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Jurisprudência


TRF5 2008.83.00.008377-9 200883000083779

Ementa
Penal e Processual Penal. Apelações criminais de sentença, f. 835-846, que, nos termos art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal, julgou improcedente a pretensão punitiva e absolveu a acusada da prática de crime contra Ordem Tributária, previsto no art. 1ª, inc. I, e parágrafo único, da Lei 8.137, de 1990, com arrimo na inexistência de prova suficiente para a condenação, sendo este fundamento o objeto do inconformismo dos recursos. O cenário posto nos autos está completo, na insurgência à sentença absolutória, voltando-se o Parquet a requerer a condenação da acusada, em desfavor da qual se erige a prova dos autos, quanto à materialidade e à autoria delitivas. Quanto à materialidade, compreende a Ação Penal caderno processual satisfatório, de provas a demonstrar a materialidade do crime. A sonegação tributária foi apurada no âmbito do Procedimento Administrativo-Fiscal n° 19647.007266/2007-91, nos autos em apenso, que lastreia a Representação Fiscal para Fins Penais, às f. 6-13, idem. Verificou-se, assim, que, no exercício de 2003, a empresa Infoseg Consultoria e Investigação de Seguros Ltda., embora tenha auferido rendimentos tributáveis, deixou de enviar declarações de contribuições e tributos federais, sem que houvesse pagamento de valor a título de imposto ou de contribuições federais, no ano de 2002. A omissão das informações à Receita Federal do Brasil abriu-se o caminho para a efetiva supressão de tributos federais - Imposto de Renda Pessoa Jurídica [IRPJ], Contribuição Social sobre o Lucro Líquido [CSLL], contribuição para o Programa de Integração Social [PIS] e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social [COFINS]. Apontam os elementos para a situação da acusada à frente da empresa, como sócia e representante legal, como se infere do seguinte excerto da r. sentença, f. 838-839: Da prova documental, restou evidenciado que: 1) a ré efetivamente era uma das sócias da empresa Infoseg, representando-a, inclusive, consoante se infere da petição de fls. 51/52 do apenso, da procuração de fls. 55 do apenso e de outros documentos que assim a identificam. Aliás, a condição de sócia foi admitida pela própria ré ao ser interrogada em juízo (DVD de fls. 770); 2) a empresa Infoseg, apesar de movimentar quantias em conta bancária (fls. 67/78 do apenso), não declarou tais valores às autoridades fazendárias, não tendo apresentado DIPJ e DCTF, tampouco recolhido os tributos federais correlatos (IRPJ, CSLL, PIS e COFINS) em valores de R$ 162.819,78, conforme se infere das fls. 01/08 do apenso e demais documentos que compõem os autos. À margem de qualquer dúvida, o caderno processual é contundente. Mostra que a acusada administrava a pessoa jurídica indigitada, objeto da fiscalização pelo órgão fazendário e sonegadora de tributos federais. A autoria do crime, nessa perspectiva, igualmente, põe-se na análise precisa dos elementos tangidos aos autos, posto ao crivo do contraditório e da ampla defesa. A despeito do entendimento da r. sentença, o nome da acusada não apenas ilustrava formalmente o contrato social da empresa Infoseg. No contrato social, cf. cópia às 117-118 - numeração do MPF, autos em apenso, estampa-se a condição de ser a acusada sócia da empresa, detentora de 95% do capital social, com poderes de gerência, administração e representação legal ativa e passiva da sociedade, f. 117v. Anote-se, nesse passo, por esclarecimento, que tanto a petição de f. 56-57, idem, dirigida ao Chefe do Serviço de Fiscalização da Receita Federal do Brasil, em Recife, subscrita por dois advogados, quanto a procuração de f. 64, registram o nome da acusada como sendo representante da empresa Infoseg. Na súmula da discussão, na declaração simplificada da pessoa jurídica inativa de 2006, no campo Dados do Representante da Pessoa Jurídica, f. 98, idem, igualmente apenas consta o nome da acusada. Portanto, as declarações prestadas pela acusada, quando interrogada em juízo, e, igualmente, aquela feita por seu cônjuge, José Otávio de