrativa, quando ausente o elemento da desonestidade, podendo, assim, o ato hostilizado revestir-se de ilegalidade, mas não apresentar a nota da desonestidade e, em última instância, da improbidade. A ação de improbidade administrativa deve se calcar em elementos reveladores da presença de conduta ímproba do agente público. Isto porque, em sua órbita, não se admitem condenações amparadas em meras suposições ou especulações sem respaldo probante, tal como se mostra vedado na esfera penal. Exige-se, para detectar a prática de ato ímprobo, a comprovação da existência de laivo de desonestidade e de imoralidade, não bastando tão somente a perpetração de comportamentos ilícitos ou ilegais. - Advoga o réu apelante a sua ausência de responsabilidade político-administrativo, na medida em que, embora com atraso, apresentou a oportuna prestação de contas do convênio em questão. Raciocina, portanto, que a mera insuficiência de prestação de contas não caracteriza o ato ímprobo descrito no art. 11, inciso VI, da Lei 8.429/1992, por não se encontrar presente o elemento subjetivo da desonestidade e da má-fé do agente. - É certo que a simples irregularidade na prestação de contas não configura o ato de improbidade administrativa estampado no inciso VI do art. 11 da Lei 8.429/1992, não se podendo equiparar com a própria omissão, sob pena de ofender a tipicidade própria da conduta ímproba. Nesta linha de ideia, o atraso na entrega da prestação de contas, ainda que com dados e informações incompletas, representa mera irregularidade, em razão de não se afigurar presente o elemento subjetivo da desonestidade e da má-fé do agente (AC 594535, 3ª Turma, Rel. Des. (Conv.) Sérgio Murilo Wanderley Queiroga, j. 03/08/2017, DJE 09/08/2017; AC 590544, 4ª Turma, Rel. Des. Rubens de Mendonça Canuto, j. 24/10/2017, DJE 27/10/2017). Assim, o réu deve ser absolvido da imputação do art. 11, inciso VI, da Lei 8.429/1992, já que não deixou de prestar as contas do convênio objeto dos autos. - No tocante à inexecução do objeto convenial, a fiscalização desencadeada por auditores do Ministério da Cultura não encontrou um único livro que teria sido supostamente adquirido com recursos provenientes do convênio em cotejo, embora tenha havido a liberação integral da verba no valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), porquanto todos sem exceção que lá existiam no espaço localizado na própria sede da Secretaria Municipal de Educação, sem ventilação e com vários objetos empilhados nos cantos, continham carimbos de doação. Além disso, também não se localizou mobiliários que teriam sido adquiridos com os mesmos recursos do convênio em questão, tais como, máquina de escrever com respectiva mesa de suporte, 2 (dois) balcões para empréstimos, 2 (dois) arquivos para pastas suspensas, 2 cadeiras e 20 (vinte) bibliocantos em aço. Neste sentido, fica difícil afirmar que houve execução, ao menos, parcial do convênio, sobretudo quando a responsável pela biblioteca, a Sra. Valéria Maria da Silva Santos chegou a declarar que desconhecia novas aquisições e que um arquivo para fichário com duas gavetas existente, já bastante deteriorado, foi adquirido antes do ano 1999. Daí porque descabe se cogitar, naturalmente de superfaturamento, consoante argumenta o apelante para se eximir da responsabilidade político-administrativa. - É evidente que, para se demonstrar a inexecução convenial, desnecessária a realização de auditoria com a finalidade de perscrutar a escrituração e as demonstrações contábeis do período e o registro patrimonial, como alega o recorrente. Neste caso em particular, a constatação física da inexistência dos bens (livros e mobiliários) que deveriam ter sido adquiridos basta para comprovar a inexecução, malgrado tenha havido a liberação integral dos recursos, caracterizando, pois, a prática da conduta do art. 10, inciso XI, da Lei 8.429/1992. - A licitação ocorreu sem observância dos ditames legais, amoldando-se à conduta ímproba descrita no art. 10, inciso VIII, da Lei 8.429/1992, uma vez que foram verificadas as seguintes ilicitudes basilares no universo licitatório: a) falta de especificação no edital do certame licitatório dos títulos bibliográficos e dos mobiliários e equipamentos a serem adquiridos; b) ausência de referência a registro de preços; c) falta de idoneidade da documentação fiscal do fornecedor; d) inexistência de comprovante de recebimento dos itens supostamente