Queiroga Vanderley, sócio minoritário na empresa, quando ouvido na condição de informante, não sombreiam a realidade fática dos autos. Não se abre espaço para se creditar, como válida, a alegação, feita de última hora, de que a efetiva gerência-administrativa da empresa competia ao cunhado da acusada, Vicente Otávio, pessoa arrolada como testemunha, e dispensada pela própria defesa. Tal arguição, apregoada pela ré e pelo informante, apenas na audiência de instrução e julgamento, não vai além da alegação, sem prova capaz de afrontar ou destituir a acusação, ou, na tese de negativa de autoria, que pudesse retirar ou afastar da acusada a responsabilidade tributária. O intento é único, de transferir a outrem a responsabilidade pela efetiva administração da empresa. Menor crédito pode sustentar essa simples alegação, pois deixou a defesa de juntar aos autos documento procuratório no qual se assente a outorga de poderes a Vicente Otávio. Intenta-se, sem êxito, atribuir a outrem a responsabilidade tributária, não havendo como legitimar o comportamento omissivo da acusada perante as autoridades fazendárias. Cuidando-se de crime contra a Ordem Tributária, o autor do ilícito é quem comanda a empresa, pela administração, e na mesma exerce o poder de mando, de decisão; essa pessoa determina o que pode acontecer, inclusive, a evitar a prática do ato que configura o tipo penal. Consoante a teoria do domínio do fato, a conduta é atribuída ao sujeito ativo, o verdadeiro administrador, sócio-gerente, que, muitas vezes, ainda sem diretamente executar tal conduta típica, controla a atividade de outrem, em muitos casos, funcionário qualificado, v. g., o contador, que realiza a parte fiscal. Também, a prova testemunhal não acresce elemento concreto para o esclarecimento da atuação da acusada, na condição de administradora da empresa. No geral, nos depoimentos prestados, há discurso coerente e específico sobre o cumprimento das diligências de busca e apreensão na empresa, quando da operação policial, mas sem maior relevância aos fatos narrados na exordial acusatória. Este, o cenário dos autos. Diferentemente do fundamento da r. sentença, o caso não alberga a hipótese em que se configura a regra da responsabilidade objetiva, desvinculada, decerto, do ordenamento jurídico. Com efeito, a conduta da acusada é penalmente típica, encontrando-se nos autos prova material indene de dúvida, a dar conta, de forma inequívoca, da supressão dos tributos devidos. O acolhimento da pretensão do demandante esvazia e prostra a insurgência por absolvição. Apenas por argumento, o inconformismo da defesa mira a definição processual de que se valeu o decisum hostilizado, por ausência de prova suficiente para a condenação. Noutro dizer, requer seja mantida a absolvição da acusada, desta feita não pelo fundamento da r. sentença, nos termos do art. 386, inc. VII, do Código de Penal, mas, sim, por aplicabilidade do inc. III, do referido artigo, pautando-se na assertiva de que o fato não se constitui em ilícito penal, ao argumento único, e infundado, de que a omissão de informações não seria apta a configurar a supressão tributária. Em resposta ao anseio defensivo, reitere-se, a realidade do acervo de prova aponta omissão das informações ao órgão fazendário, no desiderato de fraudar a fiscalização e assim obter vantagem sabidamente indevida, enquadrando-se a conduta, como a mão à luva, ao prescrito no art. 1º, inc. I, da Lei 8.137. A tese da defesa polariza um debate desfocado da realidade probatória, sem força de afastar a procedência do pleito do demandante. A uma, porque a tese defensiva focaliza-se nos aspectos envoltos de regularidade e resultados da operação da Polícia Federal denominada Vassourinha, cuja via processual para análise e julgamento não é esta Ação Penal, de objeto restrito ao ilícito tributário em discussão; a duas, aventa-se uma impossibilidade se exercer plenamente a defesa no procedimento administrativo-fiscal, a tanto para justificar, sem rodeio, a omissão de informações com vista à sonegação. Num caso e noutro, razão alguma a embasa os argumentos defendidos. Nos autos, nenhuma mácula preenche o procedimento adotado pela Receita Federal do Brasil, como se infere, precisamente, das diligências encetadas pelo órgão, a permitir e a possibilitar à ora acusada - representante da empresa - responder pela omissão de informações. Ora, neste ponto, não se sustenta a alegação defensiva de impossibilidade de apresentação da documentação relativa à escrituração da empresa, requisitada no processo administrativo fiscal. A acusada, intimada a tanto, respondeu não ter como apresentar a documentação, pois esta havia sido apreendida pela Polícia Federal, em procedimento criminal (Processo nº 2001.83.00.001904-9), e se encontrava à disposição do Juízo Federal da 4ª Vara da Seção Judiciária de Pernambuco. Em resposta à diligência da Delegacia da Receita Federal, que, dentre outras solicitações, requisitava cópias dos livros relativos à escrituração e/ou documentos de natureza fiscal da empresa investigada, f. 97, dos autos em apenso, a secretaria da Vara Federal assentou que não foram encontrados em nome da Infoseg nenhum livro relativo à escrituração da firma, bem como, documentos de natureza contábil fiscal, tais como notas fiscais, recibos, ou outros. Ainda na perspectiva de enquadramento do agir ilícito imputado à acusada, colhe-se da manifestação do custos legis, f. 829 v.-930: 26. Tendo esse ponto incontroverso por base, ainda que os tributos não tenham sido lançados por causa de indisponibilidade da escrituração, esse fato tão somente determina o "método de arbitramento" para lançamento, o que não foi feito pela apelada. 27. Por certo, Márcia Vilaça de Lira admitiu que era sócia e trabalhava da empresa, porquanto a qualidade de sócia-administradora da apelada está comprovada primeiramente pelo contrato social. 28. É justamente do próprio contrato social que se retira que Márcia Vilaça de Lira detinha 95% do capital social e era a única sócia com poderes de gerência, administração e representação ativa e passiva da sociedade (f. 117-118). Ademais, em conta-corrente da pessoa jurídica mantida no Banco Rural S/A., Márcia Vilaça de Lira também fez consignar a diferença do porcentual do capital social que ambos os sócios detinham. 29. Sua participação ativa na administração se depreende ainda das respostas que enviou ao Fisco como representante social. Corrobora esse entendimento a declaração simplificada da pessoa jurídica inativa de 2006, na qual somente consta o seu nome como representante da pessoa jurídica (f. 98). 30. As alegações da apelada, em juízo, no sentido de que a gerência da empresa ficava a cargo de seu cunhado, Vicente Otávio, não afastam sua responsabilidade. Certamente, a tese jamais fora levantada anteriormente por ninguém no iter processual, ao passo que a própria defesa desistiu da oitiva de Vicente Otávio, tampouco foram juntadas procurações nas quais a apelada a ele outorga poderes. 31. Logo, a defesa não trouxe quaisquer provas de suas alegações suficientes para desconstituir a certeza das provas levantadas pelo MPF. Nesse ponto, o ônus probatório é da defesa: a acusação apresentou provas suficientes de que a apelada era administradora da Infoseg, cabendo a ela trazer eventuais elementos aptos a afastarem essa conclusão. A acusação desincumbiu-se do ônus de constituir provas existência do crime, da materialidade e, também, de autoria, não havendo deslinde outro senão o da procedência da denúncia. A omissão de informações às autoridades fiscais é fato que preenche a seara administrativo-fiscal, e dela se concretizou a efetiva supressão dos tributos federais. O elemento subjetivo revela-se, claramente, na intenção de concretizar a evasão tributária. A ré agiu com pleno conhecimento, imbuída da vontade de auferir vantagem indevida, no momento em que, conscientemente, omitiu informações à Receita Federal. O dolo, pois, reside justamente na sua conduta, de esconder uma realidade que lhe parecia ser favorável, de modo bem nítido, em vista da supressão de tributos e auferir vantagem patrimonial ao burlar o Fisco. Procedência da pretensão da denúncia, para condenar a acusada Márcia Vilaça de Lira, cuja conduta se