adquiridos. O réu Benedito Soares da Silva, procurador da empresa Edson Bezerra da Silva Representação Caruaru - ME, vencedora da licitação em comento, afirmou, em seu depoimento pessoal (fl. 1173), que o seu contato era sempre direto com o então prefeito QUIRINO CARVALHO, ostentando a sua plena e inequívoca ciência dos atos que se passavam na edilidade em relação ao convênio objeto dos autos. - Sem falar que restou devidamente provado, com base apenas no acervo documental acostado aos autos, que todo o procedimento licitatório durou apenas um único dia (18 de agosto de 1999), desde a abertura, o convite às empresas, a elaboração e entrega das propostas, a habilitação, o julgamento das propostas, a homologação e a adjudicação do objeto licitado. Isso bem revela a existência de fraude no certame licitatório, complementado com a declaração prestada pela ré Adriana Barbosa Santos, ouvida na instrução processual (fl. 1173) de que não participou da licitação em questão. - Em que pese ter sido rechaçada como ato de improbidade administrativa somente a imputação do art. 11, inciso VI, da Lei 8.429/1992, é forçoso reconhecer que houve aplicação excessiva das penalidades impostas na sentença atacada, sobretudo em virtude de o montante dos recursos conveniados alcançar a quantia de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) e pela falta de comprovação do enriquecimento ilícito, sendo razoável apenas o ressarcimento ao erário no montante global disponibilizado e a incidência da multa civil no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). - Dispõe o art. 12, caput, da Lei 8.429/92, com a dicção conferida pela Lei 12.120/2009, que: "Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009)." Tal dispositivo, em verdade, sedimenta posição que já era cristalizada na jurisprudência dos tribunais pátrios, não havendo, portanto, qualquer óbice à sua aplicação a fatos anteriores à sua entrada em vigor. - A aplicação das penalidades descritas no art. 12 da Lei 8.429/92 deve atender aos critérios de proporcionalidade e de razoabilidade. Na ótica da proporcionalidade, um dos primeiros parâmetros a observar consiste na adequação da penalidade à situação concreta do acusado da prática de improbidade administrativa. Em seguida, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito das penas em relação às condutas perpetradas hão de ser aferidas. Por fim, já no universo da razoabilidade, se as penas a sancionar os comportamentos imputados mostram-se absurdas, desarrazoadas, considerando a dimensão do enriquecimento ilícito (art. 9º), do prejuízo ao erário (art. 10) ou mesmo da malferição aos princípios da Administração pública (art. 11). - Na hipótese dos autos, desde logo, observa-se que não há como condenar o recorrente à sanção de suspensão de direitos políticos e de proibição de contratar com o Poder público e ou dele receber quaisquer benefícios ou incentivos pelo prazo de 6 (seis) anos, dada à falta de prova de que continua a exercer atividade política e celebra contratos ou presta serviços à Administração pública. Por outro lado, merecem ser mantidas apenas o ressarcimento ao erário do montante integral e a penalidade da multa civil em valor a ser reduzido para R$ 5.000,00 (cinco mil reais), pois representa aproximada estimativa de possível dano presumido que a Administração pública tenha sofrido com a inexecução do objeto do convênio. - Provimento parcial da remessa oficial e à apelação do réu, para excluir de sua condenação a suspensão dos direitos políticos e a proibição de contratar com o Poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios por 6 (seis) anos e reduzir ainda a multa civil para R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
Decisão
UNÂNIME

Data do Julgamento : 19/12/2017
Data da Publicação : 09/01/2018
Classe/Assunto : APELREEX - Apelação / Reexame Necessário - 32373
Órgão Julgador : Segunda Turma
Relator(a) : Desembargador Federal Carlos Wagner Dias Ferreira
Comarca : TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Tipo : Acórdão
Referência legislativa : LEG-FED LEI-12120 ANO-2009 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED LEI-4320 ANO-1964 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED LEI-8429 ANO-1992 ART-11 (CAPUT) INC-6 ART-9 INC-11 ART-10 INC-11 INC-8 ART-12 (CAPUT)
Fonte da publicação : DJE - Data::09/01/2018 - Página::22
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