adéqua, perfeitamente, à descrição do tipo penal do art. 1º, inc. I, da Lei 8.137. Quanto à dosimetria da pena, o Ministério Público Federal assevera que o crime foi praticado em concurso formal e em concurso material, bem como ser possível a aplicação da causa de aumento do art. 12, inc. I, da Lei 8.137. A pretensão, como se observa, não encontra guarida. O concurso formal pressupõe ação única, que resulta em mais de um crime. No caso, a omissão de informações tributárias relevantes tem periodicidade diante da apuração anual dos tributos, que se verificou no exercício de 2003, na obrigação da ré de apresentar à Receita Federal a declaração de rendimentos da pessoa jurídica. Descabe falar, pois, em concurso formal de crime em razão, apenas, dos resultados múltiplos da conduta em relação a diversos tributos (IR, PIS, COFINS e CSLL). De igual modo, cuidando-se de crime único, afasta-se a hipótese de concurso material. Em relação à pena pecuniária, o demandante apenas remete o postulado ao texto da lei, sem trazer elemento significativo que, concretamente, indique a atual situação econômica da ré, a motivar a eficácia de eventual aumento da pena de multa. Não acomoda o caso a aplicabilidade causa de aumento do art. 12, inc. I, da aludida Lei 8.137. Para a aferição da gravidade do dano ao erário público, há que se considerar elevado o montante do valor objeto da sonegação fiscal, tomando-se como parâmetro a quantia superior a um milhão de reais, quantum expressivo e de razoabilidade, diante do elevado valor estabelecido para os débitos federais, superiores a dez milhões de reais, na Portaria PGFN 320, de 2008, na qual a Procuradoria Regional da Fazenda Nacional qualifica o chamado Projeto Grandes Devedores (Progran). O valor histórico principal dos tributos sonegados foi de R$ 49.393,03 (quarenta e nove mil, trezentos e noventa e três reais e três centavos), o qual, acrescidos de juros de mora e multa, totalizou R$ 162.819,78 (cento e sessenta e dois mil, oitocentos e dezenove reais e setenta e oito centavos). Na análise das circunstâncias judiciais, em obediência aos critérios estabelecidos no art. 59, do Código Penal, a pena-base deve ser adequada aos parâmetros da razoabilidade e da proporcionalidade, no quanto necessária para a reprovação e prevenção do crime. Na primeira fase, é desfavorável, apenas, a análise da circunstância relativa à culpabilidade, em grau médio; as demais circunstâncias consideradas são inerentes à conduta praticada, ou não podem ser sopesadas em desfavor da ré. Assim, considerando a reprimenda prevista em abstrato para o crime do art. 1º, inc. I, idem, fixa-se a pena-base em dois anos e três meses de reclusão. Inexiste circunstância legal agravante ou atenuante, causa de aumento ou de diminuição, razão pela qual a pena provisória se torna definitiva, no quantum mencionado, a ser cumprida inicialmente no regime aberto. Substituição da pena corporal por duas penas restritivas de direito, a serem definidas pelo juízo da execução Fixa-se a pena pecuniária de cinquenta dias-multa, cada um no valor de um trinta avos do valor do salário-mínimo vigente à época do fato, devendo o valor ser monetariamente atualizado, quando da execução. Condenação da ré ao pagamento das custas processuais Parcial provimento ao recurso do demandante e improvimento ao da defesa.
Decisão
UNÂNIME

Data do Julgamento : 15/01/2019
Data da Publicação : 25/01/2019
Classe/Assunto : ACR - Apelação Criminal - 14502
Órgão Julgador : Segunda Turma
Relator(a) : Desembargador Federal Vladimir Carvalho
Comarca : TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Tipo : Acórdão
Referência legislativa : ***** CP-40 Codigo Penal LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-60 ART-70 ART-59 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED LEI-8137 ANO-1990 ART-1 INC-1 PAR-ÚNICO ART-12 INC-1 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ***** CPP-41 Codigo de Processo Penal LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-386 INC-7 INC-3
Fonte da publicação : DJE - Data::25/01/2019 - Página::105
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